quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Terra brasilis (10): Diz-me com quem andas...

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1. Como é próprio dos regimes presidencialistas, as eleições presidenciais brasileiras do próximo domingo não vão escolher somente o chefe do Estado, como entre nós, mas também o chefe do governo, assim como as respetivas opções políticas.

Daí a importância do desenlace do renhido embate entre o presidente cessante, Bolsonaro, que aposta na continuidade das suas políticas, e o ex-presidente Lula da Silva, agora ainda mais moderado do que antes, ou seja, entre uma direita autoritária, nacionalista, securitária e religiosa, e uma esquerda democrática, aberta à cooperação internacional, respeitadora dos direitos das minorias e não-confessional.

A escolha não poderia ser mais nítida.

2. Como se pode ver nesta análise sobre os apoios políticos internacionais de ambos, quanto a atuais ou antigos presidentes e/ou chefes de governo, enquanto Bolsonaro só conta com o apoio comprometedor de Órban (e do ex-presidente dos EUA, Trump, de quem é "discípulo"), Lula da Silva tem o apoio explícito dos presidentes do México, da Colômbia, da Bolívia, da Argentina e do Chile, na América Latina, e de António Costa e Pedro Sánchez na Europa (além de muitos ex-chefes de governo europeus). É uma expressiva diferença de apoios! 

Aliás, estando em causa o que está, não é preciso ser de esquerda para apoiar Lula contra Bolsonaro. Não é por acaso que, desta vez, Lula concorre acompanhado de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo pelo PSDB, e tem o apoio também do antigo presidente Fernando Henriques Cardoso, igualmente do PSDB.

Quanto a mim, que, embora de esquerda, nunca tive particular admiração política por Lula da Silva, não tenho, porém, nenhuma dúvida em declarar que, sendo a alternativa a que é, nesta disputa também sou convicto lulista!

Adenda

O sondagem Datafolha, acabada de publicar (21:10 na hora portuguesa), aumenta ligeiramente a vantagem de Lula, quer quanto ao voto bruto (vantagem de 5pp), quer quanto ao voto válido (vantagem de 6pp), portanto a coberto da margem de erro da sondagem (2pp para cima ou para baixo). Boas notícias, mas a votação é somente no próximo domingo...

Adenda 2
Um leitor pensa que se Bolsonarao perder por pequena margem, como a sondagem indica, vai recusar-se a reconhecer a derrota e impugnar as eleições, como fez Trump, mobilizando as suas hostes (a começar pelos evangélicos) e que, «se conseguir algum apoio nas forças armadas, temos o caldo entornado». Penso, porém, que tal como nos Estados Unidos, no Brasil os militares também não vão meter-se em aventuras; e no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, a eleição presidencial não depende de ratificação do Congresso, mas sim de validação do STE, firmemente comprometido com o processo eleitoral democrático.

Adenda 3
Outro leitor sublinha que outra diferença essencial tem a ver com o apoio de Bolsonaro à continuação da deflorestação da Amazónia para expandir o agronegócio, que aumentou exponencialmente no seu mandato, e o compromissso de Lula de cumprir o acordo de Paris e travar a deflorestação. Portanto, conclui, «não está em causa somente o destino do Brasil, mas sim o do planeta». 100% de acordo: basta ver este impressionante vídeo no site do New York Times!

Outras causas (8): Quando a repressão não resulta

[Fonte da imagem: AQUI]

1. Convirjo nesta análise e proposta da revista liberal britânica, The Economist, sobre a inconsequência da proibição e repressão penal do tráfico de cocaína.
Além dos seus enormes custos em recursos policiais e judiciais e da sua patente falta de resultados - pois a produção e o consumo não têm cessado de crescer, assim como as vítimas -, a "guerra às drogas" é um fator de perturbação social e política nos países produtores, de criação de poderosas redes internacionais de tráfico que recorrem à lavagem maciça de dinheiro e que financiam a corrupção, a violência e a desestabilização política em muitos países. 
De resto, em vez de defender a saúde e a vida dos potenciais consumidores, a clandestinidade do negócio apenas gera mais mortes, por efeito da adulteração da droga.

2. Neste quadro, a via apropriada é a liberalização publicamente controlada da produção, comercialização e consumo da cocaína, utilizando os modelos mais avançados de regulação e restrição do tabaco, incluindo quanto à proibição de publicidade e à elevada tributação da mercadoria, cuja avultada receita fiscal poderia financiar melhor do que hoje a luta contra a adicção e o tratamento dos drogados.
Ainda não existe manifestamente o clima internacional necessário para avançar por aí, o que exigirá o consenso dos principais países produtores e consumidores. Mas a situação presente é dificilmente sustentável durante muito mais tempo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Não com os meus impostos (10): Medidas onerosas e contraproducentes

1. Segundo estes números oficiais, a passagem indiscriminada de consumidores de gás (salvo os grandes consumidores) para o mercado regulado custa 60 milhões de euros ao orçamento de 2023, em perdas de IVA (sem contar com o impacto económico negativo sobre as várias empresas fornecedoras e sobre o respetivo IRC). Por sua vez, a "borla" geral que consiste no desconto do ISP no consumo de combustíveis custa quase 1500 milhões de euros, só em 2022.

Em termos sociais, mais valera desviar a receita correspondente a essa elevada "despesa fiscal" para reduzir mais o défice orçamental e a dívida pública (a fim de melhorar o rating da República e travar a subida dos juros em curso) e para apoiar mais fortemente (por exemplo, através de um "cheque-energia") as pessoas económica e socialmente mais vulneráveis, que são as principais vítimas do surto inflacionista. 

Não vejo porque é que, numa situação de crise, as pessoas com rendimentos mais confortáveis não devem suportar a sua parte nos custos mais elevados da energia que consomem, e revolta-me pensar que os automóveis de alta cilindrada e de elevado consumo que circulam impunemente na autoestrada a 180 ou 200 km/h também beneficiam desse indiscriminado "apoio social" ao combustível que queimam...

2. Além de serem socialmente regressivos - por beneficiarem indiscriminadamente toda a gente, independentemente dos meios económicos -, esses apoios financeiros transversais enviam um sinal errado em várias direções: (i) quanto à necessária poupança de recursos importados a preços elevados (que agravam o défice da balança comercial e o endividamento externo do País), (ii) quanto ao alívio da pressão da inflação (que a redução da procura induziria) e (iii) quanto à redução da emissão de CO2 (por meio da diminuição do consumo de combustíveis fósseis).

Socialmente cegas, quando não o deviam ser, essas medidas também não contribuem em nada para o bem-estar coletivo noutros aspetos.

Adenda
Um leitor pergunta se as empresas que operam somente no mercado liberalizado de gás e que vão perder muitos clientes para as empresas fornecedoras do mercado regulado poderão exigir compensação ao Estado por essas perdas, por efeito de uma intervenção administrativa não prevista nas condições de mercado. Boa pergunta!

Adenda 2 (27/11)
Faz todo o sentido este pedido das empresas do mercado livre do gás, no sentido de poderem aplicar a tarifa regulada, a fim de impedirem a migração em massa dos seus clientes para as empresas que operam no mercado regulado. Mais vale lucrar menos ou mesmo sofrer prejuízo durante algum tempo do que ir à falência por fuga dos clientes.

Adenda 3
Outro leitor objeta que «a procura de combustíveis é insensível aos preços», mas não tem razão, nem quanto aos consumidores domésticos nem para as empresas. Basta notar que na Alemanha, onde os preços do gás mais subiram, por causa da dependência da Rússia, a poupança de gás, quer pelas famílias quer pela indústria é superior a 20%, o que, conjugado com a importação de gás liquefeito de outras origens, ajudou a baixar substancialmente o preço em relação ao pico anterior ao verão. 

Adenda 4
Estou plenamente de acordo com a presidente do BCE, C. Lagarde, hoje,ao anunciar mais uma subida dos juros: «Para limitar o risco de alimentar a inflação, as medidas de apoio orçamental para escudar a economia do impacto dos altos preços da energia devem ser temporárias e direcionadas aos mais vulneráveis». O que manifestamente se opõe às medidas transversais criticadas neste post, que colocam a política orçamental ao arrepio da política monetária do BCE.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Aplauso (26): Contra a mudança da hora

[Fonte: AQUI]

Reitero o meu apoio à proposta - novamente sufragada neste estudo de peritos - de acabar com a mudança cíclica da hora em toda a União, assim como à ideia de cada país adotar como hora permanente aquela que for mais consentânea com o seu natural fuso horário, ou seja, com a hora solar - o que na generalidade dos casos, a começar com Portugal, é a chamada "hora de inverno" (a que vamos regressar no final desta semana). 

Sendo indiscutíveis os inconvenientes da mudança semestral da hora, desde logo pela necessidade de mudar manualmente, duas vezes por ano, todos os relógios e programadores não ligados à Internet, não existe hoje em dia nenhuma razão relevante para o desvio, no verão, da hora solar, que no nosso caso é do fuso horário de Greenwich, onde se encontra o Reino Unido e a Irlanda, e se deveria situar também a Espanha (todavia alinhada, sabe-se lá porquê, com a hora da Europa central, pelo que Vigo tem a mesma hora de Varsóvia...).

Adenda
Comentário de um leitor: «refere, com razão, que a Espanha deveria ter a mesma hora legal que o Reino Unido (...). Mas isso também se aplica à França. De facto, segundo já li, até 1940 a França e o Benelux tinham ambos a hora inglesa. Foram a invasão hitleriana e o filo-germanismo de Francisco Franco quem obrigaram a que a França, o Benelux e a Espanha mudassem todos para a hora alemã». Quanto à França, esta informação pode ser confirmada AQUI.

Adenda 2
Sobre a adenda anterior, outro leitor observa pertinentemente que não se pode pôr no mesmo pé a França e a Espanha, visto que o território francês fica maioritariamente na metade leste do fuso horário de Greenwich, enquanto a segunda fica maioritarimente na metade oeste, o que torna mais artificial a sua hora. Em todo o caso, do meu ponto de vista, mais importante do que a escolha do fuso horário de cada país é a abolição da mudança cíclica da hora.

Guerra na Ucrânia (51): UE paga a conta

1. O tradicional excedente comercial externo da União Europeia (mais valor exportado do que importado) transformou-se este ano num substancial défice da balança comercial de mais de 50 000 milhões de euros (gerando também um défice da balança de pagamentos), sobretudo devido à explosão da fatura de importação de energia (petróleo e gás natural) e ao seu impacto negativo nos custos e na competitividade externa da indústria europeia.

A economia da União paga as "favas" da guerra da Ucrânia e das sanções ocidentais e contrassanções russas.

2. A mais provável consequência desta nova situação comercial deficitária da União vai ser a continuação da desvalorização do euro face ao dólar e outras moedas, o que, se, por um lado, torna mais competitivas as exportações europeias, também vai elevar o preço da energia importada, cotada em dólares, o que, por sua vez, vai estimular a inflação e colocar pressão sobre o BCE para aumentar mais os juros, agravando o custo de endividamento dos Estados e das empresas.

Quando a recessão espreita a economia da União, como os últimos dados indicam, essas não são boas notícias.

Adenda 
Um leitor comenta que «ao aumento do preço das importações de energia há que adicionar o decréscimo das exportações devido às sanções, [nomeadamente] para a Rússia e (cada vez mais) a China. (...) A Europa parece uma metralhadora a dar tiros nos seus próprios pés». Com efeito!...

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Privilégios (9): A exceção dos juízes do TC

1. Ao contrário da interpretação benévola que subjaz a este artigo do Público, o privilégio dos juízes do Tribunal Constitucional, criado em 1989, que consiste em, após cessação de funções, se poderem aposentar com uma pensão equivalente ao seu (elevado) vencimento de juízes conselheiros (e sempre atualizada em função dele) não depende do desempenho do cargo durante dez anos (o que atualmente só seria possível no caso excecional de prorrogação do mandato, por falta de substituição atempada, visto que, desde 1997, o mandato no Palácio Ratton tem a duração de nove anos e não é renovável).

De facto, a lei só exige, em primeira linha, que os interessados tenham completado o seu mandato de nove anos, excluindo, portanto, de tal aposentação quem tenha renunciado ao cargo ou perdido o mandato antes do seu termo. A referência à alternativa aos dez anos de serviço numa lei de 1998 visava assegurar essa prerrogativa mesmo aos juízes nessa altura em funções que não viessem a completar esse mandato, desde que anteriormente tivessem estado em funções o tempo suficiente para perfazer dez anos (pois, até 1997, o mandato, então de seis anos, era renovável).

Por conseguinte, em princípio todos os juízes cessantes do TC que o desejem mantêm a referida prerrogativa, que, portanto, não depende de prorrogação excecional do mandato.

2. Manifesto a minha inteira discordância com este privilégio injustificável, criado em 1989 para atender a uma situação pessoal, o qual, aliás, não tem nada a ver com a antiga "subvenção vitalícia dos titulares de cargos políticos", criada no governo do "bloco central" (1983-85) e extinta na primeira maioria parlamentar absoluta do PS (2005-2009, com José Sócrates), a qual não supunha nenhuma aposentação e cujo valor dependia do tempo de exercício de cargos políticos (incluindo, para este efeito, o cargo de juiz do TC!) e da respetiva remuneração.

Desnecessário se torna dizer que, tendo sido juiz do TC, na sua primeira formação, nunca me passou pela cabeça usufruir de tal privilégio, apesar da sua atratividade financeira. Tinha então 44 anos e desejava retomar a carreira académica - o que fiz.

Compartilho, aliás, da opinião de que tal privilégio lesa o princípio constitucional da igualdade, pelo que não deveria passar no escrutínio do próprio TC, se tal lhe fosse solicitado. Mas penso que deve ser o legislador a pôr fim a esse insólito regime de há mais de três décadas, que não abona a favor do Estado de direito constitucional.

Adenda
Poderia perguntar-se se não será inconstitucional o facto de o Tribunal estar a funcionar com juízes que já terminaram o mandato, por não terem sido substituídos em devido tempo. Sem dívida, considero a situação - que, aliás, já se verificou várias vezes - institucionalmente pouco saudável, mas não a tenho por inconstitucional, dado o princípio da prorogatio do desempenho de cargos públicos, para além do termo do mandato, enquanto não forem designados novos titulares.

sábado, 22 de outubro de 2022

+ Europa (66): A Península vai deixar de ser uma "ilha energética"

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1. Um "efeito colateral" positivo da guerra da Ucrânia sobre a integração europeia tem a ver com a resposta à crise energética e pode revestir uma tripla vertente: (i) apressar a transição energética no que respeita às energias renováveis; (ii) estimular a integração física das redes energéticas dentro da União (rede elétrica e rede de gás); (iii) apressar a instituição de uma política energética integrada.

É nesse contexto que importa valorizar devidamente o acordo entre Espanha, França e Portugal para a instalação não somente de um cabo elétrico submarino no golfo da Biscaia, mas também de um gasoduto submarino entre a Península Ibérica (Barcelona) e a França (Marselha), acompanhado da interligação entre a rede portuguesa e a espanhola (gasoduto Celorico da Beira-Zamora).

Ambos os projetos agora acordados vêm substituir o antigo projeto de interligação através dos Pirenéus, sempre vetado por Paris.

2. Com essas novas ligações a Península Ibérica deixará de ser a "ilha energética" que até agora tem sido, passando a poder reexportar para o centro da Europa tanto o gás natural que hoje importa em condições mais favoráveis como, num futuro próximo, o hidrogénio que a abundante disponibilidade de energia solar lhe poderá permitir produzir com vantagem.

Não faz sentido nenhum a (politicamente ressentida) crítica segundo a qual este acordo é alegadamente menos vantajoso do que o anterior projeto, o que é uma comparação de todo descabida, visto que a travessia dos Pirinéus não estava na equação, por oposição francesa. A única comparação que pode e deve ser feita é entre as novas interligações que agora foram efetivamente acordadas e a continuação indefinida da situação existente, sem nenhuma delas.

Trata-se de um inegável ganho líquido, quer para os dois países ibéricos quer para a União.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O que o Presidente não deve fazer (33): Separação de poderes

1. O que faz a Ministra do Ensino Superior, acompanhada de um secretário de Estado seu, numa audiência do Presidente da República com associações de estudantes do ensino superior, como mostra a imagem junta, retirada do site institucional do PR? Nada, seguramente, que esteja de acordo com o sistema de governo vigente entre nós!

Que o Presidente da República recebe e ouve quem quer da socidade civil, está no seu pleno direito, incluindo a faculdade de transmitir ao Governo as queixas ou reivindicações que lhe chegam. O que não faz nenhum sentido é a participação conjunta dos membros do Governo das áreas respetivas. 

No nosso sistema político, os ministros não respondem politicamente perante o PR, que não lhes pode pedir contas sobre as respetivas políticas governamentais, muito menos confrontá-los diretamente com os destinatários dessas políticas.

2. Por princípio, no nosso sistema constitucional, as relações do Governo com o PR, e vice-versa, são assegurados pelo Primeiro-Ministro, sob pena de equívocos curto-circuitos políticos e de indevida confusão de poderes.  

Por mais lato que seja o entendimento presidencial acerca da sua própria liberdade de opinião sobre as políticas governamentais, seguramente que ele tem de respeitar dois dados essenciais: (i) a exclusiva responsabilidade do Governo pela condução política do País e (ii) a exclusiva responsabilidade do primeiro-ministro na condução do Governo.

Ao organizar reuniões com ministros para tratar diretamente de questões da competência governamental, o Presidente da República corre o risco de pôr em causa esses princípios, obscurecendo a compreensão pública do nosso sistema político-constitucional.

Adenda 
Um leitor nao vê grande mal no caso e sugere que o PR pode ter querido somente "servir de ponte entre os estudantes e a Ministra". Mas não tem razão. Primeiro, o Presidente não deve imiscuir-se nas relações entre os ministros e os grupos de interesse da sua área de jurisdicão política. Segundo, em política, as encenações contam: naquela imagem, o que resulta é que o Presidente surge como entidade tutelar do Governo, o que não tem cabimento. Por último, há o precedente: hoje é a Ministra do Ensino Superior e as associações de estudantes; amanhã, seria a Ministra do Trabalho e as centrais sindicais; a seguir, o MAI e os sindicatos das polícias. Onde iríamos acabar? Tudo isto é politicamente descabido...

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Guerra na Ucrânia (50): Os riscos orçamentais para a UE

1. Segundo este artigo dos presidentes das duas comissões orçamentais do Parlamento Europeu, a UE já se comprometeu, desde o início da guerra, em mais de 7 000 milhões de euros em ajuda financeira à Ucrânia, em empréstimos contraídos em seu benefício.

Como assinalam os autores, este enorme financiamento por meio de endividamento da União suscita dois riscos sérios: (i) o de um eventual incumprimento da Ucrânia, por falta de recursos, e (ii) o do desvio de fundos, dado o consabido elevado nível de corrupção no País. 

Como é evidente, o prolongamento da guerrra e o seu impacto na degradação da situação política e financeira da Ucrânia só agravam ambos os riscos.

2. Ora, para além da manifesta falta de escrutínio da União sobre a utilização desses fundos do lado ucraniano, se a guerra se prolongar, como tudo indica, e a Ucrânia efetivamente não vier a pagar os empréstimos, a União vai ter de arcar com o enorme prejuízo, à custa de «cortes maciços» no financiamento dos seus programas correntes, incluindo os fundos de coesão. 

Eis um problema que aparentemente se tem procurado esconder debaixo do tapete...

Adenda
Supostamente, as pesadas sanções financeiras e comerciais ocidentais à Rússia iriam pôr a economia do país de rastos e vencer a guerra, por exaustão do Kremlin. Passados estes meses, porém, tudo indica que, enquanto a economia russa recuperou da breve contração inicial e está a crescer, são as principais economias ocidentais que, além da inflação, estão a entrar em recessãoUm tiro pela culatra...

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Novo aeroporto (4): Cheira a esturro...

1. Em post anterior chamei a atenção para o abuso de poderes dos bastonários da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Economistas, ao virem defender, como tais, a opção de Alcochete, depois de o dossiê ter sido reaberto pelo Governo, incluindo novas alternativas de localização.

Sucede, porém, que ambos foram nomeados para integrar a Comissão de Acompanhamento, criada pelo Governo para monitorizar o processo de avaliação ambiental estratégica das várias hipóteses em confronto, o que não pode deixar de pressupor um elevado espírito de imparcialidade das entidades públicas que não é suposto serem parte interessada, como as Ordens. Parece óbvio que não deveriam ter sido escolhidos para essa tarefa, pela simples razão de que ninguém pode ser juiz numa causa sobre a qual já tomou posição antecipadamente. Mas, a terem sido indevidamente nomeados, deveriam ter invocado impedimento, por evidente conflito de interesses.

Mas, está visto, a imparcialidade institucional e a ética republicana já não são chão que dê uvas em Portugal.

2. O mais grave, no entanto, é que a flagrante parcialidade, à partida, de dois membros influentes da Comissão de Acompanhamento, até pela autoridade que têm sobre os membros das suas ordens que vão participar no exercício, pode ameaçar a credibilidade de todo o processo.

O Governo não pode correr o risco de ser acusado de aceitar "cartas marcadas" nesse jogo de importância crucial para o futuro do País. Como disse o Primeiro-Ministro, a escolha da melhor opção para o novo aeroporto tem de ficar «blindada de todas as vicissitudes».

Lamentavelmente, porém, as coisas não começam acima de toda a suspeita!

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Novo aeroporto (3): Abuso de poderes

Ao abrigo de que poderes é que as Ordens dos engenheiros e dos economistas decidiram apoiar conjuntamente a opção de Alcochete para o novo aeroporto, quando o Governo, com apoio do PSD, resolveu lançar uma avaliação ambiental estratégica comparativa sobre as várias hipóteses em cima da mesa, incluindo a nova hipótese de Santarém?

Que se saiba, as ordens profissionais servem para representar, regular e disciplinar as respetivas profissões, não constando entre os seus poderes o de se pronunciarem sobre opções que, além da sua componente técnica (ainda em avaliação comparada...), são  de natureza incontornavelmente política. Enquanto cidadãos, os bastonários daquelas ordens têm direito à sua posição política, mas não enquanto bastonários, tentando vincular abusivamente as respetivas corporações.

Torna-se evidente que, ao alinhar à partida com o poderoso lobby imobiliário de Alcochete, os dois bastonários vêm procurar condicionar ilegitimamente os membros das respetivas ordens, nomeadamente os que venham a participar na referida AAE. Jogo pouco limpo, para dizer o menos!... 

Adenda
Um leitor observa que posição das duas Ordens é anterior ao acordo entre Costa e Montenegro sobre o assunto. Todavia, desde antes do verão o Primeiro-Ministro, ao revogar o despacho de Pedro Nuno Santos, já tinha reaberto o dossiê do aeroporto, na busca de um entendimento com o PSD, e também já era público o aparecimento da nova alternativa de Santarém. Portanto, os dois bastonários vieram defender Alcochete ignorando deliberadamente os novos dados e sem conhecerem a nova alternativa...

Adenda 2
Outro leitor corrige o anterior, mostrando que «o evento e reafirmação da tomada de posição [das duas Ordens] por Alcochete foi a 30 de setembro, no dia seguinte à resolução do conselho de ministros onde Pedro Nuno Santos anunciou a inclusão de Santarém [na equação do novo aeroporto]». Confirmei este facto, o que torna a tomada de posição dos dois bastonários uma verdadeira provocação institucional.

Adenda 3
Comentário de outro leitor bem informado:
«O caso dos bastonários das duas ordens é matéria de abuso, para não falar de corrupção política. O bastonário dos economistas é o mesmo ministro que Sócrates utilizou para remover Mário Lino em 2009 [depois da opção por Alcochete]!  (...) Entretanto, recentemente António Mendonça conseguiu fazer-se eleger, por curtíssima margem, para bastonário da Ordem. Na campanha eleitoral Alcochete nunca foi referido, e a atual manifestação é um abuso da própria classe, que devia ser a primeira a optar pela solução menos onerosa! Sobre a Ordem dos Engenheiros pode dizer-se o mesmo. A classe nunca foi consultada, e o bastonário não faz mais do que corresponder às pressões do Eng. Matias Ramos, ex-bastonário, ele próprio um caso condenável de abuso de posição. Depois de ter protagonizado a avaliação em 2007, como presidente do LNEC, em favor de Alcochete, nunca deveria transformar-se depois, como bastonário da Ordem, em porta-voz da opção que preferiu antes de outras surgirem.»
Decididamente, além do abuso de poderes que não têm, os dois bastonários esqueceram-se de que são presidentes de entidades públicas, sujeitas a uma regra essencial: a da isenção política.

Corporativismo (28): Malthusianismo compulsivo

1. Poucas vezes a compulsão protecionista das ordens profissionais se terá revelado de forma tão manifesta entre nós nos últimos anos, como nesta lancinante denúncia pública da Ordem dos Dentistas quanto a um alegado excesso de formação de novos profissionais do setor, provocando o que chama de «saturação do mercado», com o inerente reflexo numa concorrência acrescida e nos honorários.

Na verdade, um dos traços mais evidentes da história das corporações profissionais é a sua luta pela restrição do acesso à respetiva profissão ("malthusianismo" profissional), a fim de reduzir o crescimento da oferta, reservando o mercado aos profissionais estabelecidos, em prejuízo dos utentes. 

2. Ora, como é bom de ver, do ponto de vista dos utentes, o aumento dos dentistas só pode proporcionar mais liberdade de escolha e preços mais mais acessíveis. Por isso, aquilo que a Ordem lamenta é de saudar como bem-vindo sob o ponto de vista dos utentes e da saúde oral em Portugal.

Este episódio serve para mostrar mais uma vez o fundamental conflito entre os interesses corporativos defendidos pelas ordens e os interesses dos respetivos utentes (e o interesse público correspondente). 

Não é por acaso que NENHUMA Ordem instituiu o "provedor dos utentes" que a lei-quadro da ordens profissionais em vigor prevê, justificando que a nova lei em vias de aprovação na AR se proponha tornar essa instituição obrigatória...


Assim vai a política (13): O partido provocador

1. Só pode entender-se como provocação a colocação de nova cartaz de propaganda política pelo Chega na Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, depois de a CML ter retirado todos os que lá se encontravam. 

Num Estado de direito, o modo de contestar uma decisão administrativa alegamente ilegal é a impugnação judicial, como fazem outros partidos.

Mas o Chega prefere a via de facto arruaceira, revelando mais uma vez a sua pulsão para se colocar fora da legalidade democrática e para a provocação rasteira das instituições.

2. É evidente que a CML não pode deixar de retirar imediatamente o novo cartaz, enviando a conta ao partido provocador, sendo de esperar que, desta vez, o cartel partidário que dá pelo nome de CNE não venha a sair em defesa deste desafio primário às instituições democráticas. 

E o Ministério Público: será desta que abre procedimento criminal por apropriação abusiva do domínio público e crime de dano qualificado?

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O que o Presidente não deve fazer (32): Quando o excesso gera "ruído comunicacional"

1. Não tenho nenhuma dúvida de que, no seu infeliz comentário acerca do número de casos de abuso sexual de menores imputados a membros da Igreja, Marcelo Rebelo de Sousa não teve a mínima intenção de relativizar a sua gravidade. O seu consabido humanismo e sentido de justiça não permitem alimentar nenhuma dúvida esse respeito.

Mas também me parece que a incontrolada compulsão comentarística de MRS - que não resiste a um microfone à sua frente - incorre no risco destes deslizes verbais. A economia na externalização de opiniões pessoais e, em especial, a ponderação e a prudência em declarações sobre matérias sensíveis deveriam figurar no topo do "código de conduta comunicacional" autoimposto ao inquilino do Palácio de Belém. Infelizmente, não é assim.

2. Tendo várias vezes apontado nesta coluna essa errada compreensão da magistratura presidencial - que a meu ver deveria ser bem mais contida e discreta, em consonância com a elevada dignidade e imparcialidade do cargo -, não posso deixar de concordar com o sentido destas palavras de Pedro Santana Lopes:

«Gostava de sublinhar aqui a questão, presente nos últimos tempos, da cadência de declarações do Presidente da República. Deve fazer uma reflexão, com ele próprio. Fala muito [e]demais. Houve um período durante o qual se achou graça, eu nunca achei, confesso. O que é que os anteriores Presidentes, nomeadamente os que estão vivos, Cavaco Silva e Ramalho Eanes, pensarão quando veem um Presidente da República a falar tanta vez, em todo o lado, a propósito de tudo. Todos nós sentíamos, pelo menos, que não era costume, mas neste momento considero que, além de não ser costume, prejudica o funcionamento das instituições, do sistema político e da democracia em Portugal. Mais tarde ou mais cedo dava asneira».

MRS precisa de disciplinar a sua prodigalidade mediática, sob pena de repetição de percalços destes.

[Revisto: adicionadas as frases destacadas a amarelo.]

O SNS em questão (23): Falhas de desempenho que exigem correção

1. Não será "a maior parte", mas é público e notório que há muitos diretores de serviço nos hospitais do SNS que não cumprem os horários devidos, sobretudo os que se encontram em acumulação com a clínica privada - uma manifesta situação de conflito de interesses, normalmente resolvido a favor do interesse privado.

De resto, essa situação é acompanhada por uma elevada taxa de absentismo de médicos e outro pessoal em geral, que já era inaceitavelmente elevada antes da pandemia, a que diretores, gestores e Ministério tendem a fechar os olhos.

É percetível que tais situações se agravaram com a redução do horário normal para as 35 horas, o que veio facilitar a acumulação com a clínica privada e facilitar a tentação de preferência pelo setor privado, onde a remuneração depende do desempenho e onde, portanto, o absentismo é efetivamente penalizado.

2. Como tenho defendido muitas vezes,a questão da sustentabilidade política e financeira do SNS depende essencialmente da correção dos fatores da sua atual ineficiência. Não é possível continuar a reforçar continuamente a sua dotação orçamental e a ampliar os seus quadros, sem que haja uma correspondente contrapartida quando aos resultados em cuidados de saúde prestados.

A título exemplar seria, interessante que a nova direção executiva do SNS promovesse um estudo sobre o absentismo e o cumprimento de horários no SNS, relacionando os dados obtidos com o seu desempenho dos serviços.

Mesmo não sendo eu um utente regular do SNS - por ser beneficiário da ADSE -, sou, porém, seu cofinanciador como contribuinte; e o mínimo que um contribuinte deve fazer é preocupar-se com destino dos impostos que paga, tendo direito a que os serviços públicos cuidem da sua eficiente utilização.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Como era de esperar (2): SNS cada vez mais supletivo

1. Sem surpresa, tal como muitas empresas privadas, também as empresas públicas, como a Carris, decidem oferecer seguros de saúde privados aos seus trabalhadores, como complemento remuneratório e como alternativa a maiores subidas de salários. 

Com a generalização dessa prática, o SNS vai progressivamente reduzindo a sua área de cobertura social, ficando de fora os funcionários públicos (ADSE) e os trabalhadores das empresas públicas e privadas com seguros de saúde, que são cada vez mais.

Há, porém uma diferença entre a ADSE e os seguros empresariais, porquanto aquela é uma espécie de mutualidade financiada pelos próprios beneficiários, ao passo que os segundos são pagos pelas empresas. Em qualquer caso, ambos os esquemas reduzem os encargos orçamentais do SNS e a pressão sobre ele.

2. Não deixa de se contraditório que um Estado que está constitucionalmente obrigado a manter e financiar um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, seja o principal protagonista em criar sistemas alternativos de cuidados de saúde para os seus trabalhadores.

Que credibilidade pode ter a noção de universalidade do SNS se na própria esfera do Estado ele se vai tornando cada vez supletivo?

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Ai, o défice (17): Incoerência

1. Além do défice orçamental, que aumenta a dívida pública, há o espectro do défice comercial (mais importações do que exportações), que aumenta o endividamento externo do País. 

Sucede que a subida exponencial das cotações do petróleo e do gás (totalmente importados), em consequência da guerra na Ucrânia e das sanções e contrassanções associadas, aliás agravadas pela desvalorização do euro, tem feito aumentar substancialmente o défice da balança comercial de bens

O enorme aumento do preço dos combustíveis importados implica obviamente uma degradação dos "termos de troca" na relação entre importações e exportações, traduzida na transferência de rendimento dos países importadores para os exportadores (incluindo os Estados Unidos), que se tornam  os grandes ganhadores económicos da guerra.

2. Ora, em vez de visar a atenuação dessa transferência de riqueza para o exterior, através de uma redução das importações, induzida pela subida dos preços e apoiada em medidas de poupança, o Governo tem subsidiado o consumo por via fiscal (redução do ISP) e não tem apostado seriamente na poupança energética.

Todavia, se se compreende o alívio da a fatura energética das empresas, para não afetar demasiadamente a sua competitividade e para travar o surto inflacionista, já não se compreende a subsidiação universal do consumo de combustíveis em geral, independentemente do nível de rendimentos de cada consumidor. 

Barbárie tauromáquica (13): Afinal, há alianças com o Chega

Quem diria, uma associação parlamentar de amizade com a barbárie tauromáquica, abrangendo, além de deputados do Chega, também deputados do PSD e... do PS! Obviamente, os únicos deputados certos na foto são os do Chega.

Pelos vistos, o PS faz exceções ao "cordão sanitário" à volta do Chega, e por nobilérrimos motivos.  Um ultrage político e moral.

Adenda
Um leitor argumenta que convite terá partido dos representantes da tauromaquia, pelo que os deputados do PSD e do PS que aceitaram o convite não terão combinado com os do Chega. Pode ter sido assim, mas é evidente que, sendo o Chega o mais militante partido pró-touradas (et pour cause), os demais deputados que aceitaram não podiam ignorar com que iam confraternizar, numa causa identitária do partido da extrema-direita...

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Ai o défice (16): Contra o bodo orçamental

Penso ser um grave erro político aproveitar o bom desempenho da receita fiscal (cortesia da inflação) para financiar medidas orçamentais universais e de efeitos permanentes, em vez de medidas temporárias e restritas aos setores sociais de menores rendimentos.

Um bodo orçamental generalizado, como é proposto pelas oposições, prejudica a necessária redução do défice orçamental e do peso da dívida pública - condição para reduzir o impacto orçamental da subida dos juros - e alimenta o processo inflacionista, pelo aumento da procura agregada. É contraditório adotar uma política orçamental expansionista quando a política orçamental do BCE tenta restringir a procura, mediante a subida da taxa de juro, para "secar" a inflação.

Adenda
Estou de acordo com esta análise, segundo a qual, em alternativa a dispendiosos apoios orçamentais avulsos, a consolidação orçamental e a redução do peso da dívida pública são a melhor ajuda que o Governo pode dar à economia e ao rendimentos das pessoas, melhorando o rating da dívida e contendo a subida de juros, o que poupa muito dinheiro ao Estado nos custos daquela e aos empresários e famílias no recurso ao crédito.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Era o que faltava! (5): Não vale tudo

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) resolveu vir declarar "ilegal" e até "criminosa" a decisão da Câmara Municipal de Lisboa que mandou retirar os painéis de propaganda partidária da Praça do Marquês de Pombal

Mas não tem nenhuma razão. Primeiro, não estando a decorrer nenhum processo eleitoral, não se compreende a que propósito é que a CNE vem interferir em seara alheia. Segundo, o invocado princípio geral da liberdade de propaganda política não justifica todos os meios, incluindo a ocupação selvagem - ela sim, "ilegal e criminosa" - do domínio público e a violação do direito ao ambiente urbano. Por isso, a decisão da CML merece todo o aplauso, como AQUI assinalei.

Violando o seu mandato, esta decisão da CNE descredibiliza-a irremediavelmente. Uma autoridade eleitoral independente, como a CNE deveria ser, não pode comportar-se como um "cartel de partidos", que realmente é, fazendo prevalecer os seus interesses contra o mais elementar interesse público.

Adenda 
As atas das duas últimas reuniões da CNE ainda não foram disponibilizadas, mas vai ser muito interessante saber quem é que votou esta interesseira posição, em especial se ela contou com o voto dos representantes do PS e do PSD, para ver até onde vai a instrumentalização sindical-partidária da CNE.

Adenda (2)
Um leitor entende que não se teria chegado onde chegámos, como «milhares de painéis de propaganda partidária a invadir tudo quanto é praça em Portugal», se o Ministério Público cumprisse a sua obrigação de defesa da legalidade democrática, acionando judicialmente os municípios para os retirarem e promovendo a acusação penal por crime de dano qualificado contra os responsáveis. Tem razão, mas, como se sabe, o Ministério Publico ignora sistematicamente essa obrigação constitucional.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Lisbon first (27): Privilégios da capitalidade

Vale a pena ler este artigo sobre as vantagens de Lisboa quanto a infraestruturas e serviços públicos, não no contexto ancional, mas sim no quadro da própria área metropolitana de Lisboa (AML), uma perspetiva em geral ignorada.

Decididamente, há um critério imperioso quando a investimentos naquelas áreas: Lisboa, primeiro!

terça-feira, 4 de outubro de 2022

+ Europa (65): A nova Comunidade Política Europeia

No próximo dia 6 vai ter lugar em Praga, sob a égide da presidência checa da Conselho da UE, a primeira reunião preparatória da nova Comunidade Política Europeia, que foi proposta em maio passado pelo Presidente francês, Macron, para congregar a UE e os demais países europeus, independentemente da sua relação com a União.

Como é bom de ver, a nova organização não deve ser concebida, como alguns pretendem, como um clube de candidatos ou futuros candidatos à integração na União - o que limitaria o seu âmbito geográfico e político -, devendo ser antes uma plataforma paneuropeia de cooperação política, económica e cultural aprofundada entre a UE e todos os países à sua volta que compartilhem os seus valores fundamentais, incluindo países que saíram da União (como o Reino Unido), os que renunciaram a entrar (como a Islândia, Noruega ou a Suíça), os que não têm perspetivas de entrar (como a Turquia), ou os que são candidatos ou pré-candidatos à entrada (como os balcânicos ou a Ucrânia).

Todavia, para valorizar a CPE, não seria deslocado que a UE estabelecesse como novo critério de candidatura à adesão a integração prévia na CPE pelo período de pelo menos cinco anos.

Adenda
Concordo com este argumento: a CPE é uma plataforma apropriada para a imprescíndivel cooperação alargada entre os países da UE e o Reino Unido, limitando os estragos do Brexit.

Privilégios (8): Os custos da inflação

Nesta manchete do Público de hoje denuncia-se o facto de cerca de 70% dos funcionários públicos irem perder poder de compra no próximo ano, por o aumento da remuneração prometido pelo Governo ser inferior à taxa de inflação prevista.

Ora, o que há de característico nos processos inflacionistas é que tendencialmente toda a gente, principalmente entre os trabalhadores por conta de outrem, perde poder de compra, por as suas remunerações não acompanharem a subida dos preços. Sendo de registar que o Estado compensa essa perda quanto aos funcionários de menores remunerações, a verdade é que tal garantia não existe em relação ao setor privado (incluindo os trabalhadores do Público...).

Mais uma vantagem para os funcionários públicos... 

Adenda
Um leitor observa que, se o salário mínimo for atualizado em conformidade com taxa de inflação, também os trabalhadores do setor privado com menor rendimento deixarão de ser penalizados no seu poder de compra, como é justo. Tem razão, mas essa solução deveria valer para todos os trabalhadores, sem uma solução específica, mais favorável, para a função pública.

Adenda 2
Outro leitor objeta que, como entidade patronal, o Estado tem liberdade de decisão sobre a remuneração dos seus trabalhadores e que o setor privado poder seguir o seu exemplo. Discordo: a despesa do Estado com o pessoal é despesa pública, paga com impostos de todos nós e/ou com dívida pública, sendo óbvio que o setor privado não vai seguir o referido aumento, salvo se obrigado por via de atualização do salário mínimo em relação aos trabalhadores por ele abrangidos.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Este país não tem emenda (32): Supino cinismo

O secretário-geral da federação sindical dos professores (FENPROF) denuncia o elevado número de alunos sem professores, duas semanas depois do início do ano letivo. O que ele se "esquece" convenientemente de referir é a responsabilidade, nessa situação, dos milhares de professores que recorrem a "oportunas" baixas por doença para não iniciarem a sua atividade. Cinismo puro e duro...

O que não pode deixar de ser denunciado é a patente cumplicidade, pelo silêncio, não somente dos sindicatos de professores, mas também da Ordem dos Médicos, com esta vergonhosa violação maciça dos mais elementares deveres profissionais, cívicos e deontológicos das classes que representam.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

No bicentenário da Revolução Liberal (43): Uma forma original de celebração


Nos 200 anos da aprovação da Constituição de 1822, uma evocação original. O texto completo do jornal (4 páginas) pode ser lido AQUI
O conimbricense e maçon José Liberato, na capa, foi um dos grandes lutadores pela Constituição.

Adenda
As minhas declarações sobre a Constituição de 1822. Devemos-lhe muito!

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Corporativismo (27): Privilégio profissional

1. A notícia de que a AR equaciona a integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social leva-me a lembrar que há décadas que defendo que nenhuma profissão tem direito a um sistema privativo de segurança social, desde a criação da sistema integrado a seguir à Constituição de 1976, que pôs fim ao regime de pensões de base profissional do corporativismo do "Estado Novo". 

Como sobrevivência corporativa, a CPAS funciona desde então à margen da Constituição e só o peso político da profissão permitiu manter o privilégio oriundo do antigo regime.

2. Não vai ser fácil, porém, a equação financeira da integração, visto que não se vê como é que se pode pôr a cargo do sistema geral o pagamento das generosas pensões que a CPAS permitia, com base em contribuições elevadas só na parte final da atividade profissional. 

Ao contrário do sistema geral de segurança social - que padece da degradação da proporção entre contribuintes ativos e pensionistas -, a CPAS continua a gozar de uma confortável base contributiva, dada a entrada de muitos novos advogados todos os anos, o que permite uma relação mais favorável entre a pensão e a carreira contributiva.

Bicentenário da Revolução Liberal (42): Passam amanhã 200 anos!

1.  Eram simples os objetivos da revolução antiabsolutista no primeiro manifesto de 24 de agosto de 1820, no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».

As Cortes constituintes foram eleitas ainda em dezembro de 1820 e começaram os seus trabalhos em 26 de janeiro do ano seguinte. A Constituição veio a ser aprovada em 23 de setembro de 1822, faz amanhã 200 anos! Missão cumprida!

2. Pelo menos, dois eventos comemorativos assinalam o bicentenário da inauguração da moderna era constitucional em Portugal: (i) uma sessão na Assembleia da República e a inauguração de uma exposição; (ii) um colóquio na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Não é todos os dias que passa uma data que merece ser tão comemorada como esta. O Portugal moderno começou aí e todos somos herdeiros dela!


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Não com os meus impostos (9): Discriminação antimunicipal

1. Os municípios têm toda a razão do mundo ao exigirem o fim do financiamento municipal da ADSE, o subsistema de saúde privativo dos funcionários públicos, despesa que este ano monta a mais de 60 milhões de euros. 

Há duas razões decisivas. Primeiro, porque o Estado há muito deixou de o fazer, sendo discriminatório manter o cofinanciamento municipal; segundo, porque, por princípio, os sistemas complementares de saúde ou de segurança social devem ser financiados exclusivamente pelos seus beneficiários, e não pelos contribuintes em geral, que já pagam o SNS.

2. Orgulho-me de, há muitos anos (2006), ter iniciado publicamente AQUI e AQUI a luta contra o financiamento da ADSE por via orçamental, ou seja, pelos contribuintes em geral, como então sucedia maciçamente, substituindo-o pelo princípio do beneficiário-pagador

É lamentável que passados tantos anos a reforma não ter sido levada até ao fim

Adenda
Só pode ser uma "piada" de mau gosto esta proposta do conselho consultivo da ADSE para substituir o financiamento dos municípios por um subsídio idêntico de outros organismos públicos! A ADSE resiste a interiorizar a ideia que que tem de viver exclusivamente das contribuições dos seus beneficiários, como seguro complementar de saúde que no fundo é.

Adenda 2
Um leitor pergunta porque é que as empresas podem financiar seguros de saúde para os seus trabalhadores e o Estado não pode fazer o mesmo para os seus funcionários. Por três razões fundamentais: (i) o Estado não é uma empresa, nem goza de liberdade de utilização das receitas públicas; (ii) as despesas do Estado são pagas com os impostos de todos os contribuintes, não fazendo sentido que estes suportem as regalias próprias dos funcionarios públicos; (iii) porque o Estado está constitucionalmente obrigado a financiar o SNS - universal, geral e gratuito -, não devendo desviar fundos para um subsistema de saúde privativo dos seus funcionários. Claramente, não é a mesma coisa!

Não dá para entender (27): A deriva bloquista do PSD

1. Decididamente, o PSD entrou em "modo BE"!

Ao defender a aplicação, sem modificação, das regras até agora vigentes sobre atualização das pensões, incluindo depois de 2023, acrescida de um bónus de 150 euros à cabeça, o PSD consegue: (i) estabelecer uma clara discriminação em relação aos demais portugueses, a começar pelos funcionários públicos, cujos rendimentos não vão ser atualizados à taxa da inflação; (ii) antecipar em vários anos o défice da segurança social, arrasando a sua sustentabilidade; (iii) gerar um enorme impacto orçamental sobre a défice e dívida pública, favorecendo a subida dos respetivos juros; (iv) acrescentar pressão ao surto inflacionista, pelo aumento da procura. 

É obra!

2. Com esta deriva irresponsável, Montenegro replica o lamentável "momento Rio", do apoio à recuperação integral do tempo de serviço dos professores, também em convergência com a esquerda radical, que lhe custou um humilhante recuo, para evitar a antecipação de eleições. 

Desta vez, o PSD não corre esse risco, dada a maioria parlamentar do PS. Mas é evidente que um partido de vocação governamental que defende na oposição aquilo que nunca faria se estivesse no Governo perde credibilidade junto ao seu próprio eleitorado. A incoerência política paga-se quando se tratar de escolher o governo.

Adenda
As mencionadas propostas são tanto mais irresponsáveis quanto é certo que as perspetivas para a economia são tudo menos favoráveis. Juntar uma recessão económica à subida em curso das taxas de juro constitui uma tempestade a sério para as finanças públicas (menos receita, mais despesa), o que justifica a maior prudência e contenção orçamental. O PSD não pode ignorar os riscos em causa -, a não ser que a intenção seja mesmo provocar uma crise orçamental

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Aplauso (25): Inesperada e bem-vinda

Quando o receio de uma recessão próxima na Europa se adensa e as empresas em geral sofrem o impacto do aumento da energia e das matérias-primas e dos componentes importados, a perspetiva de uma redução geral do IRC, aumentando a atratividade do investimento nacional e estrangeiro, é uma medida acertada

É certo que, qualquer que seja o seu montante, as empresas e partidos de direita vão sempre achá-la pequena (apesar de ir além do programa do Governo), e os partidos de esquerda vão acusá-la de "favorecimento do capital", como é usual. Em todo o caso, sob o ponto de vista da economia, do emprego e da competividade internacional, é uma medida bem-vinda e oportuna.