sábado, 18 de junho de 2022

Este País não tem emenda (29): O aeroporto de Santa Engrácia

1. A admissão do Ministro das Infraestruturas de que no próximo ano o acanhado aeroporto de Lisboa pode ter de recusar voos, por limitação de capacidade, apesar das dezenas de milhões de euros gastos nos últimos anos para ampliar a infraestrutura, vem tornar incontornável um problema que a pandemia escondeu nos dois últimos anos.

Passadas décadas sobre o equacionamento de um novo aeroporto, continuamos sem solução sequer para sua localização: depois do abandono precipitado (e nunca bem explicado) da Ota e do posterior afastamento de Alcochete a favor de Montijo, como solução de recurso (antevisão na imagem), é também esta opção que vem a ser submetida a uma "avaliação de impacto ambiental estratégico" (recolocando Alcochete na liça), cuja demora vai atrasar ainda mais todo o processo de decisão.

A questão do aeroporto revela exemplarmente o atávico défice de planeamento estratégico e de capacidade de decisão política do País.

2. Pior do que o atraso na decisão é que qualquer das localizações em consideração, ambas a sul do Tejo, está longe de ser recomendável, pois, como sempre defendi, não se compreende a lógica de localizar o aeroporto na periferia geográfica da sua potencial procura, que está sobretudo a norte do rio, desprezando a natureza nacional do aeroporto e tornando o acesso mais demorado e mais dispendioso para a maior parte dos seus utentes.

Além disso, se o Montijo não tem condições suficientes para um aeroporto intercontinental e é vulnerável a um arriscado e demorado contencioso ambiental, a nível nacional e da UE, Alcochete envolve o enorme custo adicional dos necessários acessos rodoviário e ferroviário, o que torna a solução muito mais onerosa para o País, em benefício da enorme operação de especulação imobiliária que essa opção desde o início comporta.

Eis como, além do irrecuperável atraso na decisão, o País se deixou encurralar entre duas  alternativas controversas, o que torna a decisão politicamente muito mais árdua, mesmo para um Governo de maioria absoluta.

Adenda
Secundando o Primeiro-Ministro, Pedro Nuno Santos veio reiterar a proposta do Governo ao PSD para um "consenso" tão depresssa quanto possível sobre a localização do novo aeroporto. Além de politicamente sensata, a ideia de corresponsabilizar o líder da oposição na difícil decisão tornará esta menos suscetível de contestação política. Curioso é o facto de nem o PM nem o Ministro terem condicionado o consenso interpartidário ao resultado da tal "avaliação ambiental estratégica", que vai levar o seu tempo...

Adenda 2

Um leitor observa que quem vai decidir a questão são os interesses próprios dos lisboetas e dos franceses da ANA e que uns e outros preferem a solução Portela+Montijo, «independentemente dos interesse gerais do País e das objeções ambientais», até por ser mais rápida e mais barata. Também há mais de um ano eu próprio insinuei a preferência de Lisboa pela solução de «um aeroporto no seu quintal e outro no quintal do vizinho». Porém, para além das evidentes insuficências dessa solução sob o ponto de vista aeroportuário, não vejo como é que ela poderia resistir ao risco de uma prolongada contestação ambiental.

Adenda 3

Comenta um leitor que não está a ver o PSD a dar a mão ao Governo para o ajudar a "descalçar esta bota", em vez de explorar politicamente as dificuldades de António Costa neste dossiê. Entendo que isso depende do estilo de oposição que o novo líder do PSD vá escolher, não esquecendo que foi o contrato de privatização da ANA com a Vinci no Governo de Passos Coelho, em 2012, que delimitou o quadro de opções quanto ao novo aeroporto, pelo que Montenegro não pode "fazer de Pilatos" no assunto...

Adenda 4
Na sua coluna de hoje no DN, o ex-secretário de Estado, José Mendes, defende que para resolver o magno problema habitacional de Lisboa, a opção Alcochete para o aeroporto permitiria construir uma nova cidade junto dele, para descongestionar a capital, com uma "ligação rápida" entre ambas. Tudo com dinheiro privado, argumenta (mas sem contabilizar seguramente o custo da tal "ligação rápida" transtagana entre Lisboa I e Lisboa II, de aquém e além-Tejo, que só poderia ser rodo-ferroviária). Creio que o poderoso lobby financeiro-imobiliário que alimenta a campanha por Alcochete, desde o afastamento da Ota, não tem opinião diferente. Em todo o caso, como sempre, vistos de Lisboa, os problemas do País passam sempre pelos interesses da capital.