1. Concordo com a decisão do Governo de submeter o plano de recuperação da TAP, negociado com a UE, a ratificação parlamentar. Se a Constituição não permite à AR avocar decisões de competência governamental, já nada impede que o Governo lhas submeta, sobretudo quando, como é o caso, a decisão vai ter um grande impacto duradouro sobre a economia e as finanças nacionais, que vai perdurar muito para além do mandato do atual Governo.
Importa, por isso, que todos os partidos assumam posição sobre o destino da TAP. A alternativa é: pagar uma fatura elevada pela sua reestruturação (e forte "emagrecimento"), confiando que o plano seja bem-sucedido, ou determinar o encerramento da transportadora, por inviabilidade.
2. Sempre fui muito crítico do controlo político e da gestão empresarial da TAP, assim como da reversão da privatização em 2016 e do regresso do controlo do Estado em 2019. Entendo que a TAP tem custado demasiado dinheiro aos contribuintes nas últimas décadas, pagando a interferência política, a gestão ineficiente da empresa e os privilégios sindicais. E duvido que uma companhia aérea de gestão pública tenha condições de sobrevivência no ambiente concorrencial da UE e da aviação mundial.
Mas também compreendo a falta que pode fazer uma companhia aérea nacional sediada em Lisboa, capaz de assegurar ligações aéreas satisfatórias dentro do território nacional e com a Europa, os PALOP, o Brasil e demais países de forte emigração portuguesa.
Complicada equação política, portanto, aquela que o parlamento vai ser chamado a resolver e que vai pôr à prova todos os partidos da oposição.
3. A equação vai ser especialmente incómoda para a extrema-esquerda parlamentar (BE e PCP), confrontada com o dilema entre, por um lado, seguir o seu nacionalismo económico, e salvar a TAP, ou, por outro lado, ceder à tentação de rejeitar a "ditadura da União" e de recusar despedimentos e redução de regalias laborais (o que consideram inadmisssível em empresas públicas), mesmo que a alternativa seja pior, isto é, o encerramento da empresa.
Para o PSD (e demais direita), o desafio do Governo vem na pior altura, obrigando-o a optar entre apoiar a decisão governamental, em nome do "superior interesse" do País, ou em "tirar o tapete" ao Governo, para lhe criar dificuldades, como fez recentemente na recusa de injeção de capital no Novo Banco, via Fundo de Resolução.
Tudo somado, é de admitir que, por uma razão ou por outra, todos se recusem a aceitar o desafio governamental, através da abstenção, no meio de forte crítica da metodologia e da "inépcia governamental" na condução do dosssiê. E depois, é o habitual: o Governo dirá que a sua decisão foi apoiada pelo parlamento (com os votos do PS...) e as oposições dirão que a não endossaram!...
Adenda
Contrariando a vontade do Ministro da pasta, Pedro Nuno Santos, o Governo descartou a hipótese de submeter o plano de reestruturação a ratificação parlamentar. Terá pesado a consideração de que isso poderia criar problemas políticos indesejáveis. É evidente que, para além das reservas da oposição em geral, o plano só podia suscitar a oposicão do PCP (por causa do seu custo social e por ser uma "imposição" da UE), o qual constitui o principal interlocutor político do Governo na atual legislatura, como se mostrou na votação do orçamento.
Adenda 2
É de estranhar que o PSD, não se querendo comprometer nesse assunto, tenha invocado a "separação de poderes" como obstáculo à ratificação parlamentar do plano governamental (que seria feita a pedido do Governo), quando ainda há pouco, na votação do orçamento, esse partido votou airosamente várias pr0postas que claramente configuram decisões políticas, do foro governamental, alheias ao orçamento e à competência parlamentar, como mostrei AQUI e AQUI.