1. Segundo a Constituição, o orçamento é uma lei anual que autoriza as receitas e despesas do Estado para o ano subsequente. Mas há muito que o orçamento deixou de ser somente isso, tendo sido invadido pelos chamados "cavaleiros orçamentais", ou seja, por normas avulsas sobre as mais variadas matérias, sem nada a ver com o plano financeiro do Estado.
Trata-se, portanto, de instrumentalizar o orçamento para rever ou criar outras leis, à margem do procedimento legislativo normal, constitucionalmente estabelecido - um claro abuso do poder legislativo.
2. Mas há outros "passageiros clandestinos" do orçamento ainda mais censuráveis, como são os preceitos sem natureza legislativa, que impõem a prática de atos políticos ou administrativos e que, por isso, invadem manifestamente os poderes privativos do Governo.
Entre os casos já aprovados na votação do orçamento em curso contam-se os seguintes: (i) a obrigação de contratação de pessoal para o SNS; (ii) a elaboração de uma avaliação estratégica do impacto ambiental do novo aeroporto do Montijo; (iii) o alargamento do horário de funcionamento dos centros de saúde.
Ora, independentemente do (de)mérito político dessas medidas, estas manifestações de "governo de assembleia" constituem uma violação qualificada do princípio constitucional da separação de poderes.
3. Poderá argumentar-se que se trata de "efeitos colaterais" da fragilidade parlamentar dos governos minoritários. Mas isso não pode justificar a subversão da "constituição orçamental" e da "reserva de poder executivo".
Quando é que um Presidente da República decide pôr fim a esta subversão do nosso sistema constitucional de poder e submete o Orçamento a fiscalização preventiva da constitucionalidade?