sábado, 2 de dezembro de 2023

Novo aeroporto (11): Quando os grandes interesses triunfam


Mas o que significa o sacrifício de 1/4 de milhão de sobreiros, face ao grandioso projeto de edificar uma esplendorosa Lisboa II na outra margem do Tejo, promovido por um poderoso lobby financeiro-imobiliário, sem precedentes na história do País, a cujo "comité LNEC/Alcochete" o Governo decidiu entregar a chamada CTI?

Adenda
Um dos mais conspícuos membros do tal "comité LNEC/Alcochete" na CTI, em óbvio conflito de interesses, como antes assinalei, veio não somente descartar sumariamente a questão dos sobreiros, mas também alertar para o risco de o relatório, prestes a sair, vir a ser metido na gaveta pelos decisores políticos. Mas seria esse mesmo o destino merecido de um relatório que há de ficar como exemplo de escola de flagrante violação qualificada do princípio constitucional da imparcialidade na Administração pública em Portugal.

Adenda 2
Um leitor considera inadmissível que um membro da CTI venha «defender implicitamente um dos projetos, a três dias da publicação do relatório, pré-anunciando o seu sentido». Sim, há um termo apropriado para atitudes destas: despudor institucional! 

Adenda 3
Outro leitor pergunta, malevolamente, se a entrega direta da CTI ao grupo LNEC/Alcochete não foi «mais uma "patifaria" do ex-chefe de gabinete do PM, o tal Escária». É bem possível, mas quem nomeou a chefe da CTI e o chefe da "Comissão de Acompanhamento" - ambos notórios "alcochetistas" - foi o Governo, que não podia desconhecer esse óbvio conflito de interesses. 

Adenda 4
Ironizando, um leitor considera que foi muito feliz a decisão do Governo de entregar a CTI diretamente ao grupo de Alcochete, porque assim «poupou muito dinheiro e esforço ao grupo para fazer lobbying por fora e poupou ao Ministério Publico mais uma operação bombástica de tráfico de influências». Fora de qualquer ironia, parece evidente que muito melhor do que fazer lobbying sobre os decisores públicos é obter deles a delegação da própria decisão...

Gostaria de ter escrito isto (32): O "justicialismo antidemocrático"

Saúdo vivamente este artigo de J. Pacheco Pereira no Público de hoje, com o qual concordo inteiramente, desde logo porque ele empresta a voz de um colunista consagrado e respeitado à luta contra o irresponsável e impune legal warfare do Ministério Público contra a "classe política" - transformando a investigação penal em arma de perseguição política -, que venho denunciando há muito, praticamente sozinho na área socialista (por último, AQUI e AQUI), e para o qual já apresentei propostas concretas (por exemplo, AQUI).

O processo Influencer, em que o MP se ultrapassou a si mesmo no manifesto abuso de poder arbitrário, configurando um verdadeiro golpe de Estado (como mostrei AQUI), não pode deixar de ter uma resposta das instituições em defesa da democracia. Julgo que um dos temas prioritários que deve figurar nos necessários "acordos de regime" entre os dois "partidos de governo" nacionais para reforçar o regime democrático deve ser justamente o de extirpar este cancro institucional que há muito corrói os princípios da separação de poderes e da responsabilidade política, inerentes ao Estado de direito democrático.

Adenda
Um leitor objeta que o princípio da separação de poderes «não permite interferências do poder político no poder judicial». Tem razão, mas isso em nada prejudica a minha crítica ao MP. Por um lado, como já aqui expliquei, o poder judicial pertence aos juízes (independentes, imparciais e irresponsáveis) e não ao Ministério Público, instituição judiciária auxiliar, de natureza hierarquizada, que nos julgamentos é parte interessada; a pretensa equipação dos magistrados do MP aos magistrados judiciais, que o sindicato daqueles conseguiu impor, é pura e simplesmente inaceitável. Por outro lado, as minhas propostas não preveem nenhuma interferência governamental no PM, limitando-se a fazer valer a regra constitucional da hierarquia e da responsabilidade interna e o princípio constitucional da prestação de contas externa do PGR pela cumprimento da sua missão constitucional e legal, como é próprio de um Estado de direito democrático.

Adenda 2
Outro leitor argumenta que o MP tem o dever de investigar todos os casos suspeitos, «sem nenhum privilégio para os políticos». Mas não é bem assim. Primeiro, o MP não deve iniciar nenhuma investigação que inclua meios intrusivos (escutas, buscas, etc.) sem um juízo prévio, superiormente aprovado, sobre se a denúncia tem alguma viabilidade; segundo, quando se trate de meios intrusivos na privacidade ou na liberdade dos suspeitos, eles estão obviamente sujeitos aos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade enunciados no art. 18º da CRP; terceiro, o MP não pode permitir-se, violando o segredo de justiça, pôr nos media amigos notícia das investigações contra políticos, dado o prejuízo imediato, e nunca reversível, do habitual julgamento público para o seu bom nome e reputação pessoal e político e para a confiança dos cidadãos na política. Ou seja, os políticos não devem ter privilégios, mas não podem ser especialmente lesados nos seus direitos constitucionais pelo populismo judiciário antipolíticos prevalecente no MP.

Adenda 3
Um leitor remeteu-me esta lista de políticos socialistas em exercício de cargos públicos que nos últimos anos foram vítimas de investigação penal que veio a ser arquivada ou de acusação, de que vieram a ser judicialmente absolvidos.
O problema é que nem o arquivamento da investigação nem a absolvição da acusação os indemniza da grave lesão da sua honorabilidade pessoal e política durante meses ou anos, por efeito da incompetência, leviandade ou pura má-fé do MP. Esta lista, a que haverá que juntar as vítimas de outros partidos (designadamente do PSD), revela uma intolerável afronta à justiça em Portugal por parte de uma instituição judiciária "em roda livre", à margem de qualquer prestação de contas democrática.

Adenda 4
O ministro João Galamba esteve sob escuta durante quatro anos, ou seja, quatro anos de toda a vida de uma pessoa sob devassa, para no fim o MP conseguir inventar um fútil crime de vantagem indevida, à conta de alguns jantares com lobbyistas! Se isto não é abuso de poder e perseguição política do MP, digam o que é..

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (11): Hipóteses de Governo - um desafio!

1. Parecendo obviamente afastada a hipótese de o partido vencedor das próximas eleições alcançar maioria absoluta, e não estando excluída a hipótese de o campo político adversário somar uma maioria no parlamento, que soluções governativas são de encarar?

Há muito tempo que tenho por boas as seguintes duas teses:

   - o partido vencedor das eleições, mesmo com escassa maioria relativa (seja o PS ou o PSD), tem prioridade em ser chamado a formar Governo pelo PR e a submetê-lo ao escrutínio parlamentar; embora tal regra não resulte diretamente da Constituição, ela sempre foi seguida até aqui, sem exceção;

   - caso esse partido não desista de formar Governo e se apresente perante a AR, o outro "partido de Governo" só deve votar contra ele e impedi-lo de assumir funções, se tiver conseguido negociar um Governo alternativo com maioria parlamentar; foi o que sucedeu em 2015, tendo António Costa declarado, logo que conhecidos os resultados eleitorais, que só votaria contra um Governo PSD-CDS, se houvesse uma solução de Governo alternativa.

2. Pode objetar-se, contra a segunda tese, que se trata de uma espécie de "moção de censura construtiva" de tipo alemão - em que uma moção de censura tem de ser acompanhada necessariamente de uma proposta de governo alternativo acordada entre os partidos proponentes da mesma -, a qual já foi proposta várias vezes em revisões constitucionais, mas nunca foi acolhida.

O facto de não estar prevista na Constituição não impede que os dois partidos de Governo a sigam nas relações entre si, pelo menos na fase de formação dos governos, ou seja, na votação parlamentar do programa de governo. Além da prática constitucional até agora - pois desde 1982, o único governo minoritário rejeitado na apresentação ao parlamento ocorreu em 2015, tendo sido acompanhado da formação de novo Governo -, há um argumento político crucial a favor dessa regra, que é o facto de, constitucionalmente, não poder haver dissolução parlamentar senão passados seis meses, o que sujeitaria o País a um "governo de gestão", aliás rejeitado na AR, por pelo menos mais oito meses.

Penso, por isso, que ambos os "partidos de governo" se deviam comprometer a respeitar essas duas regras, em prol da responsabilidade política própria e da previsibilidade do sistema político. Aqui fica o desafio!

Eleições parlamentares 2024 (10): Não vale tudo

1. Um dos muitos "intelectuais orgânicos da direita" que enchem o espaço mediático veio explicar como é que Montenegro deve vir a ser chefe do Governo, mesmo se não vencer as eleições, mas houver maioria parlamentar das direitas, apesar de o líder do PSD ter reiterado publicamente o compromisso de só governar se ganhar as eleições e que não fará acordos de Governo com o Chega.

Entre os seus argumentos insinua-se o alegado precedente de que António Costa teria feito o mesmo em 2015. Mas não é verdade: não somente Costa não assumiu nenhum compromisso semelhante, como foi deixando indícios claros antes das eleições de que poderia fazer o que veio a ser a "Geringonça" (como mostrei AQUI e importa recordar). Na intervenção dos intelectuais no combate político não vale, pelo menos, falsificar a história.

2. Pelos vistos, o coro dos intelectuais orgânicos de direita que em 2015 achavam um gravíssimo "atentado democrático" "política e moralmente ilegítimo", um "verdadeiro golpe de Estado" (cito frases da altura) o facto de um partido que não tinha ganhado as eleições formar governo, com o apoio parlamentar de "partidos radicais", prepara-se agora, não somente para se mudar de armas e bagagens para a defesa de tal solução, mas também para instruir o líder do PSD a renegar os seus inequívocos compromissos políticos perante os eleitores - isso, sim, um qualificado atentado democrático, que descredibiliza a democracia parlamentar.

Um pouco mais de escrúpulos políticos, sff.

Adenda
Um leitor pergunta qual é a minha opinião sobre essa questão. É a mesma que defendi em 2015, pois, ao contrário dos funâmbulos de direita, não mudei de opinião, só porque podem mudar os protagonistas políticos. É a seguinte: (i) num sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso, o partido vencedor das eleições só tem assegurado o Governo, se tiver maioria parlamentar absoluta, sozinho ou em coligação; (ii) se tal não suceder, é perfeitamente legítima, quer em termos constitucionais quer políticos, a formação de um governo por outro partido (normalmente o segundo partido mais votado) que consiga apoio parlamentar maioritário. O juízo sobre tal solução é puramente quanto ao seu mérito político. Foi por isso que, em 2015, embora defendendo (contra toda a direita) a legitimidade democrática da "Geringonça", manifestei (quase contra toda a esquerda) o meu desacordo político com ela -, no que, aliás, também nunca mudei.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (9): "Abyssus abyssum"

1. Depois de o líder do PSD ter vindo, irresponsavelmente, defender a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores não contado durante a intervenção financeira externa (2011-205) para efeito de antiguidade, era difícil esperar que o provável próximo líder do PS não avançasse no mesmo sentido, subindo, aliás, a parada e estendendo a benesse a todos os funcionários públicos

E de facto, mesmo quando se trata de dar vantagens, há que respeitar o princípio da igualdade, abrangendo todos os que se encontram na mesma situação.

2. Contudo, além de deverem apresentar a conta precisa dos encargos financeiros que essas promessas envolvem, o que ambos os líderes partidários vão ter de explicar aos cidadãos em geral, e aos contribuintes em especial, é como se propõem financiar esse dispendioso compromisso eleitoral: cortando noutras despesas públicas (e quais?) ou voltando de novo ao défice orçamental e à dívida pública, com os óbvios efeitos sobre o custo desta? 

Numa democracia responsável, os candidatos dos "partidos de governo", como o PS e o PSD, têm obrigação de esclarecer, antes das eleições, onde vão buscar o dinheiro para pagar os aumentos significativos de despesa pública que propõem.

Adenda
Um leitor observa que sem o bom estado das finanças públicas conseguido pela política de rigor orçamental (excedente orçamental e baixa acentuada da dívida pública), nenhum dos referidos líderes políticos poderia sequer pensar em avançar com «a oportunista generosidade orçamental que agora propõem». Tem razão!

Contra a corrente (3): As maiorias absolutas não são "coisa má"

 1. O comentador político e politólogo André Freire sustenta - suponho que na 1ª qualidade - que o Governo ainda em funções comprova a sua tese de que os governos de maioria absoluta (de um só partido) são por natureza «uma coisa má». Não concordando com a tese em concreto (como defendi AQUI), tampouco a subscrevo em abstrato -, pelo contrário.

Para começar, os governos maioritários têm condições para governar de forma mais previsivel e com mais estabilidade do que os governos minoritários ou de coligação, aqueles porque ficam sempre reféns das oposições e dos grandes grupos de interesse, e os últimos porque o partido "sénior" da coligação fica refém dos partidos "juniores", pelo que ambos os tipos de governo tendem sempre a adiar reformas e a aumentar a despesa pública, para comprar apoios políticos. 

A primeira grande diferença está, portanto, em serem mais coerentes e mais estáveis politicamente, na base do mandato político correspondente ao programa eleitoral submetido aos cidadãos eleitores.

2. Em segundo lugar, os governos de maioria absoluta também são mais reformistas, porque conseguem levar de vencida as corporações instaladas: não é por acaso que, com exceção do Governo de Passos Coelho, sob intervenção externa (2011-2015), os governos mais reformistas desde 1976 foram indubitavelmente os governos maioritários de Cavaco Silva (1997-1995) e de Sócrates (2005-2009).

Por último, mas de primeira importância, os governos maioriários são também mais responsáveis politicamente perante os cidadãos, porque no final do mandato não podem desculpar as suas falhas ou o incumprimento do seu programa nem com a falta de apoio parlamentar nem com os parceiros de coligação. 

Além da instabilidade governativa que lhes é inerente (poucos chegaram ao fim), os governos minoritários e os de coligação tendem também a fugir à responsabilidades política pelo seu falhanço, à margem de um dos grandes princípios da teoria republicana do governo.

3. Além disso, dada a inviabilidade política de soluções de "bloco central" entre nós, as maiorias absolutas tornam-se o único antídoto eficaz contra a tentação de acordos de governo, expressos ou implícitos, dos dois tradicionais partidos de governo (PS e PSD) com os partidos radicais, à sua esquerda ou à sua direita, respetivamente.

Não tenho dúvidas em afirmar que é preferível um governo maioritário do PS a um governo de coligação PS-PCP-BE, ou um governo minoritário dependente desses dois partidos (como foi a chamada "Geringonça"), tal como é melhor ter um governo maioritário do PSD do que um governo de coligação PSD-IL ou PSD-Chega, ou um governo minoritário dependente deles. Ou seja, ao contrário de A. Freire, eu penso que os governos de maioria absoluta são, em princípio, uma "coisa boa". 

O problema é que, em sistemas proporcionais como o nosso, trata-se de um produto com pouca oferta no mercado eleitoral, e parece que destinado mesmo a desaparecer. Ainda haveremos de o lamentar...

Adenda
Um leitor defende que, não havendo em geral maiorias monopartidárias, os governos de coligação são preferíveis aos governos minoritários, os quais têm de negociar todas as suas políticas caso a caso, a começar pelo orçamento, à custa do aumento a despesa pública, e que «podem ser derrotados ou demitidos a qualquer momento por "coligação negativa" das oposições». Tem razão, mas as coligações - que pressupõem um programa de governo comum, governo compartilhado e solidariedade a nível parlamentar -, só resultam, se houver uma suficiente afinidade política entre os partidos coligados (como era o caso das coligações PSD-CDS). Ora, não vejo que "química" política é que pode associar o PS ao PCP e ao BE numa coligação, ou o PSD ao Chega (ou mesmo à IL)... 

Adenda 2
Outro leitor objeta que «a maioria absoluta tende a dar em poder absoluto», pelo que é melhor não haver. Sucede, porém, que se há um regime de tipo parlamentar em que um governo maioritário não corre o risco de abuso de poder dos sistemas parlamentares maioritários (como o Reino Unido ou a Índia) é justamente o nosso, onde são decisivos os limites constitucionais do poder das maiorias absolutas, como já argumentei várias vezes, nomeadamente AQUI.

Adenda 3
Um leitor observa que o principal senão dos governos minoritários, e mesmo dos de coligação, é o "poder de veto" que conferem aos partidos minoritários, «muito acima da sua expressão eleitoral, o que é antidemocrático». De acordo.

Laicidade (14): O caso dos servidores públicos

1. Embora entenda que o princípio da laicidade do Estado - ou seja, a separação entre o Estado e a religião - pode ser tolerante com o uso de vestes ou símbolos religiosos pelos servidores públicos, admito, porém, que, numa atitude mais consequente, as autoridades públicas podem estabelecer a sua proibição, nomeadamente na escola pública, a fim de assegurar uma estrita neutralidade religiosa dos serviços públicos, desde logo perante os cidadãos, como acaba de decidir o Tribunal de Justiça da UE

Ponto é que tal proibição não seja discriminatória, nem na lei nem na prática, devendo abranger os símbolos de qualquer religião, e não especialmente, como sucede por vezes, os símbolos islâmicos, a começar pelo lenço de cabeça.

2. Em contrapartida, continuo a entender que não há nenhuma justificação para estender tal proibição aos próprios utentes dos serviços públicos (como os alunos das escolas públicas), como sucede em França, ao abrigo de uma conceção fundamentalista da laicidade do Estado (como AQUI critiquei).

Não sendo os utentes dos serviços públicos representantes nem servidores do Estado, não se vê como é que é que se pode restringir a sua liberdade religiosa a pretexto da separação entre o Estado e a religião.

Adenda
Um leitor objeta que em Portugal ninguém propõe "códigos de indumentária religiosamente neutra" nos serviços públicos e que isso só viria «criar artificialmente um conflito político e religioso, que só beneficiaria a extrema-direita». Concordo!

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ai, Portugal (13): A "justiça" à moda do Ministério Público

Ao fim de 7-anos-7, o Ministério Público veio ilibar das suspeitas que tinham sido levantadas contra nada menos de 4-Ministros-4 do então Governo PS, por supostos crimes na adjudicação de contratos públicos, investigação que na altura foi obviamente explorada politicamente pelos media que servem de megafone às operações de legal warfare do Mº Pº contra o mundo político.

Sete anos para concluir pela inocência de políticos cujo bom-nome e reputação - direito constitucionalmente protegidos - foram manchados pela leviandade ou má-fé do Ministério Público? Haverá quem se não revolte contra esta irresponsável prepotência ?

Adenda
Também um ex-secretário de Estado do Desporto e atual deputado soube agora estar sob investigação por factos ocorridos há quatro anos, cujas suspeitas penais o visado considera «delirantes». Independentemente do que se vier a apurar, será tolerável que o Mº Pº demore outros tantos anos a concluir a investigação?!

Alma mater (2): "Uma das mais belas universidades do Mundo"

Tal é o título de uma bela reportagem do jornal francês Figaro, sobre  a Universidade de Coimbra.

Mesmo sendo eu interessado (por ser a minha alma mater), mas conhecendo muitas universidades, por esse mundo fora, julgo que o jornal tem razão

Aplauso (29): Abuso do Código Penal

Era um manifesto excesso e um fator de incerteza jurídico-penal criminalizar a "discriminação política ou ideológica" no chamado hate speech

Felizmente, triunfou o bom-senso político!

Guerra na Ucrânia (58): O impasse militar e a solução política

1. Como reconhece a revista britânica The Economist, que adotou desde o principio uma intransigente posição pró-ucraniana e antirrussa, a grande contraofensiva miliar de Kíev desencadeada em junho passado deu em nada e a guerra entrou num «impasse militar».

A anunciada cavalgada que em poucos meses haveria de culminar na reconquista do própria Crimeia, acabou em desilusão, apesar dos meios maciços empenhados na operação. com a assistência militar e técnica ocidental. Pior do que isso, é a Rússia que retomou a ofensiva em vários trechos da linha de combate, com o risco de a Ucrânia perder ainda mais território.

Como várias vezes aqui se antecipou, a mais provável era o congelamento das posições de cada beligerante e evolução para uma "guerra de atrito", sem perspetivas de solução militar para o conflito.

2. Neste quadro sem mudança à vista, a guerra torna-se num sorvedouro inglório de soldados, de armamento e de dinheiro (este proporcionado em grande parte pelos contribuintes da UE). 

A questão do "cansaço da guerra", que a primeira-ministra italiana deixou cair inadvertidamente há algum tempo, não é uma questão de "se", mas de quando é que se tornará um problema político incontornável. Acresce que, enquanto a Ucrânia estiver em estado de guerra, a questão da sua adesão à UE e à NATO também tem de ser adiada indefinidamente. 

Por isso, não será altura de alguém com coragem política na UE invocar a patente exaustão da solução militar do conflito e propor uma pausa bélica, que abra caminho a uma solução política, mediada por terceiros países aceites por ambos os beligerantes, por mais difícil que ela se apresente?

Adenda
Infelizmente, como se deduz desta notícia, a Nato não está em modo negocial. Sendo certo que esta guerra se tornou, desde o início, num conflito entre a Rússia e a Nato, por interposta Ucrânia, é a primeira vez, se não estou em erro, que um "falcão" ocidental defende expressamente a entrada direta da Nato na guerra, sem medir as óbvias consequências de tal aventura.


terça-feira, 28 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (8): Atribulações do PS

1. Num sistema de governo de base parlamentar como o nosso, em que a legitimidade política do Governo decorre das eleições parlamentares, estas são, antes de mais, um julgamento do Governo cessante, e o critério decisivo deve ser naturalmente o seu desempenho.

Ora, quanto a este Governo, e apesar das minhas várias críticas quanto a várias políticas concretas e das dificuldades em algumas áreas (como a saúde e a habitação, embora centradas na capital), entendo que o saldo é globalmente muito positivo: combate eficaz às sequelas da pandemia, especialmente a inflação, crescimento económico acima da média da UE, aumento do emprego e dos rendimentos (pensões, salário mínimo, remunerações em geral), reforço do Estado social (prestações sociais, creches gratuitas, reforma decretada do SNS), excedente orçamental e redução do peso da dívida pública (com melhoria geral do rating externo), reforma das ordens profissionais (uma "reforma estrutural" há muito devida), avanço nos processos de localização do novo aeroporto e de arranque do TGV, descentralização territorial, novo programa Simplex de desburocratização da Administração, prestígio do País nas instituições da UE, etc.

A meu ver, só o mais acrítico sectarismo político pode desqualificar o desempenho geral deste III Governo de António Costa, cujo mandato foi insensatamente interrompido pelo PR.

2. Em condições normais, o PS deveria ganhar folgadamente estas eleições.

Sucede, porém, que, a fazer fé nas sondagens, não é bem esse o juízo da maioria dos cidadãos nesta fase, visto que mais de um quarto dos eleitores que há dois anos deram uma inesperada maioria parlamentar absoluta ao PS não parecem disponíveis para renovar esse mandato de confiança política.

Há três factores que podem explicar essa perda de apoio eleitoral: (i) a inesperada demissão do Governo, na sequência de uma investigação penal  - incluindo dois ministros, um dos quais já se demitiu, embora protestando a sua inocência -, a qual, apesar de essencialmente esvaziada pela decisão do juiz de instrução, continuará a afetar negativamente a confiança no partido, enquanto não for encerrada; (ii) a saída de António Costa da liderança do PS, e estar ainda em aberto a sua sucessão e a escolha do aspirante a primeiro-ministro socialista; (iii) a incerteza quanto à política de alianças pós-eleitorais do partido, designadamente quanto à eventual repristinação da chamada "Geringonça" com os partidos à esquerda do PS.

Os três meses e meio que faltam até às eleições podem afastar ou, pelo menos, atenuar o impacto destes fatores negativos, mas dificilmente o PS pode fazer incidir o juizo eleitoral somente sobre o seu desempenho governativo.
[Mudada a rubrica]

Adenda
Com este acordo com os médicos do SNS, há menos um "irritante" nas perspetivas eleitorais do PS.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

História constitucional (6): A nossa primeira Constituição!

Acaba de sair do prelo o 2º volume da História Constitucional Portuguesa, da minha coautoria com o Prof. José Domingues, no âmbito da Universidade Lusíada Norte (Porto), dedicado ao estudo da nossa primeira Lei Fundamental da era constitucional moderna, ou seja, a Constituição de 1822, resultante da Revolução Liberal de 1820 e aprovada em Cortes Constituintes eleitas nesse mesmo ano.

Mais avançada do que as precedentes constituições liberais que tomou como referência (França, 1891, e Espanha, 1812), ela instituiu uma genuína monarquia constitucional entre nós, baseada na soberania da Nação (desvalorizando o papel do rei), num sistema político representativo (assente nas Cortes diretamente eleitas), nas liberdades individuais, na separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) e na subordinação do Governo e da administração à Constituição e à lei parlamentar.

Apesar da sua breve vigência, de menos de oito meses, a Constituição de 1822 veio a deixar um legado incontornável na história político-constitucional nacional, repercutindo-se ainda na CRP de 1976. Por isso, estudar a Constituição "vintista" é ir às raízes profundas do constitucionalismo liberal-democrático em Portugal.

Eleições parlamentares 2024 (7): A vertigem eleitoral do PSD

1. Começou a vertigem das promessas eleitorais, e o PSD colocou-se claramente à frente no seu recente Congresso, prometendo tudo a toda a gente e conseguindo o prodígio de ir simultaneamente ao encontro da IL, com a promessa de substancial redução de impostos (IRS, IRC e o mais que vier), e ultrapassando o PS pela esquerda, fazendo suas propostas do PCP e do Bloco, como o aumento substancial das pensões e reposição do tempo de serviço aos professores. 

PSD = IL+PCP/BE. É obra, este casamento de contrários!

2. Mas é evidente que - a não ser que estas promessas escondam um programa paralelo de corte a sério noutras despesas públicas essenciais do Estado social, como o SNS ou a escola pública - conjugar um grande aumento da despesa corrente com uma substancial redução da receita fiscal só pode dar no regresso ao défice orçamental e ao aumento da dívida pública (e ao agravamento do seu custo), contrariando todo o historial doutrinário do PSD quanto à contenção da despesa pública e ao equilíbrio das contas públicas. 

Uma enorme cambalhota política!

3. A verdade é que nada disto tem suficiente credibilidade, não somente por ir contra o ADN do partido quanto à contenção da despesa pública, mas também porque o PSD sabe que, mesmo que ganhe as eleições, não terá condições para governar sozinho, tendo de aliar-se à sua direita, nomeadamente à IL.

Ora, sendo conhecido o fundamentalismo deste partido sobre a redução da carga fiscal e consequente diminuição da despesa pública, a possibilidade de este dar luz verde a um aumento substancial da despesa social é igual a zero. Ou seja, o PSD coopta as referidas propostas "à esquerda", sabendo antecipadamente que não vai executá-las, graças ao veto político do parceiro de coligação.

Um perfeito exercício político de "reserva mental"!

[Alterada a rubrica]

domingo, 26 de novembro de 2023

Causa palestina (3): Não podiam ser mais claros

O nosso MNE diz que não percebe os objetivos políticos da invasão de Gaza por Israel

Mas as dúvidas parecem-me inteiramente descabidas: a pretexto da erradicação do Hamas e da liquidação da resistência palestina à opressão israelita - objetivos inatingíveis, enquanto esta perdurar (porque é ela-mesma que gera a resistência palestina) -, Israel está a matar milhares e milhares de palestinianos inocentes e a aniquilar as mais elementares condições de vida na pequena faixa territorial, numa operação de punição coletiva de crueldade sem precedentes desde a II Guerra Mundial, destinada a consolidar irreversivelmente a anexação territorial e a inviabilizar definitivamente um Estado palestino.

O que não se percebe é porque é que a UE, Portugal incluído, não condena sem ambages a revoltante matança israelita em curso, atitude cúmplice de que só os PM belga e espanhol ousaram demarcar-se - honra lhe seja!

Adenda
A UE está «chocada» com a instalação de novos colonatos israelistas na Cisjordânia, continuando a anexar o território palestino, enquanto massacra a faixa de Gaza. Mas o que é que a União faz, perante tal "choque"? Sanciona Israel? Apoia a causa palestiniana na luta pelo seu próprio Estado? Exige o regresso israelita aos limites do seu território? O que é verdadeiramente chocante é a duplicidade da UE, e do ocidente em geral, em relação a anexações territoriais, conforme sejam feitas pelos nossos amigos (Israel) ou pelos nossos inimigos (Rússia)...

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Praça da República (78): Os desmandos do Ministério Público

1. Como é que uma imputação penal tão estúpida como esta pôde sequer ter sido dirigida pelo MP contra a presidente da CM de Matosinhos (e também presidente da ANMP), como se a contratação de uma chefe de gabinete não fosse por definição um cargo de confiança pessoal e de escolha livre, mesmo se a denúncia viesse travestida de alegada "troca de favores", para a qual não havia nenhum fundamento!?

Ficamos a saber que o caso acaba de ser arquivado. Mas ninguém apaga o dano moral causado à visada pelo enxovalho da suspeita pública a que foi submetida, pelas buscas na CMM, pela apreensão do seu telemóvel e cópia do seu conteúdo. E porque é que o MP demorou vários anos a arquivar o caso, sem que tenha ocorrido qualquer diligência posterior, só para manter a arguida em suspensão quanto ao seu estatuto?

Se isto não é um caso exemplar de legal warfare do MP contra os políticos, façam o favor de dizer o que é!

2. As operações mais banais de "assédio judiciário" a políticos e outras pessoas publicamente expostas obedecem sempre ao mesmo guião: 1º - desencadear uma investigação por qualquer denúncia, por mais infundada que seja, como esta; 2ª - avançar imediatamente para buscas e exames altamente intrusivos, por mais desproporcionados que sejam; 3º - vazar o caso para os media, violando o segredo de justiça, para causar imediatamente um dano profundo aos suspeitos na opinião pública; 3º - mesmo que o caso não tenha nenhuns pés para andar, como neste exemplo, demorar o máximo tempo possível para o arquivar, mantendo os suspeitos em sofrimento quando ao desfecho.

Para além dos intoleráveis danos reputacionais causados aos visados, do desperdício de recursos humanos e técnicos públicos (do próprio MP, da PJ, etc.) e do alimento que se dá à narrativa populista da "corrupção generalizada", não há ninguém que responda pelo descrédito institucional que casos destes - claramente à margem dos princípios do Estado de direito democrático - lançam sobre o MP em geral e sobre a PGR em especial?

Adenda

Adenda 2 (25/11)
Em declarações à imprensa hoje, Luísa Salgueiro afirmou benevolamente que só um "grosseiro lapso" pode explicar o processo contra ela. Eu acho, porém, que a hipótese do "lapso" não explica tudo, nomeadamente a demora no arquivamento, sem qualquer pedido de desculpas, e não vejo nenhuma razão para benevolência em relação à inaceitável intrumentalização da investigação penal como arma de perseguição política.

Livres & iguais (56): Nos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

No próximo dia 6 de dezembro, vou participar neste colóquio sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, aprovada pelas Nações Unidas.

A DUDH inaugurou politicamente o processo de universalização dos direitos e liberdades fundamentais, que veio a ser seguido, ao longo das décadas seguintes por numerosas convenções internacionais de direitos humanos, quer de âmbito global (ao nível das Nações Unidas), quer de âmbito regional (a primeira das quais foi a Convenção Europeia de Direitos Humanos, CEDH, de 1950).

Eleições parlamentares 2024 (6): Arriscada estratégia

1. Penso que, independentemente de poder vir a avançar para um acordo de governo com o PCP e o BE depois das eleições, o PS não tem nenhuma vantagem em anunciar uma preferência por tal solução de governo antes delas.

Pelo contrário, penso que apostar antecipadamente numa coligação à sua esquerda encerra um forte risco eleitoral para o PS, numa dupla vertente: por um lado, abandona o argumento do "voto útil" à esquerda, uma vez que o voto no PCP e no BE também passa a contar à partida como voto num governo de esquerda, não sendo necessário votar PS; por outro lado, tende a alienar uma parte do voto centrista, que não sufraga um governo de frente de esquerda, tanto mais que, ao contrário do que sucedeu em 2022, com Rui Rio, desta vez o líder do PSD afasta enfaticamente a hipótese de coligação com o Chega

2. Tenho por evidente que, em 2022, foi a recusa de António Costa de equacionar na campanha eleitoral qualquer reedição da "Geringonça", proporcionando a confluência do voto útil de esquerda e do voto centrista anti-Chega, que deu ao PS a inesperada maioria absoluta que obteve então. 

Poderá argumentar-se que, mesmo sem nenhuma dessas "majorações" da sua votação, ainda é possível o PS vencer as eleições a 10 de março, desde logo pelo legado positivo do Governo, pela falta de "appeal" político do PSD de Montenegro e, também, por efeito do crescimento do Chega, à custa dele.

No entanto, naquelas condições, a eventual vitória socialista torna-se bem mais arriscada e, a acontecer, seguramente menos expressiva.

Adenda
Acresce que, ao contrário da "Geringonça" de 2015-19 - que não passou de um acordo de sustentação parlamentar do governo minoritário do PS, a troco de vários ganhos nas políticas sociais -, não é provável que essa fórmula satisfaça as novas ambições políticas do BE, reforçadas pelas atuais perspetivas de subida eleitoral, levando-o a exigir um programa de governo negociado e, mesmo, a entrada no Governo - hipóteses que, a não serem preventivamente afastadas, seguramente não agradam a uma parte do eleitorado do centro político que há dois anos deu a folgada vitória eleitoral ao PS

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Aplauso (28): Uma agradável surpresa


Não sendo membro da maçonaria (nem de qualquer outra irmandade, fraternidade ou simples confraria), nunca tinha visitado o Museu Maçónico do Grande Oriente Lusitano, ao Bairro Alto, em Lisboa.

Ontem, porém, aproveitando a sessão de apresentação do livro de um eminente maçon do século XIX, José Liberato, a que me referi no post anterior, aceitei o convite do Grão-Mestre para visitar o museu. Sabendo que o espólio histórico de mais de um século da maçonaria tinha sido destruído pelo assalto fascista da Legião em 1935 e pelo subsequnte confisco do palácio maçónico até 1974, foi para mim uma agradável surpresa encontrar um notável acervo documental, iconográfico, bibliográfico, entretanto reunido, testemunhando o contributo decisivo da maçonaria para as três grandes revoluções políticas dos últimos dois séculos em Portugal: a revoluação liberal (1820), a revolução republicana (1910) (como mostram as duas imagens acima) e a revolução democrática (1974).

Obrigado, pela história e pelo museu!

Bicentenário da Revolução Liberal (50): Spartacus

Ontem estive aqui, no Grémio Lusitano, em Lisboa, junto com o meu colega, Prof. José Domingues, a apresentar o nosso recente livro sobre o pensamento político de José Liberato, em especial o seu projeto de constitucionalismo liberal, que ele expôs, entre 1819 e 1821, a partir do exílio em Londres, no seu jornal O Campeão Português.

Tendo sido também uma grande figura da maçonaria portuguesa na 1ª metade do século XIX - a que aderiu em 1806, sendo ainda clérigo, adotando o nome simbólico de Spartacus -, foi com gosto que fizemos a apresentação desta obra, que se propõe resgatar a importância de Liberato como dos "pais intelectuais" da Revolução Liberal de 1820 e do constitucionalismo, na sede do Grande Oriente Lusitano, que cuida de honrar a sua memória

Causa Nossa, 20-anos-20 (II) - Top five

Ao longo destes 20 anos, o Causa Nossa teve mais de 5,3 milhões de visualizações, o que dá uma média diária de 730. 

E entre os numerosos posts publicados há muitos que alcançaram milhares de visualizações, à cabeça dos quais estão os cinco indicados no quadro acima, que constituem uma boa amostra da liberdade crítica e do estilo do Causa Nossa, e que podem ser relidos aqui: 

- Ai Portugal (13): O Ministério Público é intocável?

- Corporativismo (3): Ordem ou sindicato oficial?

- Populismo judicial

- O que o Presidente da República não deve fazer (13): Um veto problemático

- Geringonça (10): Uma história afeiçoada

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

CAUSA NOSSA, 20-anos-20!

1. Faz agora vinte anos que foi fundado o Causa Nossa, em 22 de novembro de 2003, sendo um dos  mais antigos blogues em publicação ininterrupta e um dos poucos sobreviventes da "era de ouro" da blogoesfera, no início deste século. 

Nascido a partir de uma tertúlia convivial reunida pelo saudoso jornalista Vicente Jorge Silva, nessa altura deputado do PS, o blogue foi buscar o nome, que eu sugeri, ao restaurante do Bairro Alto, Lisboa, onde nos reuníamos, o Casanostra (na imagem). Com o tempo, o grupo inicial (cuja composição continua a constar da ficha do blogue, no topo desta página) foi-se reduzindo, por efeito de compromissos profissionais e políticos pessoalmente mais exigentes, pelo que desde há poucos anos só permanece no ativo o autor destas linhas, de resto o contribuinte mais assíduo desde o princípio. 

Tornado uma tribuna publicamente identificada com o seu atual autor, o Causa Nossa não esquece, porém, o legado deixado pelos fundadores, que faço questão de evocar, não sem emoção, neste 20º aniversário

2. No editorial inaugural, há duas décadas, depois de informar os leitores que não se tratava de «uma iniciativa de grupo organizado, mas sim de um conjunto de pessoas individualmente identificadas, marcado pela independência e diversidade individuais», acrescentava-se: «partilhamos algumas ideias e valores fundamentais, identificados com a autonomia pessoal, a liberdade de costumes, o liberalismo político, o pluralismo cultural, a tradição progressista da social-democracia e da esquerda democrática, a construção europeia e a globalização democrática»

Julgo que o blogue se tem mantido fiel a esse "credo" enunciado pelo grupo fundador, quer quanto à postura crítica e à independência política, quer quanto aos referidos princípios doutrinários. 

3. Às causas iniciais, que continuam tão atuais e tão relevantes hoje como ontem, fui acrescentando as minhas próprias causas específicas, como a defesa da democracia parlamentar, da descentralização territorial (incluindo as autarquias regionais), do rigor orçamental e equilíbrio das contas públicas, da sustentabilidade financeira do Estado social, da natureza e do ambiente, bem como a luta contra as touradas, a transformação do país num imenso eucaliptal, a invasão da cidades pelos automóveis e o corporativismo das ordens profissionais, sem esquecer, no plano internacional, a defesa da causa palestiniana, neste momento em vias de ser aniquilada pela invasão israelita de Gaza, perante a cúmplice complacência ocidental. 

Tendo este blogue o nome que tem, nenhuma boa causa lhe deve ser alheia.

4. Outra inovação nos últimos anos, esta de natureza formal, foi a reformulação da apresentação dos posts, que passaram a ser identificados pelo tema a que se referem e a ser numerados dentro de cada rubrica - pelo que o número de posts reflete a importância de cada tema e a frequência com que regresso a ele.  Por sua vez, cada post também é subdividido em parágrafos numerados, terminando cada parágrafo com uma ideia conclusiva destacada a amarelo (como é o caso do presente post...).

Penso que essa forma de apresentação torna os posts graficamente menos pesados para os leitores, facilitando a sua leitura e sublinhando as ideias principais.

5. «Queremos ser uma referência na esfera bloguística» -, era assim que terminava a referida declaração de fundação deste blogue, há vinte anos. 

Penso que, contados mais de 12 000 posts e somadas mais de 5 milhões de visitas ao longo destes 20 anos, esta ambição tem vindo a ser realizada na área do debate de ideias e de propostas políticas, como revela o número consistente dos seus subscritores e de leitores diários e o diálogo com eles, assim como o eco que as posições aqui defendidas encontram na esfera pública e política, mesmo quando não publicamente assumido. 

Assim esperamos prosseguir, enquanto o ânimo não desfalecer.

Adenda
Comentário de uma leitora (via Linkedin): «Venham mais 20!». Bom, gostaria de poder prometer!...

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (5): Boas notícias para o PS

A somar ao rápido esvaziamento político da operação "Influencer" do MP contra o Governo - que as oposições se preparavam para explorar sem escrúpulos -, a continuação das boas notícias, como a subida do rating da República e da própria TAP - que refletem a boa situação da economia e das finanças públicas - são de molde a animar as expectativas eleitorais do PS e a desanimar as do PSD e da direita em geral.

Adenda
Provavelmente, o PS já encontrou o seu melhor cartaz de campanha - a manchete de hoje no Jornal de Negócios, resumindo a entrevista com Paul Krugman:


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Praça da República (77): À margem da Constituição!

1. Este artigo de uma magistrada superior do Ministério Público, no Público de hoje, é de leitura obrigatória, porque ele vem confirmar, a partir de dentro da instituição, tudo o que tem motivado as críticas à organização e funcionamento do MP, a começar neste blogue (por último, AQUI).

As questões essenciais são estas: (i) a Constituição diz que o Ministério Público «goza de (...) autonomia, nos termos da lei», mas o que temos hoje é uma estatuto de completa independência, não respondendo a instituição nem prestando contas, através do PGR, perante ninguém, nem perante a AR, nem perante o PR, que o nomeia e pode demiti-lo (sob proposta do PM); (ii) a Constituição diz que os agentes do MP «são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados», mas sabemos - e este artigo confirma-o inteiramente -, que não há hierarquia nem responsabilidade, prevalecendo, em vez disso, um sistema feudal, em que cada encarregado da investigação penal goza de pleno alvedrio na condução das mesmas, proporcionando terreno fértil para os abusos de poder individual, de acordo com as simpatias ou antipatias políticas de cada um, incluindo um patente golpe de Estado.

Em suma: o Ministério Público tornou-se um abcesso institucional manifestamente à margem da Constituição e das regras essenciais do Estado de direito.

2. Respeitando integralmente a sua autonomia constitucional, cumpre, porém, fazer valer a ordem constitucional no Ministério Público - em vez da ordem corporativa abusivamente representada pelo Sindicato dos magistrados -, a começar pela Procuradoria-Geral da República. 

Para isso impõe-se : (i) tornar o Procurador-geral a efetiva autoridade governativa e administrativa suprema no Ministério Público; (ii) obrigar a instituição, através do Procurador-geral, a prestar contas regulares da atividade do MP à AR e ao PR; (iii) instituir uma efetiva hierarquia e responsabilidade hierárquica interna, incluindo para efeitos disciplinares, retirando esta competência ao "parlamento" do CSMP; (iv) em especial, punir disciplinarmente e fazer punir penalmente os conluios entre magistrados do MP e a imprensa, principal fonte da sistemática e impune violação do segredo de justiça, sempre que estão em causa investigados politicamente expostos.

Tal como está, o MP tornou-se um risco sistémico para o Estado de direito constitucional, que urge afastar.

Adenda
É merecido o impacto público do artigo aqui comentado, como aqui na CNN. A autora vai certamente ser crucificada pelo corporativismo dominante na cultura da instituição, mas eu confio que seja o princípio do fim da sua imunidade ao escrutínio público.

Adenda 2
Um leitor considera que a correção desta situação necessita de uma intervenção política «que só um entendimento entre o PS e o PSD pode assegurar». Concordo e, por isso, lamento que o PS não tivesse dado seguimento, alegadamente em nome da defesa da independência da justiça - que não estava em causa -, à proposta do PSD de Rui Rio, a qual, é certo, não respondia a todos os problemas acima enunciados e continha algumas soluções controversas, mas podia ser ser utilizada como base de negociação.

Adenda 3
Outro leitor considera que o Ministério Público entrou em «deliberada operação de "legal warfare" contra o poder político, tal como foi concebida pela teoria e pela prática nos Estados Unidos», abusando do instrumental à sua disposição contra os agentes políticos, incluindo o vazamento para a imprensa de investigações sem fundamento, buscas espalhafatosas, previamente "filtradas", prisões preventivas arbitrárias, demora deliberada na investigação, violação sistemática do segredo de justiça e instrumentalização dos meios de comunicação mais populares, impugnação caprichosa das decisões dos juízes de instrução, etc. Sim, toda a panóplia conhecida da political lawfare, ou seja, utilização de instrumentos jurídicos como arma de guerra política, têm sido utilizados.

Bicentenário da Revolução Liberal (49): O triunfo da contrarrevolução em 1823

Menos de três anos após a Revolução Liberal de 1820 e pouco mais de oito meses depois da Constituição de 1822, que dela dimanou, o "triénio liberal" cessou às mãos da sublevação liderada pelo infante D. Miguel, à frente de várias unidades militares, a partir de Vila Franca de Xira - a Vila-Francada.

Com este livro, da minha coautoria com José Domingues - que encerra o nosso projeto comum de investigação sobre a história da Revolução Liberal, iniciado em 2018 -, descrevemos as origens e o processo contrarrevolucionário, bem como o desmantelamento integral do Vintismo, desde a revogação da Constituição - a mais efémera das constituições portuguesas - até à anulação das próprias eleições vintistas de 1820 e 1822, um sanha reacionária sem paralelo em qualquer outra contrarrevolução no País.

Adenda
O livro encontra-se disponível on-line, em acesso livre.

domingo, 19 de novembro de 2023

Alma mater (1): E todavia, continua a liderar

Desmentindo uma certa ideia de perda da antiga liderança académica da Universidade de Coimbra, o prestigiado e exigente ranking global de universidades do Times Higher Education acaba de a considerar a melhor universidade do País, à frente das duas outras universidades mais antigas, as de Lisboa e do Porto.

Curiosamente, certas universidades hoje com alto conceito entre a elite social e política nacional, nomeadamente a Católica, a Nova de Lisboa e o ISCTE, aparecem em lugares bastantes mais modestos. 

Pelos vistos, nesta área, a tradição da UC ainda é o que era!

Eleições parlamentares 2024 (4): Venha o diabo e escolha

1. Não há nada a objetar à posição do Presidente da República, de que não se oporá a um Governo que, eventualmente, se baseie num acordo com o Chega

Na verdade, embora incumba ao PR a designação do Governo, o únicio critério constitucional atendível na formação de novo executivo é o que decorre dos resultados eleitorais e da composição parlamentar, não lhe cabendo substituir as suas preferências políticas às dos eleitores e aos subsequentes entendimentos entre os partidos políticos, até porque os governos não dependem da sua confiança, sendo politicamente responsáveis somente perante o Parlamento. 

O que pode variar é o modo e a intensidade com que o PR exerce o seu "poder moderador" sobre o Governo em funções, desde o poder de veto legisaltivo ao poder de dissolução parlamentar.

2. De resto, mesmo que das eleições saísse uma maioria parlamentar das direitas - o que, tudo indica, só existirá incluindo o Chega, dadas as suas boas perspetivas eleitorais -, nada impõe que o Governo de direita que se formasse na base dela se baseasse numa coligação governativa com o partido da extrema-direita, nem sequer num acordo de apoio parlamentar, como na Madeira.

Se Montenegro ganhar as eleições e mantiver o seu compromisso de não negociar um acordo de governo com o Chega, avançando para um executivo minoritário com a IL (e o CDS, se este recuperar representação parlamentar), aquele terá de decidir se rejeita liminarmente o Governo na apresentação parlamentar deste, aliando-se à esquerda, ou se o deixa passar - bastando, aliás, a abstenção -, sabendo que o executivo vai sempre ficar dependente do seu voto no parlamento, desde logo no orçamento.

3. A questão que se pode colocar é mesmo a de saber qual solução é pior para a direita democrática e para o País: uma coligação de Governo abrangendo o Chega, em que este fica vinculado ao programa de governo, à autoridade do primeiro-ministro e à solidariedade governamental, ou um Governo sem o Chega, mas na sua dependência política permanente e sujeito a negociar e a ceder em todos os dossiês, a começar pelo orçamento...

Ou seja, com ou sem Chega no Governo, uma maioria eleitoral das direitas é sempre um perigo.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Amanhã vou estar aqui (19): A UE precisa de uma Constituição?

Amanhã à tarde, em Aveiro, vou participar, junto com o Prof. Paulo Otero (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) num painel sobre se «Deve a União Europeia ter uma Constituição formal?», integrado no Curso de Formação Política sobre a Europa, organizado pelo Instituto Amaro da Costa, ligado ao CDS.

Sendo um tema que me interessa tanto sob o ponto de vista político como académico, como estudioso do Direito constitucional da União (última disciplina que lecionei na FDUC antes da minha jubilação), é uma boa ocasião não somente para fazer o ponto do processo de integração política europeia, mas também de abordar os desafios emergentes, desde logo o ligado ao previsto alargamento aos Balcãs e ao Mar Negro.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...