domingo, 12 de abril de 2020

Regresso

Peço desculpa aos meus leitores por esta longa interrupção, mais de dois meses, do Causa Nossa, devida a uma acumulação de compromissos editoriais inadiáveis.
Aliviada essa pressão, anuncio que vou regressar.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Não dá para entender (16): A honra perdida de Rui Rio

1. O líder do PSD apostou decididamente em desbaratar a sua antiga aura de rigor nas finanças públicas, em aras à prodigalidade orçamental. Depois do tristemente célebre episódio da recuperação do tempo de serviço dos professores, Rui Rio avança agora, no debate sobre o orçamento do Estado para este ano, com um conjunto de propostas de aumento da despesa e de corte na receita, incluindo uma irresponsável descida do IVA na energia, que poriam em causa o equilíbrio das contas públicas.
Num e noutro caso o PSD coloca-se em convergência com a extrema-esquerda parlamentar, que, porém, nunca sacrificou nada à disciplina orçamental. Além disso, esses partidos não defendem a descida de impostos, como o PSD faz, pelo que são menos incoerentes quando propõem aumento da despesa..

2. Sempre considerei que, mesmo na oposição, os partidos de vocação governamental devem comportar-se como se estivessem a governar, sob pena de incoerência e oportunismo político, que os eleitores tendem, justamente, a penalizar.
Ora, é óbvio que, se estivesse no Governo, o PSD não tomaria tais posições; pelo contrário, denunciá-las-ia como irresponsáveis -, que efetivamente são...

Concordo (12): Defesa da saúde pública

Estou de acordo com esta proposta de Frederico George, hoje no Público, de permitir constitucionalmente o internamento obrigatório de pessoas por imperiosas razões de saúde pública (e obviamente com prévio controlo judicial, ou imediato, em caso de urgência), o que hoje não está contemplado na lei, por impedimento constitucional.
Há muito tempo que defendo essa posição, entre outras necessárias microalterações da Constituição (como, por exemplo, o acesso dos serviços de segurança aos "metadados" de comunicações pessoais, a participação dos militares em operações de segurança interna).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Concordo (12): As 35 horas na função pública

Não podia concordar mais com a afirmação do Presidente da Confederação do Comércio, quando defende que «as 35 horas (na função pública) rebentaram com muitos serviços públicos».
Como tive ocasião de escrever aqui várias vezes, essa redução de tempo de trabalho não acarretou  somente um grande défice de trabalhadores em certos setores (especialmente na saúde) mas também obrigou a um substancial gasto suplementar em recrutamento de novo pessoal para colmatar as brechas. Portanto, o resultado foi pior serviço público e mais despesa pública, que vamos continuar a suportar a título permanente, sem esquecer o maior espaço para acumulação de funções no setor público e no privado.
Além disso, mas não menos importante, essa redução criou (mais) uma óbvia divergência com as relações de trabalho no setor privado, quanto a tempo de trabalho e remuneração, reforçando a ideia de privilégios da função pública.

Conferências & colóquios (7): Sobre o interesse público

Amanhã vou estar aqui, nesta conferência organizada pelo Conselho Económico-Social (CES) sobre a Administração Pública, cabendo-me versar o tema da Administração e interesse público. 
Vou abordar em especial as situações em que a Administração pública deixa de prosseguir o interesse público definido na lei, seja por ação, seja, as mais das vezes, por omissão.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Não concordo (14): Ideia insensata

Parece-me assaz insensata, política e financeiramente, a ideia de do Ministério de Educação, ontem anunciada no Público (reservado a assinantes), de permitir que os professores do ensino básico e secundário deixem de dar aulas aos 60 anos, passando a desempenhar outras tarefas nas escolas até à aposentação, mais de seis anos depois.
Primeiro, uma tal medida não deixaria de desencadear a reivindicação de solução idêntica para outras profissões, tanto ou mais exigentes (enfermeiros e auxiliares de saúde, cuidadores de instituições sociais, etc.). Segundo, ela criaria mais uma regalia em relação aos professores do setor privado, cujos empregadores não estão seguramente disponíveis para seguir o mesmo caminho.
Por outro lado, a não ser que se anteveja uma situação de excesso de professores, a dispensa das tarefas letivas depois dos 60 anos teria de ser compensada com o recrutamento de mais professores, com o consequente aumento de despesa. Tendo em conta o inevitável aumento de encargos resultante da retoma das progressões, cabe perguntar como é que vai haver orçamento para isso mais uma despesa dessas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Lisbon first (21): "Preço de amigo"

O relatório do Tribunal de Contas que denuncia a venda de património da Segurança Social ao município de Lisboa, por ajuste direito, a preço de desconto, com substancial prejuízo financeiro do Estado, vem revelar mais uma vez o tratamento privilegiado que aquele recebe do Estado, como se não bastassem as enormes vantagens, de toda a ordem, que derivam do facto de Lisboa ser a capital do país (sede de órgãos de soberania e de grande parte das instituições públicas e de grandes empresas privadas, aeroporto e porto, etc.).
Decididamente, a proximidade do poder central rende...

Concordo (11): Transparência das eleições partidárias

1. Concordo com este artigo de Rui Tavares no Público de hoje (acesso reservado a assinantes) sobre a necessidade de conferir transparência e de regular o financiamento das eleições partidárias.
Se na sua ação externa e na sua participação nas eleições os partidos estão legalmente sujeitos a importantes limitações de financiamento, assim como à obrigação de prestação de contas, não se compreende que o mesmo não suceda quando se trata da eleição dos seus líderes em eleições diretas, assaz dispendiosas. Quem paga?

2. É tempo de acabar com a falta de regulação e controlo público dessa matéria.
Além de candidatos a primeiro-ministro, os líderes partidários decidem em geral as listas nas eleições parlamentares e a composição da respetiva representação parlamentar. Os partidos políticos não são organizações privadas como as outras, pelo que não tem aplicação aqui o princípio da autonomia e da autorregulação privada.

Bicentenário da Revolução Liberal (1820-2020) (9): As primeiras eleições constitucionais

1. Um dos objetivos da Revolução Liberal, há dois séculos, era o estabelecimento de um poder político representativo, baseado em Cortes permanentes, regularmente eleitas (o parlamento). E o mesmo valia para o poder local, com a eleição das câmaras municipais.
Dois anos depois, ainda antes da aprovação final da Constituição, em 23 de setembro de 1822, foram aprovadas as leis eleitorais para as Cortes ordinárias e para as câmaras municipais, estabelecendo a eleição direta das Cortes e das câmaras municipais, por sufrágio alargado; e as eleições parlamentares tiveram lugar ainda em agosto, antes do fim dos trabalhos constituintes.

2. É esta revolução política, tanto a nível nacional como a nível local, que é analisada em mais um capítulo do "folhetim" que desde há mais de dois anos tenho vindo a publicar, em coautoria com José Domingues, todos os dois meses na revista JN História (nº de dezembro passado), como mostra a ilustração acima.
Concluiremos a série no próximo número (fevereiro), justamente quando se iniciam no Porto as comemorações do bicentenário da Revolução de 1820, que a Constituição e essas eleições de 1822 fizeram cumprir.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Campos Elísios (4): Nem sustentável nem justo

1. Os sistemas públicos de pensões de natureza contributiva, sejam minimalistas, sejam super generosos, devem obedecer a duas caracteristicas: (i) serem financeiramente autossustentáveis, ou seja, financiados pelas contribuições específicas para o sistema e (ii) serem equitativos, tratando de forma igual as situações idênticas, sem grupos de pensionistas privilegiados.

2. O sistema de pensões francês nem é uma coisa nem outra.
Por um lado, sendo um dos mais generosos e onerosos sistemas de pensões existente (14% do PIB, o dobro da média da OCDE), o facto de a idade de aposentação ser baixa e o nível das pensões ser elevado, torna o sistema uma "bomba orçamental" a prazo, à medida que a longevidade aumenta e que o rácio contribuintes-pensionistas se degrada; por outro lado, havendo dezenas de subsistemas setoriais de pensões com sensíveis diferenças entre eles, o sistema carece de um mínimo de consistência e de equidade.
Por isso, a reforma proposta por Macron é de todo em todo justificada, garantindo, por um lado, a igualdade de condições e a mobilidade interprofissional e assegurando, por outro lado, a solvabilidade do sistema a prazo, ainda que salvaguardando os direitos adquiridos até à data.

3. Numa democracia representativa, as políticas devem ser definidas e executadas por quem tem a legitimidade e a obrigação de defender os interesses gerais e não pelas manifestações de rua dos que defendem os seus interesses de grupo. Quem deve mandar numa democracia são os eleitores e não minorias ativistas em defesa dos seus próprios privilégios
Espero que Macron resista e que a reforma vá em frente.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Em seara alheia: A disputa pela liderança no PSD

1. Não é invejável a situação do PSD, depois de sucessivas e pesadas derrotas eleitorais desde que foi afastado do Governo em 2015, carregando a cruz do mandato da troika que em 2011 precipitadamente quis assumir, libertando o PS para a oposição. Enquanto essa memória política permanecer e a situação económica e financeira do País continuar favorável à governação socialista, o PSD não tem nenhuma chance de recuperar.
Nenhum líder pode modificar isso substancialmente, mas pode não ser indiferente para o futuro do próprio partido e para duração e penosidade da travessia no deserto. Por isso, se eu fosse do PSD apoiaria provavelmente Rui Rio, não por ele ser um líder apelativo ou inspirador (que não é, manifestamente), mas por pensar que ele tem razão quando defende que uma inflexão do Partido à direita favoreceria ainda mais o PS e que um partido de vocação governativa em Portugal só pode ganhar eleições e governar, se conseguir mobilizar o eleitorado do "centro móvel" que decide as eleições entre a esquerda e a direita e mobilizar o seu apoio político ao governo.

2. Dito isto, penso que o principal handicap da liderança de Rio é a falta de espírito agregador e congregador da unidade do Partido, tendendo, pelo contrário, a afastar conflituosamente os adversários internos, como se viu na composição das listas de deputados.
Ora, os partidos de vocação governativa são, por natureza e necessidade, partidos abrangentes (catch all parties), de largo espectro, onde têm de saber coabitar diversas sensibilidades políticas. Tal como o PS tem sabido federar desde uma ala esquerda que compete com o BE até aos defensores de uma social-democracia liberal ao centro, também o PSD deveria igualmente procurar abarcar todo o quadrante desde o centro à direita do mapa político, disputando o primeiro ao PS e o segunda ao CDS e à novel Iniciativa Liberal .
O problema, porém, é que Rui Rio não parece disponível para acomodar os que dentro do PSD se distanciam da sua visão centrista do Partido, forçando-os a um exílio interno ou a ceder à tentação de seguir outros caminhos, o que, a ocorrer, além de enfraquecer o PSD, só contribuiria para fragmentar ainda mais a paisagem política nacional e tornar o País político cada menos menos previsível.

3. Costumo dizer que os líderes de partidos de vocação governativa, depois de eleitos, mesmo sem abdicar da sua opção estratégica, se devem assumir como presidentes de todos os militantes, incluindo os vencidos na contenda eleitoral interna, devendo contar com todos sem anátemas nem exclusões sectárias. De resto, o facto de os candidatos vencidos tenderem a autoafastar-se facilita essa tarefa de reunificação partidária.
Penso, porém, que, considerando a idiossincrasia e o temperamento do seu atual e provável futuro líder, os militantes do PSD não têm grandes razões para depositar excessiva esperança numa perspetiva dessas.

Free and fair trade (12): Troca justa

1. Concordo com a candidata Democrata à presidência do Estados Unidos, Elisabeth Warren, quando ela sustenta, em declarações ao New York Times, que «The idea that trade is just about tariffs is just old 20th century. Trade today in the 21st century is about regulation. It’s about who’s going to have to meet what regulatory standards.»
No entanto, o único argumento de os paises que se preocupam com direitos laborais e standards ambientais e direitos dos consumidores (como, por exemplo, a UE) têm para convencer outros países menos exigentes é oferecer-lhes uma baixa de tarifas de entrada nos seus mercados, em troca do compromisso de elevação dos níveis de regulação laboral e ambiental. Infelizmente, apesar dos progressos nessa direção por parte dos EUA e da UE, não se tem sido suficientemente exigente nessa troca.

2. Mas é para isso que devem servir hoje os acordos comerciais internacionais, como, de resto, a União vai ter uma excelente oportunidade de mostrar nas negociações que se seguem com o Reino Unido, sobre as relações comerciais após o Brexit.
Se os britânicos querem manter livre entrada no mercado da União, devem comprometer-se a manter os seus requisitos regulatórios (laborais, ambientais, etc.) alinhados com os da União.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Bicentenário da Revolução liberal (1820-2020) (8): Grande programa de comemorações

Foi hoje lançado publicamente na câmara municipal do Porto o programa de comemorações da revolução liberal de 1820, que vão decorrer de fevereiro a dezembro do corrente ano. Trata-se de uma programa ambicioso e diversificado, que associa ao município várias outras instituições públicas e privadas. Um programa à altura do significado desse grande momento de viragem da história de Portugal.
Tendo sido o berço da Revolução, o Porto não podia deixar os seus créditos por mãos alheias. Honra-me, como cidadão e como investigador da história constitucional portuguesa, participar nestas comemorações.
O programa pode ser consultado online aqui: https://1820.porto.pt/ 

Adenda
Um boa notícia do evento de ontem no Público de hoje.

sábado, 28 de dezembro de 2019

Não é bem assim (10): Poderes do Presidente

1. Na sua crónica de hoje no Expresso, Miguel Sousa Tavares escreve que «os nossos pais fundadores da Constituição de 76 quiseram um sistema semipresidencial que, não dando ao Presidente o papel principal, lhe deu, todavia, muito mais poderes dos que tinha anteriormente, na Constituição do Estado Novo de 1933».
Mas não é assim.
A Constituição de 1933 consagrava uma espécie de "presidencialismo governativo indireto", visto que o Governo, chefiado pelo Presidente do Conselho [de Ministros], retirava a sua legitimidade política do Presidente da República, que o nomeava e demitia livremente e que presidia ao Conselho de Ministros, ao contrário do que sucede na Constituição de 1976 (depois da revisão constitucional de 1982), em que o Governo só depende da confiança política da AR, e não do PR, e em que o PR não pode nomear livremente nem demitir livremente o Governo (pelo que, a meu ver, não faz sentido caracterizar o sistema de governo como "semipresidencialista").

2. É certo que, no sistema do "Estado Novo", a Constituição se transformou num instrumento puramente "semântico", sem comando sobre a "realidade constitucional", desde logo no que se refere ao sistema de governo, pois foi o chefe do Governo (Salazar e depois Caetano) que assumiu as rédeas do poder, à margem do PR (cujos titulares o primeiro escolheu livremente), esvaziado de poder, ao contrário do estabelecido na Constituição.
Mas se se trata de comparar poderes constitucionais, então o PR da Constituição de 1976 não tem nem de longe nem de perto os poderes que a Constituição de 1933 atribuía ao Chefe do Estado. Felizmente, direi eu...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

SNS, 40 anos (20): A ideologia custa dinheiro

«A produção de cuidados de saúde no âmbito da PPP do Hospital de Vila Franca de Xira permitiu ao Estado obter uma poupança estimada de 30 milhões de euros entre 2013 e 2017, face aos custos em que incorreria, em média, se aquela produção fosse realizada por hospitais do SNS de gestão pública, comparáveis, no mesmo período».
Esta frase consta do relatório de auditoria do Tribunal de Contas à gestão do hospital de Vila Franca de Xira, unidade do SNS em gestão privada (PPP), hoje referido no jornal Público. Todavia, apesar dessa poupança, esse regime vai ser descontinuado no final do contrato, em 2021, por decisão do Governo tomada na legislatura anterior, sob pressão do anátema ideológico do PCP e do BE contra as PPP no SNS.
Lementavelmente, continua a não se querer reconhecer a evidência de que uma dos principais falhas do SNS decorre da ineficiência da gestão pública, que onera os seus elevados custos. Assim, não há milhões de euros que cheguem para alimentar a voracidade da ideologia.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Praça da República (27): Sistema de governo

Costumo dizer aos meus alunos de ciência política que o melhor indicador para identificar os sistemas de governo nos países da UE é olhar para a composição do Conselho Europeu, que reúne os mais altos responsáveis internos pela política europeia.
Ora, é fácil ver que, com exceção de quatro países, todos os demais estão representados pelos seus primeiros-ministros (ou chefes de governo com outro nome), indesmentível indicador de um sistema de governo parlamentar. As citadas exceções são Chipre (sistema de governo presidencialista, onde é o Presidente que dirige o governo), mais a França, a Lituânia e a Roménia, países com diversos graus de "semipresidencialismo" (função governativa compartilhada entre o PR e o primeiro-ministro), onde o Presidente da República tem a seu cargo pelo menos a política externa e/ou as relações com a UE.
É óbvio que Portugal não se conta entre estes últimos países, porque entre nós o PR não exerce quaisquer funções governamentais, nem o Governo é responsável politicamente perante ele, não havendo, portanto, nenhum traço do chamado semipresidencilismo, apesar da opinião em contrário de muitos observadores.

Pobre língua (14): "Melhor" e "mais bem"

Na sua habitual coluna no Público de ontem (acesso limitado a assinantes), Vasco Pulido Valente insurge-se contra o frequente erro da substituição de "mais bem" por "melhor", a acompanhar particípios passados, no discurso público de jornalistas, comentadores e titulares de cargos públicos (por exemplo, "melhor preparado", "melhor construído", "melhor apresentado", etc.).
Infelizmente, trata-se somente de um exemplo entre muitos do estropiamento quotidiano da Língua, quer em termos gramaticais, quer de pronúncia, por quem tem a obrigação de a usar de forma culta e que nos meios de comunicação banaliza e torna aceitáveis tais erros. Já que, pelos vistos, a escola deixou de ensinar devidamente o Português, defendo há muito que quem tem acesso regular ao espaço público, a começar pelos jornalistas e comentadores, deveria passar por um teste de conhecimento da Língua...

Adenda
Um leitor refere apropriadamente outros casos de erro recorrente, como a frequente troca de "ir ao encontro de" por "ir de encontro a", o uso de "término" em vez de "fim" ou "termo" (de um prazo). Outro leitor condena, com toda a razão, a invasão de anglicismos enganadores, como "evidência" (em vez de indício, prova), "santuário" (em vez de refúgio), "endereçar" um assunto (em vez de abordar, tratar de), "entregar" (em vez de cumprir, mostrar desempenho), "taxa" e "taxar" (em vez de imposto e de tributar), "realizar"  (em vez de aperceber-se de, dar conta de), entre muitos outros.
[revisto]

sábado, 14 de dezembro de 2019

Concordo (9): Poderes ocultos

Concordo com esta proposta do PAN sobre a declaração dos titulares de cargos públicos acerca da sua pertença a "instituições discretas" como a maçonaria e a Opus Dei, pela simples razão que desde há muito defendo essa ideia, como, por exemplo, neste post de 2014. É bom saber que tenho companhia...
Na verdade, penso que integração de "irmandades" com alto grau de solidariedade pessoal entre os seus membros constitui um risco sério para a isenção e a imparcialidade no exercício dos cargos públicos.

Não vale tudo (6): Achincalhar as instituições

Não tenho dúvidas de que numa democracia liberal o debate parlamentar é essencialmente irrestrito e insuscetível de censura, muito menos de sanção disciplinar dos deputados que se excedam verbalmente. Não é por acaso que as constituições estabelecem tradicionalmente a imunidade penal das opiniões dos deputados e que o direito à honra entre deputados se defende no próprio espaço parlamentar pelos próprios e não em sede judicial.
Mas uma coisa é o debate político entre deputados e entre partidos parlamentares, outra coisa é o vilipêndio das próprias instituições democráticas, que não deve ser consentido. Uma democracia parlamentar que consente o achincalhamento das instituições pelos próprios deputados socava a sua autoridade democrática.

Praça da República (26): "Estratégia contra a corrupção"

1. Conto-me entre os que pensam que a luta contra a corrupção não passa essencialmente por mexidas mais ou menos fundas no código penal e no processo penal, devendo ser priviligiados outros instrumentos, como a redução preventiva das situações corruptogéneas, a transparência na vida financeira dos titulares de cargos públicos, o regime de incompatibilidades e de conflitos de interesse, a obrigação de declaração de acréscimos de riqueza e a punição do seu incumprimento, etc.
Todavia, pode haver margem para aperfeiçoamentos na investigação e no processo penal relativos a esse crime, desde que excluídas algumas propostas facilitistas (e populistas) que não respeitam as "linhas vermelhas" próprias do nosso Estado de direito constitucional, entre as quais a "delação premiada", à maneira brasileira (negociada pelo Ministério Público na fase da investigação e isentando a delator de acusação e julgamento) e a criação de tribunais especiais.

2. Por isso, não me parecem de rejeitar à partida as ideias adiantadas pelo Ministério da Justiça para debate sobre o assunto, que me parecem prudentes e equilibradas, e que nem são simples "medidas de cosmética", como dizem alguns justicialistas mais exaltados, nem põem em causa as bases do nosso sistema constitucional-penal, como proclamam alguns puristas mais precipitados, que, por exemplo, veem erradamente nas ideias governamentais a porta aberta para a "delação premiada", quando a verdade é que a Ministra limitou explicitamente o "prémio de colaboração penal" à fase de julgamento (portanto, sem isenção de acusação e de julgamento e sob responsabilidade do juiz).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Social-democracia (7): Fora de prazo

1. Além da esperada vitória dos Conservadores, renovando o seu mandato governativo com uma confortável maioria absoluta na Câmara dos Comuns (cortesia do sistema eleitoral maioritário britânico), o que mais impressiona nas eleições de ontem na Grã-Bretanha é a enorme derrota do Partido Trabalhista, que perde muitas dezenas de deputados não somente para os Conservadores mas também para os nacionalistas escoceses (que são o segundo grande vitorioso da noite eleitoral).
Esta nova derrota do Labour sob liderança de Corbyn confirma o insucesso da extemporânea opção esquerdista que ele imprimiu ao partido - como, de resto, aqui se antecipou na altura numa expressão daquilo a que já chamei a "doença serôdia da social-democracia".

2. Tendo já anunciado a sua saída da liderança, Corbyn pretende, porém, manter-se transitoriamente à frente do Partido e gerir o "processo de reflexão" e de transição para nova liderança.
Todavia, face à sua derrota histórica, Corbyn deveria deixar imediatamente o campo desimpedido para o debate necessário à reconstrução do Partido, sem o tentar influenciar. Como afirmou um dos deputados do Labour, o período de reflexão de Corbyn para a sua saída não deveria exceder os 10 minutos...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Um pouco mais de rigor sff (69): Legitimidade democrática da UE

1. Perguntado pelo Jornal de Negócios sobre se a imposição de restrições orçamentais pelos Tratados da UE aos Estados-membros não limita as democracias nacionais, o Prof. Ginsburg, coordenador de uma obra "Constituições em tempos de crise", recentemente publicada, respondeu assim:
«Esse é um dos aspetos focados no livro. Normalmente, os governos são legitimados democraticamente pela escolha dos eleitores. O governo da União Europeia retira a sua legitimidade do funcionalismo, da tecnocracia. As pessoas ficam naturalmente insatisfeitas em serem governadas por tecnocratas que lhes dizem que não há alternativa, que a via para resolver os problemas é uma via única. Vimos o efeito que esse discurso teve na Grécia, onde as pessoas ficaram efetivamente zangadas. [sublinhado acrescentado]».
2. Esta reposta é um disparate. Os Tratados da União, bem como o chamado Tratado Orçamental, foram negociados, aprovados e ratificados respetivamente pelos governos, parlamentos e chefes de Estado nacionais, gozando, portanto,de plena legitimidade democrática interna. Também tiveram o apoio do Parlamento Europeu, que é diretamente eleito pelos cidadãos europeus. Ao contrário da afirmação sublinhada, o Governo da União assenta na dupla legitimidade democrática das eleições nacionais, que elegem os governos ancionais (que integram o Conselho da União e o Conselho Europeu), e das eleições europeias, que elegem o Parlamento Europeu.
Por sua vez, a Comissão Europeia, que é o "governo da União", e que implementa os referidos Tratados, é nomeada pelo Conselho da União, com a aprovação do PE; além disso, está sujeita às orientações definidas pelo Conselho Europeu, e à responsabilidade política permanente perante o Parlamento Europeu.

3. A democracia da UE pede meças a muitas democracias nacionais, por exemplo quanto ao controlo da Comissão pelo PE ou quanto à condução da política comercial externa.
Um pouco de conhecimento sobre a constituição da União não faria mal a um especialista de direito constitucional comparado, mesmo americano...

domingo, 8 de dezembro de 2019

Big Ben (5): Eleições decisivas

1. Todas as sondagens de opinião sobre as eleições britânicas do próximo dia 12 dão uma confortável vitória ao Partido Conservador, com cerca de 10pp de vantagem sobre o Partido Trabalhista. Tendo-se a campanha eleitoral polarizado à volta do Brexit, os conservadores foram capazes de agregar o apoio da maior parte dos "leavers", enquanto o voto dos "remainers" se divide entre os trabalhistas, os liberais-democratas e os nacionalistas escoceses.
Se a isso somarmos a apreciação muito negativa do líder dos trabalhistas na opinião pública e o programa demasiadamente esquerdista do Labour, fica desenhado o quadro das preferências eleitorais dos britânicos.

2. Poucas eleições britânicas tiveram consequências tão profundas como estas.
Com a anunciada vitória, Johnson fica de mãos livres para avançar para a aprovação do acordo do Brexit com a UE, com saída prevista para 31 de janeiro. Termina assim uma atribulada viagem de mais de três anos, desde o referendo que ditou a saída.
Mas as consequências da vitória conservadora e da consumação da saída da UE não ficam por aqui.
Por um lado, somando mais uma derrota eleitoral (maior do que a anterior, em 2017), o mais provável é a contestação da liderança de Corbyn no Labour.
Por sua vez, na Escócia, onde o Partido Nacionalista se prepara para averbar uma convincente vitória, aumenta, as probabilidades de um novo referendo da independência, para permitir o reingresso na União Europeia.
Decididamente, o Reino Unido não voltará a ser o que era...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Privilégios (14): Os pensionistas não são todos iguais

Esperar três meses ou mais pela atribuição da pensão a que se tem direito é inaceitável, nem se compreende tal atraso, tendo em conta o aumento da despesa pública e do número de funcionários nos últimos anos. Embora os atrasos estejam a ser reduzidos, verifica-se, mais uma vez, que nem todos os pensionistas são iguais, pois os do regime geral continuam a demorar muito mais do que os funcionários públicos (mais de cinco meses).
Como se não bastassem os demais privilégios que os funcionários públicos já têm!...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Praça Schuman (9): Contra as ameaças de Trump

Começa bem a nova Comissão Europeia, quando, através do Comissário da Economia, Gentilloni, reitera que a União retomará o projeto de tributação sobre as multinacionais tecnológicas, se não forem bem-sucedidas as negociações em curso sob a égide da OCDE para uma solução global , inesperadamente  ameadas de boicote pelos Estados Unidos.
Recentemente, aliás, Trump, assumindo a defesa dos intereses dos GAFA, ameaçou penalizar diversas importações francesas com novas tarifas aduaneiras, justamente por causa da lei francesa que criou tal imposto. Como é evidente, um tal abuso de sanções comerciais, à margem das regras da OMC, não deixaria de desencadear apropriadas medidas de retaliação da União Europeia. Decididamente, Trump tornou-se um inimigo qualificado da ordem económica internacional vigente e das soluções  multilaterais.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Ai a dívida (19): É desta?

Ao contrário do título desta notícia, Portugal não tem "reduzido muito a dívida pública" (nem muito nem pouco, aliás). Pelo contrário, a dívida não tem cessado de aumentar, por causa dos contínuos défices orçamentais, apesar do sustentado crescimento económico desde 2014, que fez disparar as receitas, e da baixa histórica dos juros, que corta substancialmente nos custos da dívida.
O que tem baixado é o rácio da dívida em relação ao PIB, mercê do crescimento deste, mesmo assim num rimo claramente insatisfatório, como agora vem lembrar mais uma vez a Comissão Europeia.
Há vários anos, desde que a economia cresce à volta de 2% ao ano, que venho defendendo que Portugal deveria manter saldos orçamentais positivos, de modo a reduzir efetivamente o montante da dívida e acelerar a redução do rácio da divida no PIB, a caminho dos padrões europeus, a fim de reduzir a vulnerabilidade do País a choques externos. Estará esse objetivo finalmente próximo de ser alcançado ou, mais uma vez, vai o despesismo consumir o encaixe acrescido de receita pública?

Ainda bem (5): Contra os privilégios territoriais

Ainda bem que o PS "deixa cair eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas", a que me opus sempre.
Na verdade, acrescentar o autogoverno, mediante eleições diretas, às atribuições próprias que elas já têm, tornaria as áreas metropolitanas em autarquias locais supramunicipais, o que, além de ser constitucionalmente problemático, implicaria uma espécie de "regionalização privativa" para Lisboa e o Porto, à margem do resto do País. Privilégios territoriais, já bastam os que existem!

Laicidade (8): As universidades públicas não têm religião

Eis o correio eletrónico que enviei ao Reitor da Universidade de Coimbra:
Senhor Reitor, venho mais uma vez protestar contra o convite feito por V. Excia, em parceria com o capelão da Universidade, para uma missa em honra da “padroeira da Universidade”. Como universidade pública de um Estado laico, a UC não em religião, nem, portanto, “padroeira” enquanto instituição, muito menos pode mandar celebrar cerimónias religiosas ou participar nelas. Estas devem ficar a cargo e a expensas das associações de professores ou estudantes católicos, a que o Reitor se pode associar a titulo pessoal, nunca na sua qualidade institucional. Ao assumir e ao endereçar o convite, o Reitor toma partido numa questão a que constitucionalmente tem de ser alheio 
Com os meus melhores cumprimentos 
Vital Moreira

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Programa do Governo (VI): Uma inovação de risco

1. Uma das mais ousadas inovações políticas do Programa do Governo - que estranhamente a imprensa não comentou -, é a proposta de debate dos ministros com as comissões parlamentares competentes no âmbito do debate parlamentar sobre aquele, estipulado na Constituição, que até agora decorre exclusivamente no plenário do parlamento.
Nascidas no âmbito do sistema federal dos Estados Unidos, as audições prévias do membros do Governo (e outros titulares de cargos públicos) competem ao Senado, que representa os estados federados, e não à câmara representativa dos cidadãos, visando uma participação dos estados federados, através da sua câmara representativa própria, na nomeação do governo federal. Por isso, a transferência dessa figura parlamentar para outras geografias políticas, como a União Europeia, onde se institucionalizou a audição pública dos comissários indigitados no Parlamento Europeu, implica uma clara mudança de sentido político.

2. O risco da iniciativa agora tomada pelo Governo - que se espera entre em funcionamento já no próprio debate parlamentar deste programa do Governo -, é o de o encontro dos ministros com as comissões parlamentares se vir a transformar num verdadeiro exame sobre a personalidade, o currículo e a capacidade política dos ministros e menos sobre o seu programa governativo, levando a um processo de ingerência política do Parlamento na composição individual do Governo, que é constitucionalmente da responsabilidade exclusiva do Primeiro-Ministro.
Se vier a institucionalizar-se, mesmo sem revisão constitucional, uma espécie de exame parlamentar prévio dos ministros - acabando eventualmente na possibilidade de veto político -, tratar-se-á de uma mudança substancial do nosso sistema de governo.