quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guerra na Ucrânia (55): Cancelamento

Era de temer que a passional onda antirrussa desencadeada no Ocidente pela invasão da Ucrânia, que logo se manifestou no cancelamento da atuação de artistas e desportistas russos, viesse a dar lugar a atitudes como esta do Reitor da Universidade de Coimbra, que, com base na denúncia pública de dois cidadãos ucranianos, sobre alegada "propaganda pró-Putin", despediu sumariamente um professor russo do departamento de estudos russos da Faculdade de Letras, rescindindo imediatamente o seu contrato (aliás, gracioso), sem nenhum processo de averiguação, nem audição do acusado.

Neste caso, a simples denúncia de posições filorrussas legitimou a expedita punição, com despedimento, do delito de opinião, sem contraditório, de nada valendo o vínculo contratual nem a tradicional garantia da liberdade académica. Como é bom de ver, quando a exclusão ideológica chega à academia, preparemo-nos para o pior...

Adenda
Como diz um leitor, na "caça às bruxas" anticomunista do senador MacCarthy nos EUA, a seguir à Guerra, ainda havia acusação e processo público, o que agora se dispensa nesta «purga antirrusa». 

Adenda 2 (14/5)
Outro leitor lembra que na ditadura do Estado Novo o banimento de professores por motivos político-ideológicos era «feito pelo Governo, sob denúncia da PIDE, e não pelas próprias universidades, abusando da sua autonomia»Tem razão. O que não mudou, porém, hoje como ontem, é a cumplicidade, pelo silêncio, da generalidade da academia perante estes atos sumários de exclusão...

Adenda (3) (18/5)
Concordo com o leitor que comenta que, «se, em vez de um reitor de direita a despedir sumariamente um professor por alegada propaganda pró-Putin [aliás, entretanto desmentidos pelos alunos], fosse um reitor de esquerda a despedir um professor por alegada propaganda pró-Trump, o caso daria seguramente a iradas acusações de perseguição política nas televisões e mesmo na AR». Sim, a tradicional duplicidade de critérios...

O que o Presidente não deve fazer (37): Direito de objeção política contra a Constituição, não!

1. É manifesto que o PR só vetou novamente a lei da despenalização da eutanásia, com argumentos deliberadamente especiosos, para não a promulgar voluntariamente, "convidando" a AR a reaprovar o diploma, o que esta vai fazer, tornando a promulgação constitucionalmente obrigatória. 

Sendo esta uma via constitucionalmente aberta ao PR, para se descomprometer politicamente em relação à lei, salvaguardando neste caso a sua oposição do foro religioso, não há nada a objetar a este "esquema" presidencial de veto instrumental. Embora "forçada", não deixa de haver promulgação presidencial, como é devida.

2. O que não faria nenhum sentido, constituindo uma violação qualificada da Constituição, seria admitir que o PR ainda pudesse recusar-se a promulgar o diploma, invocado uma objeção de consciência

Primeiro, enquanto tais, no exercício dos seus poderes constitucionais, os titulares de cargos políticos não podem naturalmente invocar e prevalecer-se de direitos que, por definição, só cabem aos cidadãos. Por exemplo, enquanto cidadão, MRS pode praticar atos de culto religioso, mas não enquanto PR, dado o princípio da laicidade do Estado. Segundo, ao promulgar a lei, despenalizando a eutanásia em certas circunstâncias, muito exigentes, o PR não pratica nenhum ato de eutanásia nem obriga ou autoriza ninguém a praticá-lo, tanto mais que os médicos e outro pessoal de saúde, esses sim, têm assegurado o direito à objeção de consciência.

Por conseguinte, é manifestamente descabido invocar um direito presidencial de objeção de consciência como fundamento para incumprir uma, aliás taxativa, obrigação constitucional de respeitar a soberania legislativa da AR -, o que abriria a porta ao puro arbítrio presidencial à margem da Constituição.

3. Também não teria nenhum fundamento constitucional a hipótese de substituir o PR pelo presidente da AR, para efetuar a promulgação (como sugere o autor da referida ideia). A Constituição só admite a substituição por "impedimento temporário" do PR, ou seja, por incapacidade para exercer o cargo, e não para a prática momentânea de um certo ato, como a promulgação. 

De resto, o Tribunal Constitucional, a quem compete verificar os impedimentos presidenciais, nunca poderia admitir essa ficção de impedimento pontual para a prática de certo ato presidencial, aliás constitucionalmente obrigatório.

Adenda
Um leitor comenta que, se um PR não puder de todo em todo, por pruridos religiosos, observar um princípio constitucional tão essencial como a soberania legislativa do peraarlamento, «só lhe resta abandonar o cargo e dar lugar a quem o possa fazer». Subscrevo.

Adenda 2
Como era de prever, o PR afastou prontamente qualquer tergiversacão sobre a promulgação, pelo que a questão não passou de excesso de imaginacão de um constitucionalista. Ainda bem!

terça-feira, 9 de maio de 2023

Amanhã vou estar aqui (15): A questão das ordens profissionais

E já amanhã que vai decorrer na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) este colóquio sobre a nova Lei-quadro das Ordens profissionais, onde intervenho junto com vários qualificados especialistas nesta temática.

Recorde-se que, além da geral oposição das ordens e do intenso debate político que susciou, esta importante reforma legislativa também foi contestada por alegada desconformidade constitucional, a qual, porém, foi afastada pelo Tribunal Constitucional.

Pela minha parte, aceitei o encargo de abordar a relação do Estado com as ordens, onde tenciono analisar a tradicional passividade oficial (com exceção da Autoridade da Concorrência) face à deriva corporativista que elas em geral têm protagonizado entre nós, na linha da minha série de posts neste blogue sobre o tema (o último dos quais AQUI).

O que o Presidente não deve fazer (36): Modo de litígio institucional

1. Este caso das objeções presidenciais oficiais contra um diploma legislativo governamental sobre concurso de professores - que, no entanto, entendeu não poder vetar - culmina um prática inovadora desviante do atual PR que, desde o início, recorreu à promulgação com reservas, demarcando-se dos atos legislativos, como se, de outro modo, fosse considerado politicamente corresponsável por eles.

Ora, constitucionalmente, o PR não compartilha do poder legislativo com a AR e o Governo. Contrariamente ao que sucedia na monarquia constitucional, as leis não carecem de sanção (assentimento) do chefe do Estado. O atual poder de veto presidencial é um puro "poder negativo", obrigando o legislador a reconsiderar o diploma, pelo que a promulgação é um ato "por omissão", não traduzindo nenhuma concordância política presidencial com o diploma, nem expressa nem implícita. 

Por isso, o veto tem obviamente de ser justificado, mas a promulgação, não. A novel prática de "promulgação com reservas", pelo qual o Presidente regista objeções políticas aos diplomas que promulga, como se fosse colegislador, não tem cabimento constitucional, nem político.

Um manifesto abuso de poder.

2. Este caso é, porém, especialmente grave, na medida em que o PR vem denunciar oficialmente o Governo por não ter seguido uma insistente pressão presidencial para alterar o diploma, incluindo uma "proposta concreta", como se o PM tivesse uma obrigação de ceder. Tal como no caso da proposta de demissão do ministro Galamba, também desta vez o PR resolveu denunciar publicamente a rejeição das suas propostas pelo PM, como se fossem um desafio à sua autoridade.

Mas é justamente o contrário que sucede. O Governo não tem nenhuma obrigação de seguir os conselhos presidenciais, quando se trata de ingerência nos poderes constitucionalmente reservados ao executivo, seja a condução política do País, seja a demissão de ministros, seja o exercícío do poder legislativo, pelos quais ele não responde politicamente perante o PR, mas somente perante a AR e o país.

Manifestamente, apesar de ser uma traves-mestras do Estado de direito constitucional, a separação de poderes não goza de grande consideração em Belém.

3. Para agravar as coisas, acrescentando uma dose concentrada de veneno político, MRS resolveu dar foros oficiais à sua ideia de o Governo dever ceder na negociação em curso com os professores, aceitando uma «recuperação faseada do tempo docente prestado e ainda não reconhecido», o que constitui uma linha vermelha reiteradamente afirmada pelo Governo.

Além de não ter precedente nos anais da prática presidencial em Portugal, este golpe deliberado no poder negocial do Estado numa negociação sindical em curso não é somente uma inaceitável ingerência na condução da política governamental, constituindo também uma grosseira provocação política ao Governo.

Parece evidente que Belém entrou em modo de litígio institucional aberto contra o Governo - e que já não poupa as armas.

Adenda (11/5)
A. Homem Cristo no Observador:
 «Em termos de equilíbrios institucionais e separação de poderes, este comportamento do Presidente da República é incompreensível. Recorde-se: o Presidente não decide políticas públicas nem legisla. Neste campo, os seus poderes são de veto, para bloquear iniciativas legislativas, e, mais informalmente, de usar a sua magistratura de influência para sensibilizar os agentes políticos (governo e legisladores) — apontando problemas ou sugerindo soluções, mas não se imiscuindo no desenho das políticas públicas.»

 Subscrevo inteiramente.

Adenda 2
Daniel Oliveira no Expresso:
«O Governo pode desvalorizar esta nota, porque conseguiu a promulgação que desejava e não lhe interessa manter o foco no conflito com Belém. Mas se as relações entre a Presidência e o Governo estão definitivamente estragadas, vai ser ainda mais importante cumprirem as regras formais e constitucionais. E uma das mais óbvias é esta: o Presidente não legisla.»
É o mínimo que se pode dizer.

Adenda 3 (12/5)
Comentário de um leitor no Linkedin, onde republiquei este post: «Como não se pode destituir o Presidente, resta assinalar vigorosamente todos esses episódios, para que não se tornem numa prática subversiva da Constituição que outros Presidentes se sintam tentados a repetir no futuro.» É o que me move ao assinalá-los, perante a generalizada complacência dos partidos políticos e do comentariado, que vê nestes litígios institucionais uma mina para o seu "negócio". A minha ideia é não deixar passar a idea de uma "prática política incontestada" que pudesse vir a ser invocada como base de um costume constitucional.

domingo, 7 de maio de 2023

Um pouco mais de jornalismo, sff (20): Um coro indiferenciado

Merece ser lido e meditado este artigo de J. Pacheco Pereira no Público que denuncia o lamentável alinhamento político da generalidade dos jornais e televisões na análise e comentário do recente confronto o entre o PR e o o PM sobre o "caso Galamba", em que indiferenciadamente os média "de referência" e a imprensa tabloide fizeram coro acrítico com as teses da direita política e ideológica. 

Como diz o autor, a crise política revelou uma óbvia "crise do jornalismo".

Onde para o pluralismo jornalístico entre nós?!

Era o que faltava (8): Financiamento público, benefício privado

Mais uma vez o lobby das escolas privadas vem reivindicar apoio financeiro do Estado aos seus alunos em paralelo com os do ensino público

Mas o argumento da "discriminação" é uma falácia. O Estado só tem a obrigação constitucional e política de financiar as escolas públicas e os seus alunos, não as escolas privadas (salvo as que beneficiam de "contratos de associação", em caso de carência de escolas públicas). Existe obviamente a liberdade (não um direito) de opção pelo ensino privado, mas por conta e risco de quem faz tal opção, não podendo depois vir reivindicar apoios de que naturalmente goza o ensino público.

De resto, além de não ser devido, o financiamento público do ensino privado é mesmo de considerar ilegítimo, na medida em que seja feito à custa da responsabilidade do Estado pelo financiamento do ensino público.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Corporativismo (42): A OA vai partir para a greve?

1. Lendo esta convocação para a luta contra a revisão do seu estatuto em conformidade com a nova Lei-quadro das ordens profissionais, a bastonária da Ordem dos Advogados parece ignorar que as ordens são entidades públicas criadas pelo Estado para desempenharem as tarefas que a lei lhes confere e que num Estado de direito as entidades públicas estão submetidas, de modo qualificado, ao princípio da legalidade, ficando por isso sujeitas a tutela governamental.

Sendo a OA uma entidade pública administrativa, a rebelião "sindical" contra a Lei-quadro - que a revisão dos seus estatutos, a aprovar também pela AR, tem respeitar e implementar - constitui um lamentável desafio à autoridade do Estado, e em especial à autoridade legislativa da AR. Estando ao serviço do interesse público, tal como definido pelo Estado, as ordens não são sindicatos nem grupos de defesa de interesses privados, não podendo, por isso, propor-se resistir ao cumprimento das leis.

2. O principal ponto contencioso tem a ver com a inevitável redução da esfera dos chamados "atos próprios" dos advogados, ou seja, dos atos que só eles podem praticar, excluindo outros profissionais, sendo óbvio que a OA quer manter intocável o generoso elenco legal atual.

Ora, parece evidente que se trata de um objetivo impossível, por várias razões: (i) a revisão dos atos exclusivos das profissões constitui um objetivo essencial da nova Lei-quadro, dado que o monopólio profissional injustificado se traduz numa óbvia restrição ilegítima da liberdade profissional; (ii) a Lei-quadro estabelece que nessa tarefa o legislador deve ouvir previamente a Autoridade da Concorrência, a qual não tem escondido a sua hostilidade aos monopólios profissionais, por restrição manifesta da concorrência na prestação de serviços profissionais; (iii) a Constituição só reserva aos advogados o patrocínio forense, sendo este a única tarefa que, como tenho defendido (por exemplo, AQUI e AQUI), deve ser salvaguardada como competência exclusiva.

De resto, não há nenhuma justificação para que os demais "atos próprios" atuais  (consulta jurídica, assistência na negociação de contratos, etc.), embora continuando a ser competência dos advogados, não sejam abertos a outros profissionais, desde logo outros juristas, tanto ou mais habilitados para os praticarem. 

As coutadas profissionais devem ser excecionais e limitar-se ao mínimo necessário.

Adenda
Um leitor adverte que a luta contra a redução dos atos próprios dos advogados não é somente dos "descamisados" (sic), dado que os grandes escritórios obtêm grandes proveitos do patrocínio na celebração de contratos dos seus clientes. O que penso é que esses escritórios não temem a concorrência de outros possíveis prestadores de tais serviços

Adenda 2
O lema da OA inscrito no seu escudo é "A Lei". Mas, pelos vistos, está desde logo contra a lei que a regula. Contradição....

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Revisão constitucional (5): Incongruência do PS

1. Noto, com surpresa, que apesar de ter defendido uma revisão limitada da Constituição - concretamente quanto ao capítulo dos direitos fundamentais, única matéria sobre que apresentou propostas -, o PS está a participar na discussão de propostas de revisão sobre o sistema político - como se deduz desta notícia -, capítulo que explicitamente excluiu desta revisão.

Parece-me que, além de esquecer essa posição de partida, não faz nenhum sentido o PS discutir propostas de revisão em matérias sobre as quais não definiu posição e não tem propostas próprias para negociação, sujeitando-se a jogar nos termos definidos por outros partidos e perdendo, portanto, a liderança da revisão constitucional, como lhe competia.  Além disso, essa ampliação da latitude de revisão constitucional retarda a entrada em vigor das alterações que levaram o PS a dar-lhe luz verde, como a questão dos metadados e do confinamento pessoal por razões de saúde. 

Não dá para entender...

2. Em que ficamos? Os deputados do PS na CERC entraram em autogestão? 

Admito sem dificuldade que, num partido plural, pode haver posições diversas sobre a oportunidade, a amplitude e o sentido da revisão constitucional. Mas,  uma vez definida a posição partidária na sede competente, ela deve ser vinculativa para todos.

Confesso que, apesar de acompanhar de perto as posições políticas do PS, por razão de afinidade política, de vez em quando tenho dificuldade em perceber a sua coerência - como neste caso, que não versa sobre uma questão menor

quarta-feira, 3 de maio de 2023

O que o Presidente não deve fazer (35): A tutela sobre o Governo

1. Suponho que é a primeira vez, no sistema político-constitucional de 1976, que um Presidente da República faz saber publicamente que entende que um ministro deve ser demitido e que, depois, vem anunciar oficialmente que discorda da opção do Primeiro-Ministro de recusar o pedido de demissão entretanto apresentado pelo próprio Ministro em causa.

A razão para esta inovação é simples: até agora nenhum PR entendeu, como MRS, que detém um poder de superintendência e tutela política quotidiana sobre o PM, quer para efeitos de recorrente crítica e de recomendações públicas sobre a atividade governativa, quer para se permitir, como agora, censurar e propor publicamente a demissão de ministros.

Sucede que não existe nenhuma base constitucional para tal poder de tutela presidencial, pois o Governo não deriva a sua legitimidade política das mãos do PR nem é políticamente responsável perante ele, mas somente perante a AR. De igual modo, é domínio reservado do Primeiro-Ministro manter ou não a confiança nos seus ministros e decidir sobre eventual remodelação governamental.

2. Sou dos que pensam que os insólitos episódios ocorridos no gabinete ministerial do ministério das Infraestruturas questionam a credibilidade do Ministro, o qual, em condições normais, teria de sair. 

Por isso, penso que a surpreendente recusa do seu pedido de demissão resultará de uma decisão do chefe do Governo de não aceitar passivamente mais este grave passo na ingerência de Belém na esfera governativa e de não continuar a suportar discretamente, como até aqui, o abuso de poder presidencial, tornando-se conivente com a manifesta subversão do quadro constitucional sobre o sistema de governo (que venho denunciando há muito).

Como um ato público de "libertação" da indevida tutela presidencial, há que louvar a coragem política que revela. Resta saber se as circuntâncias comprometedoras deste caso permitem vindicar politicamente o confronto com Belém...

Adenda
Um coro de comentadores, desde o DN ao Correio da Manhã, veio qualificar a decisão de Costa como um "desafio" ao PR. Mas foi o contrário: foi MRS quem, num gesto sem precedente na nossa história constitucional democrática, veio desafiar o exclusivo da autoridade do PM sobre o seu governo, ao defender publicamente a demissão de um ministro em concreto. Nesta caso-limite, Costa decidiu rechaçar a descabida ingerência presidencial, a bem da separação de poderes. O seu a seu dono!

Adenda 2
Um leitor pergunta: «face às situações de abuso/desvio de poder [presidencial] assinaladas, acha que a CRP podia prever um mecanismo de "impeachment" do PR?». Entendo que não. Não sou favorável à figura do impeachment presidencial (salvo crime no exercício de funções, e por via judicial, tal como previsto na CRP) e continuo a pensar que os atos políticos, mesmo quando desconfrmes com a Constituição, só devem ser sindicáveis no plano politico. Entre o risco de atos inconstitucionais impunes e o risco da banalização da impugnação como arma de arremesso político (como se verifica no Brasil e noutros países), é preferível correr o primeiro.

domingo, 30 de abril de 2023

Novo aeroporto (6): Enviesamento

O jornalista Daniel Deusdado tem razão neste seu artigo, ao apontar a principal falha da lista de critérios anunciados pela Comissão Técnica Independente para a seleção da localização do novo aeroporto a recomendar no final ao Governo - que é a gritante ausência do critério do custo previsível e dos encargos orçamentais do Estado de cada uma delas, incluindo os acessos.

Mas há outros indícios de um enviesamento a favor de uma localização na margem sul do Tejo, nomeadamente o aditamento de várias localizações nessa área, além de Alcochete (na imagem), que não constavam da resolução do Conselho de Ministros, a prioridade dada ao critério da distância a Lisboa (e não o tempo de viagem), o esquecimento do decisivo critério da população e do território servido por cada localização, a degradação do sensível critério ambiental para oitavo lugar, na lista de dez critérios.

A meu ver, ao dar claros indícios de parcialidade à partida, a Comissão compromete a sua credibilidade e a legitimidade da sua decisão.

Adenda
Um leitor considera que era previsível o parti pris da presidente da CTI, pois ela tinha sido assessora no relatório do LNEC que em 2007 se pronunciou a favor de Alcochete, nessa altura contra a Ota, inicialmente escolhida pelo Governo. O erro está em ter como presidente de uma Comissão Técnica Independente alguém há muito comprometida com uma posição sobre a questão a decidir. Uma contradição!

Adenda 2
Outro leitor comenta que, se se vier a confirmar a opção trastagana e o subsequente encerramento da Portela, o sul do País ficará com três aeroportos (Lisboa, Évora e Faro), enquanto o território a norte do Tejo, mais extenso e mais povoado, tem somente um, o do Porto, o que é uma manifesta discriminação territorial. Tem razão!

Assim, não: Insustentável

A situação vinda a público no Ministério das Infraestruturas (desleadade qualificada de um adjunto, agressões, furto de computador, intervenção inaudita do SIS, uma queixa-crime, etc.) é politicamente degradante. 

Independentemente do apuramento de responsabilidades subjetivas, os Ministros são objetivamente responsáveis pela seleção e boa ordem do seu gabinete. A "roupa suja" que tem vindo a público mostra que Galamba não está à altura dessa dimensão do cargo. O Primeiro-Ministro não pode continuar mudo e quedo perante uma situação que lesa gravemente a reputação do Governo da República.

Como eleitor do PS, também me sinto comprometido, e penso que é demais!

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Amanhã vou estar aqui (15): Comemorar outra libertação, há dois séculos

A convite da CM de Arcos de Valdevez, vou participar amanhã, junto com o meu colega José Domingues, no lançamento público do nosso livro sobre as primeiras eleições parlamentares, em 1822, justamente no círculo eleitoral de Arcos de Valdevez (que abrangia todo o alto Minho), evento que o município integra nas comemorações deste ano do 25 de Abril.

É uma associação que faz todo o sentido. Tal como a Revolução Liberal de 1820 e a Constituição de 1822 puseram fim ao regime absolutista e instauraram em Portugal o Estado constitucional (soberania da Nação, separação de poderes, governo representativo, liberdades individuais, centralidade do parlamento, Estado de direito...), a Revolução democrática de 1974 e a Constituição de 1976 recuperaram esses valores constitucionais depois da sua negação na longa ditadura do "Estado Novo".

É justo que revolução libertadora de que usufruímos há meio século evoque a pioneira revolução vintista de há dois séculos, de que é herdeira.

Adenda
Importa notar que o lançamento do livro vai ser acompanhado pela inauguração de uma exposição sobre as referidas primeiras eleições parlamentares, organizada por uma parceria entre o município e a AR, com um catálogo preparado pelos dois autores, cuja capa se junta.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Concordo (27): Imposto sobre sucessões e doações

Não podia concordar mais com esta proposta de recuperação do imposto sobre sucessões e doações de elevado montante, pela simples razão de que há muito tempo eu próprio condenei a sua extinção (por exemplo, AQUI) e tenho vindo a defender a sua recuperação (por exemplo, AQUI e AQUI).

Infelizmente, o partido que o poderia instituir, ou seja, o PS, abandonou essa ideia, que chegou estar prevista no seu programa eleitoral de 2015, mas que depois desapareceu do programa de governo da "Geringonça", sem explicação, não voltando a proposta a ser reeditada nas eleições seguintes.

Mais do que instituir uma nova receita do Estado - que, aliás, bem precisa é, tendo em conta o contínuo acréscimo de despesa do Estado social (SNS, educação, proteção social)  -, trata-se de um importante instrumento de luta contra a desigualdade económica, cujo crescimento infrene ameaça a coesão económica, social e política.

+Europa (73): Os custos da fragmentação do mercado interno

Vale a pena ler este estudo de um conhecido think tank de Bruxelas sobre as barreiras que continuam  a impedir a conclusão do mercado interno da União, sobretudo no setor dos serviços, cuja fragmentação ajuda a explicar o menor desempenho da economia da UE, comparado com a dos Estados Unidos, e o crescente fosso quanto ao rendimento per capita (como mostra o quadro acima).

Sintetizando as suas conclusões, pode ler-se:

«Major economic indicators show that Europe is caught in a protracted corporate and technology crisis. The EU has for a very long time now been tailing US corporate and innovation leadership. Europe’s underperformance is to the largest extent rooted in a legally fragmented internal market, disincentivising business growth and innovation. In addition, Europe’s outdated approach to competition policy discourages businesses from adopting innovation and scaling across Member State borders, risking that European companies continue to lose clout and international competitiveness(Sublinhado acrescentado.)

Sem correção deste défice de integração do mercado interno, a UE perde a corrida económica (e geoestratégica) com os Estados Unidos.

Adenda
Em comentário a este post, um leitor faz várias perguntas pertinentes: «por que razão há na União Europeia tantas bolsas de valores, uma por país? (...) E por que razão não posso comprar, em mercado primário, obrigações que sejam emitidas por uma empresa de um qualquer país da UE, tendo que me limitar às - muito poucas - obrigações emitidas pelas - muito poucas - empresas portuguesas?». Está em causa a inexistência de um mercado único de valores mobiliários, em projeto há vários anos.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

+Europa (72): O custo da guerra

Nas recentes previsões de crescimento económico do FMI para o corrente ano, a UE faz má figura, com um crescimento anémico de menos de 1% (metade dos Estados Unidos) e com meia dúzia de Estados-membros em recessão, incluindo a principal economia, a alemã, como mostra o quadro acima.

Entre os fatores da travagem económica conta-se obviamente a política monetária contracionista do BCE, tornada imprescindível para combater o surto inflacionista, provocado especialmente pelo aumento dos custos da energia e dos bens alimentares importados. 

A guerra na Ucrânia vai continuar a cobrar o seu tributo económico à UE.

terça-feira, 11 de abril de 2023

Não concordo (42): Sem fundamento

Não vejo fundamento para a proposta de aumento extraordinário das pensões, adiantada por Marques Mendes no seu comentário de ontem, invocando o recente aumento adicional de 1% dado aos funcionários públicos, por causa da elevada inflação.

Em primeiro lugar, enquanto as remunerações da função pública dependem do orçamento geral do Estado e são uma política relativamente discricionária do Governo, a atualização das pensões é paga pelo orçamento da segurança social, financiado pelas contribuições dos trabalhadores no ativo, e segue uma fórmula pré-estabelecida na lei; em segundo lugar, desde o início do surto inflacionista, as pensões subiram muito mais do que as remunerações da função pública, pelo que o paralelismo acima invocado é descabido; por último, não faz sentido haver uma subida em função da inflação esperada para o corrente ano, pois a referida fórmula legal de cálculo das pensões incorpora justamente o fator da inflação verificada, a qual só se pode apurar no final do ano. 

Propostas orçamentalmente "pesadas" como estas deveriam assentar numa fundamentação sólida -, o que não é manifestamente o caso.

Adenda
Um leitor observa que a fórmula legal de atualização das pensões, que toma em conta o crescimento do PIB e da inflação (como se pode ver AQUI), estabelece critérios diferentes conforme o valor das pensões, desfavorecendo as de valor mais elevado. Em todo o caso, considerando o grande crescimento do PIB em 2022, todas as pensões (salvo as de valor superior a 5765 euros) beneficiaram em 2023 de uma atualização bem superior à dos funcionários públicos (como se pode ver AQUI). 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Não é bem assim (14): PR não pode demitir livremente o Governo

1. Ao contrário do que frequentemente se ouve e lê - por exemplo, AQUI -, em 2004, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, não demitiu o Governo de Santana Lopes, tendo, sim, dissolvido a AR e convocado eleições antecipadas, invocando a evidente degradação da situação política. O Primeiro-ministro é que decidiu apresentar a sua demissão, passando a "governo de gestão" -, o que não estava obrigado a fazer.

Com efeito, salvo o caso excecional de estar em causa o "regular funcionamento das instituições" - situação até agora nunca invocada -, o Presidente da República não pode demitir diretamente o Governo, que não depende da sua confiança política e que só responde politicamente perante a AR

2. O que o PR pode fazer, quando o julgue politicamente justificado, é dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, o que vai acarretar automaticamente a demissão do Governo em funções, com o início da nova legislatura.

Todavia, é fácil ver que, embora seja uma decisão presidencial relativamente discricionária - mas que carece sempre de fundamentação adequada -, o PR só a tomará normalmente se puder antecipar, com forte probabilidade, que as novas eleições e a nova composição parlamentar providenciarão uma solução governativa alternativa à existente. Em 2004, tal era praticamente garantido, dado o manifesto esgotamento da maioria governamental, sob a liderança de Santana Lopes, e a sólida afimação do PS de José Sócrates nas sondagens eleitorais; nas circunstâncias presentes, ninguém o pode assegurar, pelo contrário. 

Arriscar uma situação de impasse ou de fragilidade governativa nas atuais circunstâncias - guerra na Ucrânia sem fim à vista, surto inflacionista por dominar, prazo de implementação do PRR a correr - relevaria do aventureirismo político. 

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Revisão constitucional (4): Uma solução problemática

1. Parece que a proposta do PS de incluir na Constituição um direito à alimentação apresenta boas hipóteses de vir a ser aprovada. Embora defensor desde sempre da consagração constitucional do Estado social e dos direitos sociais - capítulo em que a CRP foi além de todas as constituições ocidentais -, não me parece, porém, uma boa solução acrescentar mais este direito em particular.

Em primeiro lugar, salvo o Brasil, desde 2010, não conheço nenhum outro precedente constitucional relevante. No plano do direito internacional dos direitos humanos, o art. 11º do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (PIDESC), de 1966, menciona-o, mas somente como uma das componentes do «direito a um nível de vida adequado», a par do vestuário e do alojamento, e não como um direito autónomo

2. Entre nós, tal como em vários outros países, está legalmente consagrado desde 1996 (I Governo Guterres) o direito a um rendimento mínimo, destinado a assegurar a todos um nível de vida decente - mais tarde renomeado como "Rendimento Social de Inserção" -, o qual inclui obviamente a cobertura das necessidades alimentares, entre outras. 

O que se justificaria, portanto, era constitucionalizar explicitamente esse direito geral, em vez de particularizar somente uma das suas manifestações.

3. A constitucionalização autónoma de um direito à alimentação, a assegurar pelo Estado, suscitaria não poucos problemas de construção jurídica e de implementação prática. Sendo um direito separado do direito ao rendimento mínimo, seriam, porém, os mesmos os seus beneficiários? Como deveria o Estado satisfazê-lo: em espécie, através de uma rede de cantinas públicas ou de cantinas sociais subsidiadas, ou por via financeira ("vales" alimentares ou um subsídio adicional para compras alimentares)?

Quando o Estado revela crescentes dificuldades em assegurar adequadamente alguns direitos sociais constitucionais originários, como o direito à saúde e o direito à habitação, cabe perguntar se se justifica abrir mais uma frente particular de fácil litigiosidade política e ideológica.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Guerra na Ucrânia (54): "Agressão não provocada"?

1. De vez em quando, ousando desafinar do coro a uma só voz orquestrado a partir de Washington e de Bruxelas (sede da Nato) sobre a guerra na Ucrânia, há autores ocidentais, como Jeffrey D. Sachs, que têm a coragem de lembrar as origens da guerra e de contestar a versão ocidental da "invasão não provocada".

Que houve invasão da Rússia, é óbvio, por mais que Moscovo insista na abstrusa designação de "operação militar especial". Mas é igualmente indesmentível que Moscovo foi continuadamente provocada desde 2014 por Washington, com a cumplicidade europeia, mediante a deliberada alteração do estatuto da Ucrânia como "Estado-tampão" neutro, através da sua integração na Nato, ameaçando diretamente a segurança da Rússia e, depois, pelo incumprimento por Kiev dos acordos de Minsk sobre a autonomia dos territórios russófonos do Leste da Ucrânia, os quais, em vez disso, foram continuamente flagelados pela artilharia ucraniana. 

Evidentemente, as provocações ocidentais não desculpabilizam a Rússia pela invasão, em patente violação do direito internacional, mas descredibilizam manifestamente a retaliação em todas as frentes de Washington e de Bruxelas, especialmente no "Sul global" (desde o Brasil à Índia), que se recusa a alinhar na cruzada ocidental contra a Rússia.

2. Dadas as origens da guerra, não se vê como ela pode vir a acabar um dia sem a renúncia à integração da Ucrânia na Nato, regressando ao seu estatuto de neutralidade, em troca da retirada da Rússia dos territórios ocupados e anexados, que ficariam transitoriamente sujeitos a administração das Nações Unidas, até à organização de um referendo local sobre o respetivo estatuto político, sob a égide da ONU.

Mas, tendo em conta as posições absolutistas de ambas as partes, tudo indica que o desenlace do conflito está mais longe do que perto. Entretanto, além dos beligerantes, a União Europeia paga a principal fatura da guerra que se trava nas suas fronteiras entre Washington e Moscovo, por interposta Ucrânia.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Não dá para entender (41): Jogar dinheiro fora

1. Pelas razões AQUI expostas, discordo inteiramente da isenção de IVA de um vasto cabaz de compras, que o Governo adotou à pressa, desdizendo repetidas posições anteriores contra essa política, que, aliás, contraria também as recomendações do BCE e da Comissão Europeia contra medidas de contenção de preços de natureza transversal, socialmente indiferenciadas.

Mesmo assumindo que ela se vai repercutir inteiramente em correspondente descida de preços - que, aliás, já estão em curva descendente - , sucede que, contraditoriamente, essa isenção de IVA vai obviamente beneficiar quem menos precisa de ser subsidiado, ou seja, os titulares de mais elevados rendimentos, porque consomem mais. Custando esta medida cerca de 600 milhões de euros aos cofres públicos (incluindo subsídios agrícolas), e resultando num escasso desconto médio mensal de uns doze euros, aqueles milhões teriam melhor serventia se destinados a subvencionar mais o poder de compra de quem mais precisa.

Não podendo ser socialmente seletiva, a isenção de IVA traduz-se em deitar dinheiro público fora.

2. Aliás, esta medida de subvenção fiscal universal vêm somar-se a outras tomadas logo no início do surto inflacionista e que não foram, entretanto, revertidas - como a redução do ISP e das portagens nas autoestradas -, cuja despesa fiscal se traduz também em centenas de milhões de euros e que, beneficiando especialmente os automobilistas, não têm como destinatários as camadas sociais de menores rendimentos. 

Não dá para entender que filosofia é que justifica esta política socialmente "neutra" de contenção dos preços.

Adenda
«Estranho país este onde se come o dobro do recomendado, pelo que, obviamente, mais de metade dos adultos tem excesso de peso, mais de 1/5 é mesmo obeso — e onde esta situação é ainda mais grave nas classes socioeconómicas mais desfavorecidas — e que também, para agravar, consome quatro vezes mais carne do que o recomendado, o Governo tenha decidido eliminar o IVA dos “produtos mais consumidos”, incluindo a carne e a manteiga. (...) Da lista não faz parte o siso, provavelmente por não ser dos “produtos mais consumidos”». H. Carmona da Mota, Coimbra, nas Cartas dos Leitores do Público de hoje. Subscrevo!

Adenda 2
Um leitor argumenta que o Governo só avançou para esta medida porque a inflação já está a diminuir e tudo indica que continue a baixar, mesmo sem IVA zero, para no fim dizer que "o investimeto valeu a pena".  É, de facto, uma boa jogada política, mas talvez demasiado cara, nao é?

terça-feira, 28 de março de 2023

Este País não tem emenda (35): Privatize-se!

1. Mais uma greve na CP. Nos últimos meses têm sido quase contínuas. Os utentes desesperam e as finanças da empresa degradam-se, para satisfazer os caprichos sindicais desta "aristocracia operária" (dados os salários e outras regalias), com óbvias motivações políticas, por ser uma empresa estatal.

Assim não dá. Este País não pode continuar a suportar a recorrente chantagem sindical, à custa da inoperacionalidade do transporte ferroviário. Impõe-se a privatização da empresa, continuando o Estado a assegurar e financiar o cumprimento das obrigações de serviço público inerentes ao "serviço de interesse económico geral" (SIEG), que o transporte ferroviário é. O Estado deve manter somente a gestão da infraestrutura ferroviária, que é um "monopólio natural", que  já foi separada há décadas das operações de transporte, entretanto abertas à concorrência.

O privatização de outros serviços públicos tradicionais (telecomunicações, eletricidade, etc.) comprova que eles não são incompatíveis com a gestão privada.

2. A evidência mostra que, além de menos eficientes (em geral), as empresas e serviços públicos são muito mais atreitos a greves do que as empresas privadas. 

Primeiramente, nas empresas privadas, os sindicatos sabem que o abuso da greve pode pôr em causa a sobrevivência das empresas e os postos de trabalho, pelo que têm de se conter, o que não sucede nas empresas públicas; em segundo lugar, nos serviços públicos, onde as greves afetam sobretudo os seus utentes, os sindicatos tornam-nos reféns do seu combate contra o patrão Estado; por último, as greves nas empresas e serviços públicos tendem a ser instrumentalizadas pelos partidos políticos com maior implantação sindical, tornando-as um instrumento de luta política.

Por isso, contraditoriamente, além da questão da eficiência, a gestão privada dos SIEG pode assegurar melhor do que a gestão pública os tradicionais princípios da continuidade do serviço público e da "orientação para o utente".  

Adenda
A compensação financeira do Estado pelas obrigações de serviço público da CP está prevista na lei e a sua fórmula de cálculo consta do contrato entre o Estado e a empresa. O que penso é que, sob gestão privada, com menos greves e melhor gestão, o dinheiro dos contribuintes seria mais bem utilizado e o serviço público seria bem melhor. 

Adenda 2
Concordando com a minha análise sobre a maior vulnerabilidade dos serviços públicos à conflitualidade sindical, apesar das melhores condições de trabalho, um leitor lembra as frequentes greves no SNS e na escola pública, sendo, porém, praticamente inexistentes as greves nos setores privados da saúde e do ensino. Tem razão.

Adenda 3 (30/3)
Um leitor pergunta «porque é que a gestão pública tem de ser menos eficiente do que gestão privada». Não tem de ser, mas tende a ser. Essencialmente, por duas razões: primeiro, porque, estando as empresas públicas sujeitas a controlo governamental, os interesses políticos podem prevalecer sobre os critérios de eficiência empresarial; segundo, enquanto os gestores das empresas privadas respondem todos os anos, quanto ao desempenho empresarial, diretamente perante os acionistas, cujo capital está em causa, tal não sucede nas empresas públicas, cujos gestores respondem perante o Governo, que responde perante o parlamento, que só responde perante os eleitores-contribuintes, pelo desempnho geral do Governo, nas eleições seguintes - o que equivale a irresponsabilidade.

Terra Brasilis (11): A inflação não é de esquerda

Desrespeitando a autonomia do Banco Central do Brasil na condução da política monetária e no controlo da inflação, o Presidente Lula - que, de acordo com o cânone presidencialista, é chefe de Estado e chefe de governo - tem criticado insistentemente a política de "juros altos" do BCB, tendo chegado ao ponto de pedir ao Senado que pressione o Presidente do Banco para corrigir a sua política.

Ora, o controlo da inflação constitui o mandato legal prioritário do Banco Central, e a inflação chegou aos 5,75% no ano passado, quase o dobro da meta fixada pelo Banco, de 3% (mais permissiva do que a da Reserva Federal dos Estados Unidos e do que a do BCE, que é de 2%). Por isso, não há nenhuma razão para a autoridade monetária aliviar a taxa de juro, pelo contrário, tanto mais que a política orçamental expansionista do Governo Lula pressiona ainda mais os preços. 

Ao contrário do que por vezes parece, tendo em conta posições como as de Lula (mas com ecos outras geografias mais próximas...), a inflação não é de esquerda.

sexta-feira, 24 de março de 2023

Privilégios (23): Um equívoco "socialista"

1. É lamentável ver um ex-ministro e vários deputados socialistas a juntarem-se a deputados do Bloco e do PCP para, contrariando a recente recomendação da OCDE, reivindicarem, mais uma vez, a abolição das propinas no ensino superior público, que, aliás, têm um valor hoje muito baixo, depois das reduções no tempo da "Geringonça".

A abolição das propinas seria, antes de mais, uma solução socialmente injusta. Por um lado, embora o ensino superior tenha uma "externalidade" pública positiva - o aumento do nível tecnológico do País, que deve ser paga pela coletividade -, a sua frequência é acima de tudo um investimento pessoal num melhor futuro profissional, devendo, portanto, ser maioritariamente pago pelos seus beneficiários, de acordo com o princípio beneficiário-pagador. Por outro lado, estando longe de ser de acesso universal - dada a grande percentagem dos que o não frequentam -, não é aceitável que o ensino superior público seja pago por todos, incluindo por aqueles que não chegam lá ou que têm de frequentar o ensino superior privado, por falta de vagas nas escolas públicas.

Tal como, por exemplo, as antigas autoestradas SCUT, o ensino superior gratuito é o contrário do socialismo: é fazer pagar por toda a coletividade o privilégio de uma parte dela.

2. Política de esquerda no ensino superior é, por um lado, aumentar a oferta pública e a sua qualidade, para reduzir a dependência dos estudantes menos abastados em relação ao ensino privado, obviamente dispendioso e, por um lado, multiplicar as bolsas de estudo e o apoio ao alojamento estudantil para os estudantes oriundos de meios economicamente mais carenciados, atenuando as desigualdades sociais. 

Ora, além de reduzir a autonomia financeira das universidades, a abolição das propinas só iria diminuir os recursos públicos para aqueles dois objetivos, tornando o ensino superior público refém da dificuldades orçamentais do Estado, agravando o crónico subfinanciamento do ensino superior público e frustrando uma aposta mais determinada na promoção da igualdade de oportunidades. 

Os resultados da benesse do ensino superior gratuito não seriam propriamente socialistas, no sentido nobre da palavra. Pelo contrário!

Adenda
Um eleitor acha um «escandaloso privilégio de classe» que os alunos de medicina, que custam individualmente mais de 15 000 euros por ano às universidades públicas, paguem menos de 700 euros de propina, por mais abastadas que sejam as suas famílias, sendo o resto pago pelos contribuintes em geral, incluindo aqueles que não conseguiram entrada em qualquer curso superior, muito menos nas faculdades de medicina. Tem toda a razão!

Adenda 2 (28/3)
Na esperança de dividir o PS, o Bloco apressou-se a avançar de novo com o seu velho projeto de lei a abolir as propinas. Como a "Geringonça" felizmente já acabou, espero que os ministros da Finanças e do Ensino Superior façam ver ao grupo parlamentar do PS o disparate político e doutrinário desta questão e que, pelo contrário, defendam a reversão dos cortes feitos entre 2015 e 2019 por pressão do BE e do PCP.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Campos Elísios (12): Elogio da coragem política

1. Aplauso para a coragem e resiliência política do Presidente Macron, fazendo valer a reforma sobre a subida da idade de aposentação, de 62 anos para 64 anos (mesmo assim abaixo da média na generalidade  dos países), enfrentando a oposição coligada das esquerdas e da extrema-direita e contra a agressiva agitação social que a acompanhou. 
Além de ser uma reforma imprescindível para assegurar a solvabilidade financeira do sistema de pensões e melhorar a competitividade da economia francesa, tratava-se de cumprir um compromisso do seu programa eleitoral, que a sua eleição sufragou.

É  bom saber que há governantes para quem a democracia representativa prima sobre o "plebiscito da rua" e que estão dispostos a sacrificar a sua popularidade política para levar a cabo as reformas em que acreditam e com que se comprometeram. Chapeau!

Não concordo (40): Apoios universais não fazem sentido

1. Não vejo que sentido faz reduzir o IVA sobre produtos alimentares, tornando-os supostamente mais baratos para toda a gente, incluindo aqueles que, pelo seu elevado rendimento, não precisam desse alívio fiscal. Mantenho que mais vale manter o IVA e destinar a receita adicional para subsidiar especialmente aqueles que, pelos seu baixos rendimentos, são mais atingidos pelo surto inflacionista em curso. 

Descidas gerais dos impostos correm o risco de continuar a alimentar a procura e a inflação, por causa do aumento transversal do poder de compra.

2. Julgo, aliás, que vão nesse sentido as recomendações tanto do BCE como da Comissão Europeia, para fazer cessar a contradição entre a política monetária contracionista do BCE (subida dos juros para travar a inflação) e uma política fiscal e/ou orçamental expansionista dos governos nacionais, através de subsídios ou reduções fiscais socialmente indiferenciadas, o que só pode obrigar aquela a ser ainda mais dura.

Para política orçamental expansionista, a fomentar a procura agregada e a puxar pelos preços, já basta o "maná" do PRR da UE.

Adenda
Pelo acima exposto, não posso subscrever a crítica de AC à continuada subida dos juros pelo BCE,  porque este está simplesmente a cumprir o seu mandato constitucional de fazer descer a elevada inflação, que é um cancro que corrói o tecido económico e social. Aliás, as medidas governamentais de apoio socialmente indiferenciadas ao poder de compra só tornam mais árdua a tarefa do BCE.

quarta-feira, 22 de março de 2023

Corporativismo (43): O que falta fazer quanto às ordens profissionais

1. Com a promulgação da nova lei-quadro das ordens profissionais, consuma-se uma etapa essencial na reforma da regulação das profissões "ordenadas", numa perspectiva menos corporativista e mais aberta ao escrutínio público, incluindo a participação de personalidades externas na respetiva supervisão e disciplina profissional e um mecanismo de queixa dos clientes dos referidos serviços contra falhas e abusos na sua prestação.

Mas para concluir esta reforma torna-se obviamente necessário proceder à adaptação das leis orgânicas de todas as ordens existentes e, depois, fazê-las implementar no terreno, sendo de esperar que, desta vez, nenhuma das ordens consiga obter importantes derrogações singulares da nova lei-quadro, como sucedeu em relação à lei que ainda está em vigor, aprovada em 2013, com a conivência do Governo e da maioria parlamentar da altura.

2. Mas, embora resolvendo alguns dos graves problemas da regulação profissional entre nós - nomeadamente o défice de supervisão e de disciplina, a pulsão malthusiana na restrição do acesso às profissões e a falha na proteção dos direitos dos clientes -, esta substancial revisão legislativa dos poderes e da organização das ordens profissionais não enfrenta outro dos grandes vícios do regime vigente, que é o âmbito excessivo dos chamados "atos próprios" de cada profissão, vedados a outros profissionais, que as principais ordens conseguiram alargar a atividades fora do núcleo duro das respetivas profissões. 

Como restrições que são à liberdade de exercício profisssional de categorias profisssionais confinantes, os exclusivos profissionais têm de limitar-se ao minimo necessário, o que manifestamente não acontece desigadamente no que respeita aos advogados e aos médicos.

Ora, enquanto se mantiverem esses amplos monopólios profissionais, mantém-se plenamente válida a crítica da OCDE e da Comissão Europeia contra a indevida restrição à concorrência na prestação de serviços profissionais entre nós.  Por isso, impõe-se aproveitar a reforma das ordens profissionais para rever também tais exclusivos profissionais.

3. Acresce que nenhuma reforma legislativa vingará, se não houver uma mudança de atitude política quer da AR, quanto à contenção na criação de novas ordens sem nenhuma justificação, quer do Governo, no que respeita aos seus poderes de tutela sobre os abusos das ordens.  

Por um lado, não se compreende que as ordens profissionais - que representam um casamento "contra natura" entre  associações profissionais e regulação pública, com as contradições inerentes - tenham proliferado entre nós desde a implantação da democracia liberal (que convive mal com associações obrigatórias e com a representação oficial de interesses profissionais) e da economia de mercado (que assenta na liberdade e na concorrência profissional). Por outro lado, não se percebe como é que, ao longo destes anos todos, apesar da evidência generalizada das omissões e dos abusos das ordens profissionais (que fui denunciando neste blogue), os sucessivos Governos só tenham visto motivo para abrir uma inspeção a uma delas num único caso (à Ordem dos Enfermeiros).

A continuar esta "captura" estrutural do Estado pelas corporações profissionais, nenhuma reforma legislativa nos vale, por mais bem-intencionada que se apresente à partida.

terça-feira, 21 de março de 2023

Um pouco mais de jornalismo, sff (20): Uma acusação infundada

1. O Diário de Notícias acusa hoje o Presidente do Tribunal Constitucional, que acaba de terminar o seu mandato mas não foi substituído até à data, de se «recusar sair pelo próprio pé», como se ele tivesse uma obrigação de sair e estivesse indevidamente agarrado ao lugar, juntando-se assim a dois outros juízes que já terminaram o seu mandato há muito mais tempo e também não foram atempadamente substituídos.

Trata-se, porém, de uma acusação totalmente infundada, baseada num manifesto erro de análise, que põe em causa injustificadamente a honorabilidade pessoal e cívica do Presidente e dos demais juízes.

2. Com efeito, ao abrigo de um princípio constitucional aplicável aos titulares de cargos públicos em geral, a começar pelo Presidente da República, os juízes do Tribunal Constitucional, chegados ao fim do seu mandato sem serem devidamente substituídos, não só não têm de deixar os cargos, como têm, pelo contrário, a obrigação institucional de se manterem no exercício de funções, em prorrogação do mandato, até serem efetivamente substituídos. Trata-se, obviamente, de não afetar o funcionamento regular do Tribunal. 

Sucede, aliás, que no caso específico dos juízes do Tribunal Constitucional, tal princípio está explicitamente consagrado num preceito legal, segundo o qual eles «cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respetivo lugar» (art. 21º da Lei do TC), não podendo, portanto, abandonar o cargo antes disso, por sua livre decisão. Por isso, nessas situações, a renúncia, embora possível, deve ser uma ocorrência excecional, por indisponibilidade, mas não por capricho, pessoal.

Ora, embora o Presidente do TC tenha invocado explicitamente esse preceito legal, que o jornalista transcreve, este preferiu ignorá-lo, apesar de ele destruir todo o seu "caso".

3.  A lamentável conclusão a retirar deste episódio é que estes "passos em falso" podem ocorrer mesmo em "jornais de referência", quando o zelo e a isenção jornalística entram em pausa, cedendo à fácil tentação jornalística de "arrasar" um membro proemiente da "elite do poder".

Não é costume os titulares de cargos públicos recorrerem ao direito de resposta, aliás constitucionalmente protegido, mesmo quando ele se justifica, como seria manifestamente o caso. Mas não ficaria mal a um jornal com os pergaminhos do DN, voltar ao caso e corrigir oficiosamente o erro e a ofensa

[Texto pontualmente revisto]

Adenda
Um leitor argumenta que, se os juízes que estão em prorrogação do mandato renunciassem, libertar-se-iam da obrigação de continuarem em funções e forçariam o preenchimento das vagas. Duvido que isso servisse de alguma coisa, salvo libertá-los de encargos e criar dificuldades ao funcionamento do Tribunal, o que não se afigura intitucionalmente muito responsável por parte dos seus juízes, em especial do Presidente.

Adenda
Outro leitor diz ter lido que os juízes do TC querem continuar em funções para além do termo do seu mandato, para assim «obterem o direito a aposentarem-se com uma pensão igual à sua elevada remuneração». Sim, essa acusação contra a prorrogação dos mandatos já foi veiculada em alguns jornais, mas não passa de uma atoarda, sem nenhum fundamento. Como mostrei AQUI, o direito a pedir a aposentação com tal pensão "majorada" - regalia de que, aliás, discordo - obtém-se com a simples conclusão do mandato, sem necessidade de nenhum prologamento, pelos que os juízes que ficam em prorrogação, continuando em funções, apenas adiam o momento de a requererem, sem nenhuma vantagem adicional.

domingo, 19 de março de 2023

No bicentenário da Revolução Liberal (47): O debate sobre as eleições parlamentares há dois séculos

Eis a última produção do projeto de investigação sobre a Revolução Liberal de 1820 e a Constituição de 1822, que tenho desenvolvido na Universidade Lusíada do Porto em parceria com o meu colega José Domingues, desta vez com a colaboração dos doutorandos em Direito do ano letivo passsado. 
O livro, financiado pela FCT no âmbito daquele projeto, pode ser lido online AQUI.
Além dos trabalhos dos doutorandos sobre os vários capítulos do sistema eleitoral do parlamento vintista, a obra compreende também uma abrangente bibliografia e uma coletânea de textos coevos, alguns deles absolutamente inéditos, testemunhando o vivo debate público extraparlamentar sobre o tema, numa demonstração viva da cidadania política recém-conquistada

sábado, 18 de março de 2023

Praça da República (74): Pior do que no "Estado Novo"

1. Na vaga de nacionalizações de 1975, não foram poupadas as empresas concessionárias dos transportes locais de Lisboa (a Carris, o metropolitano e os transportes fluviais) e do Porto (o STCP), o que se traduziu na sua estatização e numa enorme restrição da autonomia local, que até o Estado Novo tinha respeitado.

Pior do que isso, passadas várias décadas de reversão das nacionalizações (desde a revisão constitucional de 1989), tal não abrangeu as referidas empresas de transportes, as quais, salvo a Carris e o STCP, desde há poucos anos, continuaram nas mãos do Estado, sob gestão governamental, privando os respetivos municípios da respetiva gestão (embora com a sua interesseira conivência...), em flagrante violação dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade territorial.

2. Surge agora a notícia de que o Governo pretende fundir as duas empresas estatais de transportes fluviais de Lisboa e transferir esse serviço público para a esfera intermunicipal ou metropolitana, de onde, aliás nunca deveria ter saído.

Confiando que essa medida de descentralização territorial, que só peca por tardia, não venha a ser boicotada pelos sindicatos do setor - que, por razões políticas, preferem ter por patrão o Governo -, saudemos o afastamento, embora com décadas de atraso, de um mau legado da precipitada nacionalização geral dos transportes em 1975.

3. Há, porém, que registar a continuação da gestão estatal do metropolitano, não tendo havido concretização da abertura do então Ministro Matos Fernandes, no anterior Governo, em outubro de 2019, para desestatizar e transferir para a gestão metropolitana também esse serviço público.

Em 2016, celebrando a devolução da Carris ao município de Lisboa, o Primeiro-Ministro já tinha declarado que «quem gere a cidade deve gerir os seus transportes»Pelos vistos, porém, esse salutar credo descentralizador não tinha alcance geral...

É evidente que os muncípios beneficiários são os primeiros a não querer mexer no statu quo, já que assim é o orçamento do Estado - ou seja, os contribuintes nacionais em geral - a pagar os encargos desse dispendioso meio de transporte urbano. Mas não deixa de ser bizarro que as decisões sobre a rede de metro de Lisboa caibam a um ministro, e não ao governo da cidade ou da área metropolitana.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Antologia do nonsense (25): Acabar com a política de justiça?!

1. Parece-me francamente disparatada este proposta da SEDES, uma organização que se julgava imune a radicalismos políticos ou doutrinários, de extinção do ministério da Justiça, em alegada homenagem à separação de poderes.

Não faz nenhum sentido. Primeiro, a separação entre o poder executivo e poder judicial não é posta em causa pela existência do MdJ, havendo uma óbvia separação entre, por um lado, a atividade judicial e a gestão judicial, que constitucionalmente cabem exclusivamente aos tribunais e respetivos conselhos, e, por outro lado, a política da Justiça (cobertura judicial do território, equipamentos e pessoal, política criminal, custas judiciais, assistência judiciária, tutela das ordens profisssionais do setor, etc.), que cabe Governo, e pela qual ele responde politicamente perante a AR. Segundo, como mostra a lei orgânica do Governo, as competências do MdJ vão muito além da esfera dos tribunais e dos juízes (prisões, registos e notariado, Polícia Judiciária, reinserção social, etc.), sem esquecer a participação nacional na "formação" JAI do Conselho da UE. 

Em suma, uma proposta manifestamente irrefletida.

2. O que, pelo contrário, seria uma enorme violação da separação de poderes (desde logo entre o público e o privado) e da independência judicial (incluindo entre a judicatura e o Ministério Público) seria entregar a definição e execução da política de justiça, como propõe a SEDES, a um todo-poderoso "Conselho Superior Judiciário" centralizado, com representação conjunta de juízes, Ministério Público, advogados e oficiais de justiça... Só falta a Polícia Judiciária!

Uma verdadeira e despropositada salsada institucional.