1. Aparentemente, uma das razões que levou o Governo a afastar a via de uma revisão ad hoc da Constituição, para resolver o problema suscitado pela declaração de inconstitucionalidade da lei sobre o registo dos metadados das comunicações pessoais para efeitos de investigação ciminal, foi a ideia de que a abertura do processo de revisão constitucional abriria uma "caixa da Pandora", sem possibilidade de limitar o objeto da reforma constitucional a esse tema.
Não tenho por convincente esse argumento. Julgo que, mesmo passados os cinco anos sobre a última revisão constitucional ordinária (que ocorreu em 2004), a AR pode em qualquer momento abrir um processo de revisão extraordinária, com objeto previamente limitado, prescindindo de uma revisão ordinária, sem objeto previamente circunscrito, desde que tal seja decidido por maioria de 4/5 dos deputados. A Constituição diz que a AR pode assumir poderes de revisão extraordinária «em qualquer momento», e não somente para antecipar a revisão, quando ainda não tenham passado cinco anos desde a última revisão ordinária.
2. Resta, obviamente, saber se haveria essa maioria de 4/5 (184 deputados) para desencadear uma revisão extraordinária.
Bastando o apoio do PS e do PSD, que somam 197 deputados, só por irresponsável caprichismo político é que o PSD poderia opor-se a uma tal revisão limitada da Constituição, tanto mais que as revisões extraordinárias não afetam o calendário da revisão ordinária, que se manteria em aberto.
O único problema é que, a meu ver, existem outras mudanças pontuais da Constituição tão necessárias quanto essa, cuja inclusão poderia complicar a definição da agenda da revisão constitucional.