quarta-feira, 31 de março de 2004

"Regionalização das Universidades"

1. Contra a seriação das universidades
«(...) O texto sobre a necessidade de se implementar uma espécie de seriação de cursos superiores com o mesmo nome (ou da mesma área científica) surpreendeu-me.
Em primeiro lugar, parece testemunho de uma visão muito limitada do que é a realidade universitária do presente. As universidades não são nem nacionais nem regionais; são, cada vez mais, entidades charneira, motores de cooperação transnacional e, sobretudo, cientificamente transversais. (...) Falar, nesta altura, num qualquer sistema de certificação interna é, de todo, desenquadrado da realidade e – peço desculpa pela franqueza – soa a esgar corporativo. Como seriar um aluno que fez parte da licenciatura em Portugal e parte numa universidade estrangeira? (...)
Em segundo lugar, a haver a tal seriação – fosse ela feita por avaliadores independentes – os resultados talvez surpreendessem. Muitas são as áreas em que as ditas universidades novas há muito que deixaram para trás as ditas tradicionais (...).
Em terceiro lugar, penso não andar muito longe da verdade ao afirmar que, qualquer que seja a área de actividade, um mau profissional é imediatamente detectado pelos seus pares. Isso (aliado aos mecanismos de auto-regulação de cada uma delas) parece-me suficiente como medida de controlo. Mais importante ainda, parece-me mais justo. Quantos exemplos conheceremos ambos de pessoas que tiveram formação de base em instituições de reputação mediana e progrediram com êxito e comprovada competência nas suas carreiras?

(LAS)

2. A minha resposta
No artigo do Público sobre a "regionalização das universidades" defendi, entre outras coisas, que a sua escolha pelos utentes deve ter mais a ver com a sua qualidade do que com a sua proximidade territorial, sendo portanto necessários mecanismos que permitam aferir daquela com suficiente objectividade e remover os obstáculos à mobilidade territorial dos estudantes. Só com a diferenciação das universidades de acordo com a sua qualidade é que as melhores podem atrair os alunos mais qualificados, independemente da sua origem geográfica, contrariando a tendência para a sua regionalização territorial. Os argumentos do leitor não procedem contra esta tese. Entre outras coisas não referi nenhum “sistema de certificação interna”.

Vital Moreira

Voto branco (III)

«Verdadeiramente José Saramago não apelou ao voto em branco. Claro que a autoridade moral e intelectual de que ele está investido dificilmente suporta que se avalie a democracia da forma contundente como ele a avaliou, sem que se corroborem as conclusões de que o sistema precisaria de um cartão amarelo por parte do eleitorado.
José Saramago explicitou o que seria o cartão amarelo; todavia há um pormenor que não é de somenos importância e que ele inadvertidamente (?) esqueceu ou ultrapassou; José Saramago é militante do PCP e integra, ainda que simbolicamente, as listas de candidatos da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.
O diagnóstico à "democracia que temos" não peca por inverdades, mas amarrou José Saramago a alguma imprecisão que está a ser dolosamente explorada. Penso que ele se terá precipitado, ou será que ele se esquece que tem muitos inimigos em Portugal?»

(LB)

Voto branco (II)

A história das eleições regista numerosos casos de apelo ao voto branco nas mais variadas situações: o partido que não concorre e que apela aos eleitores para não votarem nos outros; os partidos extremistas que pretendem deslegitimar os “partidos do sistema”; os candidatos que ficam fora de uma segunda volta eleitoral e que desejam impedir os seus eleitores de votar nos candidatos apurados, etc.
Raramente o voto branco assumiu expressão preocupante. Por exemplo, ainda nas últimas eleições presidenciais francesas (2002) houve sectores da extrema esquerda que apelaram ao voto branco da esquerda na 2ª volta, para não votar nem em Le Pen nem em Chirac, sem grande efeito, como se sabe; o mesmo sucedeu em 1975, em Portugal, quanto alguns sectores dos militares revolucionários se pronunciaram pelo voto branco, também sem qualquer êxito.
Mas mesmo fora da ficção literária não é de todo improvável que, verificadas certas circunstâncias (crise aguda da democracia representativa, rigidez do sistema partidário, impasse político grave, etc.), o voto branco possa assumir maior peso. Em Portugal, porém, a sua expressão tem sido em geral negligenciável (abaixo de 2% e por vezes mesmo abaixo de 1%). A abstenção, essa, tem aumentado, revelando uma crescente desafeição em relação à participação politica; mas são proporcionalmente poucos os que, vontando, optam pelo voto branco. Por este critério não se pode dizer que seja elevado o nível de descontentamento activo e intenso em relação ao nosso sistema democrático.

Voto branco e democracia

O novo livro de José Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, veio colocar em discussão a questão da “crise” da democracia representativa e do voto branco como instrumento de rejeição e protesto. Na verdade, o voto branco é uma maneira perfeitamente democrática de exprimir descontentamento político. Em geral, ele é uma alternativa à abstenção por parte de cidadãos civicamente empenhados; em certas circunstâncias ele pode ser também uma alternativa ao voto em partidos extremistas, anti-sistema.
Ao contrário da abstenção, que é geralmente produto de uma atitude de desinteresse ou falta de informação, ou de hostilidade de baixa intensidade, o voto branco supõe uma atitude deliberada e uma rejeição de mais forte intensidade, pois implica o esforço de ir votar. Por isso em eleições ele dá expressão em regra a uma das seguintes atitudes: recusa de escolha entre os concorrentes, rejeição de todos os concorrentes, rejeição do sistema democrático ele-mesmo, hostilidade em relação à política. Ora numa democracia pluripartidária, onde exista liberdade de organização e de actividade de partidos, essas situações não são muito numerosas em condições de regular funcionamento do sistema. Salvo quando atingem maior intensidade, o descontentamento e a desafeição em relação aos partidos ou ao sistema ele mesmo exprimem-se mais pela abstenção do que pelo voto branco, que representa um voto activo.
Em geral os votos brancos são legalmente irrelevantes, não contando para o apuramento de maiorias eleitorais, que são calculadas somente com base nos “votos expressos”. Existem mesmo países onde nem sequer se procede à sua contagem separada dos votos nulos (França, por exemplo). Mas é evidente que politicamente seria tudo menos irrelevante uma forte percentagem de votos brancos. Por isso, em certo sentido, sob o ponto de vista democrático, o voto branco pode ser preferível à abstenção, desde logo porque ele reclama maior atenção em relação à qualidade da democracia, dado traduzir a desaprovação de cidadãos interessados, que querem exprimir a sua opinião e participar nas escolhas da colectividade.
Há quem condene em geral o voto branco. Mas uma coisa é cativar os cidadãos para exprimirem uma opção partidária e outra coisa é enterrar a cabeça na areia face aos votos de protesto, fazendo de conta que nada se passa. O voto branco pode ser um excelente sismógrafo da democracia.

A corrida para o Leste

A entrada dos novos países do Leste na UE está a provocar uma corrida às deslocalizações de empresas dos actuais Estados-membros (incluindo Portugal) para esses novos países. Entre os factores de atracção estão naturalmente os salários muito mais baixos, a “flexibilidade laboral” (facilidade de despedimentos) e uma menor força sindical (menos greves), consideráveis ajudas de Estado ao investimento estrangeiro e “last but not the least” a competitividade fiscal ao nível dos impostos sobre as empresas, que nesses países pode ser menos de metade dos valores da Alemanha, por exemplo. Fala-se já mesmo em “concorrência desleal em matéria fiscal”.
Por isso, os países mais desenvolvidos, com impostos mais altos, vêm-se em risco de perder empresas, empregos e receitas ficais, ao mesmo tempo que continuam subsidiar pesadamente os países beneficiários das deslocalizações.
É evidente que a prazo o consequente desenvolvimento dos novos países virá a ter efeitos colaterais positivos, como o aumento das importações e diminuição da necessidade de ajudas da UE. E o consequente aumento da competitividade externa das empresas europeias beneficia a sua economia em geral. Mas entretanto os países de onde as empresas emigram sofrem inevitáveis prejuízos, sobretudo no desemprego e na perda de receita. Em tempos de baixo crescimento, como os actuais, isso só pode agravar a situação.

«Os políticos e os blogues»

«A blogosfera de língua portuguesa é a segunda maior e mais evoluída do mundo. Seguindo o caminho da primeira, a estadunidense (e não confundir com língua inglesa), os blogues tornam-se aos poucos, efectiva e solidamente, em espaços mediáticos não desprezáveis. E mais: têm virtudes que nenhum media até hoje ofereceu, pelo contrário, abafou. O contacto directo, quase personalizado; a interacção em tempo real com plateias de maior discernimento intelectual (e o consequente apelo à maior honestidade); o tempo e espaço de intervenção sem limites; a liberdade de discurso, não condicionado ao formato imposto pelo jornalista/órgão.
Para o bem e para o mal, a política portuguesa está a passar-se para a blogosfera.»

(Paulo Querido)

Vida breve

Dois meses, foi quanto durou o Post-Scriptum, um blogue anónimo de posts curtos, claros e, geralmente, certeiros. Deu para ver que vai fazer falta.

terça-feira, 30 de março de 2004

Esquerda v. direita

As considerações de J. Pacheco Pereira sobre o abundante uso, hoje em dia, das noções “esquerda” e “direita” como qualificações políticas carecem de ser completadas com três aspectos que me parecem igualmente relevantes.
Primeiro, a utilização de formas de identificação política mais abrangentes (esquerda-direita, ou gradações desta, tipo extrema-esquerda, centro-esquerda, etc.), em vez de noções correspondentes aos partidos ou ideologias políticas (comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristãos, etc.) tem a ver também com a crescente ausência de identificação partidária da maioria das pessoas e com o aumento da volatilidade eleitoral. Há cada vez menos pessoas nos partidos ou fiéis a cada partido, havendo muita gente que se sente “de esquerda” ou “de direita” mas que não se identifica com nenhum partido em especial da sua área.
Segundo, o retorno em força das qualificações políticas no esquema clássico esquerda-direita (e em especial das auto-qualificações) traduz também a progressiva diminuição de distinções ideológicas e programáticas dos partidos, tornando-os menos diferentes do que já foram, sobretudo no que respeita aos grande projectos de transformação económico-social. Por exemplo, que sentido tem ainda uma pessoa dizer-se que é comunista ou socialista, se os partidos correspondentes deixaram de ter como objectivo a colectivização ou socialização da economia? As noções mais genéricas de esquerda-direita apelam mais para diferenças de valores culturais e de comportamentos políticos, que é o que hoje sobressai.
Terceiro, a ênfase na dicotomia genérica clássica traduz a reacção contra as ideologias negacionistas da própria distinção esquerda–direita, associadas às ideias de “fim da história” e do “fim da ideologias”. Na verdade, afastada a divisória clássica quanto aos sistemas económicos, com o triunfo universal da economia de mercado mais ou menos regulada, não desapareceram porém as diferenças, pelo menos de grau, quanto à regulação e ao papel do Estado, quanto à coesão social, direitos sociais e serviços públicos, quanto ao relevo da ideia de igualdade, quanto ao compromisso entre liberdade pessoal e a segurança, quanto à guerra e à paz, quanto à despenalização do aborto e a abolição da pena de morte, quando à ordem económica internacional e à globalização, etc., etc.

Os rendosos “negócios da paz”

Segundo uma investigação de uma ONG dos Estados Unidos, de que o Público deu notícia, as empresas norte-americanas já ganharam contratos no Afeganistão e sobretudo no Iraque no valor de mais de 8 mil milhões de dólares, depois da guerra. Entre elas estão várias com ligações ao Governo dos Estados Unidos (incluindo a célebre Halliburton); quase todas são generosas contribuintes financeiras das campanhas políticas de Bush.
A notícia só pode surpreender os ingénuos. A guerra é uma grande aliada dos negócios: primeiro, das indústrias de armamento e suas subsidiárias (o departamento da defesa tem à sua conta mais de metade do orçamento federal para aquisição de bens e serviços às empresas privadas); depois, das indústrias da reconstrução, os chamados “negócios da paz” (cínico eufemismo este!). Se não houvesse guerra, como justificar a compra de novo armamento? E sem destruir primeiro, como se poderia reconstruir depois? Marte deveria passar a ser o também o padroeiro dos negócios!
A propósito: sobraram alguns despojos para as empresas dos outros países que apoiaram a guerra? Quais são as empresas portuguesas beneficiárias? Nem sequer as cimenteiras? Será que já não existe gratidão nos negócios da guerra? Será que a prestimosa organização da "cimeira da guerra" nos Açores há um ano foi em vão?

Lost in Portugal

A 21 de Abril estreará no Teatro da Trindade uma peça cujo protagonista masculino tinha de ser brasileiro. Há poucos dias, finalmente, ele chegou.
Dois dias depois de aterrar, ainda a sofrer do jet-lag, sem conseguir adaptar-se à comida, sozinho em Lisboa, o actor de meia-idade - em tempos um galã de novela brasileira - foi chamado, fora de horas, para a sessão fotográfica de promoção do espectáculo.
Foi aí que confirmei a impressão de que este homem está triste. Ao vê-lo fatigado, dorido, a ensaiar poses sucessivas para 3 fotógrafos que falavam depressa demais para este brasileiro acabado de chegar - "Oi? Hein?" - percebi que Tóquio era mesmo apenas uma metáfora. Bob também podia ser brasileiro e Tóquio Lisboa.
Não é a vida que imita a arte.

É difícil dizer "amo-te"

Amanhã regresso à minha cidade, Angra do Heroísmo, por motivos profissionais. Sempre que abandono a ilha onde vivi os primeiros 18 anos da minha vida, tenho a sensação de que ela me recrimina. E a impressão de que posso não voltar.
Mas agora que regresso a casa sem avisar, receio que me leve a mal.

Um fantasma que vivia

Soube hoje que morreu Rui Rodrigues, aos 51 anos. Outro num tão curto espaço de tempo, depois de Emanuel Félix. Estes nomes não lhe dizem nada porque são poetas açorianos e a insularidade tem destas coisas. Mas eram grandes.
Conheci o jornalista Rui Rodrigues aos 16 anos, na RDP-Açores. Impressionava-me a imagem daquele homem taciturno, em absoluto contraste com a irreverência própria da minha adolescência, feliz no seu primeiro programa de rádio. Mas Rui Rodrigues não era taciturno. Era, talvez, "sofrido" - uma das mais belas palavras da nossa língua. Podem encontrá-la, provavelmente, em meia dúzia de fados. "Sofrido" e "fado", aliás, são palavras que vão bem com os Açores - e só quem lá viveu percebe que não digo isto com tristeza. Mesmo destinos pesados como o de Rui Rodrigues têm outro carisma naqueles 9 rochedos.
Rui Rodrigues era, aos meus olhos, um fantasma que vivia. Por uma simples razão: nunca trocámos uma palavra. Nunca me atrevi. Mas, anos mais tarde, li os seus livros. E, pela primeira vez, ouvi as suas palavras.
Mereceram a pena. Valeram o silêncio que parecia impor como regra no dia-a-dia. Deixo-vos uma crónica que explica melhor.

Apostilas das terças

1. Mudança de maré?
Depois das eleições gerais espanholas, as eleições regionais francesas, que também se saldaram por uma convincente e em grande parte inesperada vitória da esquerda (pelo menos quanto à sua expressão) vieram contrariar algumas análises recentes sobre o défice de participação eleitoral e sobre a recomposição partidária nas democracias contemporâneas, como assinala o Le Monde em relação ao caso francês. De facto, em ambos os casos a abstenção diminuiu, com aumento da participação sobretudo entre o eleitorado mais jovem; a esquerda “clássica” não cedeu terreno para as esquerdas alternativas, pelo contrário; o voto da classe operária manteve uma elevada adesão à esquerda tradicional, não revelando indícios de desvio para o populismo de direita ou de esquerda. Sinais conjunturais ou inversão de maré?

2. Luís Nazaré
No Tugir LNT reagiu muito criticamente, em nome do «espírito de sacrifício, de missão e de serviço público», à entrevista de Luís Nazaré (co-autor do Causa Nossa), dada à Visão na semana passada. Não pretendendo imiscuir-me nesta controvérsia entre correlegionários, uma coisa me parece certa. Depois das suas desafiadoras afirmações sobre a “velhice” doutrinária e organizativa do PS, é de esperar que o novo presidente do seu Gabinete de Estudos possa desencadear rapidamente os estudos preparatórios para a sua renovação. Mas, sendo óbvio que isso requer organização e meios, onde estão disponíveis os necessários “think tanks”?

3. «O encanto da virgindade»
«São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza.
Felizmente que, apesar da tirania da opinião, grande parte das mulheres resiste à pressão e preserva a superioridade. A virgindade e a maternidade brilham ainda neste tempo confuso. E, juntas na mesma pessoa, cintilam no mais alto dos céus, acima de toda a criatura.»

(João César das Neves, obviamente; quem mais poderia escrever estas pérolas do pensamento?)

segunda-feira, 29 de março de 2004

Portas adentro, sem grande problema

Vale a pena ler com atenção os artigos “Defesa gasta 309 milhões com aviões em risco de reforma – Portugal exige contrapartidas abaixo da média», no caderno «Negócios» do DN de hoje, da autoria do jornalista Joaquim Brito Camacho, escalpelizando a opção do Ministro da Defesa, Paulo Portas, pela modernização de seis aviões P-3 Orion, trabalho que deverá ser entregue … à Lockheed Martin, naturalmente.
Isto apesar de a marinha norte-americana estar a substituir aceleradamente aqueles aviões, por ter concluído que apresentariam perigosa deterioração - e os «portugueses» são dos mais velhos, fabricados já em 1968. O que não preocupa o Ministro, pois como atesta o seu assessor Pedro Guerra (o nome indiciará, porventura, um perito na matéria) «não há grande problema».
Grande problema também não é o trabalho estar orçamentado na Lei de Programação Militar por 309 milhões de euros – sorte terá a Nova Zelândia, que, para modernizar o mesmo número de aviões do mesmo modelo, só prevê gastar 160 milhões de euros…
Grande problema não resulta ainda de o trabalho de modernização ser entregue à … Lockheed Martin, naturalmente…, a que resta das duas empresas americanas que o MD convidou a apresentarem propostas a concurso que, nos termos da lei, exigiria consulta a três fornecedores.
E não haverá também grande problema por o Ministro ter exigido à empresa norte-americana a entrega à OGMA de 33% em contrapartidas directas. De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Comércio dos EUA, citado pelo jornalista, 42% de contrapartidas directas costuma ser a percentagem para países desenvolvidos, 36% para países em desenvolvimento… (33% deve ser a taxa a aplicar a países a andar para trás, como o nosso, que tem o Dr. Portas como governante).
Grande problema também não tem o Presidente da CPC (Comissão Permanente de Contrapartidas) por se escudar na confidencialidade para não revelar onde serão aplicados os 66% de contrapartidas indirectas, necessárias para cumprir o regulamento de que o valor a exigir nunca seja inferior a 100% do preço dos bens a adquirir (noutros países as contrapartidas directas e indirectas sobem frequentemente a 200%, 300%, 400%…).
Certamente que o Ministro da Defesa também não terá grande problema em escancarar portas ao escrutínio público e prestar explicações, rapidamente, sobre aquela opção de modernização apesar dos alertas da marinha norte-americana, e em facultar-nos a todos, democraticamente, as contas certinhas, incluindo percentagens e aplicações das contrapartidas.
Eu nada sei da matéria, nem tenho interesses além dos nacionais, de todos nós, aqueles que pagamos impostos. Não sou (im)pressionável com alusões a negócios passados, ligeiros ou nebulosos, feitos por quem quer que seja. Acontece que leio jornais e não gosto de negócios escuros, que é o que há mais, por esse mundo fora, em matéria de armas e equipamentos militares. Será que no Ministério da Defesa lêem o Causa-Nossa?

PS - O mesmo jornalista assinava na publicação «Take-off – Informação Aeronáutica», de Dezembro de 2003, um interessante artigo analisando as consequências das intenções de poupança que o Ministro Paulo Portas avançou no ano passado como justificação para cancelar a participação de Portugal no consórcio europeu de produção dos aviões A400M. O jornalista concluía que para o Ministro ser consequente com o que anunciou – poupar dinheiro ao erário público conseguindo aviões com a melhor relação qualidade-performance-preço - teria de ir comprar uns aviões ucranianos e não os C130-J que se propunha adquirir à …Lockheed Martin, naturalmente.
Onde estamos hoje, afinal? Compramos ucraniano ou americano? E por quanto? E as famosas contrapartidas que o Ministro proclamou ir garantir, peludas, leoninas, para a indústria nacional ? E sempre houve ou haverá que pagar indemnizações ao consórcio europeu, como a imprensa chegou a noticiar?
Aguardemos respostas.

Ana Gomes

Catástrofe ambulante

Quando um ser inteligente, culto, reaccionário, diletante, cabotino como Vasco Pulido Valente, numa crónica raivosa e destrutiva contra Ferro Rodrigues, me chama «catástrofe ambulante» (DN, de 28.3.04), não consigo reprimir o contentamento: foi também para causar danos e incómodos a gente como o cambaleante VPV, que eu vim para a política. E afinal, sempre vou tendo eficácia!…

Ana Gomes

Elogio à lucidez

Não, não é à de Saramago que me refiro, já que o predicado da lucidez nem sempre está presente nas intervenções cívicas do nosso prémio Nobel (embora lhe perdoemos tudo, como a Ezra Pound ou a Céline, em nome da genialidade literária). É à do comentário bolsista de Abílio Ferreira na edição do Expresso de 27 de Março (secção Bolsa & Mercados). Há muito tempo que não lia uma coluna tão deliciosamente corrosiva e lúcida sobre a realidade da nossa bolsinha. Ainda há uma ponta de Expresso!

Luís Nazaré

O fundamentalismo antiterrorista e o perigo para o Estado de Direito

De entre a muita literatura produzida nos últimos dois anos sobre os perigos de uma cega luta antiterrorista, tendo em conta especialmente o célebre “Patriotic Act” (Lei patriótica) estadunidense, merece um lugar de destaque uma recente conferência do célebre filósofo norte-americano e professor da Universidade de Stanford (Califórnia) Richard Rorty, que o El País acaba de publicar em versão castelhana, depois de ter sido publicada em alemão pelo Die Zeit . Rorty está longe de fazer parte da “esquerda universitária” norte-americana (academic left), ou sequer de simpatizar muito com ela.
De qualquer modo o seu texto é um notável alerta contra o perigo de o fundamentalismo securitário anti-terrorista poder servir de pretexto para restringir fatalmente as liberdades civis e os princípios do Estado de Direito.
Vale a pena respigar algumas passagens:

«Porque el mayor impacto que [os terroristas] podrán obtener con sus infernales máquinas y sus horrendos atentados no serán el sufrimiento y la muerte. El mayor impacto lo tendrán las medidas que los Gobiernos occidentales tomarán para responder al terrorismo. Estas respuestas podrían significar el final de algunas instituciones que fueron creadas durante los doscientos años posteriores a las revoluciones burguesas en Europa y Norteamérica.
La sospecha ampliamente extendida de que la guerra contra el terrorismo es potencialmente más peligrosa que el terrorismo en sí me parece completamente justificada. (...)
Muy distinta sería la situación en caso de un ataque terrorista. Los políticos harían todo lo posible por evitar nuevos atentados, se sentirían tentados a superarse unos a otros en dureza y en la toma de medidas de mayor alcance. Se trataría incluso de medidas que podrían poner fin al Estado de derecho. Y la rabia que se siente cuando el sufrimiento anónimo lo inflige la acción humana y no las fuerzas de la naturaleza, hará que la opinión pública acepte dichas medidas. Es cierto que el resultado no sería ningún golpe de Estado fascista. El resultado sería una catarata de medidas que iniciarían un cambio en las condiciones sociales y políticas de la vida occidental. Los jueces y los tribunales perderían su independencia, y los mandos militares regionales recibirían de la noche a la mañana una autoridad que antes sólo tenían los funcionarios electos. Los medios de comunicación, a su vez, se verían obligados a ahogar las protestas contra los acuerdos gubernamentales.
El miedo ante una evolución de este tipo está mucho más extendido entre los estadounidenses como yo que entre los europeos, porque sólo en Estados Unidos el Gobierno ha afirmado que nos encontramos en un estado de guerra prolongado. (...)
Tal vez sea ésta una visión demasiado pesimista del futuro. Posiblemente Ashcroft haya conseguido intimidarme de tal forma - al igual que a muchos otros estadounidenses - que veo fantasmas por todas partes. Deseo de todo corazón que así sea. No obstante, compruebo que las instituciones democráticas, al menos en mi país, se han vuelto muy frágiles. Me temo que todos los precedentes creados por el Gobierno de EE UU como respuesta al 11-S influirán mucho en los gobiernos de otras democracias. Después de los atentados en Madrid, el escenario estadounidense también podría repetirse en Europa. Aunque los servicios de espionaje y las fuerzas armadas en los países miembros de la UE no sean ni de lejos tan poderosos como en EE UU, sí podrían hacerse de repente con facultades que nunca antes habían tratado de conseguir. La Junta en Washington lo vería con buenos ojos. (...)
Un estrato del poder en EE UU y en la Unión Europea se ha acostumbrado a la idea de que sólo puede cumplir con su deber de garantizar la seguridad nacional ocultando por completo sus actividades a la opinión pública. El 11-S ha reforzado aún más sus convicciones y, probablemente, si se producen más atentados terroristas, esas elites acabarán creyendo que para poder salvar la democracia primero hay que destruirla. Pero si se produce el peor de los cambios posible, los historiadores tendrán que explicar algún día a la humanidad por qué la época dorada de Occidente sólo duró 200 años. Los pasajes más tristes de sus libros hablarían de cómo los ciudadanos de las democracias contribuyeron con su cobardía a provocar la catástrofe.»

A explicação de Guterres

Não posso ser acusado de “guterrismo”, tendo sido não poucas vezes muito crítico da governação do antigo primeiro-ministro. Mas nunca acompanhei os que dentro e fora do PS condenaram António Guterres por ter “fugido”, ou “ter abandonado o barco”, ao demitir-se no seguimento da pesada derrota do PS nas eleições locais do final de 2001. Penso que, sendo esse desaire antes de tudo uma derrota pessoal dele mesmo e sendo evidente que depois dela as dificuldades de governar sem maioria (como era o caso) se agravariam e se tornariam incontornáveis, levando inevitavelmente à paralisação do governo e ao seu fatal afundamento, a sua continuação sem mais seria o caminho para o desastre. Por isso, julgo que a demissão foi justificada, sendo aceitável a explicação agora dada pelo próprio, nessa linha.
Resta saber se, em vez da demissão “incontinenti”, deixando o PS subitamente desamparado, sem primeiro-ministro e sem líder, como sucedeu, não teria sido preferível forçar previamente uma moção de confiança parlamentar, ou mesmo tentar um governo com outro primeiro-ministro (caso fosse aceito pelo Presidente da República), transferindo para as oposições, caso chumbassem uma ou outro, como seria previsível, a responsabilidade pela crise política daí decorrente, em vez de esta recair sobre o PS, como aconteceu, ainda por cima dando o flanco à acusação fácil de ter “fugido à crise por ele mesmo criada”, de que tanto se aproveitou desde então a oposição de direita.
Por isso não é ocioso perguntar se com outra resistência moral e força anímica não teria sido possível outra solução que não fosse, como foi, a retirada pessoal imediata.

Resposta & aditamento

Resposta de Ivan Nunes à minha observação sobre o seu apoio a Nelson Rodrigues. Aqui fica registada. Ficam devidamente esclarecidas as posições.
Ainda a propósito desta controvérsia anote-se também o comentário do Almocreve das Petas, sobre a «vileza das suas [de Nelson Rodrigues] acções contra companheiros e de apoio à ditadura [militar brasileira]». Qual é o adjectivo mais «injurioso» (IN): «biltre político» ou «vil»?

De onde menos se espera

De um escrito de Paulo Varela Gomes transcrito na Praia, sem comentários, respigo esta inominável passagem: «O fanicamento do cheique Yazin adianta pouco porque há muitos e muitos cabrões do calibre dele entre a cabrãozada palestiniana.» Assim mesmo: «cabrãozada palestiniana»!
De facto, comentários para quê? Há dias em que a razão e a decência vão de férias.

Desatino

Em mais uma das suas afamadas crónicas políticas do Expresso, o seu director José António Saraiva defende, com a perspicácia e a profundidade analítica a que nos habituou, a seguinte tese: ao opor-se à “guerra contra o terrorismo” de Bush, a esquerda acaba por se colocar ao lado do terrorismo; por isso, a proposta de negociação feita por Mário Soares é o corolário lógico dessa posição. De permeio, omitindo as generalizadas críticas que Soares recebeu da esquerda, AJS chega a escrever coisas como esta: «E, por muito que custe escrever, os terroristas estão do lado dos que combatem Bush, sendo objectivamente seus aliados».
Há um ano silogismos destes já eram sonsos ecos servis da maniqueísta proclamação do próprio Bush, segundo o qual ou se estava com ele (inclusive na ilegítima invasão do Iraque) ou com os terroristas, o que, como se sabe, colocou "ao lado destes" as Nações Unidas, a França e a Alemanha, Koffi Annan e o Papa, por exemplo, bem como a maior parte da opinião pública mundial. Nunca os terroristas pensaram possuir tantos "apoios". Passado um ano, porém, quando se sabe que a guerra no Iraque só enfraqueceu a luta contra o terrorismo e se saldou mesmo num favor prestado ao terrorismo islâmico, e quando a Europa, no seguimento dos atentados de 11 de Março em Madrid, define a sua própria estratégia alternativa contra o terrorismo, face ao falhanço da estratégia guerreira de Bush, os ditos requentados de AJS só podem relevar de um raciocínio desatinado.
Por muito que custe escrever, com inimigos destes o terrorismo internacional não precisa de aliados...

domingo, 28 de março de 2004

Inversão da maré?

As eleições regionais francesas, cuja 2ª volta se realizou hoje, saldaram-se numa vitória da esquerda muito maior do que a 1ª volta já fazia esperar, com o triunfo em nada menos do que em 21 das 23 regiões do País, apenas com excepção da Alsácia e da Córsega. Uma verdadeira vaga. Se estes resultados podem significar uma antecipação do sentido das eleições europeias, em Junho próximo, então a ideia de que a direita tinha assegurada a vitória pode necessitar de revisão. Depois do surpreendente êxito socialista em Espanha nas eleições legislativas, este é o segundo sinal político ao arrepio da tendência esperada. Inversão de maré?

Radio Caroline

Passam hoje 40 anos (como lembra a fiel Wikipedia) da primeira emissão da Radio Caroline, a famosa emissora pirata, difundida a partir de um velho “ferry” ancorado nas águas interncionais no sudoeste da Inglaterra e que teve um papel essencial na divlugação da música popular anglo-americana (pop music). Passei longas horas escutando-a, em condições sonoras longe do razoável, incluindo muitas primeiras audições dos grandes êxitos dos anos 60, como os Beatles, os Beach Boys, etc. Os que foram jovens nos inigualáveis sixties não podem esquecê-la.

sexta-feira, 26 de março de 2004

Abre os olhos, pá

Assisto a uma entrevista de um jornalista de vinte e tal anos que acaba de publicar o seu primeiro romance depois de passar uns meses em Nova Iorque. Notável: em apenas 25 minutos conseguiu deixar pérolas como: "Não devo nada a Portugal e Portugal não me deve nada"; "Respondo sempre a quem me escreve mails porque o Lobo Antunes escreveu uma carta ao Céline quando tinha 15 anos e o Céline respondeu" ou - e esta tocou-me fundo - "Não fui para os Estados Unidos escrever um livro. Fui porque tinham-se-me esgotado os desafios no jornalismo em Portugal".
Ora já estava na altura de alguém dizer isto. Estou totalmente solidário com o rapaz. Em primeiro lugar porque consigo perceber que seja mais aliciante servir à mesa em Nova Iorque do que reunir à mesa com o João Gobern; e, em segundo lugar, porque o nosso neo-romancista tocou numa ferida profunda. Portugal tende, de facto, a esgotar os desafios que tem para as suas mentes criativas. Sobretudo no caso daquelas que ninguém faz ideia quem são.

trabalhar para o boneco

A fama tem destas coisas. Para muitos, num país pequeno como o nosso, ter o seu próprio boneco no "Contra-Informação" é uma tremenda coroa de glória. Mas, para outros - se, entretanto, esquecidos - a vida reserva ironias tremendas. Mantorras é um jovem futebolista do Benfica que há dois anos tenta recuperar um joelho para voltar a jogar futebol. Como tinha boneco no Contra (e são bem caros), tiveram de o pôr a render.
E agora é ver a encarnação de um craque que tem deixado saudades a fazer de boneco figurante nos sketchs de outros figurões. Tu arranja-me esse menisco, Mantorras!

"Cherchez la femme"

Banqueiros como Artur Santos Silva, líderes empresariais como Francisco Vanzeller, além dos “yuppies” do Beato que promoveram o “Compromisso Portugal”, têm defendido o levantamento do sigilo bancário em nome da transparência da vida económica e do combate à evasão fiscal. São vozes supostamente insuspeitas de radicalismos esquerdistas, sejam quais forem os motivos – genuínos ou apenas tácticos – que os levaram a tomar essa atitude.

Mas os patrões não estão sintonizados num combate clarificador e saudável que permitiria consagrar a velha máxima de que quem não deve não teme. Embora com sintomático atraso, o vice-presidente da AIP, Jaime Lacerda, veio quebrar o consenso. Numa entrevista dada ontem ao “Diário Económico”, aquele responsável empresarial rejeitou a flexibilização no acesso às contas bancárias, argumentando que o peso da “informalidade” e da evasão fiscal na economia portuguesa não é tão grave como aquele que lhe é quase unanimemente atribuído (incluindo no relatório encomendado pelo Governo à consultora McKinsey).

Afinal, segundo Lacerda, um outro relatório, subscrito por Pina Moura e Manuel Baganha, apontaria para outros males, que não exactamente a evasão fiscal, na origem da falta de competitividade da nossa economia. E, em abono dessa tese, o vice-presidente da AIP cita os obstáculos que se encontram nas áreas da saúde e da justiça como factores mais determinantes da situação.

Ora, imaginemos que ele tem razão contra todos os outros, embora a justiça e a saúde tenham aquelas costas largas que dão imenso jeito para justificar o imobilismo e a crise competitiva do país. Que terão os empresários sérios e verdadeiramente empreendedores – aqueles que não vivem à sombra da “informalidade” e da fuga ao fisco – a perder com a flexibilização no acesso às contas bancárias, praticada aliás na maioria dos países europeus?

Se tudo é como Lacerda diz, porque não aceita ele que isso seja publicamente comprovado, já que existem tantas suspeitas no sentido oposto? Porque defende ele um regime de opacidade bancária, quando tantas vozes se levantam no meio empresarial a favor de uma maior transparência e rigor? Quando se insiste em querer esconder o que não deveria ser escondido, não estaremos a alimentar as suspeitas? E a fazer aquele convite clássico das novelas policiais e passionais: “Cherchez la femme”?

Vicente Jorge Silva

Fora do mapa

O que ganhou Portugal com o apoio do governo de coligação PSD/PP à intervenção dos EUA no Iraque?
O reforço do direito internacional e do papel central das Nações Unidas na gestão da paz e da segurança internacional?
Certamente que não. Lembram-se de Timor Leste? A posição portuguesa sobre o direito à auto-determinação dos timorenses, defendida ao longo de décadas, casa mal com uma guerra ilegal, lançada com base em mentiras, motivada por espírito de vingança e pelo propósito inconfessado de redesenhar o mapa do Médio Oriente,“democratizando-o” à bomba.
Um mundo mais seguro face à ameaça terrorista dos islamistas?
Apesar dos amanhãs que cantam anunciados por muitos editorialistas da nossa praça, o mundo está cada vez mais perigoso. A ameaça está à nossa porta. Porque não há fronteiras possíveis para tanto ódio e desespero gerados por esta espiral de violência que parece não ter fim. Antes, não havia relação entre o Iraque, a Palestina e a Al Qaeda. Agora, está tudo amalgamado, a bandeira é a mesma: cada vez mais muçulmanos têm nas suascasas os retratos de Bin Laden e do Sheikh Yassin.
O reforço da capacidade de influência de Portugal no mundo?
Apesar dos esforços desta diplomacia de estalajadeiro, podemos regozijar-nos pelo facto de os amigos do nosso PM insistirem em cortá-lo da fotografia. Felizmente, porque a maioria dos portugueses não se deixa deslumbrar como o nosso PM – a maioria dos portugueses não quer estar nessa fotografia. Não que os portugueses sejam cobardes: a diferença é que a maioria dos portugueses respeita uma História com mais de oito séculos. A maioria dos portugueses exige um comportamento mais digno: são poucos os que gostam de ver o seu PM a servir cafés, em solo português, numa Cimeira que anunciou uma guerra injusta e injustificada.
Quanto ao patrioteirismo do Dr. Portas – aparentemente sempre disponível para sacrificar-se até ao último soldado português – fica a pergunta: quem gostaria de partilhar com ele uma trincheira?
A imagem de Portugal no Mundo mudou. A guerra no Iraque provocou re-alinhamentos sensíveis. Era inevitável, face ao ultimato lançado pelo Presidente Bush: “não há terreno neutro, quem não está connosco, está com os terroristas”! Durão Barroso não hesitou em escolher o Branco contra o Preto, o Bem contra o Mal. Mas neste vasto mundo há muita gente que acha que os auto-proclamados “good guys” são também eles parte do problema, e que inclusive alguns deles são na verdade “bad guys”.
Ora se há algo de que podemos orgulhar-nos como nação, é da nossa capacidade de ver o mundo com todas as suas esplendorosas cores. Temos uma vocação universalista. Poucos, como nós, terão esta capacidade para estabelecer pontes entre o Norte e o Sul, o Ocidente e o Oriente. Poucos, como os portugueses, saberão tão bem abraçar e amar a diferença. (Estamos tão longe de “Os Lusíadas”! Pobre Camões, este país insiste em continuar a matar-te. De senhores do mar a estalajadeiros…)
Esse capital de simpatia que o resto do mundo – cinzento, preto, colorido – tem por nós está ameaçado.
O servilismo tem um preço. Colocarmo-nos hoje no eixo do novo imperialismo não aumenta o nosso peso e influência; pelo contrário, acentua a nossa condição de súbditos, com toda a desgraçada irrelevância que esse triste estatuto implica. Precisamos urgentemente de recuperar a dignidade, assumindo de novo o papel que é o produto natural do nosso percurso histórico, e em particular da consolidação da democracia e do aprofundamento da integração europeia.
Finalmente, quantos aos outros argumentos de “realismo pragmático” avançados pelo PM, como a defesa dos interesses das empresas portuguesas na reconstrução do Iraque (i.e. o nosso quinhão do saque): quantos contratos foram ganhos pelas empresas portuguesas? Onde está a gratidão pelo apoio do governo de Portugal? Parece que nem nas contas de mercearia o saldo foi positivo.

Ladislau Durão de Sá

Um "clown" na Casa Branca

Como estava distraído, pensei, a princípio, que fosse um sósia do Presidente Bush representando uma paródia demolidora à farsa das armas de destruição maciça. Não faltavam sequer “slides” mostrando Bush – ou o que me pareceu ser apenas um sósia dele – a vasculhar o gabinete oval em busca das ditas armas. Mas não. As imagens que ontem se viram nos telejornais eram de Bush “himself” num espectáculo de circo para alegria das claques. Eram de Bush num número burlesco, algures entre os irmãos Marx e as guerras do Solnado.

Já se sabia que na Casa Branca mora um irresponsável perigoso. Ficámos agora a saber que aí reside também um “clown” que se diverte à custa da sua irresponsabilidade, como uma criança traquinas a quem tivesse sido oferecido um brinquedo mortífero. Nem os próprios mortos americanos na frente de batalha merecem ao actual Presidente dos Estados Unidos um motivo de contenção e pesar. Como o dr. Strangelove de Kubrick, ele brinca com as guerras e o caos no mundo, parodiando-se a si mesmo e reduzindo a invasão do Iraque a uma comédia para entreter os basbaques. Enquanto cresce a ameaça terrorista – que a cegueira da Administração americana favoreceu em vez de combater frontalmente – o Presidente “clown” diverte-se com arrepiantes requintes de obscenidade. Eis ao que chegámos.

Seria interessante saber o que pensam disto os nossos filobushistas domésticos, em especial aqueles ex-esquerdistas que se converteram ao messianismo neo-conservador (Pacheco Pereira, José Manuel Fernandes, José António Lima, João Carlos Espada, Maria de Fátima Bonifácio, entre tantos outros, sem esquecer o ex-maoista Durão Barroso). Que dirão deste espectáculo quase demencial de euforia burlesca, eles que se mostram tão graves, solenes e compungidos a justificar a teia de mentiras que forneceram o pretexto inicial para a invasão do Iraque? Afinal, Bush é coerente consigo mesmo: transforma a tragédia em farsa com a ligeireza de quem tem o poder de mudar os géneros dramáticos ao sabor dos seus caprichos de imperador inimputável. No fim de contas, Nero não pegou fogo a Roma apenas para divertir-se?

Vicente Jorge Silva

Microsoft vs General Motors

At a recent computer expo, Bill Gates reportedly compared the computer industry with the auto industry and stated, "If GM had kept up with technology like the computer industry has, we would all be driving twenty-five-dollar cars that get 1000 miles to the gallon." Recently General Motors addressed this comment by responding, "Yes, but would you want your car to crash twice a day?"

And . . .
1. Every time they repainted the lines on the road you would have to buy a new car.
2. Occasionally, your car would die on the freeway for no reason, and you would just accept this, restart, and drive on.
3. Occasionally, executing a maneuver would cause your car to fail, and you would have to re-install the engine. For some strange reason, you would accept this too.
4. You could only have one person in the car at a time, unless you bought "Car95" or "CarNT." But then you would have to buy more seats.
5. Macintosh would make a car that was powered by the sun, was reliable, five times as fast, twice as easy to drive, but would only run on five percent of the roads.
6. The Macintosh car owners would get expensive Microsoft upgrades to their cars, which would make their cars run much slower.
7. The oil, gas and alternator warning lights would be replaced by a single "general car default" warning light.
8. New seats would force everyone to have the same size butt.
9. The airbag system would say "are you sure?"
before going off.

(Fonte: aqui)

A confissão

Segundo relatou a imprensa, Tony Blair e Durão Barroso insistiram em que as diferenças quanto à justeza da guerra do Iraque não devem impedir o apoio europeu à estabilização e à reconstrução desse País. «Sejam quais forem as nossas posições sobre o Iraque, hoje temos de pensar em termos de alternativas. E a alternativa à presença internacional é o caos», disse o primeiro-ministro português.
Não se esperava uma tão expressiva confissão do desastre da invasão e ocupação do Iraque por parte de um dos seus campeões. Contra as Nações Unidas e a "velha Europa", Bush, Blair & Cia insistiram em atacar e ocupar esse País com base em motivos falsos. As advertências sobre o que ia suceder foram muitas. Ignoraram os avisos e chamaram todos os nomes aos opositores à guerra. Agora, perante o caos que criaram, pedem à comunidade internacional que desprezaram e achincalharam que os ajude a “tirar as castanhas do lume”.
É evidente que a Europa não tem nenhum interesse na persistência do caos iraquiano. Deve portanto ser magnânima, aliás no seu próprio interesse. Mas são de exigir pelo menos duas condições aos fautores do caos: (i) um reconhecimento explícito de que o seu irresponsável aventureirismo levou a uma guerra injustificada, que ainda por cima não fez mais do que fomentar o terrorismo incluindo onde ele não exisitia; (ii) um pedido às Nações Unidas para legitimar a presença internacional no Iraque, no quadro da cessação da situação de ocupação e da transferência da soberania para autoridades iraquianas legítimas.
O pior que poderia suceder é que os culpados alijassem impunemente para cima dos outros a sua responsabilidade.