Este artigo de opinião de alguém favorável à instituição das autarquias regionais previstas na Constituição desde a origem enferma, porém, de alguns persistentes equívocos que a não favorecem, nomeadamente os seguintes:
- distinguir entre descentralização e regionalização, como fazem os inimigos da segunda, em vez de frisar que esta constitui uma forma (mais elevada) de descentralização e que as "regiões administrativas" também são autarquias territoriais, como os municípios e as freguesias;
- criticar a via adotada pelo Governo para preparar a regionalização, ou seja: (i) substituir a designação governamental da direção das cinco CCDR pela sua eleição pelos autarcas da respetiva região e (ii) transferir para as CCDR os atuais serviços territorialmente desconcentrados do Estado suscetíveis de regionalização -, assim criando uma fase intermédia entre a desconcentração e a descentralização, consolidando a geografia das cinco regiões existentes, os poderes já em exercício e o seu financiamento;
- insistir na convocação urgente do referendo sobre a regionalização, ignorando que a sociologia política mostra que os cidadãos tendem a votar contra soluções cujo alcance desconhecem e de que desconfiam, mesmo infundadamente, que geram mais despesa pública e mais "tachos" políticos, ao passo que a via escolhida pelo Governo transformará o referendo numa ratificação do que está no terreno, apenas com duas modificações: (i) substituição da eleição indireta pela eleição direta e (ii) transferência das verbas do OE afetas às CCDR para o orçamento próprio das novas autarquias regionais.
Decididamente, para argumentos contra a descentralização regional já bastam os dos seus adversários...
Adenda
Um leitor critica-me por justificar mais um «protelamento da regionalização». A questão está, porém, em optar entre precipitar um novo referendo "a frio", com enorme risco de o voltar a perder, arrumando de vez a questão da regionalização, ou aguardar um par de anos para criar melhores condições objetivas e subjetivas para o vencer. Pessoalmente, sendo desde sempre a favor da descentralização regional, não tenho dúvidas em apoiar a segunda alternativa.
De resto, acrescento, conseguir efetivar a regionalização até 2026 seria um excelente modo de celebrar os 50 anos da Constituição, preenchendo a principal omissão constitucional deste meio século de constitucionalismo democrático.
Adenda 2
Outro leitor pergunta porquê o referendo obrigatório, que a Constituição não exige em mais nenhum caso e não se realizou, por exemplo, para criar as regiões autónomas dos Açores e da Madeira nem para a adesão à UE, reformas muito mais profundas do que a regionalização administrativa do Continente.
Tem o leitor razão quanto à referida incongruência constitucional, que só foi introduzida na revisão constitucional de 1997, para dar guarida a um acordo político nesse sentido entre os líderes do PS e do PSD (respetivamente A. Guterres e M. Rebelo de Sousa), que incluía também a submissão a referendo da despenalização do aborto, acordo pelo qual o primeiro cedeu ao segundo nessas duas exigências, a troco da viabilização pelo segundo dos orçamentos da governo minoritário do PS. Ambos conseguiram os objetivos: MRS conseguiu a travagem das duas reformas a que se opunha e AG conseguiu levar o seu Governo até ao fim da legislatura, o que até então nenhum governo minoritário tinha conseguido.