quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Voltar ao mesmo? (12)

1. Provavelmente, o Governo vai ceder nas negociações do orçamento para 2018 quanto ao limite dos 200 milhões de euros que tinha "predestinado" para a reabertura das progressões na função pública. Se a isso se somarem os cerca de 800 milhões de despesa acrescida com as pensões (em consequência do aumento extraordinário, que este ano só começou a ser pago em agosto, e da atualização ordinária prevista na lei, entre outros fatores), bem como o anunciado acréscimo da dotação para saúde e educação e o aumento de efetivos nas forças armadas e forças de segurança, podemos antecipar que, se não houver cortes na despesa de outras rubricas (assaz improvável), o orçamento do ano que vem vai importar uma subida da despesa pública de mais de mil milhões.
É certo que em tempo de "vacas gordas" na economia, a receita pública vai dar e sobrar para arcar com essa despesa acrescida, mesmo contando com as duas ou três centenas de milhões do alívio do IRS. O problema é que, se é fácil pagar nova despesa quando a economia "bomba" receita fiscal e poupa despesa social, tudo se torna mais difícil quando a economia arrefecer, a receita descer e a despesa, essa, permanecer.

2. Sem grande simplificação, a vida orçamental em Portugal desde o início da era democrática tem-se pautado pela repetição de um ciclo nefasto, de que nem as regras de disciplina orçamental da UE nos têm libertado até agora: aumento da despesa pública nos períodos de crescimento económico (e nas vésperas de eleições), seguido de aumentos de impostos ou do défice orçamental e da dívida pública, ou de ambos, quando as condições económicas mudam. 
Tirando os períodos de assistência externa (1983-85 e 2011-14), nunca foi possível reverter em termos reais os aumentos de despesa anteriores ou sequer parar o aumento da despesa, especialmente da despesa corrente (como mostra o quadro junto). Em especial, os aumentos de pensões e da despesa com pessoal da função pública são tão politicamente tentadores (por causa da importância eleitoral desses vastos grupos sociais) quanto insuscetíveis de reversão posterior

3. Na atual euforia com a inesperada dimensão do crescimento económico - em grande parte alimentado pela procura externa (exportações e turismo) - e com o maná financeiro que ele proporciona, pode não haver lugar para a prudência política que o nosso irresponsável historial orçamental aconselharia.
Em geral, a esquerda tem propensão para aumentar a despesa pública e subir os impostos; em tempo de vacas gordas, não sendo preciso sequer subir os impostos (pelo contrário) para haver mais dinheiro, a tentação para o despilfarro da despesa pública pode ser compulsiva. Mas seria grosseira leviandade política esquecer esse historial, sobretudo quando herdámos dele a montanha de dívida pública que devia prevenir gritantemente contra o regresso ao fado passado.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Este país não tem emenda (12)

A imagem apresenta dois edifícios públicos sitos na chamada Ilha do Farol (ponta ocidental da Ilha da Culatra, no Algarve), tendo sido instalações de apoio à construção da barra Faro-Olhão, visível em segundo plano. Estão abandonados há anos (excetuada alguma ocasional ocupação privativa por funcionários em férias), em visível processo de degradação. De resto, há outros edifícios públicos no mesmo local em situação idêntica.
É assim o destino de muito património público edificado. Depois de deixar de ter o uso originário é pura e simplesmente abandonado à usura do tempo e dos elementos, até à impossível recuperação, em vez de lhe ser dado outro destino. Ora, se os portos já não precisam de tais edifícios - que são de boa qualidade e localizados numa situação privilegiada -, porque não ceder o seu uso, a título gratuito ou oneroso, a outras entidades públicas ou privadas de fins públicos (restaurante, hostel, etc.), que lhe deem nova serventia e assegurem a sua conservação, bem como o arranjo do espaço envolvente?
O primeiro cartão de apresentação do poder público é o estado dos edifícios públicos. No caso concreto, como infelizmente em muitos outros, só há razões para inquietação. Se o Estado desgoverna assim o seu património edificado, que afinal é pertença da coletividade, como confiar que é mais zeloso no resto?

Demagogia fiscal


A deputada do Bloco, Mariana Mortágua, defende que os contribuintes de IRS que ficam no 1º escalão (e não apenas os do 2º escalão) também devem ser aliviados no Orçamento para 2018,  pois não faria sentido esquecer "os mais pobres entre os pobres".
Pode-se obviamente contestar o valor elevado da taxa do 1º escalão. Mas falar neste contexto nos "mais pobres entre os pobres" constitui  pura demagogia política, em que o BE é useiro e vezeiro. De facto, os pobres (e não apenas os mais pobres) não estão sujeitos obviamente a IRS, por o seu rendimento não superar o limiar de "rendimento coletável" (que é sempre inferior ao rendimento efetivo, dadas as deduções). Na verdade, quase metade das famílias em Portugal não paga IRS e mais de metade do montante do imposto é paga por uma pequena minoria de contribuintes, cujos rendimentos caem no 3º e no 4º escalões do imposto.
Deixando de lado os rendimentos sujeitos a "taxas liberatórias", a ideia de que existe um défice de progressividade no IRS é uma treta.

Adenda
Há agora a noticia de que vai mesmo ser alargado o número de famílias isentas de pagamento de IRS. Afinal, a deputada do Bloco só se adiantou mais uma vez no anúncio de uma medida da Geringonça, marcando a agenda política. Por este andar, o IRS, que devia ser tendencialmente um imposto universal (obviamente com uma taxa inicial mais baixa do que a atual), vai recair sobre uma minoria de portugueses!

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sem fundamento

Pode haver vários argumentos a favor da adoção do chamado "sistema eleitoral proporcional personalizado" de tipo alemão, em que uma parte dos deputados (tendencialmente metade) é escolhida por maioria em círculos uninominais (sendo depois contabilizados na quota proporcional do respetivo partido).
Mas entre esses argumentos não se conta com certeza a ideia de que isso ajudará a reduzir a corrupção. Não se vê que relação pode ter uma coisa a ver com a outra.

Um pouco mais de ambição sff

1. Sem surpresa, face aos dados da execução orçamental do primeiro semestre, o Ministro das Finanças veio anunciar que vão ser alcançadas as metas estabelecidas para a redução do défice orçamental (para 1,5%) e a diminuição do rácio da dívida (para 127,7%).
Todavia, como tenho escrito vários vezes, a substancial aceleração do crescimento económico e da criação de emprego entre nós, puxada essencialmente pelo robusta retoma económica europeia, deveria levar a propor objetivos bem mais ambiciosos do que os inscritos no Orçamento deste ano (aliás, já de si pouco ousados), baseados numa previsão de crescimento do PIB de 1,8%.
Primeiro, se essa taxa vai ser afinal assaz superior (talvez acima dos 2,5%), o simples aumento do PIB faz diminuir automaticamente o défice e o rácio da dívida, mesmo que o montante de ambos não se altere. Em segundo lugar, o maior crescimento económico vai provocar diretamente um considerável aumento da receita (impostos e contribuição para a SS) e uma sensível redução da despesa pública (menos subsídios de desemprego e de outras prestações sociais). Por cada mil milhões de PIB a mais o Estado arrecada pelo menos um terço em receitas tributárias.

2. Não existe nenhuma razão para não aproveitar esse excedente para reduzir consideravelmente mais o défice e a dívida (tendencialmente para 1% e 125% do PIB, respetivamente), em vez de aproveitar a folga para aumentar a despesa pública em relação ao previsto, como defende a extrema-esquerda.
Tenho defendido repetidamente que a prioridade deve ser a redução da dívida, como condição para revisão da atual notação negativa das agências de rating, a fim de conseguir uma baixa de taxa de juros e portanto uma redução dos encargos da dívida, que pesam enormemente sobre o orçamento (sem paralelo noutro país da zona euro). Seria lamentável não aproveitar esta benesse de um crescimento bem acima do previsto para alcançar metas bem mais ambiciosas do que o programado.

sábado, 26 de agosto de 2017

Angola

As eleições angolanas, assinaladas por uma notável serenidade e maturidade política e cívica e consideradas "livres e justas" por reputados observadores externos, representam um notável progresso em termos de consolidação de uma democracia eleitoral multipartidária estável no país, comparando bem com as eleições em "democracias incipientes" noutras geografias.
Como se esperava, o MPLA voltou a ganhar, mas viu reduzida a sua hegemonia eleitoral, embora tenha mantido por pouco a maioria parlamentar de 2/3. As dificuldades económicas associadas à baixa das receitas do petróleo e a crise social não podiam deixar de pesar negativamente nos resultados, como se verificou especialmente em Luanda. Mas, como sucede por esse mundo fora, não bastam as dificuldades económicas e sociais nem níveis elevados de corrupção e de apropriação privada de recursos públicos para que as oposições ganhem eleições; é necessário também que estas sejam credíveis como alternativa de governo, o que claramente ainda se não verifica em Angola.
Para o bem e para o mal, o MPLA continua a beneficiar politicamente do seu incontornável património histórico de símbolo e fautor da independência nacional, da paz, da unidade e coesão nacional e da estabilidade política. Não é pouco, particularmente no contexto africano!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Este país não tem emenda (11)

As más ideias passadas ressurgem sempre, sobretudo quando se trata de pôr a coletividade a pagar os benefícios de alguns. É o caso desta proposta de o Estado voltar  a cofinanciar a ADSE, o sistema privativo de saúde da função pública.
Tendo sido um dos primeiros a contestar, há mais de dez anoso financiamento orçamental da ADSE e a sua obrigatoriedade, entendo que o novo regime de autossustentação financeira pelos beneficiários e a natureza voluntária desse sistema constituem uma enorme progresso, que, por isso, deve ser irreversível.
Representa uma rematada hipocrisia argumentar que o Estado deve proporcionar serviços de saúde aos seus funcionários, tal como fazem muitas empresas, pois isso ignora que seriam os contribuintes em geral a suportar esse financiamento (para além de que os funcionários públicos continuam a beneficiar de regalias próprias, como o horário de 35 horas e a segurança no emprego).
Os contribuintes já financiam integralmente o SNS, que é universal. Quem quer serviços de saúde privativos à margem do SNS, deve pagá-los - integralmente!.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

27 anos de atraso

1. Sempre me surpreendeu a incapacidade dos governos de esquerda na América Latina, como o Brasil, o Chile, etc., de levarem por diante a despenalização do aborto, mantendo uma criminalização geral, salvo, em alguns países, nas situações de violação ou de perigo para a vida ou saúde da grávida.
A atávica oposição da Igreja Católica não chega para explicar a situação, como revelou o caso de países tão católicos como Portugal, Espanha e Itália, ou até a Polónia. Só a Irlanda e Malta constituem uma exceção na Europa, continuando o aborto a ser crime salvo, no caso irlandês, quando necessário para salvar a vida da grávida. De resto, na própria América Latina, a cidade do México e o Uruguai (além de Cuba, naturalmente) também conseguiram derrubar o muro da resistência conservadora.

2. Entre os países em que a criminalização do aborto não tinha exceções contava-se o Chile, desde a ditadura de Pinochet. Por isso deve saudar-se a despenalização do aborto agora decidida no Chile, embora limitado às três situações típicas de violação, malformação do feto ou perigo para vida da grávida. Mas foi preciso esperar 27 anos desde a democratização do país para conseguir essa limitada vitória sobre o obscurantismo.
Infelizmente, noutros países como o Brasil, os governos do PT nem sequer colocaram a questão da despenalização do aborto na agenda legislativa e nada indica que as coisas possam mudar na nova conjuntura política resultante do afastamento do PT do Governo de Brasília.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Por outras palavras (2)

«Portanto, já que chegámos até aqui e aparentemente está muita gente satisfeita com o resultado [crescimento económico com disciplina orçamental, acicatado pela retoma da zona euro e assente no investimento privado e na procura externa], podíamos construir uma espécie de consenso nacional para o futuro: para termos crescimento económico não precisamos de políticas que geram desequilíbrios nem de odiar governantes eleitos noutros países. Basta fazermos o nosso trabalho bem feito, que é uma ideia a que temos tido dificuldade em habituar-nos. Mesmo que o crescimento venha a desacelerar, temos que resistir ao regresso a estes vícios mitológicos». [Paulo Ferreira, aqui]
Concordo.
Por minha parte, neste blogue, também tenho investido frequentemente contra os preconceitos, correntes à esquerda, de que a zona euro impede o crescimento económico dos países periféricos, de que a disciplina orçamental mata o crescimento, etc.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Ai, o défice (3)

Como já aqui se tinha assinalado há algum tempo, o excedente comercial externo - que é uma façanha recente da economia portuguesa - está a reduzir-se a ritmo acelerado, apesar do considerável aumento do saldo positivo do comércio de serviços (mercê do boom do turismo), uma vez que ele é superado pelo défice crescente do comércio de mercadorias, consequência do crescimento económico interno, e em especial do consumo interno, alimentado pelo aumento do poder de compra e do crédito.
Por este andar - bastará o arrefecimento da invasão turística -, não tardará muito a regressarmos à tradicional situação deficitária da balança comercial global, retomando o endividamento externo da economia portuguesa.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Voltar ao mesmo (11)

Discordo desta ideia, "soprada" de fonte governamental, de no próximo Governo retirar a secretaria de Estado da Administração Pública (SEAP) da alçada do Ministério das Finanças, como já sucedeu no passado, sem bons resultados.
Há duas razões contra. Primeiro, uma tal medida retiraria ao MF a capacidade, que hoje tem, de gerir integradamente todos os recursos do Estado, ou seja, as finanças, o património e o pessoal. Segundo, a sujeição da SEAP a outra tutela governativa pode facilmente gerar fricções com o Ministério das Finanças, dado o enorme peso orçamental das medidas respeitantes à função pública e o seu impacto nas contas públicas. A justificação invocada para a medida deixa, aliás, subentender uma crítica ao MF pela resistência que tem oferecido a muitas propostas dos sindicatos e da extrema-esquerda parlamentar, por porem em causa a estratégia de consolidação orçamental.
É evidente que os funcionários públicos representam uma apetecível "constituency" eleitoral, cuja conquista pode decidir o resultado das eleições parlamentares. Mas, a esta distância do fim da legislatura, talvez seja prematuro começar a cortejar politicamente os grupos eleitoralmente mais influentes...

Embandeirar em arco

1. Apesar de ter ficado aquém de algumas previsões mais otimistas, o crescimento económico do segundo trimestre manteve-se em elevado nível (2,8% em termos homólogos), motivando o entusiasmo oficial. Há, porém, dois riscos nesta circunstância.
O primeiro consiste em pensar que Portugal constitui um caso singular de desempenho económico, quando na verdade toda a Europa passa por uma aceleração da retoma económica. A UE cresceu acima das previsões. A Itália não crescia assim desde 2011 e a Holanda, desde a inauguração do euro!
O segundo risco consiste em pensar que a presente fase ascendente do ciclo económico se vai prolongar indefinidamente, quando a verdade é que ela pode ser travada por vários fatores, como, por exemplo, a valorização do euro, a subida dos juros ou elevação da cotação do petróleo.

2. Não existem, portanto, razões para "embandeirar em arco", como deixar disparar o crédito ao consumo e abrir os cordões à bolsa orçamental, como é a tentação nestas situações, quando o crescimento da economia e do emprego empola as receitas tributárias e reduz as despesas sociais (subsídio de desemprego e outros prestações sociais). Parece haver dinheiro para tudo!
Como já aqui se assinalou várias vezes, as atuais circunstâncias económicas excecionalmente favoráveis e a margem financeira que elas proporcionam deveriam ser aproveitadas para apressar a consolidação orçamental, de modo a reduzir o recurso a mais endividamento e a obter uma significativa baixa do rácio da dívida em relação ao PIB, sem o que não haverá melhoria do rating da dívida, condição essencial para a redução da respetiva taxa de juros.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Corporativismo (5): "Nonsense"

Nesta entrevista, em que este fala abusivamente como se fosse um dirigente sindical, o bastonário da Ordem dos Médicos sustenta, entre outras pérolas, que a medicina deveria ser considerada uma "profissão de desgaste rápido" e que é uma "provocação" a proposta do Ministro da Saúde de rever o limite dos 55 anos para a prestação de serviços de urgência diurna (a urgência noturna não é obrigatória depois dos 50 anos!).
Se a primeira ideia merece ir para um registo de "nonsense" corporativista, a segunda não faz nenhum sentido, pois não se vê nenhuma justificação para aquele limite, aliás estabelecido quando a esperança de vida era muito menor e quando a idade de aposentação da função pública era 60 anos. Sendo esta agora de mais de 66 anos, comprende-se perfeitamente que aquele limite também seja estendido, sob pena de redução da proporção de médicos disponíveis para as urgências.
Mas o corporativismo é assim: insensível a qualquer argumento racional que ponha em causa os privilégios profissionais.

Adenda
Confrontado com uma notícia de que um médico de um centro hospitalar teria ganho 24 mil euros num mês, o bastonário respondeu que há médicos que trabalham mais do que o horário normal, fazem urgências, "trabalham dia e noite". Talvez sejam casos destes que ele tinha em mente para ilustrar o "desgate rápido". Bom, o desgate pode ser rápido mas o enriquecimento também...

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Geringonça (3): O teste

1. O Presidente da República resolveu optar pelo veto político da lei da AR que alterou a regime de transferência da Carris para o município de Lisboa, acrescentando uma norma que proíbe ao município uma eventual futura concessão desse serviço público, que logo aqui critiquei aquando da aprovação da lei, embora por razões de constitucionalidade (que a nota presidencial também insinua).
A maioria parlamentar que apoia o Governo vai ser submetida a um interessante teste: se vai conformar-se com o veto, aceitando sacrificar a referida norma e preservar o resto da lei, ou se resolve contestar o veto e fazer finca-pé no seu dogmatismo contra a possibilidade de concessão privada dos transportes públicos (que sempre dependerá de uma decisão do município, aliás pouco provável).
Particularmente curiosa vai ser a posição do PS, que envolve obviamente uma opção doutrinária...

2. Questão "picante" é a de saber se neste caso o veto presidencial pode ser superado por maioria absoluta, como é a regra, ou se é exigida a maioria de 2/3, por estar em causa o limite entre o setor público e o setor privado da atividade económica, pois as atividades concessionadas, apesar da titularidade pública e das obrigações de serviço público, são tecnicamente integradas no setor privado.
Nessa hipótese, só resta à maioria optar entre sacrificar a referida norma ou deixar cair todo o diploma.


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Contra os candidatos "paraquedistas" !

(Fonte da imagem aqui
1. «Quem é elegível tem o direito de se poder eleger», defende Luís de Sousa no Público de hoje, argumentando que, se se admite que não residentes sejam candidatos nas eleições locais (como defende o Tribunal Constitucional), então os candidatos forasteiros devem também poder ser eleitores nas mesmas autarquias.
Desde há muito que discordo quer do presuposto quer da consequência. Apesar de inicialmente a ter subscrito, já tive ocasião de criticar publicamente a infeliz doutrina do Tribunal Constitucional, que não me parece fazer sentido em termos de democracia representativa e que contradiz o sentido constitucional do poder local.
A autonomia do poder local significa por definição autogoverno das coletividades locais. Por isso, só os membros de cada coletividade local, ou seja, os cidadãos eleitores residentes, devem poder ser candidatos. De outro modo, teremos heterogoverno e não autogoverno. De resto, se as autarquias locais têm poderes normativos e poderes tributários, só os residentes, que vão ser submetidos a essas normas e a esses tributos, têm legitimidade para conferir e receber o mandato representativo.
Por maioria de razão, é absurdo admitir o direito de voto de quem não pertence à coletividade nem vai ser afetado pelos poderes da autarquia local em causa.

2. É evidente que ninguém que não seja eleitor nos Açores e na Madeira pode ser candidato nas respetivas eleições regionais. Não se vê nenhuma razão para que tal possa ser admitido nas eleições locais. Ao contrário da ideia por vezes defendida, as autarquais locais também gozam de autonomia "política" em sentido próprio, visto que lhes compete, sob responsabilidade própria, prosseguir as atribuições que lhes são confiadas pela Constituição e pela lei.
Como é evidente, não pode invocar-se um pretenso paralelismo com as eleições parlamentares, onde há muitos candidatos em círculos diferentes daqueles em que são eleitores. Só que aí os circulos eleitorais são simples segmentações administrativas do corpo eleitoral nacional, que é uno. Os deputados, onde quer que sejam eleitos, representam todo o país e não os círculos por onde são eleitos. Em todo o caso, nunca ninguém foi ao ponto de defender que os candidatos paraquedistas podem também ser eleitores no círculos por onde se candidatam.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Por outras palavras

«A influência da diplomacia na política é hoje um facto incontroverso [em Portugal]. (...). As razões deverão procurar-se nos meandros de uma congregação de 900 elementos que atuam em sintonia e habilmente, embora às vezes ao jeito do Sir Humphrey de “Yes Minister”. Veja-se que faria muito mais sentido a Representação Permanente em Bruxelas, REPER, ser assegurada por um político e não apenas por um diplomata, dada precisamente a relevância que assumem as relações com a União Europeia a todos os níveis do nosso quotidiano económico, político e social. A ideia, porém, nunca se concretizará. Da mesma forma que não se concretizou a criação de um ministério dos Assuntos Europeus a par de um dos Negócios Estrangeiros. No entanto, a sua existência esteve prevista no projeto de governo do PS. António Costa acabou por recuar e deixar a ideia no papel, regredindo ainda mais agora, com a saída de Margarida Marques para – enfatize-se – dar lugar a alguém vindo da diplomacia.» (E. Oliveira e Silva, no jornal I).
Concordo.
Defendi as mesmas ideias - nomeadamente a separação ministerial dos assuntos europeus e dos negócios estrangeiros, a chefia política da REPER em Bruxelas - por ocasião da constituição do atual Governo, num artigo referido aqui no Causa Nossa, mas que infelizmente já não se encontra online. E concordo com a ideia de que a recente nomeação de uma diplomata para a SEAE reforça o peso do corpo diplomático, e da sua visão própria, na política europeia do País.
[alterado o título dos post]

domingo, 30 de julho de 2017

Este país não tem emenda (11): Contra o "direito" a estacionamento gratuito

«"Está caótico [o Largo da Graça em Lisboa]. Ficou assim com estas obras. Deviam ter melhorado o Largo, mas tinham que arranjar uma alternativa para os [automóveis dos] residentes que não fosse os parques a pagar
1. Esta declaração de um morador, inserta numa peça jornalística sobre a política de estacionamento pago do município de Lisboa, traduz bem a falsa ideia de que as pessoas têm direito a estacionamento gratuito para os seus carros. Mas, como venho dizendo há decadas, tal direito não está garantido em lado nenhum, nem pode estar. Ninguém tem o direito de ocupar gratuitamente o espaço público, sobretudo o espaço público urbano. A ocupação privativa duradoura do espaço público deve ser onerosa.
Quem tem automóvel tem de assumir que não vai repassar para a coletividade os custos do estacionamento. Ou tem garagem própria ou tem de pagar uma taxa municipal pela ocupação do espaço público urbano destinado a esse fim.

2. Infelizmente em Portugal deixou criar-se a ideia de que existe um "direito universal, geral e gratuito" ao estacionamento e para isso estreitaram-se passeios e transformaram-se praças e jardins em locais de estacionamento. E quando não há espaço disponivel, então vale tudo (como mostra a imagem): ocupar placas, passeios e paragens de transportes urbanos, estacionar em segunda linha, invadir logradouros desocupados, etc.
O automóvel tomou conta das cidades, perante a complacência das autoridades municipais e a impunidade das infrações. Agora que alguns muncípios estão a levar a sério a recuperação do espaço público da invasão automóvel para fruição pública, começam os protestos de quem está mal-habituado. Mas não pode haver volta atrás.

3. Pior ainda é o imaginário direito dos funcionários a estacionamento gratuito nos respetivos serviços públicos. Também aqui não existe tal direito nem pode existir. O Estado não tem nenhuma obrigação de facultar estacionamento gratuito aos seus funcionários nos locais de trabalho, em escolas, universidades, hospitais, etc., o que gera a caótica ocupação selvagem dos seus espaços (como sucede cada vez mais, por exemplo, nos Hospitais da Universidade de Coimbra) e congestiona os arruamentos envolventes, sobretudo nas horas de entrada e de saída, dificultando o trânsito.
Ao invés, o que os serviços abertos ao público deveriam garantir, isso sim, era a disponibilidade de lugares de estacionamento (pago) temporário para os utentes desses serviços, evitanto a escandalosa situação, por exemplo, dos referidos HUC, onde os utentes vindos de fora, para consulta externa e para análises clínicas, têm de procurar penosamente um estacionamento no exterior, muitas vezes a centenas de metros.
Urge pôr fim a intoleráveis situações destas. Os serviços públicos existem para servir o público, não para dar regalias aos seus funcionários.


sábado, 29 de julho de 2017

Barbárie é barbárie

1. Mais um testemunho visual da cruel barbaridade dos chamados "touros de fogo", que se pratica em alguns lugares da Península Ibérica (este em Espanha), e que consiste em atar mechas aos cornos do touro e deitar-lhe fogo e libertá-lo na arena, para gáudio de expectadores ululantes.
Alguns chamam-lhe "tradições populares" e há quem proponha mesmo protegê-las como "património cultural".
Mas o que a cruel prática configura para todos os efeitos é um crime de horríveis maus tratos a animais para divertimento público, que como tal devem ser punidos os seus autores e cúmplices.

2. A propósito, há algum tempo foi noticiado um episódio desses em Portugal (Benavente), como, aliás recorda a notícia supra. A pergunta que ocorre é a de saber que seguimento teve o caso e se houve investigação criminal, ou se o caso já morreu na "brandura dos nossos costumes" quando se trata de transigir com toda a violência  que rodeia as touradas, mesmo na sua forma mais cruel, de que tivemos exemplo no lamentável reconnhecimento dos touros de morte em Barrancos (sempre em nome das tradições populares, claro!), a que ficou lamentavelmente associado o Governo socialista de Guterres e o Presidente Jorge Sampaio.
Um imperdoável retrocesso histórico!

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Há alguma lógica nisso?

1. É evidente que a subida do IVA de um bem ou serviço essencial, cuja procura em geral é pouco elástica, prejudica mais os consumidores mais pobres do que os abastados, pelo facto de aqueles gastarem uma percentagem maior do seu rendimento na aquisição desses bens e serviços. Assim sucedeu com a brutal subida do IVA da eletricidade de 6% para 23% em 2011 (quase triplicando)!
O Governo invoca o pesado custo orçamental de uma eventual descida dessas taxas para a rejeitar. Mas, entretanto, decidiu à cabeça reduzir o IVA nos restaurantes (de 23% para 12%), que é certamente um consumo bem menos essencial (e que os pobres em geral não fazem). E, pior ainda, manteve o IVA de 6% nos hotéis!

2. Ora, a Constituição manda onerar tributariamente os consumos de luxo. Em Portugal, porém, há consumos de luxo que pagam taxas de IVA mínimas ou médias (taxa de 6% nos hotéis de luxo e 12% em restaurantes de luxo), enquanto a eletricidade e o gás natural, dois consumos essenciais, se mantêm na taxa superior, de 23%.
Há alguma lógica nessa inversão de valores? Um mínimo de equidade tributária manda inverter, ou pelo menos pôr fim, a essa discrepância. Simplesmente, há a enorme diferença entre o poderoso e coeso lóbi da restauração e da hotelaria e o grupo difuso e desorganizado dos consumidores de eletricidade menos abonados  (que não têm sindicato nem grupo parlamentar). A tarifa social minorou este impacto para os mais pobres mas não o corrige para toda a gente.
Ora, se num Governo de direita, pressionado pela disciplina orçamental e sob tutela externa, isso poderia fazer algum sentido, tal não se passa num Governo de esquerda, que deveria ser mais atento à equidade fiscal!

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O meu mundo


A plataforma Linkedin indica as instituições a que pertencem os leitores de cada post, a sua categoria profissional e também a sua origem territorial. Considerando um dos meus últimos posts, que neste momento já leva alguns milhares de visualizações de todo o mundo, sendo por isso representativo, as principais cidades de origem estão indicados no quadro acima, disponibilizado pela própria Linkedin. A lista é naturalmente encabeçada por Lisboa e pelo Porto, mas logo seguidas de São Paulo, antes de Coimbra!
Cinco das nove cidades são estrangeiras, três europeias (Londres, Bruxelas, Genebra) e duas brasileiras (Rio, além de São Paulo). E de facto é este o mundo em que me tenho movido (só falta Veneza!). Não me posso queixar de não ser lido por esse mundo fora!

Corporativismo (4) - De novo a Ordem dos Médicos

Rechaçando as habituais reivindicações malthusianas da Ordem dos Médicos para a redução das vagas nos cursos de Medicina, só para limitar artificialmente a oferta de médicos, o ministro Manuel Heitor acrescentou que o Estado não tem de garantir emprego a todos os médicos, como foi a regra durante décadas, um privilégio que nenhuma outra profissão tem. «Não há obrigação nenhuma de que todos os graduados em Medicina tenham um emprego [público] garantido» - disse ele. Tem toda a razão! Há décadas que ando a defender o mesmo!
Também não entendo porque é que medicina é a única formação disponível somente nas universidades públicas, não havendo nenhum curso em universidades privadas. Ora, o Estado não é obrigado a proporcionar vagas a toda a gente nas universidades públicas, até pelos custos financeiros envolvidos, mas devia permitir que quem não tenha vaga possa ter uma alternativa privada em Portugal, em vez de ter de ir pagar um curso lá fora, com fazem os mais abonados, que depois vêm concorrer às vagas de estágio e de especialidade no SNS em Portugal.

Adenda
Argumentam os restricionistas que, depois, com excesso de oferta, não há vagas para a formação da especialidade para todos. Mas onde é que está escrito que todos os médicos têm de ser especialistas? E por que carga de água é que a formação especialista tem de ser assegurada pelo SNS a toda gente? Porque é que o setor privado não forma os seus próprios médicos especialistas em centros devidamente credenciados? Francamente, é tempo de separar águas definitivamente e de o Estado deixar de ser parasitado pelo setor privado no âmbito da saúde, à custa dos contribuintes. Julgo mesmo que os médicos formados pelo SNS deveriam ficar vinculados um certo número de anos ao setor público (salvo havendo redundância) para "retribuir" os custos da sua formação, sendo obrigados a candidatar-se às vagas abertas em qualquer ponto do país. É inadmissível que fiquem desertos concursos no SNS só porque os médicos recém-formados preferem logo locais mais confortáveis e mais rendosos.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Vale tudo?!

O líder parlamentar do PSD veio exigir ao Governo a divulgação, em 24 horas, da lista oficial das pessoas falecidas na tragédia de Figueiró.
Sabendo-se que esta exigência não pode ser satisfeita, por não depender do Governo a publicação dos nomes, que estão em segredo de justiça, por causa do inquérito criminal aberto pelo Ministério Publico, o precipitado ultimato só pode servir para que o PSD e tutti quanti explorem e ampliem, de forma populista, as irresponsáveis suspeitas postas a correr, sem nenhum fundamento credível até agora, de que o número de mortos é muito superior ao número oficialmente anunciado (64), cuja lista, aliás, já foi publicada pelo Expresso. Alguém pode acreditar que possa haver mais vítimas desconhecidas, para além daquelas que foram reconhecidas pelos serviços médico-legais e devidamente sepultadas, sem que outros corpos tenham aparecido e sem que familiares, amigos ou conhecidos tenham reportado a falta?
O PSD está a fazer aquilo que outros partidos, que não preciso de mencionar, fariam se fosse o PSD a estar no Governo. Mas a um partido de governo exige-se que se comporte, quando está na oposição, como faria se estivesse no Governo. E se tal fosse o caso, o PSD não exploraria despudoradamente esta contabilidade mortuária, cujo apuramento nem sequer pode ser manipulado ou sonegado pelo Governo. Na oposição, pelo menos numa oposição responsável, não vale tudo, mesmo em tempos pré-eleitorais! Num partido responsável, o oportunismo político mata.

Adenda
A pronta publicação da lista oficial de vítimas pelo Ministério Público, cancelando o segredo de justiça, confirma inteiramente a inventona da história de "mais mortes", a que o PSD oportunisticamente  se agarrou para fazer uma cena política, revelando a miséria moral da polítíca no seu pior.

As viúvas de Varoufakis

Nesta entrevista, o primeiro ministro grego, Tsipras, confirma que nunca quis sair do euro e lamenta os erros do seu primeiro Governo, com Varoufakis nas Finanças, que colocaram a Grécia à beira do desastre. Entre os seus "grandes erros" Tsipras menciona a "escolha de pessoas para cargos-chave", numa óbvia referência ao seu ex-colaborador (na imagem, ainda em lua de mel).
Hoje a Grécia, mercê de novo resgate, recuperou o equilíbrio orçamental; a economia voltou a crescer (ajudada pela retoma da economia da União) e anuncia-se a saída do procedimento do défice excessivo e o regresso aos mercados da dívida. Tudo se encaminha para que a Grécia, com mais tempo e mais dificuldades, por culpa própria, se encaminha para um novo caso de sucesso nos resgate de países sobre-endividados.
Mas a Grécia pagou um preço adicional em austeridade orçamental pela irresponsabilidade do antigo ministro das Finanças. É o preço do aventureirismo daqueles que escarnecem a consolidação orçamental e as regras em que baseia o euro, que porém aceitaram.
Considerando o exército de devotos "antiausteritários" de Varoufakis neste país, num esquerdismo primário de teor pararreligioso, seria interessante saber onde param as suas viúvas, e se chegaram à mesma conclusão de Tsipras. Por mim, recordo com agrado que não perdi oportunidade para denunciar a vertigem para o abismo que ele encabeçava alegremente.

Adenda
Também verifico que os antigos devotos de Chávez - que, aliás, coincidem em grande parte com os de Varoufakis - também começam a desmobilizar, em face do desastre para que se encaminha a Venezuela. Parece que o populismo esquerdista acumula derrotas. Ainda bem! Só é pena os estragos que fazem antes de saírem de cena

sábado, 22 de julho de 2017

Geringonça (2): "Fogo amigo"

Tornado improvável e surpreendente defensor do direito de propriedade fundiária relativo aos terrenos florestais sem dono conhecido, o PCP "chumbou" a proposta de lei sobre o "banco de terras", uma das três peças da importante reforma florestal proposta pelo Governo à AR, que por isso não foi inteiramente aprovada, diminuindo significativamente o seu alcance.
Dado o notório investimento político que o Governo colocou nesta reforma, aliás com o apoio expresso do Presidente da República depois da tragédia de Figueiró dos Vinhos, trata-se de um importante revés político, por oposição de um dos parceiros da Geringonça. O habitual consenso na "reversão da austeridade" revela-se mais difícil de alcançar quando se trata de pôr no terreno outras reformas políticas do Governo. Como era de esperar, o "governo em negociação permanente" tem os seus percalços.
Resta saber se esta clivagem na maioria parlamentar se deveu à especial sensibilidade política do caso para os comunistas (o que em si mesmo não deixa de ser uma surpresa), ou se se trata de "flexibilizar os músculos" e lançar um "aviso à navegação" sobre a batalha do orçamento, que se aproxima. Mas aí o "fogo amigo" pode ser politicamente bem mais perigoso...

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Ai, o défice! (2)

1. Estas declarações do comissário Moscovici parecem indicar que a Comissão Europeia vai fechar os olhos ao mais que provável incumprimento por parte de Portugal dos limites relativos ao "défice orçamental estrutural", cujo cálculo desconta os efeitos orçamentais do ciclo económico.
Segundo as regras, Portugal deve reduzir anualmente o défice estrutural em 0,6 pp, até atingir um saldo positivo, o que está muito longe, visto ter permanecido acima dos 2% em 2016, depois de ter caído mais de 6 pp entre 2010 e 2014. Nos dois últimos anos não houve nenhuma redução do défice estrutural.

2. Todavia, o défice estrutural é um critério bem mais adequado de medir o estado das contas públicas e a consolidação orçamental, visto que obriga a mais disciplina orçamental quando ela é mais fácil, ou seja, quando a economia estiver a crescer (e, portanto, gera naturalmente mais receita e exige menos despesa pública) do que quando está estagnada ou em recessão (baixando a receita fiscal e aumentando a despesa pública).
Ora, com economia a crescer atualmente bem acima do esperado, aquela redução do défice estrutural exigiria um défice nominal bem abaixo dos 1,5% previstos no orçamento para este ano, se não mesmo um saldo orçamental positivo. Corremos o risco de baixar (insuficientemente) o défice nominal sem melhorar, ou mesmo a aumentar, o défice estrutural!

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Portucaliptal (22) - Mais vale tarde do que nunca!

Parece que é desta que começa a reversão da eucaliptização selvagem do país, por que me bato publicamente há mais de 20 anos (como mostra esta série de posts ao longo dos anos). É um dia digno de ser celebrado e que já não tinha grande esperança de ver chegar. Chega com muito atraso e com a paisagem florestal portuguesa irremediavelmente descaracterizada (na imagem um eucaliptal ardido nos últimos dias), mas mais vale tarde do que nunca.
É de lamentar, porém,  que o PS só tenha considerado enfrentar o poderoso lóbi da fileira celulósica sob pressão dos partidos à sua esquerda e que, entretanto, a demora de um ano e meio na prometida revogação da lei de liberalização do eucalipto do anterior Governo tenha permitido aos interessados plantar à pressa mais uns milhões de pés. Só espero agora que o Governo não resolva compensar a celulose pela eventual redução dos seus pingues lucros com mais uma escandalosa dose de generosas subvenções públicas, como tem sido norma. Esta prática também tem de ser revertida...

terça-feira, 18 de julho de 2017

"Est modus in rebus"

As declarações de Gentil Martins sobre a homossexualidade são uma tonteria à luz dos conhecimentos científicos atuais e devem ser rejeitadas. Mas tranformar essas declarações num caso disciplinar é estulto. A liberdade individual inclui o direito à tonteria.
As declarações de um candidato autárquico do PSD sobre os ciganos são politicamente inadmissíveis e devem ser condenadas. Mas fazer dessas declarações um caso criminal é estúpido. A liberdade política inclui o direito ao desatino.
O zelo condenatório dos virtuosos não é menos censurável nem menos populista do que o desmando verbal dos prevaricadores.

Observatório do comércio externo

No Índice de Abertura do Mercado da International Chamber of Commerce (ICC) - que mede o grau de abertura económica externa dos países, tendo em conta o peso efetivo do comércio externo, a política comercial, a abertura ao investimento direto estrangeiro e as infraestruturas comerciais -, nada menos de quinze entre os primeiros vinte e cinco países mais abertos pertencem à União Europeia.
Apesar da melhoria nos últimos anos, Portugal ocupa um lugar intermédio na tabela, 36º entre os 75 países listados. Sendo certo que Portugal compartilha da política comercial externa da União, que é comum a todos os Estados-membros, o lugar modesto do país tem a ver com a reduzida participação efetiva, comparativamente, nos fluxos comerciais e no IDE.
Francamente negativa é a posição do Brasil (69º posição, quase no fim da tabela), o que não surpreende, tendo em conta a elevada tarifa aduaneira média e as demais barreiras ao comércio e ao investimento estrangeiro. Um ano depois da posse do Presidente Temer, o anúncio de uma maior abertura ao comércio internacional da economia brasileira não se concretizou.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Geringonça (1): Coabitação



1. Como era de esperar, tratando-se de uma concentração de empresas, ainda por cima envolvendo capital estrangeiro, o PCP é contra a compra da Media Capital pela Altice (dona da ex-PT) e pede ao Governo que impeça a operação.
Sucede que a concentração só pode ser impedida pela ERC (se se verificasse que ela põe em causa a liberdade ou o pluralismo de informação) ou da AdC (se ela pode pusesse em causa a concorrência no setor dos média ou das telecomunicações, por criar uma posição de domínio do mercado). Ora, ambas são autoridades independentes, pelo que o Governo não pode dirigir ordens nem recomendações a nenhuma delas, nem se pode sobrepor às suas decisões de autorização de concentrações .

2. Uma proibição arbitrária da referida concentração pelo Governo não seria somente incompatível com o direito da União Europeia e as liberdades fundamentais do "mercado interno". Seria também contrária à lógica de uma economia de mercado e às exigências do Estado de direito constitucional.
Já sabíamos que no fosso que divide o PS e o PCP há desde sempre a economia de mercado. Ficamos agora a saber que também há o Estado de direito. E, no entanto, o PCP faz parte da base parlamentar da "Geringonça", que assim se revela como um espaço político de coabitação improvável de partidos político-ideologicamente inconciliáveis!

Trabalhos de Macron

Este quadro, retirado daqui, mostra o ranking de alguns países europeus quanto à despesa pública. Não por acaso, os países mais gastadores, com a França destacada, muito acima da média da zona euro, são também os menos dinâmicos economicamente, por efeito da elevada carga fiscal, que penaliza a economia. Sem surpresa, por isso, um dos compromissos do Presidente Macron é reduzir a carga fiscal sobre as empresas, comparativamente muito pesada.
A braços também com um défice orçamental excessivo - um dos poucos países da União ainda nessa embaraçosa situação! -, é fácil antecipar que um dos principais desafios do Governo Macron vai ser mesmo a redução da despesa pública. Como é que isso pode ser conseguido sem afetar as generosas prestações do Estado social francês e sem suscitar, consequentemente, uma grande oposição sindical e política, eis o que resta ver.