É certo que em tempo de "vacas gordas" na economia, a receita pública vai dar e sobrar para arcar com essa despesa acrescida, mesmo contando com as duas ou três centenas de milhões do alívio do IRS. O problema é que, se é fácil pagar nova despesa quando a economia "bomba" receita fiscal e poupa despesa social, tudo se torna mais difícil quando a economia arrefecer, a receita descer e a despesa, essa, permanecer.
2. Sem grande simplificação, a vida orçamental em Portugal desde o início da era democrática tem-se pautado pela repetição de um ciclo nefasto, de que nem as regras de disciplina orçamental da UE nos têm libertado até agora: aumento da despesa pública nos períodos de crescimento económico (e nas vésperas de eleições), seguido de aumentos de impostos ou do défice orçamental e da dívida pública, ou de ambos, quando as condições económicas mudam.
Tirando os períodos de assistência externa (1983-85 e 2011-14), nunca foi possível reverter em termos reais os aumentos de despesa anteriores ou sequer parar o aumento da despesa, especialmente da despesa corrente (como mostra o quadro junto). Em especial, os aumentos de pensões e da despesa com pessoal da função pública são tão politicamente tentadores (por causa da importância eleitoral desses vastos grupos sociais) quanto insuscetíveis de reversão posterior.
3. Na atual euforia com a inesperada dimensão do crescimento económico - em grande parte alimentado pela procura externa (exportações e turismo) - e com o maná financeiro que ele proporciona, pode não haver lugar para a prudência política que o nosso irresponsável historial orçamental aconselharia.
Em geral, a esquerda tem propensão para aumentar a despesa pública e subir os impostos; em tempo de vacas gordas, não sendo preciso sequer subir os impostos (pelo contrário) para haver mais dinheiro, a tentação para o despilfarro da despesa pública pode ser compulsiva. Mas seria grosseira leviandade política esquecer esse historial, sobretudo quando herdámos dele a montanha de dívida pública que devia prevenir gritantemente contra o regresso ao fado passado.