1. O Presidente da República vetou um diploma da AR que criava despesa pública não prevista na Lei do Orçamento em vigor, o que a Constituição não permite (a chamada "lei-travão"). O argumento constitucional, único usado pelo Presidente, é pertinente (como mostrei AQUI), mas não compete ao PR utilizá-lo para vetar politicamente um diploma submetido a promulgação.
Na verdade, a Constituição distingue claramente o veto político, por objeções de natureza política, e o veto constitucional, por inconstitucionalidade do diploma, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva da constitucionalidade, o que não se verificou.
Por isso, os principais comentadores da Constituição convergem no entendimento de que não se pode invocar argumentos de constitucionalidade no veto político.
Face ao veto político, a AR poderia confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o PR promulgar um diploma inconstitucional, o que é não faz sentido (e o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto por inconstitucionalidade).
2. Na mensagem que acompanha o veto - que se devia limitar a justificá-lo -, o PR sugere que os partidos interessados possam reintroduzir a medida em causa na "orçamento suplementar" em debate na AR.
Sucede, porém, que, a ter em conta o parecer técnico que o Governo enviou à AR sobre os limites do poder dos deputados quanto ao "orçamento suplementar", eles não podem propor aumentos de despesa, pelo que se o fizessem, poderiam pôr em causa a constitucionalidade do próprio diploma...
Adenda
Em relação ao último parágrafo do nº 1, um leitor objeta que a AR também pode confirmar, por maioria de 2/3, os diplomas vetados por inconstitucionalidade, obrigando o PR a promulgar diplomas julgados inconstitucionais pelo TC em fiscalização preventiva.
Mas não é a mesma coisa: para além da substancial diferença de maioria necessária para a confirmação parlamentar (2/3 versus maioria absoluta), há outra diferença ainda mais decisiva: no caso do veto por inconstitucionalidade, a eventual confirmação parlamentar apenas autoriza o PR a promulgar o diploma vetado, mas não o obriga a fazê-lo, ao contrario do que ocorre no caso de veto político. Resta dizer que nunca houve nenhuma confirmação parlamentar de um diploma vetado por inconstitucionalidade.