1. O recente acordo entre o PS e o PSD acerca da descentralização, na parte em que prevê uma "2ª fase da descentralização" e a instituição de uma comissão independente para estudar e fazer propostas sobre um nível de administração territorial "subnacional", fez surgir de novo a especulação sobre a intenção de fazer ressurgir o projeto de regionalização, congelado há vinte anos, desde o referendo que a rejeitou.
Mas é evidente que, apesar de fazer parte do modelo de Estado unitário descentralizado previsto na CRP desde 1976, a instituição das "regiões administrativas" (para as distinguir das regiões autónomas dos Açores e da Madeira) está obrigatoriamente dependente, desde a revisão constitucional de 1997, de um referendo (único referendo obrigatório na Constituição). E é manifesto que não está na agenda política nem mudar a Constituição, para afastar a necessidade de referendo, nem convocar um novo referendo, sendo improvável que o processo possa ser retomado enquanto houver dúvidas sérias sobre o êxito de um novo referendo.
2. O que não foi devidamente notado foi o facto de o referido acordo sepultar definitivamente as duas propostas do PS para esta legislatura, de criar efetivamente um nível de administração territorial subnacional e transmunicipal dotado de legitimidade eleitoral própria ou derivada, através da transformação das atuais "áreas metropolitanas" de Lisboa e do Porto em autarquias metropolitanas, dotadas de atribuições próprias e de órgãos diretamente eleitos, e através da eleição, embora indireta, das direções das atuais cinco áreas de administração regional do Estado (CCDRs).
Embora sem retomarem o processo de regionalização, as primeiras seriam verdadeiras autarquias regionais, ou seja, um nível de descentralização territorial entre os municípios e o Estado. E as segundas, embora mantendo-se como expressão de desconcentração da administração territorial do Estado, sem atribuições próprias, este perderia, porém, o seu comando, visto que a sua direção passaria a ser eleita pelas autarquias locais da sua área territorial, tornando-se um híbrido de entidades regionais do Estado com gestão entregue às autarquias locais (uma espécie de "regionalização delegada"). A primeira proposta já tinha sido abandonada (AQUI); a segunda morre também agora, com este acordo com o PSD.
3. É desnecessário dizer que a regionalização do Continente, através da criação de autarquias regionais entre o Estado e os municípios, continua prevista na Constituição e não pode ser um tabu político.
Todavia, para a retoma do projeto de regionalização vir a ter um mínimo de viabilidade, precisa de provar concludentemente que não vai implicar nem a criação de mais centros de poder territorial, nem mais despesa pública, e que vai trazer inequívocas mais-valias em termos de proximidade, responsabilidade e eficiência do poder público.
Nesta perspetiva, as hipotéticas autarquias regionais deveriam corresponder às atuais circunscrições das CCDRs e das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que seriam autarquias regionais de per si. De facto, não faz sentido, nas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto acrescentar mais dois níveis autárquicos (autarquia metropolitana e autarquia regional) aos dois já existentes (freguesias e municípios), o que daria quatro níveis de administração infranacional!
4. Na recente discussão sobre a proposta de criação das autarquias metropolitanas de Lisboa e do Porto, entretanto abandonada, um dos argumentos contrários resultou da prevista eleição semidireta do presidente da junta regional, que seria o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia metropolitana, à imagem do que hoje sucede nas freguesias.
De facto, pode considerar-se que essa solução multiplicaria os perigos da atual hiperpresidencializição do poder local, que aliás seria potenciada pela maior escala territorial. Sucede, porém, que a CRP, na versão da revisão de 1997, só admite como alternativa a eleição direta da própria junta regional, sendo presidente o primeiro nome da lista vencedora, como hoje sucede nos municípios, o que seria uma solução ainda pior, em termos de personalização e presidencialização do poder regional.
5. Um dos argumentos recorrentes contra a instituição das regiões consiste em acusá-las de falta de identidade territorial e de tradição na história da nossa organização administrativa. O próprio nome puramente descritivo de "região administrativa" seria prova disso.
Por isso, há muito defendo que as futuras autarquias regionais deveriam adotar o nome tradicional de "províncias", bem como as designações históricos destas, que mantêm um enorme peso etno-cultural, o que já sucede no caso do Alentejo e o Algarve, mas que deveria estender-se às regiões Norte e Centro, que poderiam designar-se por Entre-Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Quando de trata de territórios, os nomes próprios contam.