«Por mim não tenho a pretensão de ter verdades absolutas, ainda que me incline, talvez por reflexo de jurista, para a posição que entende que a intervenção no Iraque, ainda que tenha livrado o Mundo de uma tirania abominável, prejudicou a guerra contra o terrorismo e alimentou este.»
O Prof. André Gonçalves Pereira que se acautele. Depois deste seu clarividente artigo de hoje no Público sobre a guerra do Iraque, que só peca por tardio, nada -- nem a sua indiscutível independência intelectual, nem o seu conhecido conservadorismo político, nem o facto de ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros de um Governo da AD -- o vai salvar da sanha impiedosa da "patrulha ideológica" que entre nós representa o Pentágono e se encontra encarregada de punir toda a crítica à chamada “guerra ao terrorismo” de George Bush. É pura é simplesmente proibido dizer que a invasão do Iraque foi ilegal e ilegítima, que os pretextos para ela eram falsos, e – ó heresia suprema – dizer que ela nada teve com a luta contra o terrorismo, tendo inclusivamente prejudicado essa luta e alimentado o próprio terrorismo!
Cuide-se Professor!
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 1 de abril de 2004
A Constituição de Madrid
Publicado por
Vital Moreira
“Tratado de Madrid” em vez de “Tratado de Roma”, como até agora – eis como chamaremos à carta fundamental da UE, se for aceite a proposta aprovada pelo Parlamento Europeu de realizar na capital espanhola a cerimónia de assinatura da Constituição Europeia, agora em vias de ser ultimada. Tendo em conta o fundamento da ideia – homenagem à luta contra o terrorismo –, vai ser difícil ao Conselho Europeu contrariar esta proposta, por mais que isso possa desagradar ao País a quem neste momento cabe a presidência, a Irlanda, que assim se vê “expropriado” dessa glória histórica.
As crianças de Moçambique
Publicado por
AG
O Primeiro Ministro Durão Barroso acaba de visitar Moçambique. Esperemos que tenha aplicado os seus talentos a convencer as autoridades moçambicanas de que é precisa uma investigação a sério, com participação internacional – e eventualmente apoio da UNICEF ou do Centro dos Direitos Humanos da ONU – para esclarecer (e desvanecer, se for caso disso) as alegações de tráfico ou execuções de crianças para lhes extrair órgãos.
É que só isso servirá o interesse de Moçambique – das crianças moçambicanas e não só. Do próprio Estado e autoridades de Maputo. Porque as investigações já levadas a cabo pela Polícia e a PGR de Moçambique, a avaliar pelos relatos da imprensa portuguesa, não parecem credíveis. E a recusa de ajuda externa, nada acrescenta à credibilidade, muito pelo contrário, aguça suspeitas e dúvidas... Alguém tem de dizer isto, muito claramente, ao Presidente Chissano e seus ministros.
Conversei recentemente com Hans Thoolen, que preside ao «Prémio Martin Ennals para Defensores dos Direitos Humanos» (ver post precedente). Sobre as situações em Angola, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Cabo-Verde, Timor-Leste, Indonésia, entre outras. Moçambique e as alegações de venda/rapto de crianças de crianças para tráfego ou consumo de órgãos vieram inevitavelmente à baila. Lembramos um filme passado em 1989 na Comissão de Direitos Humanos em Genebra que denunciava estas práticas (eu e a Marta Santos Pais não queríamos acreditar, nem conseguíamos respirar, saímos disparadas para ir chorar e vomitar na casa de banho). Na altura, um dos países referenciados era a Colômbia.
Propus a consideração das religiosas que tiveram a coragem de fazer as denúncias em Moçambique como candidatas ao Martin Ennals Award de 2005. O que exigirá sempre uma rigorosa investigação independente.
Ana Gomes
É que só isso servirá o interesse de Moçambique – das crianças moçambicanas e não só. Do próprio Estado e autoridades de Maputo. Porque as investigações já levadas a cabo pela Polícia e a PGR de Moçambique, a avaliar pelos relatos da imprensa portuguesa, não parecem credíveis. E a recusa de ajuda externa, nada acrescenta à credibilidade, muito pelo contrário, aguça suspeitas e dúvidas... Alguém tem de dizer isto, muito claramente, ao Presidente Chissano e seus ministros.
Conversei recentemente com Hans Thoolen, que preside ao «Prémio Martin Ennals para Defensores dos Direitos Humanos» (ver post precedente). Sobre as situações em Angola, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Cabo-Verde, Timor-Leste, Indonésia, entre outras. Moçambique e as alegações de venda/rapto de crianças de crianças para tráfego ou consumo de órgãos vieram inevitavelmente à baila. Lembramos um filme passado em 1989 na Comissão de Direitos Humanos em Genebra que denunciava estas práticas (eu e a Marta Santos Pais não queríamos acreditar, nem conseguíamos respirar, saímos disparadas para ir chorar e vomitar na casa de banho). Na altura, um dos países referenciados era a Colômbia.
Propus a consideração das religiosas que tiveram a coragem de fazer as denúncias em Moçambique como candidatas ao Martin Ennals Award de 2005. O que exigirá sempre uma rigorosa investigação independente.
Ana Gomes
Prémio Prémio Martin Ennals para Defensores dos Direitos Humanos
Publicado por
AG
Há dias esteve em Lisboa um velho amigo, dos meus tempos de Genebra, Hans Thoolen, que é um respeitado perito em direitos humanos da ONU e foi durante anos o principal conselheiro da Senhora Sadako Ogata, Alta Comissária para os Refugiados da ONU.
O Hans hoje preside ao «Martin Ennals Award for Human Rights Defenders», conferido pelas principais ONGs de Direitos Humanos do mundo (Amnesty International, Human Rights Watch, Comissão Internacional de Juristas, Fédération Internationale des Droits de l’ Homme, Defense for Children International, International Alert, entre outras) a pessoas que se distingam pela sua coragem como Defensores dos Direitos Humanos. Ver o seu website.
O prémio deste ano vai ser entregue no próximo dia 7 de Abril, em Genebra, à tchechena Lida Yusupova, nascida em Grozny em 1961, advogada, professora de Direito Constitucional e representante em Grozny da organização de direitos humanos russa «Memorial», pela sua coragem em denunciar violações dos direitos humanos na República da Tchechénia.
O prémio de 2003 foi entregue ao advogado colombiano Alirio Uribe Muñoz pelo saudoso Sérgio Vieira de Mello, então Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU.
Martin Ennals, quem foi ? Tem muito a ver connosco, portugueses: foi o fundador da Amnistia Internacional e começou-a com uma campanha para libertar dois presos políticos do regime salazarista, nos anos 60.
Ana Gomes
O Hans hoje preside ao «Martin Ennals Award for Human Rights Defenders», conferido pelas principais ONGs de Direitos Humanos do mundo (Amnesty International, Human Rights Watch, Comissão Internacional de Juristas, Fédération Internationale des Droits de l’ Homme, Defense for Children International, International Alert, entre outras) a pessoas que se distingam pela sua coragem como Defensores dos Direitos Humanos. Ver o seu website.
O prémio deste ano vai ser entregue no próximo dia 7 de Abril, em Genebra, à tchechena Lida Yusupova, nascida em Grozny em 1961, advogada, professora de Direito Constitucional e representante em Grozny da organização de direitos humanos russa «Memorial», pela sua coragem em denunciar violações dos direitos humanos na República da Tchechénia.
O prémio de 2003 foi entregue ao advogado colombiano Alirio Uribe Muñoz pelo saudoso Sérgio Vieira de Mello, então Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU.
Martin Ennals, quem foi ? Tem muito a ver connosco, portugueses: foi o fundador da Amnistia Internacional e começou-a com uma campanha para libertar dois presos políticos do regime salazarista, nos anos 60.
Ana Gomes
Não aprenderam nada?
Publicado por
Vital Moreira
Um porta-voz do PS insinuou ontem que, em voltando a ser governo, o PS pode revogar a reforma da administração territorial em curso, que consiste na criação de entidades supramunicipais por meio da agregação voluntária de municípios. No entender do mesmo porta-voz, a alternativa do PS é a regionalização verdadeira e própria, por via referendária, com um mapa pré-definido, tal como prevista na Constituição.
Importa, no entanto, lembrar os seguintes pontos:
a) a criação das entidades supramunicipais não é uma alternativa à regionalização propriamente dita, nem a preclude; trata-se de dois níveis diferentes de organização territorial e de duas lógicas distintas, que se não excluem uma à outra;
b) a reforma em curso não passa da implementação legislativa da faculdade constitucional de criação de estruturas intermunicipais com poderes próprios, introduzida na revisão constitucional 1997, com expressa aprovação do PS;
c) as novas entidades supramunicipais representam, no essencial, a extensão a todo o território da figura das “áreas metropolitanas” que até agora estava reservada para as regiões de Lisboa e do Porto, a qual sempre teve o apoio entusiástico do PS;
d) tal como foi tentada em 1998, a regionalização não tem a mínima hipótese de vingar em novo referendo a curto ou médio prazo; o caminho para as regiões passa agora pela agregação voluntária das novas entidades supramunicipais ou pela progressiva transformação das actuais NUTs II, correspondentes às cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, em autarquias regionais;
e) A actual reforma contou com a participação activa dos autarcas socialistas em todo o País, pelo que se compreede mal este ataque de última da hora, quando ela está praticamente consumada.
Há assim o risco de percepção de uma atitude dúplice em relação à reforma: benévola e cúmplice no terreno e hostil em Lisboa. A pergunta que se pode colocar é a seguinte: não aprenderam nada com o desaire de 1998 e com a inércia desde então?
Importa, no entanto, lembrar os seguintes pontos:
a) a criação das entidades supramunicipais não é uma alternativa à regionalização propriamente dita, nem a preclude; trata-se de dois níveis diferentes de organização territorial e de duas lógicas distintas, que se não excluem uma à outra;
b) a reforma em curso não passa da implementação legislativa da faculdade constitucional de criação de estruturas intermunicipais com poderes próprios, introduzida na revisão constitucional 1997, com expressa aprovação do PS;
c) as novas entidades supramunicipais representam, no essencial, a extensão a todo o território da figura das “áreas metropolitanas” que até agora estava reservada para as regiões de Lisboa e do Porto, a qual sempre teve o apoio entusiástico do PS;
d) tal como foi tentada em 1998, a regionalização não tem a mínima hipótese de vingar em novo referendo a curto ou médio prazo; o caminho para as regiões passa agora pela agregação voluntária das novas entidades supramunicipais ou pela progressiva transformação das actuais NUTs II, correspondentes às cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, em autarquias regionais;
e) A actual reforma contou com a participação activa dos autarcas socialistas em todo o País, pelo que se compreede mal este ataque de última da hora, quando ela está praticamente consumada.
Há assim o risco de percepção de uma atitude dúplice em relação à reforma: benévola e cúmplice no terreno e hostil em Lisboa. A pergunta que se pode colocar é a seguinte: não aprenderam nada com o desaire de 1998 e com a inércia desde então?
E por que não pelo ar?
Publicado por
Vital Moreira
No Parlamento foi constituído um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de a Nazaré poder juntar-se à área metropolitana de Leiria, apesar da falta de contiguidade territorial com ela (como exige a lei), dado que está isolada pelo município de Alcobaça, que resolveu aderir à área metropolitana do Oeste. Trata-se de saber se, excepcionalmente, a noção de continuidade territorial compreeende a ligação... por mar!
Há uma maneira mais simples: por que não a continuidade territorial pelo ar?
Há uma maneira mais simples: por que não a continuidade territorial pelo ar?
quarta-feira, 31 de março de 2004
Negociar com a Al Qaeda ?
Publicado por
AG
Abaixo transcrevo um extracto (por mim reconstituido) de uma entrevista que dei no dia 26 de Março a uma revista semanal. Cujos editores optaram por excluir esta parte, apenas reproduzindo uma frase num outro artigo. Aqui fica, apesar de ser demasiado longa para «post»:
Que comentário lhe merecem as recentes declarações Mário Soares, em que ele defende a negociação com movimentos terroristas?
Penso que a posição do Dr. Mário Soares ficou compreensível para toda a gente. E se houvesse dúvidas, veja-se o que aconteceu dia 25 de Março: o Sr. Blair foi à tenda do Sr. Kadhaffi, que é obviamente um ditador e um terrorista, estender-lhe a mão, depois de meses a negociar com ele. Deu uma explicação política – recompensá-lo por ter abandonado os programas ilegais de armamento nuclear. Para isso bastava lá ter mandado um Secretário de Estado, como sublinhou boa parte da imprensa britânica. A explicação também serve para desviar atenções dos negócios de petróleo e armamento militar que o Reino Unido já tem na calha com a Líbia.
Então concorda com a posição do Dr. Mário Soares?
Concordo que é vital conhecermos o que está por detrás do fenómeno terrorismo nesta modalidade que é a Al-Qaeda. Este fenómeno é diferente dos outros e aqui não se pode negociar, até por uma razão simples: eles próprios não querem negociar. O que é indispensável é perceber como estas redes funcionam, os seus esquemas de actuação, a sua filosofia, os seus argumentos e pretextos para captarem recrutas. Não basta recorrer a meios policiais e militares, nem sequer à insispensável «inteligência» preventiva. É preciso conhecê-los, entendê-los para lhes dar combate ideológico e político. E a linha da frente desse combate faz-se no mundo islâmico, nas comunidades muçulmanas, seja na Indonésia, no mundo árabe ou na Europa.
Então não lhe repugna a hipótese de uma negociação com terroristas que atiram aviões contra arranha-céus?
É preciso negociar o que for possível negociar. Eu sou diplomata e, por formação e deformação profissional, um diplomata faz-se para negociar com o diabo, se for preciso. Ao longo da minha carreira tive de falar com alguns diabos para fazer o meu trabalho, nomeadamente na Indonésia e em Timor-Leste. E alguns eram pessoas tão destituídas de escrúpulos como os terroristas da Al-Qaeda. Se através da negociação se puderem evitar piores males, deve-se negociar. Mas negociar, como sublinhou o Dr. Mário Soares, não é capitular, não implica uma rendição.
Mas acha mesmo possível negociar com estas pessoas?
Neste momento não é possível negociar com a Al-Qaeda, até porque eles não querem negociar. E negociar agora implicaria dar-lhes algum grau de legitimidade, o que nas actuais circunstâncias é inaceitável. Nem sequer há nada de negociável no discurso deles. O que Osama Bin Laden evoca são pretextos oportunistas, que vai mudando consoante melhor lhe serve: combateu contra a URSS no Afeganistão, e assim começou por ser recrutado, armado e treinado pelos americanos, convém não esquecer. Depois voltou-se contra os EUA, por sustentarem no seu país o regime saudita, acusando-os de conspurcarem a península arábica com as tropas lá estacionadas desde a primeira guerra do Golfo. Só mais tarde começou a usar o argumento da injustiça contra os palestinianos. Depois, ficou com o Afeganistão para aproveitar – as atenções gerais desviaram-se rapidamente para o Iraque, o pobre Sr. Karzai que se safe como puder, o Presidente Bush no ano passado até se esqueceu de orçamentar fundos para ajudar o governo de Cabul, foi o Congresso que teve de acudir à pressa.... E entretanto ganhou ainda mais argumentos, terreno, recrutas com a guerra ilegal no Iraque... Não esqueçamos que na Indonésia e em todo o Sudeste Asiático, para tentar cativar os fiéis mais ignorantes e radicais, até esgrimiu o argumento da perda de Timor-Leste, como se os timorenses alguma vez tivessem pertencido à comunidade islâmica...
Também defende que é necessário compreender o inimigo?
Não fazer os cidadãos entender que esta ameaça é real já é mau – e muitos aqui em Portugal, incluindo este Governo, durante demasiado tempo desvalorizaram a ameaça da Al Qaeda, como se este país à beira-mar plantado fosse miraculosamente imune ao que atinge todo o resto do mundo.... Fui ficando abismada com a despreocupação geral que por cá se manteve depois do 11 de Setembro e que, de resto, explica a nossa impreparação para fazer face a eventuais ataques terroristas. Digo-o desde há muito – lembro-me que já numa entrevista ao defunto «Euronotícias», em Dezembro de 2002, acabava eu de passar pelo trauma do ataque de Bali, alertei que os portugueses andavam na lua ...
Mas ainda é pior quando mesmo depois dos atentados de Marrocos e de Madrid, ambos aqui ao lado, não se vê um esforço sério para compreender o que é a Al-Quaeda e quais os seus mecanismos de acção e implantação. Não tenho dúvidas que eles exploram em seu favor, como métodos de recrutamento e financiamento, os imensos focos de conflito que não estão resolvidos por esse mundo fora e que cada vez mais instigam em certos povos, certos grupos étnicos, religiosos, etc... fortes sentimentos de injustiça e desespero. O conflito israelo-palestiniano é, neste contexto, o principal cancro. Vi-o ser utilizado na Indonésia na propaganda das franjas mais radicais ligadas ao atentado de Bali.
Como é que se combate esse inimigo ideológico?
O combate ideológico e político contra a Al Qaeda e as suas teses nihilistas tem de ser feito com os líderes do mundo islâmico progressistas, que os há. Gente que quer a democracia, a modernidade e que quer também defender o verdadeiro Islão. Não são, em muitos casos, os actuais governantes. É preciso que os EUA e a União Europeia deixem de apoiar regimes corruptos e reaccionários no mundo árabe, só porque têm petróleo e compram armas e tudo o mais ao Ocidente (como durante tanto tempo apoiaram Saddam no Iraque). De facto, se há alguma constante nas teses de Osama Bin Laden, é o ódio ao regime saudita – que, paradoxalmente, financiou por todo o mundo as correntes wahabbitas que mais radicais forneceram às fileiras da Al Qaeda...
É também preciso entender que a Al Qaeda representa um desvio completo e perverso do Islão. A versão deles não é a do Alcorão com que eu convivi na Indonésia, o maior país muçulmano do mundo. O Islão é uma grande religião da humanidade, uma religião assente na compaixão, de misericórdia e na tolerância. Eu não alinho, de modo nenhum, na tese do «confronto de civilizações». Quem alinha são os terroristas da Al Qaeda...e quem não percebe que alinhar nessa tese é, de facto, fazer o jogo da Al Qaeda.
E para ter líderes políticos islâmicos esclarecidos na linha da frente deste combate é preciso conhecê-los, apoiá-los e ajudá-los. Isso implica também negociar. Seriamente, intensamente, para resolver os principais conflitos políticos, antes de mais o israelo-palestiniano. Em certos casos a negociação poderá ir até à conversação directa com os terroristas, como foi feito na Líbia com Kadhaffi, como se fez com o IRA e como até já fizeram os israelitas com o Hamas (noutra fase – cabe lembrar que o Hamas começou por ser financiado por Israel, nos anos 80, para disputar terreno à OLP – feitiços que se viram contra os feitiçeiros...). Mas, repito, não tenho dúvidas nenhumas de que, neste momento, não há negociação possível com a Al-Qaeda.
Ana Gomes
Que comentário lhe merecem as recentes declarações Mário Soares, em que ele defende a negociação com movimentos terroristas?
Penso que a posição do Dr. Mário Soares ficou compreensível para toda a gente. E se houvesse dúvidas, veja-se o que aconteceu dia 25 de Março: o Sr. Blair foi à tenda do Sr. Kadhaffi, que é obviamente um ditador e um terrorista, estender-lhe a mão, depois de meses a negociar com ele. Deu uma explicação política – recompensá-lo por ter abandonado os programas ilegais de armamento nuclear. Para isso bastava lá ter mandado um Secretário de Estado, como sublinhou boa parte da imprensa britânica. A explicação também serve para desviar atenções dos negócios de petróleo e armamento militar que o Reino Unido já tem na calha com a Líbia.
Então concorda com a posição do Dr. Mário Soares?
Concordo que é vital conhecermos o que está por detrás do fenómeno terrorismo nesta modalidade que é a Al-Qaeda. Este fenómeno é diferente dos outros e aqui não se pode negociar, até por uma razão simples: eles próprios não querem negociar. O que é indispensável é perceber como estas redes funcionam, os seus esquemas de actuação, a sua filosofia, os seus argumentos e pretextos para captarem recrutas. Não basta recorrer a meios policiais e militares, nem sequer à insispensável «inteligência» preventiva. É preciso conhecê-los, entendê-los para lhes dar combate ideológico e político. E a linha da frente desse combate faz-se no mundo islâmico, nas comunidades muçulmanas, seja na Indonésia, no mundo árabe ou na Europa.
Então não lhe repugna a hipótese de uma negociação com terroristas que atiram aviões contra arranha-céus?
É preciso negociar o que for possível negociar. Eu sou diplomata e, por formação e deformação profissional, um diplomata faz-se para negociar com o diabo, se for preciso. Ao longo da minha carreira tive de falar com alguns diabos para fazer o meu trabalho, nomeadamente na Indonésia e em Timor-Leste. E alguns eram pessoas tão destituídas de escrúpulos como os terroristas da Al-Qaeda. Se através da negociação se puderem evitar piores males, deve-se negociar. Mas negociar, como sublinhou o Dr. Mário Soares, não é capitular, não implica uma rendição.
Mas acha mesmo possível negociar com estas pessoas?
Neste momento não é possível negociar com a Al-Qaeda, até porque eles não querem negociar. E negociar agora implicaria dar-lhes algum grau de legitimidade, o que nas actuais circunstâncias é inaceitável. Nem sequer há nada de negociável no discurso deles. O que Osama Bin Laden evoca são pretextos oportunistas, que vai mudando consoante melhor lhe serve: combateu contra a URSS no Afeganistão, e assim começou por ser recrutado, armado e treinado pelos americanos, convém não esquecer. Depois voltou-se contra os EUA, por sustentarem no seu país o regime saudita, acusando-os de conspurcarem a península arábica com as tropas lá estacionadas desde a primeira guerra do Golfo. Só mais tarde começou a usar o argumento da injustiça contra os palestinianos. Depois, ficou com o Afeganistão para aproveitar – as atenções gerais desviaram-se rapidamente para o Iraque, o pobre Sr. Karzai que se safe como puder, o Presidente Bush no ano passado até se esqueceu de orçamentar fundos para ajudar o governo de Cabul, foi o Congresso que teve de acudir à pressa.... E entretanto ganhou ainda mais argumentos, terreno, recrutas com a guerra ilegal no Iraque... Não esqueçamos que na Indonésia e em todo o Sudeste Asiático, para tentar cativar os fiéis mais ignorantes e radicais, até esgrimiu o argumento da perda de Timor-Leste, como se os timorenses alguma vez tivessem pertencido à comunidade islâmica...
Também defende que é necessário compreender o inimigo?
Não fazer os cidadãos entender que esta ameaça é real já é mau – e muitos aqui em Portugal, incluindo este Governo, durante demasiado tempo desvalorizaram a ameaça da Al Qaeda, como se este país à beira-mar plantado fosse miraculosamente imune ao que atinge todo o resto do mundo.... Fui ficando abismada com a despreocupação geral que por cá se manteve depois do 11 de Setembro e que, de resto, explica a nossa impreparação para fazer face a eventuais ataques terroristas. Digo-o desde há muito – lembro-me que já numa entrevista ao defunto «Euronotícias», em Dezembro de 2002, acabava eu de passar pelo trauma do ataque de Bali, alertei que os portugueses andavam na lua ...
Mas ainda é pior quando mesmo depois dos atentados de Marrocos e de Madrid, ambos aqui ao lado, não se vê um esforço sério para compreender o que é a Al-Quaeda e quais os seus mecanismos de acção e implantação. Não tenho dúvidas que eles exploram em seu favor, como métodos de recrutamento e financiamento, os imensos focos de conflito que não estão resolvidos por esse mundo fora e que cada vez mais instigam em certos povos, certos grupos étnicos, religiosos, etc... fortes sentimentos de injustiça e desespero. O conflito israelo-palestiniano é, neste contexto, o principal cancro. Vi-o ser utilizado na Indonésia na propaganda das franjas mais radicais ligadas ao atentado de Bali.
Como é que se combate esse inimigo ideológico?
O combate ideológico e político contra a Al Qaeda e as suas teses nihilistas tem de ser feito com os líderes do mundo islâmico progressistas, que os há. Gente que quer a democracia, a modernidade e que quer também defender o verdadeiro Islão. Não são, em muitos casos, os actuais governantes. É preciso que os EUA e a União Europeia deixem de apoiar regimes corruptos e reaccionários no mundo árabe, só porque têm petróleo e compram armas e tudo o mais ao Ocidente (como durante tanto tempo apoiaram Saddam no Iraque). De facto, se há alguma constante nas teses de Osama Bin Laden, é o ódio ao regime saudita – que, paradoxalmente, financiou por todo o mundo as correntes wahabbitas que mais radicais forneceram às fileiras da Al Qaeda...
É também preciso entender que a Al Qaeda representa um desvio completo e perverso do Islão. A versão deles não é a do Alcorão com que eu convivi na Indonésia, o maior país muçulmano do mundo. O Islão é uma grande religião da humanidade, uma religião assente na compaixão, de misericórdia e na tolerância. Eu não alinho, de modo nenhum, na tese do «confronto de civilizações». Quem alinha são os terroristas da Al Qaeda...e quem não percebe que alinhar nessa tese é, de facto, fazer o jogo da Al Qaeda.
E para ter líderes políticos islâmicos esclarecidos na linha da frente deste combate é preciso conhecê-los, apoiá-los e ajudá-los. Isso implica também negociar. Seriamente, intensamente, para resolver os principais conflitos políticos, antes de mais o israelo-palestiniano. Em certos casos a negociação poderá ir até à conversação directa com os terroristas, como foi feito na Líbia com Kadhaffi, como se fez com o IRA e como até já fizeram os israelitas com o Hamas (noutra fase – cabe lembrar que o Hamas começou por ser financiado por Israel, nos anos 80, para disputar terreno à OLP – feitiços que se viram contra os feitiçeiros...). Mas, repito, não tenho dúvidas nenhumas de que, neste momento, não há negociação possível com a Al-Qaeda.
Ana Gomes
Dar relevância à abstenção eleitoral
Publicado por
Vital Moreira
No Ideias Soltas, Carlos Araújo Alves acusa-me de desvalorizar o significado da abstenção eleitoral como sinal de rejeição política. Mas a crítica é infundada, quer em geral (visto o muito que tenho escrito sobre isso), quer no que respeita ao texto que é por ele visado, sobre o voto branco, pois eu referia expressamente que a abstenção pode ser devida a vários factores, desde o desinteresse até à hostilidade contra a política ou contra os partidos. Limitei-me a dizer – o que mantenho – que, comparada com o voto branco, a abstenção constitui normalmente uma hostilidade de menor intensidade e de menor impacto, sendo por isso que os partidos políticos reagem mais mal ao voto branco do que à abstenção.
Quanto às sugestões de CAA para dar relevância à abstenção – a saber, admitir candidaturas não partidárias e deixar vagos lugares em proporção da abstenção –, não me parece decisiva a primeira nem aceitável a segunda. Quanto à primeira, nas eleições locais entre nós, onde há candidaturas independentes, a abstenção não é menor. Quanto à segunda, não vejo por que é que a dimensão das assembleias electivas deve depender da taxa de participação eleitoral, o que aliás em nada contribuiria para diminuir a abstenção; de resto, a diminuição da dimensão das assembleias proporcionalmente à abstenção representaria uma espécie de punição das instituições representativas, em prejuízo dos eleitores que não se abstiveram e que não têm culpa da abstenção dos outros. A abstenção não deve ser premiada, muito menos com a diminuição da qualidade da democracia representativa.
Quanto às sugestões de CAA para dar relevância à abstenção – a saber, admitir candidaturas não partidárias e deixar vagos lugares em proporção da abstenção –, não me parece decisiva a primeira nem aceitável a segunda. Quanto à primeira, nas eleições locais entre nós, onde há candidaturas independentes, a abstenção não é menor. Quanto à segunda, não vejo por que é que a dimensão das assembleias electivas deve depender da taxa de participação eleitoral, o que aliás em nada contribuiria para diminuir a abstenção; de resto, a diminuição da dimensão das assembleias proporcionalmente à abstenção representaria uma espécie de punição das instituições representativas, em prejuízo dos eleitores que não se abstiveram e que não têm culpa da abstenção dos outros. A abstenção não deve ser premiada, muito menos com a diminuição da qualidade da democracia representativa.
«Desastre social»
Publicado por
Vital Moreira
«Sobre o seu artigo - "A corrida para Leste", importa referir que a maioria dos empresários portugueses que neste momento estão a investir no Leste não o fazem para procurar salários baixos, fazem-no para poder competir nesses mercados quando se verificar o natural surto de desenvolvimento que irá ocorrer após adesão. A distância que separa Portugal dessa região da Europa inviabiliza qualquer veleidade de competição a partir de cá.
Aquilo que vai acontecer a Portugal com a entrada das novas nações na UE é exactamente aquilo que causámos aos países do norte da Europa nos anos 70 e 80 do século passado, como é o exemplo da indústria têxtil portuguesa (ver o artigo que escrevi ontem no meu blogue). O seu crescimento explosivo nos anos 70 e 80 deveu-se unicamente à deslocalização (programada) da produção têxtil da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.
O que é grave no nosso caso é que a enorme riqueza gerada por esta indústria (nos anos 80 o vale do Ave nadava em dinheiro) não serviu de alavanca para um maior desenvolvimento e maturidade industrial. Essa maior maturidade permitiria hoje ter um tecido industrial moderno e que a deslocalização têxtil fosse assumida como uma estratégia, tal como foi nos países atrás citados.
O desastre social no norte do país vai ser gigantesco, maior mesmo que a situação de Setúbal no início dos anos 80, e contra isso não há nada a fazer, pois os dados foram lançados há muito. Só nos resta esperar que do desastre possa emergir, pela primeira vez, uma classe empresarial digna desse nome.»
(LB)
Aquilo que vai acontecer a Portugal com a entrada das novas nações na UE é exactamente aquilo que causámos aos países do norte da Europa nos anos 70 e 80 do século passado, como é o exemplo da indústria têxtil portuguesa (ver o artigo que escrevi ontem no meu blogue). O seu crescimento explosivo nos anos 70 e 80 deveu-se unicamente à deslocalização (programada) da produção têxtil da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.
O que é grave no nosso caso é que a enorme riqueza gerada por esta indústria (nos anos 80 o vale do Ave nadava em dinheiro) não serviu de alavanca para um maior desenvolvimento e maturidade industrial. Essa maior maturidade permitiria hoje ter um tecido industrial moderno e que a deslocalização têxtil fosse assumida como uma estratégia, tal como foi nos países atrás citados.
O desastre social no norte do país vai ser gigantesco, maior mesmo que a situação de Setúbal no início dos anos 80, e contra isso não há nada a fazer, pois os dados foram lançados há muito. Só nos resta esperar que do desastre possa emergir, pela primeira vez, uma classe empresarial digna desse nome.»
(LB)
"Regionalização das Universidades"
Publicado por
Vital Moreira
1. Contra a seriação das universidades
«(...) O texto sobre a necessidade de se implementar uma espécie de seriação de cursos superiores com o mesmo nome (ou da mesma área científica) surpreendeu-me.
Em primeiro lugar, parece testemunho de uma visão muito limitada do que é a realidade universitária do presente. As universidades não são nem nacionais nem regionais; são, cada vez mais, entidades charneira, motores de cooperação transnacional e, sobretudo, cientificamente transversais. (...) Falar, nesta altura, num qualquer sistema de certificação interna é, de todo, desenquadrado da realidade e – peço desculpa pela franqueza – soa a esgar corporativo. Como seriar um aluno que fez parte da licenciatura em Portugal e parte numa universidade estrangeira? (...)
Em segundo lugar, a haver a tal seriação – fosse ela feita por avaliadores independentes – os resultados talvez surpreendessem. Muitas são as áreas em que as ditas universidades novas há muito que deixaram para trás as ditas tradicionais (...).
Em terceiro lugar, penso não andar muito longe da verdade ao afirmar que, qualquer que seja a área de actividade, um mau profissional é imediatamente detectado pelos seus pares. Isso (aliado aos mecanismos de auto-regulação de cada uma delas) parece-me suficiente como medida de controlo. Mais importante ainda, parece-me mais justo. Quantos exemplos conheceremos ambos de pessoas que tiveram formação de base em instituições de reputação mediana e progrediram com êxito e comprovada competência nas suas carreiras?
(LAS)
2. A minha resposta
No artigo do Público sobre a "regionalização das universidades" defendi, entre outras coisas, que a sua escolha pelos utentes deve ter mais a ver com a sua qualidade do que com a sua proximidade territorial, sendo portanto necessários mecanismos que permitam aferir daquela com suficiente objectividade e remover os obstáculos à mobilidade territorial dos estudantes. Só com a diferenciação das universidades de acordo com a sua qualidade é que as melhores podem atrair os alunos mais qualificados, independemente da sua origem geográfica, contrariando a tendência para a sua regionalização territorial. Os argumentos do leitor não procedem contra esta tese. Entre outras coisas não referi nenhum “sistema de certificação interna”.
Vital Moreira
«(...) O texto sobre a necessidade de se implementar uma espécie de seriação de cursos superiores com o mesmo nome (ou da mesma área científica) surpreendeu-me.
Em primeiro lugar, parece testemunho de uma visão muito limitada do que é a realidade universitária do presente. As universidades não são nem nacionais nem regionais; são, cada vez mais, entidades charneira, motores de cooperação transnacional e, sobretudo, cientificamente transversais. (...) Falar, nesta altura, num qualquer sistema de certificação interna é, de todo, desenquadrado da realidade e – peço desculpa pela franqueza – soa a esgar corporativo. Como seriar um aluno que fez parte da licenciatura em Portugal e parte numa universidade estrangeira? (...)
Em segundo lugar, a haver a tal seriação – fosse ela feita por avaliadores independentes – os resultados talvez surpreendessem. Muitas são as áreas em que as ditas universidades novas há muito que deixaram para trás as ditas tradicionais (...).
Em terceiro lugar, penso não andar muito longe da verdade ao afirmar que, qualquer que seja a área de actividade, um mau profissional é imediatamente detectado pelos seus pares. Isso (aliado aos mecanismos de auto-regulação de cada uma delas) parece-me suficiente como medida de controlo. Mais importante ainda, parece-me mais justo. Quantos exemplos conheceremos ambos de pessoas que tiveram formação de base em instituições de reputação mediana e progrediram com êxito e comprovada competência nas suas carreiras?
(LAS)
2. A minha resposta
No artigo do Público sobre a "regionalização das universidades" defendi, entre outras coisas, que a sua escolha pelos utentes deve ter mais a ver com a sua qualidade do que com a sua proximidade territorial, sendo portanto necessários mecanismos que permitam aferir daquela com suficiente objectividade e remover os obstáculos à mobilidade territorial dos estudantes. Só com a diferenciação das universidades de acordo com a sua qualidade é que as melhores podem atrair os alunos mais qualificados, independemente da sua origem geográfica, contrariando a tendência para a sua regionalização territorial. Os argumentos do leitor não procedem contra esta tese. Entre outras coisas não referi nenhum “sistema de certificação interna”.
Vital Moreira
Voto branco (III)
Publicado por
Vital Moreira
«Verdadeiramente José Saramago não apelou ao voto em branco. Claro que a autoridade moral e intelectual de que ele está investido dificilmente suporta que se avalie a democracia da forma contundente como ele a avaliou, sem que se corroborem as conclusões de que o sistema precisaria de um cartão amarelo por parte do eleitorado.
José Saramago explicitou o que seria o cartão amarelo; todavia há um pormenor que não é de somenos importância e que ele inadvertidamente (?) esqueceu ou ultrapassou; José Saramago é militante do PCP e integra, ainda que simbolicamente, as listas de candidatos da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.
O diagnóstico à "democracia que temos" não peca por inverdades, mas amarrou José Saramago a alguma imprecisão que está a ser dolosamente explorada. Penso que ele se terá precipitado, ou será que ele se esquece que tem muitos inimigos em Portugal?»
(LB)
José Saramago explicitou o que seria o cartão amarelo; todavia há um pormenor que não é de somenos importância e que ele inadvertidamente (?) esqueceu ou ultrapassou; José Saramago é militante do PCP e integra, ainda que simbolicamente, as listas de candidatos da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.
O diagnóstico à "democracia que temos" não peca por inverdades, mas amarrou José Saramago a alguma imprecisão que está a ser dolosamente explorada. Penso que ele se terá precipitado, ou será que ele se esquece que tem muitos inimigos em Portugal?»
(LB)
Voto branco (II)
Publicado por
Vital Moreira
A história das eleições regista numerosos casos de apelo ao voto branco nas mais variadas situações: o partido que não concorre e que apela aos eleitores para não votarem nos outros; os partidos extremistas que pretendem deslegitimar os “partidos do sistema”; os candidatos que ficam fora de uma segunda volta eleitoral e que desejam impedir os seus eleitores de votar nos candidatos apurados, etc.
Raramente o voto branco assumiu expressão preocupante. Por exemplo, ainda nas últimas eleições presidenciais francesas (2002) houve sectores da extrema esquerda que apelaram ao voto branco da esquerda na 2ª volta, para não votar nem em Le Pen nem em Chirac, sem grande efeito, como se sabe; o mesmo sucedeu em 1975, em Portugal, quanto alguns sectores dos militares revolucionários se pronunciaram pelo voto branco, também sem qualquer êxito.
Mas mesmo fora da ficção literária não é de todo improvável que, verificadas certas circunstâncias (crise aguda da democracia representativa, rigidez do sistema partidário, impasse político grave, etc.), o voto branco possa assumir maior peso. Em Portugal, porém, a sua expressão tem sido em geral negligenciável (abaixo de 2% e por vezes mesmo abaixo de 1%). A abstenção, essa, tem aumentado, revelando uma crescente desafeição em relação à participação politica; mas são proporcionalmente poucos os que, vontando, optam pelo voto branco. Por este critério não se pode dizer que seja elevado o nível de descontentamento activo e intenso em relação ao nosso sistema democrático.
Raramente o voto branco assumiu expressão preocupante. Por exemplo, ainda nas últimas eleições presidenciais francesas (2002) houve sectores da extrema esquerda que apelaram ao voto branco da esquerda na 2ª volta, para não votar nem em Le Pen nem em Chirac, sem grande efeito, como se sabe; o mesmo sucedeu em 1975, em Portugal, quanto alguns sectores dos militares revolucionários se pronunciaram pelo voto branco, também sem qualquer êxito.
Mas mesmo fora da ficção literária não é de todo improvável que, verificadas certas circunstâncias (crise aguda da democracia representativa, rigidez do sistema partidário, impasse político grave, etc.), o voto branco possa assumir maior peso. Em Portugal, porém, a sua expressão tem sido em geral negligenciável (abaixo de 2% e por vezes mesmo abaixo de 1%). A abstenção, essa, tem aumentado, revelando uma crescente desafeição em relação à participação politica; mas são proporcionalmente poucos os que, vontando, optam pelo voto branco. Por este critério não se pode dizer que seja elevado o nível de descontentamento activo e intenso em relação ao nosso sistema democrático.
Voto branco e democracia
Publicado por
Vital Moreira
O novo livro de José Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, veio colocar em discussão a questão da “crise” da democracia representativa e do voto branco como instrumento de rejeição e protesto. Na verdade, o voto branco é uma maneira perfeitamente democrática de exprimir descontentamento político. Em geral, ele é uma alternativa à abstenção por parte de cidadãos civicamente empenhados; em certas circunstâncias ele pode ser também uma alternativa ao voto em partidos extremistas, anti-sistema.
Ao contrário da abstenção, que é geralmente produto de uma atitude de desinteresse ou falta de informação, ou de hostilidade de baixa intensidade, o voto branco supõe uma atitude deliberada e uma rejeição de mais forte intensidade, pois implica o esforço de ir votar. Por isso em eleições ele dá expressão em regra a uma das seguintes atitudes: recusa de escolha entre os concorrentes, rejeição de todos os concorrentes, rejeição do sistema democrático ele-mesmo, hostilidade em relação à política. Ora numa democracia pluripartidária, onde exista liberdade de organização e de actividade de partidos, essas situações não são muito numerosas em condições de regular funcionamento do sistema. Salvo quando atingem maior intensidade, o descontentamento e a desafeição em relação aos partidos ou ao sistema ele mesmo exprimem-se mais pela abstenção do que pelo voto branco, que representa um voto activo.
Em geral os votos brancos são legalmente irrelevantes, não contando para o apuramento de maiorias eleitorais, que são calculadas somente com base nos “votos expressos”. Existem mesmo países onde nem sequer se procede à sua contagem separada dos votos nulos (França, por exemplo). Mas é evidente que politicamente seria tudo menos irrelevante uma forte percentagem de votos brancos. Por isso, em certo sentido, sob o ponto de vista democrático, o voto branco pode ser preferível à abstenção, desde logo porque ele reclama maior atenção em relação à qualidade da democracia, dado traduzir a desaprovação de cidadãos interessados, que querem exprimir a sua opinião e participar nas escolhas da colectividade.
Há quem condene em geral o voto branco. Mas uma coisa é cativar os cidadãos para exprimirem uma opção partidária e outra coisa é enterrar a cabeça na areia face aos votos de protesto, fazendo de conta que nada se passa. O voto branco pode ser um excelente sismógrafo da democracia.
Ao contrário da abstenção, que é geralmente produto de uma atitude de desinteresse ou falta de informação, ou de hostilidade de baixa intensidade, o voto branco supõe uma atitude deliberada e uma rejeição de mais forte intensidade, pois implica o esforço de ir votar. Por isso em eleições ele dá expressão em regra a uma das seguintes atitudes: recusa de escolha entre os concorrentes, rejeição de todos os concorrentes, rejeição do sistema democrático ele-mesmo, hostilidade em relação à política. Ora numa democracia pluripartidária, onde exista liberdade de organização e de actividade de partidos, essas situações não são muito numerosas em condições de regular funcionamento do sistema. Salvo quando atingem maior intensidade, o descontentamento e a desafeição em relação aos partidos ou ao sistema ele mesmo exprimem-se mais pela abstenção do que pelo voto branco, que representa um voto activo.
Em geral os votos brancos são legalmente irrelevantes, não contando para o apuramento de maiorias eleitorais, que são calculadas somente com base nos “votos expressos”. Existem mesmo países onde nem sequer se procede à sua contagem separada dos votos nulos (França, por exemplo). Mas é evidente que politicamente seria tudo menos irrelevante uma forte percentagem de votos brancos. Por isso, em certo sentido, sob o ponto de vista democrático, o voto branco pode ser preferível à abstenção, desde logo porque ele reclama maior atenção em relação à qualidade da democracia, dado traduzir a desaprovação de cidadãos interessados, que querem exprimir a sua opinião e participar nas escolhas da colectividade.
Há quem condene em geral o voto branco. Mas uma coisa é cativar os cidadãos para exprimirem uma opção partidária e outra coisa é enterrar a cabeça na areia face aos votos de protesto, fazendo de conta que nada se passa. O voto branco pode ser um excelente sismógrafo da democracia.
A corrida para o Leste
Publicado por
Vital Moreira
A entrada dos novos países do Leste na UE está a provocar uma corrida às deslocalizações de empresas dos actuais Estados-membros (incluindo Portugal) para esses novos países. Entre os factores de atracção estão naturalmente os salários muito mais baixos, a “flexibilidade laboral” (facilidade de despedimentos) e uma menor força sindical (menos greves), consideráveis ajudas de Estado ao investimento estrangeiro e “last but not the least” a competitividade fiscal ao nível dos impostos sobre as empresas, que nesses países pode ser menos de metade dos valores da Alemanha, por exemplo. Fala-se já mesmo em “concorrência desleal em matéria fiscal”.
Por isso, os países mais desenvolvidos, com impostos mais altos, vêm-se em risco de perder empresas, empregos e receitas ficais, ao mesmo tempo que continuam subsidiar pesadamente os países beneficiários das deslocalizações.
É evidente que a prazo o consequente desenvolvimento dos novos países virá a ter efeitos colaterais positivos, como o aumento das importações e diminuição da necessidade de ajudas da UE. E o consequente aumento da competitividade externa das empresas europeias beneficia a sua economia em geral. Mas entretanto os países de onde as empresas emigram sofrem inevitáveis prejuízos, sobretudo no desemprego e na perda de receita. Em tempos de baixo crescimento, como os actuais, isso só pode agravar a situação.
Por isso, os países mais desenvolvidos, com impostos mais altos, vêm-se em risco de perder empresas, empregos e receitas ficais, ao mesmo tempo que continuam subsidiar pesadamente os países beneficiários das deslocalizações.
É evidente que a prazo o consequente desenvolvimento dos novos países virá a ter efeitos colaterais positivos, como o aumento das importações e diminuição da necessidade de ajudas da UE. E o consequente aumento da competitividade externa das empresas europeias beneficia a sua economia em geral. Mas entretanto os países de onde as empresas emigram sofrem inevitáveis prejuízos, sobretudo no desemprego e na perda de receita. Em tempos de baixo crescimento, como os actuais, isso só pode agravar a situação.
«Os políticos e os blogues»
Publicado por
Vital Moreira
«A blogosfera de língua portuguesa é a segunda maior e mais evoluída do mundo. Seguindo o caminho da primeira, a estadunidense (e não confundir com língua inglesa), os blogues tornam-se aos poucos, efectiva e solidamente, em espaços mediáticos não desprezáveis. E mais: têm virtudes que nenhum media até hoje ofereceu, pelo contrário, abafou. O contacto directo, quase personalizado; a interacção em tempo real com plateias de maior discernimento intelectual (e o consequente apelo à maior honestidade); o tempo e espaço de intervenção sem limites; a liberdade de discurso, não condicionado ao formato imposto pelo jornalista/órgão.
Para o bem e para o mal, a política portuguesa está a passar-se para a blogosfera.»
(Paulo Querido)
Para o bem e para o mal, a política portuguesa está a passar-se para a blogosfera.»
(Paulo Querido)
Vida breve
Publicado por
Vital Moreira
Dois meses, foi quanto durou o Post-Scriptum, um blogue anónimo de posts curtos, claros e, geralmente, certeiros. Deu para ver que vai fazer falta.
terça-feira, 30 de março de 2004
Esquerda v. direita
Publicado por
Vital Moreira
As considerações de J. Pacheco Pereira sobre o abundante uso, hoje em dia, das noções “esquerda” e “direita” como qualificações políticas carecem de ser completadas com três aspectos que me parecem igualmente relevantes.
Primeiro, a utilização de formas de identificação política mais abrangentes (esquerda-direita, ou gradações desta, tipo extrema-esquerda, centro-esquerda, etc.), em vez de noções correspondentes aos partidos ou ideologias políticas (comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristãos, etc.) tem a ver também com a crescente ausência de identificação partidária da maioria das pessoas e com o aumento da volatilidade eleitoral. Há cada vez menos pessoas nos partidos ou fiéis a cada partido, havendo muita gente que se sente “de esquerda” ou “de direita” mas que não se identifica com nenhum partido em especial da sua área.
Segundo, o retorno em força das qualificações políticas no esquema clássico esquerda-direita (e em especial das auto-qualificações) traduz também a progressiva diminuição de distinções ideológicas e programáticas dos partidos, tornando-os menos diferentes do que já foram, sobretudo no que respeita aos grande projectos de transformação económico-social. Por exemplo, que sentido tem ainda uma pessoa dizer-se que é comunista ou socialista, se os partidos correspondentes deixaram de ter como objectivo a colectivização ou socialização da economia? As noções mais genéricas de esquerda-direita apelam mais para diferenças de valores culturais e de comportamentos políticos, que é o que hoje sobressai.
Terceiro, a ênfase na dicotomia genérica clássica traduz a reacção contra as ideologias negacionistas da própria distinção esquerda–direita, associadas às ideias de “fim da história” e do “fim da ideologias”. Na verdade, afastada a divisória clássica quanto aos sistemas económicos, com o triunfo universal da economia de mercado mais ou menos regulada, não desapareceram porém as diferenças, pelo menos de grau, quanto à regulação e ao papel do Estado, quanto à coesão social, direitos sociais e serviços públicos, quanto ao relevo da ideia de igualdade, quanto ao compromisso entre liberdade pessoal e a segurança, quanto à guerra e à paz, quanto à despenalização do aborto e a abolição da pena de morte, quando à ordem económica internacional e à globalização, etc., etc.
Primeiro, a utilização de formas de identificação política mais abrangentes (esquerda-direita, ou gradações desta, tipo extrema-esquerda, centro-esquerda, etc.), em vez de noções correspondentes aos partidos ou ideologias políticas (comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristãos, etc.) tem a ver também com a crescente ausência de identificação partidária da maioria das pessoas e com o aumento da volatilidade eleitoral. Há cada vez menos pessoas nos partidos ou fiéis a cada partido, havendo muita gente que se sente “de esquerda” ou “de direita” mas que não se identifica com nenhum partido em especial da sua área.
Segundo, o retorno em força das qualificações políticas no esquema clássico esquerda-direita (e em especial das auto-qualificações) traduz também a progressiva diminuição de distinções ideológicas e programáticas dos partidos, tornando-os menos diferentes do que já foram, sobretudo no que respeita aos grande projectos de transformação económico-social. Por exemplo, que sentido tem ainda uma pessoa dizer-se que é comunista ou socialista, se os partidos correspondentes deixaram de ter como objectivo a colectivização ou socialização da economia? As noções mais genéricas de esquerda-direita apelam mais para diferenças de valores culturais e de comportamentos políticos, que é o que hoje sobressai.
Terceiro, a ênfase na dicotomia genérica clássica traduz a reacção contra as ideologias negacionistas da própria distinção esquerda–direita, associadas às ideias de “fim da história” e do “fim da ideologias”. Na verdade, afastada a divisória clássica quanto aos sistemas económicos, com o triunfo universal da economia de mercado mais ou menos regulada, não desapareceram porém as diferenças, pelo menos de grau, quanto à regulação e ao papel do Estado, quanto à coesão social, direitos sociais e serviços públicos, quanto ao relevo da ideia de igualdade, quanto ao compromisso entre liberdade pessoal e a segurança, quanto à guerra e à paz, quanto à despenalização do aborto e a abolição da pena de morte, quando à ordem económica internacional e à globalização, etc., etc.
Os rendosos “negócios da paz”
Publicado por
Vital Moreira
Segundo uma investigação de uma ONG dos Estados Unidos, de que o Público deu notícia, as empresas norte-americanas já ganharam contratos no Afeganistão e sobretudo no Iraque no valor de mais de 8 mil milhões de dólares, depois da guerra. Entre elas estão várias com ligações ao Governo dos Estados Unidos (incluindo a célebre Halliburton); quase todas são generosas contribuintes financeiras das campanhas políticas de Bush.
A notícia só pode surpreender os ingénuos. A guerra é uma grande aliada dos negócios: primeiro, das indústrias de armamento e suas subsidiárias (o departamento da defesa tem à sua conta mais de metade do orçamento federal para aquisição de bens e serviços às empresas privadas); depois, das indústrias da reconstrução, os chamados “negócios da paz” (cínico eufemismo este!). Se não houvesse guerra, como justificar a compra de novo armamento? E sem destruir primeiro, como se poderia reconstruir depois? Marte deveria passar a ser o também o padroeiro dos negócios!
A propósito: sobraram alguns despojos para as empresas dos outros países que apoiaram a guerra? Quais são as empresas portuguesas beneficiárias? Nem sequer as cimenteiras? Será que já não existe gratidão nos negócios da guerra? Será que a prestimosa organização da "cimeira da guerra" nos Açores há um ano foi em vão?
A notícia só pode surpreender os ingénuos. A guerra é uma grande aliada dos negócios: primeiro, das indústrias de armamento e suas subsidiárias (o departamento da defesa tem à sua conta mais de metade do orçamento federal para aquisição de bens e serviços às empresas privadas); depois, das indústrias da reconstrução, os chamados “negócios da paz” (cínico eufemismo este!). Se não houvesse guerra, como justificar a compra de novo armamento? E sem destruir primeiro, como se poderia reconstruir depois? Marte deveria passar a ser o também o padroeiro dos negócios!
A propósito: sobraram alguns despojos para as empresas dos outros países que apoiaram a guerra? Quais são as empresas portuguesas beneficiárias? Nem sequer as cimenteiras? Será que já não existe gratidão nos negócios da guerra? Será que a prestimosa organização da "cimeira da guerra" nos Açores há um ano foi em vão?
Lost in Portugal
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LFB
A 21 de Abril estreará no Teatro da Trindade uma peça cujo protagonista masculino tinha de ser brasileiro. Há poucos dias, finalmente, ele chegou.
Dois dias depois de aterrar, ainda a sofrer do jet-lag, sem conseguir adaptar-se à comida, sozinho em Lisboa, o actor de meia-idade - em tempos um galã de novela brasileira - foi chamado, fora de horas, para a sessão fotográfica de promoção do espectáculo.
Foi aí que confirmei a impressão de que este homem está triste. Ao vê-lo fatigado, dorido, a ensaiar poses sucessivas para 3 fotógrafos que falavam depressa demais para este brasileiro acabado de chegar - "Oi? Hein?" - percebi que Tóquio era mesmo apenas uma metáfora. Bob também podia ser brasileiro e Tóquio Lisboa.
Não é a vida que imita a arte.
Dois dias depois de aterrar, ainda a sofrer do jet-lag, sem conseguir adaptar-se à comida, sozinho em Lisboa, o actor de meia-idade - em tempos um galã de novela brasileira - foi chamado, fora de horas, para a sessão fotográfica de promoção do espectáculo.
Foi aí que confirmei a impressão de que este homem está triste. Ao vê-lo fatigado, dorido, a ensaiar poses sucessivas para 3 fotógrafos que falavam depressa demais para este brasileiro acabado de chegar - "Oi? Hein?" - percebi que Tóquio era mesmo apenas uma metáfora. Bob também podia ser brasileiro e Tóquio Lisboa.
Não é a vida que imita a arte.
É difícil dizer "amo-te"
Publicado por
LFB
Amanhã regresso à minha cidade, Angra do Heroísmo, por motivos profissionais. Sempre que abandono a ilha onde vivi os primeiros 18 anos da minha vida, tenho a sensação de que ela me recrimina. E a impressão de que posso não voltar.
Mas agora que regresso a casa sem avisar, receio que me leve a mal.
Mas agora que regresso a casa sem avisar, receio que me leve a mal.
Um fantasma que vivia
Publicado por
LFB
Soube hoje que morreu Rui Rodrigues, aos 51 anos. Outro num tão curto espaço de tempo, depois de Emanuel Félix. Estes nomes não lhe dizem nada porque são poetas açorianos e a insularidade tem destas coisas. Mas eram grandes.
Conheci o jornalista Rui Rodrigues aos 16 anos, na RDP-Açores. Impressionava-me a imagem daquele homem taciturno, em absoluto contraste com a irreverência própria da minha adolescência, feliz no seu primeiro programa de rádio. Mas Rui Rodrigues não era taciturno. Era, talvez, "sofrido" - uma das mais belas palavras da nossa língua. Podem encontrá-la, provavelmente, em meia dúzia de fados. "Sofrido" e "fado", aliás, são palavras que vão bem com os Açores - e só quem lá viveu percebe que não digo isto com tristeza. Mesmo destinos pesados como o de Rui Rodrigues têm outro carisma naqueles 9 rochedos.
Rui Rodrigues era, aos meus olhos, um fantasma que vivia. Por uma simples razão: nunca trocámos uma palavra. Nunca me atrevi. Mas, anos mais tarde, li os seus livros. E, pela primeira vez, ouvi as suas palavras.
Mereceram a pena. Valeram o silêncio que parecia impor como regra no dia-a-dia. Deixo-vos uma crónica que explica melhor.
Conheci o jornalista Rui Rodrigues aos 16 anos, na RDP-Açores. Impressionava-me a imagem daquele homem taciturno, em absoluto contraste com a irreverência própria da minha adolescência, feliz no seu primeiro programa de rádio. Mas Rui Rodrigues não era taciturno. Era, talvez, "sofrido" - uma das mais belas palavras da nossa língua. Podem encontrá-la, provavelmente, em meia dúzia de fados. "Sofrido" e "fado", aliás, são palavras que vão bem com os Açores - e só quem lá viveu percebe que não digo isto com tristeza. Mesmo destinos pesados como o de Rui Rodrigues têm outro carisma naqueles 9 rochedos.
Rui Rodrigues era, aos meus olhos, um fantasma que vivia. Por uma simples razão: nunca trocámos uma palavra. Nunca me atrevi. Mas, anos mais tarde, li os seus livros. E, pela primeira vez, ouvi as suas palavras.
Mereceram a pena. Valeram o silêncio que parecia impor como regra no dia-a-dia. Deixo-vos uma crónica que explica melhor.
Apostilas das terças
Publicado por
Vital Moreira
1. Mudança de maré?
Depois das eleições gerais espanholas, as eleições regionais francesas, que também se saldaram por uma convincente e em grande parte inesperada vitória da esquerda (pelo menos quanto à sua expressão) vieram contrariar algumas análises recentes sobre o défice de participação eleitoral e sobre a recomposição partidária nas democracias contemporâneas, como assinala o Le Monde em relação ao caso francês. De facto, em ambos os casos a abstenção diminuiu, com aumento da participação sobretudo entre o eleitorado mais jovem; a esquerda “clássica” não cedeu terreno para as esquerdas alternativas, pelo contrário; o voto da classe operária manteve uma elevada adesão à esquerda tradicional, não revelando indícios de desvio para o populismo de direita ou de esquerda. Sinais conjunturais ou inversão de maré?
2. Luís Nazaré
No Tugir LNT reagiu muito criticamente, em nome do «espírito de sacrifício, de missão e de serviço público», à entrevista de Luís Nazaré (co-autor do Causa Nossa), dada à Visão na semana passada. Não pretendendo imiscuir-me nesta controvérsia entre correlegionários, uma coisa me parece certa. Depois das suas desafiadoras afirmações sobre a “velhice” doutrinária e organizativa do PS, é de esperar que o novo presidente do seu Gabinete de Estudos possa desencadear rapidamente os estudos preparatórios para a sua renovação. Mas, sendo óbvio que isso requer organização e meios, onde estão disponíveis os necessários “think tanks”?
3. «O encanto da virgindade»
«São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza.
Felizmente que, apesar da tirania da opinião, grande parte das mulheres resiste à pressão e preserva a superioridade. A virgindade e a maternidade brilham ainda neste tempo confuso. E, juntas na mesma pessoa, cintilam no mais alto dos céus, acima de toda a criatura.»
(João César das Neves, obviamente; quem mais poderia escrever estas pérolas do pensamento?)
Depois das eleições gerais espanholas, as eleições regionais francesas, que também se saldaram por uma convincente e em grande parte inesperada vitória da esquerda (pelo menos quanto à sua expressão) vieram contrariar algumas análises recentes sobre o défice de participação eleitoral e sobre a recomposição partidária nas democracias contemporâneas, como assinala o Le Monde em relação ao caso francês. De facto, em ambos os casos a abstenção diminuiu, com aumento da participação sobretudo entre o eleitorado mais jovem; a esquerda “clássica” não cedeu terreno para as esquerdas alternativas, pelo contrário; o voto da classe operária manteve uma elevada adesão à esquerda tradicional, não revelando indícios de desvio para o populismo de direita ou de esquerda. Sinais conjunturais ou inversão de maré?
2. Luís Nazaré
No Tugir LNT reagiu muito criticamente, em nome do «espírito de sacrifício, de missão e de serviço público», à entrevista de Luís Nazaré (co-autor do Causa Nossa), dada à Visão na semana passada. Não pretendendo imiscuir-me nesta controvérsia entre correlegionários, uma coisa me parece certa. Depois das suas desafiadoras afirmações sobre a “velhice” doutrinária e organizativa do PS, é de esperar que o novo presidente do seu Gabinete de Estudos possa desencadear rapidamente os estudos preparatórios para a sua renovação. Mas, sendo óbvio que isso requer organização e meios, onde estão disponíveis os necessários “think tanks”?
3. «O encanto da virgindade»
«São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza.
Felizmente que, apesar da tirania da opinião, grande parte das mulheres resiste à pressão e preserva a superioridade. A virgindade e a maternidade brilham ainda neste tempo confuso. E, juntas na mesma pessoa, cintilam no mais alto dos céus, acima de toda a criatura.»
(João César das Neves, obviamente; quem mais poderia escrever estas pérolas do pensamento?)
segunda-feira, 29 de março de 2004
Portas adentro, sem grande problema
Publicado por
AG
Vale a pena ler com atenção os artigos “Defesa gasta 309 milhões com aviões em risco de reforma – Portugal exige contrapartidas abaixo da média», no caderno «Negócios» do DN de hoje, da autoria do jornalista Joaquim Brito Camacho, escalpelizando a opção do Ministro da Defesa, Paulo Portas, pela modernização de seis aviões P-3 Orion, trabalho que deverá ser entregue … à Lockheed Martin, naturalmente.
Isto apesar de a marinha norte-americana estar a substituir aceleradamente aqueles aviões, por ter concluído que apresentariam perigosa deterioração - e os «portugueses» são dos mais velhos, fabricados já em 1968. O que não preocupa o Ministro, pois como atesta o seu assessor Pedro Guerra (o nome indiciará, porventura, um perito na matéria) «não há grande problema».
Grande problema também não é o trabalho estar orçamentado na Lei de Programação Militar por 309 milhões de euros – sorte terá a Nova Zelândia, que, para modernizar o mesmo número de aviões do mesmo modelo, só prevê gastar 160 milhões de euros…
Grande problema não resulta ainda de o trabalho de modernização ser entregue à … Lockheed Martin, naturalmente…, a que resta das duas empresas americanas que o MD convidou a apresentarem propostas a concurso que, nos termos da lei, exigiria consulta a três fornecedores.
E não haverá também grande problema por o Ministro ter exigido à empresa norte-americana a entrega à OGMA de 33% em contrapartidas directas. De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Comércio dos EUA, citado pelo jornalista, 42% de contrapartidas directas costuma ser a percentagem para países desenvolvidos, 36% para países em desenvolvimento… (33% deve ser a taxa a aplicar a países a andar para trás, como o nosso, que tem o Dr. Portas como governante).
Grande problema também não tem o Presidente da CPC (Comissão Permanente de Contrapartidas) por se escudar na confidencialidade para não revelar onde serão aplicados os 66% de contrapartidas indirectas, necessárias para cumprir o regulamento de que o valor a exigir nunca seja inferior a 100% do preço dos bens a adquirir (noutros países as contrapartidas directas e indirectas sobem frequentemente a 200%, 300%, 400%…).
Certamente que o Ministro da Defesa também não terá grande problema em escancarar portas ao escrutínio público e prestar explicações, rapidamente, sobre aquela opção de modernização apesar dos alertas da marinha norte-americana, e em facultar-nos a todos, democraticamente, as contas certinhas, incluindo percentagens e aplicações das contrapartidas.
Eu nada sei da matéria, nem tenho interesses além dos nacionais, de todos nós, aqueles que pagamos impostos. Não sou (im)pressionável com alusões a negócios passados, ligeiros ou nebulosos, feitos por quem quer que seja. Acontece que leio jornais e não gosto de negócios escuros, que é o que há mais, por esse mundo fora, em matéria de armas e equipamentos militares. Será que no Ministério da Defesa lêem o Causa-Nossa?
PS - O mesmo jornalista assinava na publicação «Take-off – Informação Aeronáutica», de Dezembro de 2003, um interessante artigo analisando as consequências das intenções de poupança que o Ministro Paulo Portas avançou no ano passado como justificação para cancelar a participação de Portugal no consórcio europeu de produção dos aviões A400M. O jornalista concluía que para o Ministro ser consequente com o que anunciou – poupar dinheiro ao erário público conseguindo aviões com a melhor relação qualidade-performance-preço - teria de ir comprar uns aviões ucranianos e não os C130-J que se propunha adquirir à …Lockheed Martin, naturalmente.
Onde estamos hoje, afinal? Compramos ucraniano ou americano? E por quanto? E as famosas contrapartidas que o Ministro proclamou ir garantir, peludas, leoninas, para a indústria nacional ? E sempre houve ou haverá que pagar indemnizações ao consórcio europeu, como a imprensa chegou a noticiar?
Aguardemos respostas.
Ana Gomes
Isto apesar de a marinha norte-americana estar a substituir aceleradamente aqueles aviões, por ter concluído que apresentariam perigosa deterioração - e os «portugueses» são dos mais velhos, fabricados já em 1968. O que não preocupa o Ministro, pois como atesta o seu assessor Pedro Guerra (o nome indiciará, porventura, um perito na matéria) «não há grande problema».
Grande problema também não é o trabalho estar orçamentado na Lei de Programação Militar por 309 milhões de euros – sorte terá a Nova Zelândia, que, para modernizar o mesmo número de aviões do mesmo modelo, só prevê gastar 160 milhões de euros…
Grande problema não resulta ainda de o trabalho de modernização ser entregue à … Lockheed Martin, naturalmente…, a que resta das duas empresas americanas que o MD convidou a apresentarem propostas a concurso que, nos termos da lei, exigiria consulta a três fornecedores.
E não haverá também grande problema por o Ministro ter exigido à empresa norte-americana a entrega à OGMA de 33% em contrapartidas directas. De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Comércio dos EUA, citado pelo jornalista, 42% de contrapartidas directas costuma ser a percentagem para países desenvolvidos, 36% para países em desenvolvimento… (33% deve ser a taxa a aplicar a países a andar para trás, como o nosso, que tem o Dr. Portas como governante).
Grande problema também não tem o Presidente da CPC (Comissão Permanente de Contrapartidas) por se escudar na confidencialidade para não revelar onde serão aplicados os 66% de contrapartidas indirectas, necessárias para cumprir o regulamento de que o valor a exigir nunca seja inferior a 100% do preço dos bens a adquirir (noutros países as contrapartidas directas e indirectas sobem frequentemente a 200%, 300%, 400%…).
Certamente que o Ministro da Defesa também não terá grande problema em escancarar portas ao escrutínio público e prestar explicações, rapidamente, sobre aquela opção de modernização apesar dos alertas da marinha norte-americana, e em facultar-nos a todos, democraticamente, as contas certinhas, incluindo percentagens e aplicações das contrapartidas.
Eu nada sei da matéria, nem tenho interesses além dos nacionais, de todos nós, aqueles que pagamos impostos. Não sou (im)pressionável com alusões a negócios passados, ligeiros ou nebulosos, feitos por quem quer que seja. Acontece que leio jornais e não gosto de negócios escuros, que é o que há mais, por esse mundo fora, em matéria de armas e equipamentos militares. Será que no Ministério da Defesa lêem o Causa-Nossa?
PS - O mesmo jornalista assinava na publicação «Take-off – Informação Aeronáutica», de Dezembro de 2003, um interessante artigo analisando as consequências das intenções de poupança que o Ministro Paulo Portas avançou no ano passado como justificação para cancelar a participação de Portugal no consórcio europeu de produção dos aviões A400M. O jornalista concluía que para o Ministro ser consequente com o que anunciou – poupar dinheiro ao erário público conseguindo aviões com a melhor relação qualidade-performance-preço - teria de ir comprar uns aviões ucranianos e não os C130-J que se propunha adquirir à …Lockheed Martin, naturalmente.
Onde estamos hoje, afinal? Compramos ucraniano ou americano? E por quanto? E as famosas contrapartidas que o Ministro proclamou ir garantir, peludas, leoninas, para a indústria nacional ? E sempre houve ou haverá que pagar indemnizações ao consórcio europeu, como a imprensa chegou a noticiar?
Aguardemos respostas.
Ana Gomes
Catástrofe ambulante
Publicado por
AG
Quando um ser inteligente, culto, reaccionário, diletante, cabotino como Vasco Pulido Valente, numa crónica raivosa e destrutiva contra Ferro Rodrigues, me chama «catástrofe ambulante» (DN, de 28.3.04), não consigo reprimir o contentamento: foi também para causar danos e incómodos a gente como o cambaleante VPV, que eu vim para a política. E afinal, sempre vou tendo eficácia!…
Ana Gomes
Ana Gomes
Elogio à lucidez
Publicado por
Anónimo
Não, não é à de Saramago que me refiro, já que o predicado da lucidez nem sempre está presente nas intervenções cívicas do nosso prémio Nobel (embora lhe perdoemos tudo, como a Ezra Pound ou a Céline, em nome da genialidade literária). É à do comentário bolsista de Abílio Ferreira na edição do Expresso de 27 de Março (secção Bolsa & Mercados). Há muito tempo que não lia uma coluna tão deliciosamente corrosiva e lúcida sobre a realidade da nossa bolsinha. Ainda há uma ponta de Expresso!
Luís Nazaré
Luís Nazaré
O fundamentalismo antiterrorista e o perigo para o Estado de Direito
Publicado por
Vital Moreira
De entre a muita literatura produzida nos últimos dois anos sobre os perigos de uma cega luta antiterrorista, tendo em conta especialmente o célebre “Patriotic Act” (Lei patriótica) estadunidense, merece um lugar de destaque uma recente conferência do célebre filósofo norte-americano e professor da Universidade de Stanford (Califórnia) Richard Rorty, que o El País acaba de publicar em versão castelhana, depois de ter sido publicada em alemão pelo Die Zeit . Rorty está longe de fazer parte da “esquerda universitária” norte-americana (academic left), ou sequer de simpatizar muito com ela.
De qualquer modo o seu texto é um notável alerta contra o perigo de o fundamentalismo securitário anti-terrorista poder servir de pretexto para restringir fatalmente as liberdades civis e os princípios do Estado de Direito.
Vale a pena respigar algumas passagens:
«Porque el mayor impacto que [os terroristas] podrán obtener con sus infernales máquinas y sus horrendos atentados no serán el sufrimiento y la muerte. El mayor impacto lo tendrán las medidas que los Gobiernos occidentales tomarán para responder al terrorismo. Estas respuestas podrían significar el final de algunas instituciones que fueron creadas durante los doscientos años posteriores a las revoluciones burguesas en Europa y Norteamérica.
La sospecha ampliamente extendida de que la guerra contra el terrorismo es potencialmente más peligrosa que el terrorismo en sí me parece completamente justificada. (...)
Muy distinta sería la situación en caso de un ataque terrorista. Los políticos harían todo lo posible por evitar nuevos atentados, se sentirían tentados a superarse unos a otros en dureza y en la toma de medidas de mayor alcance. Se trataría incluso de medidas que podrían poner fin al Estado de derecho. Y la rabia que se siente cuando el sufrimiento anónimo lo inflige la acción humana y no las fuerzas de la naturaleza, hará que la opinión pública acepte dichas medidas. Es cierto que el resultado no sería ningún golpe de Estado fascista. El resultado sería una catarata de medidas que iniciarían un cambio en las condiciones sociales y políticas de la vida occidental. Los jueces y los tribunales perderían su independencia, y los mandos militares regionales recibirían de la noche a la mañana una autoridad que antes sólo tenían los funcionarios electos. Los medios de comunicación, a su vez, se verían obligados a ahogar las protestas contra los acuerdos gubernamentales.
El miedo ante una evolución de este tipo está mucho más extendido entre los estadounidenses como yo que entre los europeos, porque sólo en Estados Unidos el Gobierno ha afirmado que nos encontramos en un estado de guerra prolongado. (...)
Tal vez sea ésta una visión demasiado pesimista del futuro. Posiblemente Ashcroft haya conseguido intimidarme de tal forma - al igual que a muchos otros estadounidenses - que veo fantasmas por todas partes. Deseo de todo corazón que así sea. No obstante, compruebo que las instituciones democráticas, al menos en mi país, se han vuelto muy frágiles. Me temo que todos los precedentes creados por el Gobierno de EE UU como respuesta al 11-S influirán mucho en los gobiernos de otras democracias. Después de los atentados en Madrid, el escenario estadounidense también podría repetirse en Europa. Aunque los servicios de espionaje y las fuerzas armadas en los países miembros de la UE no sean ni de lejos tan poderosos como en EE UU, sí podrían hacerse de repente con facultades que nunca antes habían tratado de conseguir. La Junta en Washington lo vería con buenos ojos. (...)
Un estrato del poder en EE UU y en la Unión Europea se ha acostumbrado a la idea de que sólo puede cumplir con su deber de garantizar la seguridad nacional ocultando por completo sus actividades a la opinión pública. El 11-S ha reforzado aún más sus convicciones y, probablemente, si se producen más atentados terroristas, esas elites acabarán creyendo que para poder salvar la democracia primero hay que destruirla. Pero si se produce el peor de los cambios posible, los historiadores tendrán que explicar algún día a la humanidad por qué la época dorada de Occidente sólo duró 200 años. Los pasajes más tristes de sus libros hablarían de cómo los ciudadanos de las democracias contribuyeron con su cobardía a provocar la catástrofe.»
De qualquer modo o seu texto é um notável alerta contra o perigo de o fundamentalismo securitário anti-terrorista poder servir de pretexto para restringir fatalmente as liberdades civis e os princípios do Estado de Direito.
Vale a pena respigar algumas passagens:
«Porque el mayor impacto que [os terroristas] podrán obtener con sus infernales máquinas y sus horrendos atentados no serán el sufrimiento y la muerte. El mayor impacto lo tendrán las medidas que los Gobiernos occidentales tomarán para responder al terrorismo. Estas respuestas podrían significar el final de algunas instituciones que fueron creadas durante los doscientos años posteriores a las revoluciones burguesas en Europa y Norteamérica.
La sospecha ampliamente extendida de que la guerra contra el terrorismo es potencialmente más peligrosa que el terrorismo en sí me parece completamente justificada. (...)
Muy distinta sería la situación en caso de un ataque terrorista. Los políticos harían todo lo posible por evitar nuevos atentados, se sentirían tentados a superarse unos a otros en dureza y en la toma de medidas de mayor alcance. Se trataría incluso de medidas que podrían poner fin al Estado de derecho. Y la rabia que se siente cuando el sufrimiento anónimo lo inflige la acción humana y no las fuerzas de la naturaleza, hará que la opinión pública acepte dichas medidas. Es cierto que el resultado no sería ningún golpe de Estado fascista. El resultado sería una catarata de medidas que iniciarían un cambio en las condiciones sociales y políticas de la vida occidental. Los jueces y los tribunales perderían su independencia, y los mandos militares regionales recibirían de la noche a la mañana una autoridad que antes sólo tenían los funcionarios electos. Los medios de comunicación, a su vez, se verían obligados a ahogar las protestas contra los acuerdos gubernamentales.
El miedo ante una evolución de este tipo está mucho más extendido entre los estadounidenses como yo que entre los europeos, porque sólo en Estados Unidos el Gobierno ha afirmado que nos encontramos en un estado de guerra prolongado. (...)
Tal vez sea ésta una visión demasiado pesimista del futuro. Posiblemente Ashcroft haya conseguido intimidarme de tal forma - al igual que a muchos otros estadounidenses - que veo fantasmas por todas partes. Deseo de todo corazón que así sea. No obstante, compruebo que las instituciones democráticas, al menos en mi país, se han vuelto muy frágiles. Me temo que todos los precedentes creados por el Gobierno de EE UU como respuesta al 11-S influirán mucho en los gobiernos de otras democracias. Después de los atentados en Madrid, el escenario estadounidense también podría repetirse en Europa. Aunque los servicios de espionaje y las fuerzas armadas en los países miembros de la UE no sean ni de lejos tan poderosos como en EE UU, sí podrían hacerse de repente con facultades que nunca antes habían tratado de conseguir. La Junta en Washington lo vería con buenos ojos. (...)
Un estrato del poder en EE UU y en la Unión Europea se ha acostumbrado a la idea de que sólo puede cumplir con su deber de garantizar la seguridad nacional ocultando por completo sus actividades a la opinión pública. El 11-S ha reforzado aún más sus convicciones y, probablemente, si se producen más atentados terroristas, esas elites acabarán creyendo que para poder salvar la democracia primero hay que destruirla. Pero si se produce el peor de los cambios posible, los historiadores tendrán que explicar algún día a la humanidad por qué la época dorada de Occidente sólo duró 200 años. Los pasajes más tristes de sus libros hablarían de cómo los ciudadanos de las democracias contribuyeron con su cobardía a provocar la catástrofe.»
A explicação de Guterres
Publicado por
Vital Moreira
Não posso ser acusado de “guterrismo”, tendo sido não poucas vezes muito crítico da governação do antigo primeiro-ministro. Mas nunca acompanhei os que dentro e fora do PS condenaram António Guterres por ter “fugido”, ou “ter abandonado o barco”, ao demitir-se no seguimento da pesada derrota do PS nas eleições locais do final de 2001. Penso que, sendo esse desaire antes de tudo uma derrota pessoal dele mesmo e sendo evidente que depois dela as dificuldades de governar sem maioria (como era o caso) se agravariam e se tornariam incontornáveis, levando inevitavelmente à paralisação do governo e ao seu fatal afundamento, a sua continuação sem mais seria o caminho para o desastre. Por isso, julgo que a demissão foi justificada, sendo aceitável a explicação agora dada pelo próprio, nessa linha.
Resta saber se, em vez da demissão “incontinenti”, deixando o PS subitamente desamparado, sem primeiro-ministro e sem líder, como sucedeu, não teria sido preferível forçar previamente uma moção de confiança parlamentar, ou mesmo tentar um governo com outro primeiro-ministro (caso fosse aceito pelo Presidente da República), transferindo para as oposições, caso chumbassem uma ou outro, como seria previsível, a responsabilidade pela crise política daí decorrente, em vez de esta recair sobre o PS, como aconteceu, ainda por cima dando o flanco à acusação fácil de ter “fugido à crise por ele mesmo criada”, de que tanto se aproveitou desde então a oposição de direita.
Por isso não é ocioso perguntar se com outra resistência moral e força anímica não teria sido possível outra solução que não fosse, como foi, a retirada pessoal imediata.
Resta saber se, em vez da demissão “incontinenti”, deixando o PS subitamente desamparado, sem primeiro-ministro e sem líder, como sucedeu, não teria sido preferível forçar previamente uma moção de confiança parlamentar, ou mesmo tentar um governo com outro primeiro-ministro (caso fosse aceito pelo Presidente da República), transferindo para as oposições, caso chumbassem uma ou outro, como seria previsível, a responsabilidade pela crise política daí decorrente, em vez de esta recair sobre o PS, como aconteceu, ainda por cima dando o flanco à acusação fácil de ter “fugido à crise por ele mesmo criada”, de que tanto se aproveitou desde então a oposição de direita.
Por isso não é ocioso perguntar se com outra resistência moral e força anímica não teria sido possível outra solução que não fosse, como foi, a retirada pessoal imediata.
Resposta & aditamento
Publicado por
Vital Moreira
Resposta de Ivan Nunes à minha observação sobre o seu apoio a Nelson Rodrigues. Aqui fica registada. Ficam devidamente esclarecidas as posições.
Ainda a propósito desta controvérsia anote-se também o comentário do Almocreve das Petas, sobre a «vileza das suas [de Nelson Rodrigues] acções contra companheiros e de apoio à ditadura [militar brasileira]». Qual é o adjectivo mais «injurioso» (IN): «biltre político» ou «vil»?
Ainda a propósito desta controvérsia anote-se também o comentário do Almocreve das Petas, sobre a «vileza das suas [de Nelson Rodrigues] acções contra companheiros e de apoio à ditadura [militar brasileira]». Qual é o adjectivo mais «injurioso» (IN): «biltre político» ou «vil»?
De onde menos se espera
Publicado por
Vital Moreira
De um escrito de Paulo Varela Gomes transcrito na Praia, sem comentários, respigo esta inominável passagem: «O fanicamento do cheique Yazin adianta pouco porque há muitos e muitos cabrões do calibre dele entre a cabrãozada palestiniana.» Assim mesmo: «cabrãozada palestiniana»!
De facto, comentários para quê? Há dias em que a razão e a decência vão de férias.
De facto, comentários para quê? Há dias em que a razão e a decência vão de férias.
Desatino
Publicado por
Vital Moreira
Em mais uma das suas afamadas crónicas políticas do Expresso, o seu director José António Saraiva defende, com a perspicácia e a profundidade analítica a que nos habituou, a seguinte tese: ao opor-se à “guerra contra o terrorismo” de Bush, a esquerda acaba por se colocar ao lado do terrorismo; por isso, a proposta de negociação feita por Mário Soares é o corolário lógico dessa posição. De permeio, omitindo as generalizadas críticas que Soares recebeu da esquerda, AJS chega a escrever coisas como esta: «E, por muito que custe escrever, os terroristas estão do lado dos que combatem Bush, sendo objectivamente seus aliados».
Há um ano silogismos destes já eram sonsos ecos servis da maniqueísta proclamação do próprio Bush, segundo o qual ou se estava com ele (inclusive na ilegítima invasão do Iraque) ou com os terroristas, o que, como se sabe, colocou "ao lado destes" as Nações Unidas, a França e a Alemanha, Koffi Annan e o Papa, por exemplo, bem como a maior parte da opinião pública mundial. Nunca os terroristas pensaram possuir tantos "apoios". Passado um ano, porém, quando se sabe que a guerra no Iraque só enfraqueceu a luta contra o terrorismo e se saldou mesmo num favor prestado ao terrorismo islâmico, e quando a Europa, no seguimento dos atentados de 11 de Março em Madrid, define a sua própria estratégia alternativa contra o terrorismo, face ao falhanço da estratégia guerreira de Bush, os ditos requentados de AJS só podem relevar de um raciocínio desatinado.
Por muito que custe escrever, com inimigos destes o terrorismo internacional não precisa de aliados...
Há um ano silogismos destes já eram sonsos ecos servis da maniqueísta proclamação do próprio Bush, segundo o qual ou se estava com ele (inclusive na ilegítima invasão do Iraque) ou com os terroristas, o que, como se sabe, colocou "ao lado destes" as Nações Unidas, a França e a Alemanha, Koffi Annan e o Papa, por exemplo, bem como a maior parte da opinião pública mundial. Nunca os terroristas pensaram possuir tantos "apoios". Passado um ano, porém, quando se sabe que a guerra no Iraque só enfraqueceu a luta contra o terrorismo e se saldou mesmo num favor prestado ao terrorismo islâmico, e quando a Europa, no seguimento dos atentados de 11 de Março em Madrid, define a sua própria estratégia alternativa contra o terrorismo, face ao falhanço da estratégia guerreira de Bush, os ditos requentados de AJS só podem relevar de um raciocínio desatinado.
Por muito que custe escrever, com inimigos destes o terrorismo internacional não precisa de aliados...
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