sábado, 31 de agosto de 2013

Cortar o imposto errado

Não obstante os seus custos orçamentais, o Governo vai avançar com a baixa do IRC, com o argumento da melhoria da competitividade externa da economia e da atracção do investimento estrangeiro, apesar de os principais beneficiários imediatos serem as grandes empresas nacionais que não produzem bens nem serviços exportáveis (como os bancos, ou a EDP ou a PT) ou que até são grandes importadores (como as cadeias de distribuição).
Se, afinal, há folga orçamental para aliviar a carga tributária das empresas, a baixa deveria incidir, não sobre os lucros das empresas, mas sim sobre os custos tributários do trabalho, ou seja, a TSU das empresas (que há um ano o Governo pretendeu reduzir substancialmente, nessa altura à custa do aumento da TSU dos trabalhadores). A perda de receita da segurança social seria compensada justamente pela afetação da receita do IRC.
Além de reduzir os custos das empresas -- assim contribuindo para a sua competitividade, o aumento das exportações e a atracção de investimento directo externo --, a redução da TSU baixaria os custos do trabalho, promovendo assim o emprego, sem necessidade de reduzir os salários.

Um novo ciclo do poder local

Na Universidade de Verão do PS, que esta semana decorreu em Évora, defendi um novo ciclo de desenvolvimento do poder local em Portugal, assente em dois pilares: (i) um novo impulso descentralizador, transferindo para os municípios, ou para as comunidades intermunicipais, atribuições na área do ensino (ensino básico), da saúde (cuidados primários), da proteção social e do emprego e formação profissional, assim dando realização ao princípio constitucional da subsidiariedade do Estado central; (ii) mudança de paradigma da administração local para uma tripla aposta na qualidade, a saber, qualidade do meio urbano, qualidade de vida das pessoas e qualidade da democracia local.

Excessos constitucionais

O Tribunal Constitucional decidiu bem quando considerou que o regime de despedimento da função pública ia contra a garantia constitucional da proibição de despedimento sem justa causa, ponto essencial da "constituição laboral" da CRP. Mas já não assim quando acrescenta que também foi violado o "princípio da protecção da confiança" quanto à possibilidade de despedimento de funcionários recrutados quando a lei não admitia o seu despedimento.
Tradicionalmente, a relação de emprego na função pública era uma relação de direito administrativo, sem base contratual, moldada directamente pela lei, não havendo possibilidade legal de despedimentos (salvo como sanção diciplinar). Todavia, não sendo essa proibição de despedimento constitucionalmente imposta, não se vê por que é que a lei não pode ser alterada, de forma a permitir o despedimento (justificado) de quem antes não podia ser despedido. Não pode haver "direitos adquiridos" nesta matéria que prevaleçam contra interesse público imperioso, como tal definido pelo legítimo poder político,como o de reduzir o peso orçamental do pessoal no setor público. Invocar o "princípio da tutela da confiança" -- que nem sequer está explicitamente enunciado na Constituição, sendo uma dedução doutrinal e jurisprudencial do princípio do Estado de direito -- para proibir em aboluto o despedimento dos funcionários recrutados sob aquele regime afigura-se assaz excessivo. Uma decisão desta natureza precisa de uma base constitucional mais sólida do que o evasivo "princípio da tutela da confiança". E cria uma discriminação entre os funcionários antigos, que continuam a não poder ser despedidos (mesmo havendo motivo justificado), e os mais recentes, que já podem sê-lo.

Adenda
Na generosa concepção do TC, a "tutela da confiança" também protege as demais regalias legais de que tradicionalmente gozavam os funcionários públicos, como a menor duração da jornada de trabalho, a maior duração das férias, o regime de baixas por doença muito mais favorável, etc., sem esquecer algumas que já foram alteradas, como a idade da reforma e o cálculo das pensões de reforma? Será que o Estado só pode alinhar essas condições com o sector privado em relação aos novos trabalhadores da função pública, não em relação aos antigos que supostamente têm o "staus quo" protegido pela "tutela da confiança"? E será que o mesmo raciocínio se aplica a outras regalias legais semelhantes, como por exemplo o regime especial de "jubilação" dos juízes (ou das pensões dos juízes do Tribunal Constitucional), que por isso só poderia ser revisto em relação aos futuros juízes, não aos actuais?

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Desmantelar

Não suscitou excessivo ruído público a intenção governamntal de conceder a empresas privadas a exploração das partes rentáveis da rede ferroviária nacional, a começar pela linha de Cascais, deixando a CP com as partes cronicamnte deficitárias.
Não se pode excluir obviamente a concessão privada dos caminhos de ferro, tal como dos demais serviços públicos de transportes (que eu próprio já defendi). Mas a "salamização" da exploração da rede leva à fragmentação do serviço público ferroviário e à perda de coerência nacional do sistema. Salvo erro, não existe nenhum país da Europa ocidental sem uma empresa pública ferroviária de âmbito nacional, ainda que com a concorrência de empresas privadas nos países onde avançou a liberalização da ferrovia.
Ora, é possível compatibilizar a concessão privada de partes da rede com a manutenção da unidade da CP, através da técnica das subconcessões, como se fez no caso da rede de autoestradas.
Concentrada no combate à austeridade e aos cortes orçamentais, a oposição parece não se dar conta dos malefícios do fundamentalismo neoliberal do Governo noutras áreas. Ontem foi a anúncio do "cheque ensino", para desmantelar o sistema público de ensino, hoje é a fragmentação do serviço público ferroviário, sem esquecer a continuada perda de posições do SNS para os serviços de saúde privados. Restará pedra sobre pedra no edifício dos tradicionais serviços públicos?

"Direitos adquiridos"

sábado, 24 de agosto de 2013

A correcção

O novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, vem esclarecer que, afinal, contra a informação que ele próprio tinha fornecido à imprensa, comprou as suas acções da SLN ao mesmo preço das adquiridas pela FLAD e que, portanto, a mais valia obtida na revenda das referidas acções foi muito menor do que o previamente especulado.
Perdem por isso fundamento as supeições a que justificadamente a anterior informação tinha dado aso. Ainda bem!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Limitação de mandatos

Considero acertadas as decisões dos tribunais que aceitaram os candidatos a presidente de câmara municipal que já tinham completado três mandatos como presidentes de outro outro município.
Com efeito, havendo dúvidas na interpretação da lei, deve seguir-se o entendimento que for menos lesivo do direito político fundamental que é o direito de candidatura a cargos políticos, sob pena de inconstitucionalidade. Além disso, considero essa a solução mais apropriada, pois o princípio republicano da limitação de mandatos visa essencialmente impedir a "captura" dos eleitores pelos titulares do poder. Por último, como a própria noção de "mandato" indica, só há o mesmo mandato quando se trata dos mesmos "mandantes", ou seja, dos mesmos eleitores, e não somente dos mesmos mandatários. A limitação de mandatos só faz sentido em relação à mesma comunidade política, no caso o mesmo município (ou a mesma freguesia). Por conseguinte, é de esperar que o Tribunal Constitucional, como supremo tribunal eleitoral entre nós, confirme as referidas decisões e revogue as decisões em sentido contrário.
Coisa diferente é saber se é curial admitir a candidatura autárquica a candidatos que não fazem parte da comunidade política que se propõem governar, sendo membros de outra. O autogoverno supõe governo pelos próprios (democracia directa), ou por alguns deles eleitos pelos demais (democracia representativa), e não por estranhos. Mas curiosamente este ponto não tem merecido nenhuma discussão, sendo pacificamente aceite o fenómeno dos "paraquedistas".

domingo, 18 de agosto de 2013

Despedimentos

O Presidente da República tem razão nas dúvidas levantadas quanto à constitucionalidade do regime de despedimentos da função pública aprovado pela maioria governamental.
De facto, mesmo que os funcionários públicos não estejam imunes ao despedimento, este só pode ser fundado em justa causa, como estabelece a Constituição, tal como sucede nas relações de trabalho privadas, não podendo depender de uma decisão mais ou menos livre e discricionária do responsável do serviço público em causa.
Não se pode passar do zero para o cem em matéria de liberdade de despedimento de funcionários públicos.

Adenda
Já me não parece ser inconstitucional o aumento do horário semanal de trabalho no sector público para as 40 horas, visto que aí se trata justamente de equiparar a situação com a do sector privado, pondo fim a um privilégio tradicional, mas injustificado, da função pública, tanto mais que as remunerações para funções equiparadas até eram em geral mais elevadas no sector pública, apesar da menor carga horária.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Erro de casting

O caso do recém-demitido secretário de Estado do Tesouro revela como se podem fazer escolhas para o Governo sem o mínimo critério e mesmo sem informação relevante sobre o perfil dos escolhidos.
Tem razão o editorialista do Diário Económico de hoje, quando sugere que a audição prévia dos indigitados para ministro e secretário de Estado perante a comissão parlamemtar competente poderia evitar tais erros de "casting", proporcionando o escrutínio público do currículo político e profissional dos candidatos a governantes.
É certo que num sistema parlamentar, a composição da equipa governamental é da responsabilidade do primeiro-ministro. Mas a audição parlamentar, desde que desprovida do poder de veto parlamentar (típico dos sistemas presidencialistas), poderia traduzir-se num acréscimo da transparência política e da qualidade dos governos. E em casos-limite, como revela a experiência da audição dos indigitados para Comissário Europeu pelo Parlamento Europeu, pode mesmo levar à renúncia ou afastamento dos candidatos manifestamente ineptos.

Desaforo

A proposta governamental de apoio financeiro do Estado à frequência de escolas privadas -- que pode vir a incluir o famigerado "cheque-ensino" -- é um desaforo politico e constitucional à escola pública e uma despudorada cedência ao lóbi do ensino particular, dominado pela Igreja Católica, que obviamente já veio manifestar o seu júbilo com a proposta.
No nosso sistema constitucional o compromisso político e financeiro do Estado é com a escola pública. Todos têm liberdade de frequentar escolas privadas -- incluindo escolas religiosas --, se assim o preferirem, mas ninguém tem o direito de ser financiado pelo Estado para esse efeito. O dinheiro público não pode ser usado para alimentar projectos de ensino confessional ou elitista.
Trata-se de uma provocação séria à escola pública e ao Estado laico. Como defensor qualificada desses valores constitucionais e republicanos, o PS não pode deixar de conbater decididamente esta medida. Há mais lutas políticas para além da esfera económica...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Custo excessivo

Para quem, como o autor destas linhas, nunca alinhou com as teorias de uma contínua "espiral recessiva", não causam surpresa os dados divulgados sobre a interrupção da queda do produto, anunciando uma possível, e bem-vinda, retoma económica. Como sói dizer-se, "não há recessão que sempre dure"...
Mas importa notar que, a confirmar-se, a retoma surge com um ano de atraso em relação ao calendário governamental inicial e que entretanto a recessão e o desemprego bateram muio mais fundo do que o previsto, causando um emprobrecimento social muito mais acentuado do que o que se previra.
A obsessão governamental de "ir além da troika" e de fazer "frontload" das medidas de austeridade causou uma retracção excessiva do consumo e do investimento, com consequências dramáticas na economia e no emprego. Sim, é bom saber que, embora tardiamente, a crise pode ter invertido o ciclo descendente, mas é indesmentível hoje que o ajustamento orçamental e económico poderia ter sido bem menos penoso do que o Governo optou por o trasformar. A austeridade e a recessão eram inevitáveis, mas poderiam ter sido menos dolorosas do que têm sido, e vão ainda continuar a ser.

Para o Tribunal Constitucional, já!

A isenção dos juízes e diplomatas do corte de 10% nas pensões do sector público constitui uma grosseira iniquidade.
As duas referidas categorias já gozam tradicionalmente de um privilégio injustificado -- que o regime de austeridade não ousou beliscar --, que consiste em as suas pensões de reforma serem equivalentes à remuneração das respectivas funções e serem sempre actualizáveis juntamente com elas. Por isso, essas pensões contam-se entre as mais altas no nosso País.
Agora o Governo resolve acrescentar um novo privilégio ao privilégio, isentando essas pensões do corte anunciado para as pensões do sector público. O novo privilégio é especialmente escandaloso, quando se trata de uma nova medida de austeridade, em que o sentido de equidade deveria ser especialmente respeitado. Pelos vistos, porém, para este Governo há corporações intocáveis, imunes à contribuição côngrua para a consolidação orçamental do País.
Caso esta grosseira desigualdade legislativa vá para a frente, só resta o escrutínio do Tribunal Constitucional. O princípio da igualdade não é violado somente quando alguém é indevidamente prejudicado, mas também quando alguém é indevidamente beneficiado. É de confiar que, apesar de serem beneficiários da referida discriminação positiva, os juízes do TC não deixarão de a chumbar, tendo em conta o zelo a que nos habituaram no controlo do princípio da igualdade de sacrifícios. "Ou há moralidade, ou pagam todos".

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Separação de poderes

A decisão judicial que deu provimento a uma medida cautelar contra o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa veio mostrar mais uma vez a tentação de alguns juízes para irem além dos seus poderes jurisdicionais e pretenderem controlar actos do puro foro político, como é o caso. As considerações do tribunal são um exemplo do que não deve (nem pode) ser uma decisão judicial num Estado de direito constitucional.
A justiça administrativa serve para impedir ou censurar actos ilegais do poder, não para controlar a alegada (in)conveniência ou o pretenso (de)mérito dos actos praticados no exercício da liberdade de escolha politica dos governos. Encerrar uma maternidade (ou qualquer outro serviço público) e integrar os seus serviços noutra não é uma decisão que possa ser substantivamente avaliada por um tribunal.
Uma das bases do Estado constitucional é a separação de poderes. Numa democracia constitucional os juízes não governam nem se podem substituir aos governos. Pelos vistos, Monstesquieu não faz parte do programa da formação dos juízes em Portugal...

Enriquecimento sem justa causa

O problema com os políticos numa República constitucional é que não basta que as suas actividades não sejam ilegais.
Há também a ética republicana, que exige que eles não se aproveitem da sua condição política -- mesmo quando ex-políticos -- para efeitos de enriquecimento pessoal. No caso do BPN, não podem hoje restar dúvidas de que se tratou de uma conspiração organizada por ex-governantes do PSD para proveito pessoal à custa dos clientes do Banco e do interesse público. Não estando as acções do Banco, nem da SLN, no mercado, as luxuriantes mais-valias na transacção das mesmas só podem configurar uma operação deliberada de favorecimento do pequeno grupo pessoas envolvido no negócio.
Um verdadeiro enriquecmento sem justa causa, como se diz no direito civil.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Segundo fôlego

Receio não acompanhar a opinião dos que entendem que tudo fica na mesma ou que o Governo sai mais enfraquecido desta crise política artificialmente prolongada pelo Presidente da República. Penso mesmo que o ganhador da crise é afinal Passos Coelho, que conseguiu um segundo fôlego para o Governo, com a "recondução" presidencial até ao fim da legislatura, a remodelação governamental e a moção de confiança parlamentar, tudo a permitir ensaiar uma inflexão de discurso político ("novo ciclo", etc.). Se os ténues sinais de abrandamento da recessão se confirmarem, o Governo pode ainda pensar que pode melhorar a sua situação até 2015.
As coisas não correram bem ao PS, para quem a iniciativa presidencial se revelou desde o início uma armadilha, mercê da "confirmação" do Governo, do enfraquecimento da hipótese de eleições antecipadas e da "cooptação" pelo Governo da ideia de inflexão política em favor do crescimento e do emprego, a grande bandeira da oposição do PS.

domingo, 21 de julho de 2013

Ultra vires

Mantendo em funções o Governo PSD-CDS, Cavaco Silva impôs-lhe porém uma inflexão da linha política, apostando agora no crescimento económico e não já sobre a austeridade. Independentemente do acerto da orientação presidencial, que aliás vai ao encontro das propostas da oposição, a verdade é que no nosso sistema constitucional é ao Governo, e não ao Presidente, que compete definir a orientação da política governamental. O Presidente não tem poderes de orientação nem de superintendência sobre o Governo, que não responde politicamente perante Belém.

Charada presidencial

O Presidente da República declarou que, tendo falhado o acordo tripartidário por ele proposto, a alternativa de governo que restava era manter em funções o actual Governo. Mas se tivesse havido o tal acordo, qual seria então a solução governativa diferente! Um governo a três?! Será que o Presidente tinha uma outra solução na manga, uma "agenda escondida", que não anunciou aos partidos que pôs a negociar, nem ao País?
Decididamente, Cavaco Silva tornou-se um factor de perturbação da vida política nacional...

sábado, 20 de julho de 2013

Programa de governo

Mesmo quando na oposição o PS é candidato natural ao Governo do País. Por isso, só pode defender na oposição propostas suscetíveis de serem realizadas no Governo. Resta saber se, se amanhã ganhasse as eleições e voltasse ao Governo, poderia efetivar todas estas propostas sem pôr em causa a consolidação e a disciplina orçamental do País, que não vão desaparecer com o fim da intervenção da troika...

Rebobinar

O País poderia e deveria ter sido poupado pelo Presidente da República a esta novela rasca de três semanas de suspense político, antecipadamente votada ao fracasso. Além dos prejuízos causados à governação do País e à credibilidade dos partidos políticos, o episódio revelou também a perda de capacidade de avaliação política de Cavaco Silva. É ele o principal derrotado nesta aventura caprichosa, tanto mais que, tendo erxclido a antecipação de eleições, não lhe resta agora outra alterantiva se não a de rebobinar o filme e aceitar a remodelação governamental que antes se permitiu ignorar sem qualquer justificação pública.
Lamentável.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vingança fria

Afinal, já não vai ser vice-primeiro-ministro, nem coordenador da política económica, nem comissário especial para as relações com a troika; Portas vai continuar, forçado, no cargo de MNE, de que se tinha demitido, de um governo totalmente desacreditado pelo próprio Presidente da República, e enquanto este o desejar.
O ainda líder do CDS (por quanto tempo mais?) não podia passar por maior humilhação e não pode deixar de pensar que Cavaco Silva cobra a sua vingança, duas décadas depois, com juros usurários, das tropelias do então jornalista Portas contra os Governos de Cavaco Silva.
Melhor do que na ficção de uma novela da Globo!

As dores do PSD profundo

«Ferreira Leite diz que PSD nunca aceitaria que o CDS ficasse com a parte de leão do Governo».
Por esta personalidade política próxima de Belém,ficámos agora a saber provavelmente a principal razão por que Cavaco Silva rejeitou a remodelação da coligação que Passos lhe apresentou na semana passada. Fazendo suas a dores do PSD profundo, que consideraram humilhantes as cedências de Passos a Portas -- que logo aqui foram evidenciadas --, o antigo lider do PSD nem sequer cuidou de se pronunciar publicamente sobre a proposta do primeiro-ministro (tal o desagrado!).
A ser assim, porém, não foi o interesse da República mas sim o interesse do seu próprio partido que levou Cavaco Silva a preferir enxertar na crise política que se recusou a resolver a sua própria crise política, que não se sabe onde nos levará.

Solipsismo

Não consta que Cavaco Silva tenha consultado os partidos políticos sobre a sua proposta para o "compromisso de salvação nacional" que anunciou hoje ao País nem que tenha ouvido o Conselho de Estado sobre om pré-anúncio de convocar eleições antecipadas e de interromper premeturamente a actual legislatura daqui a um ano.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O bombeiro incendiário

Nem Belém escapa ao desatino político que avassala o País. Onde se esperava uma discreta operação de encerramento da lamentavel crise política da semana passada, Cavaco Silva conseguiu tornar as coisas piores do que estavam anteriormente em termos de incerteza política.
Negando ao PS a comvocação de eleições antecipadas (sem surpresa), O Presidente da República exige-lhe porém que entre num compromisso político com o Governo em matéria de execução do programa da troika, lá onde sabe que nenhum compromisso é possível, porque significaria anular a sua oposição ao Governo. O PS nunca poderia aceitar continuar na oposição sem poder ser oposição.
Considerando que o Governo continua "em plenitude de funções" (mas sem sequer anunciar a aceitação da remodelação governamental proposta pelo Primeiro-Ministro!...), Cavaco Silva logo lhe tira porém o tapete debaixo dos pés, não só exigindo-lhe que chegue a um compromisso impossível com a oposição socialista, mas também colocando-o a prazo, o que é a pior maneira de deslegitimar um Governo. Com que convicção e autoridade é que Passos & Portas podem governar, com a corda ao pescoço, condenados ao açougue eleitoral a curto prazo?
Parecendo aceitar a democracia parlamentar, onde a maioria parlamentar governa e a oposição se prepara para substituí-la nas eleições seguintes, Cavaco Silva logo impõe um compromisso político entre Governo e oposição como condição de subsistência do Governo, o que vai contra toda a lógica do sistema parlamentar.
Decididamente, Portugal parece condenado irremediavelmente ao caos político que conduz ao desastre financeiro. O próprio bombeiro revela-se afinal um incendiário.
A partir de agora, toda a esperança é uma ousadia.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Pedro passa chefia a Paulo

Minha intervenção Conselho Superior na Antena 1 esta manhã:

"Uma nota prévia para saudar o Papa. Por visitar Lampedusa e denunciar a globalização da indiferença perante os imigrantes que arriscam a morte em busca de vida na Europa.

Quanto a Portugal, o que se globaliza é descrédito e indignidade:
tudo ficou exposto com a carta de Gaspar a reconhecer o falhanço da sua política, que era - é - a do Governo e da Troika; e a apontar o dedo à falta de liderança do Primeiro Ministro Passos Coelho. Percebemos hoje que Gaspar se demitiu, finalmente, á terceira, para não ser bombo-da-festa no Congresso do CDS q deveria ter tido lugar no ultimo fim de semana.

Tudo se descontrolou com a súbita ameaça do Ministro de Estado de se demitir irrevogavelmente, uma hora antes da posse da nova Ministra das Finanças. Porque ficar seria um acto de dissimulação, escreveu ele, perante a ofensa do Primeiro Ministro de não o ouvir e promover a Secretária de Estado a Ministra.
No actual andamento desta ópera bufa, o PM já propôs ao PR que o Ministro de Estado que se demitiu irrevogavelmente ("ma non troppo") fosse promovido a Vice Primeiro Ministro, com competências de coordenação económica e política de Primeiro Ministro. Em coro, todos dissimulam: fingem que governam o país, enquanto escavacam o pote.

Em Bruxelas, o Ecofin conduz a orquestra: todos juram adorar Maria Luis e o ministro alemão Schäuble explica mesmo que ela não muda nada relativamente a Gaspar.
Que importa que Gaspar tenha admitido que as politicas estavam erradas - elas são para continuar, porque a Alemanha do Sr. Schäuble quer e Passos Coelho obedece.

Mas ñ é bem assim: esta Alemanha estará por tudo, desde que não lhe estraguem o arranjinho que há-de reeleger a Sra. Merkel em Setembro: por isso, dê Pedro pinotes e Paulo cambalhotas, o Sr. Schäuble virá sempre afiançar que Portugal está no bom caminho, mesmo que tenha de apressar o "programa cautelar" (como agora chamam ao segundo resgate) que as tropelias de Pedro e Paulo ao longo deste dois anos, e da ultima semana em particular, tornaram inevitável.

Bem podem chamar cautelar ao segundo resgate: muita cautela é do que se precisa, se PR, PM e PSD confiam a Paulo Portas a direcção do governo. Não é por confirmarem, uma vez mais, que o crime compensa: do Independente à Moderna, dos submarinos às centrais de desinformação, de Marcelo Rebelo de Sousa a Passos Coelho, Paulo Portas acrescenta ao carácter do escorpião que ferra a rã que o carrega a sabedoria de só ferrar quando já tem terra ao alcance... Eu, que aqui nestes microfones, há dois anos, questionei a idoneidade política e pessoal de Paulo Portas para voltar ao governo, bem avisei....houve quem me ameaçasse então de processos: cá continuo à espera...

Quem também tem agora que se acautelar é o CDS - graças a Passos, Paulo passará.. o CDS esse pode ter o destino dos submarinos: afundar-se!

A Ministra Maria Luis, mestra em swaps, privatizacões a patacos como a do BPN ou conjugalmente convenientes como a da EDP, que se disse ontem confiada na estabilidade lado a lado com Paulo Portas, bem poderá ir pondo de molho as barbas dos Albuquerques, pois o Vice Primeiro Ministro saberá sempre, lado a lado, ou mano a mano, como a ..coordenar. Ele demitia-se porq aguentá-lá seria acto de dissimulação. Dissimulando, poderá acabar ...a demiti-la.

Tudo está agora nas mãos do Presidente da Republica. Que parece ter todo o tempo do mundo para decidir. Um Presidente que passou adiante do enxovalho de dar posse à ministra de um governo cujo chefe lhe omitiu que o vice-chefe se demitira. E um Presidente que se inquieta pelo pós-Troika, mas não trata de exigir a renegociação do programa de ajustamento e de pôr a Troika fora de Portugal, correndo o risco de ver FMI, Alemanha e a UE tomarem a iniciativa de o fazer... Aguardemos: o povo é sereno!

No meio disto tudo, quem pouco importa é o PM: para além de amachucado por Gaspar, acabou de abdicar do controle do governo para o maquiavélico junior, apesar de este representar apenas 12% nos idos de 2011. O PSD bem pode agradecer a Passos entronizar um chefe na Direita: será Vice-Primeiro Ministro e chama-se Paulo Portas.



PS - tenho a registar uma discordância relativamente ao Dr. Mário Soares, que muito admiro, por chamar "salta pocinhas" a Paulo Portas. Ora, a inofensiva matreira imortalizada pela pena de Aquilino Ribeiro não merece tal comparação. Coitada da raposa!

Prudência

Agitar a ideia da inevitabilidade de um "segundo resgate" não serve os interesses do País. Primeiro, porque não é fatal, apesar dos falhanços do Governo; segundo, porque não é lícito ignorar os pesados custos económicos e sociais que isso acarretaria. A lição grega só não a enxerga quem não quer...

Porquê?

«Avião de Morales: Portas avisou «atempadamente» a Bolívia que recusava aterragem».
O problema consiste justamene em saber por que é que o Governo português recusou a aterragem técnica a um avião presidencial estrangeiro só por suspeitas, obviamente infundadas, de que o avião poderia incluir como passageiro o cidadão norte-americano que denunciou a deslealdade das escutas norte-americanas às comunicações oficiais europeias. E mesmo que fosse verdade, qual era o problema em o avião aterrar, desde que o tal imaginário passageiro clandestino não pudesse desembarcar? Ou será que a nossa dependência em relação aos Estados Unidos é tão acrítica que nos leva a considerar como réprobos os cidãdãos norte-americanos que ousam denunciar os excessos dos serviços secretos dos Estados Unidos?
Valeu a pena pôr em causa de modo tão fútil todo o investimento nacional dos últimos anos em cultivar as relações com a América Latina? Francamente, não havia necessidade! O excesso de zelo seguidista mata.

sábado, 6 de julho de 2013

Mais do que uma remodelação

Apresentada como simples remodelação governamental, a mexida no governo negociada entre Passos e Portas (ou melhor, imposta por este ao primeiro) depois da crise política aberta pelo segundo altera substancialmente a equação política da coligação governamental em favor do partido "júnior" e em prejuízo do partido principal.
A desqualificação da nova Ministra das Finanças -- sem paralelo na nossa história constitucional -- revela até onde se foi na reconfiguração da estrutura do Governo. Gaspar era, nominal e efectivamente, o nº 2 do Governo; agora, privada de gerir as relações com a troika, tarefa entregue a Portas, Maria Luís Albuquerque fica sob tutela do novo nº 2 (ou nº 1 "sombra"?), o mesmo Portas. Voltou a secretária de Estado do novo Ministro das Finanças.
Havendo uma efectiva mudança da estrutura de liderança do Governo, no sentido de ume verdadeira "liderança bicéfala"), o Presidente da República deveria exigir uma nova relegitimação parlamentar, através de uma moção de confiança parlamentar.
Este já não é o Governo que passou no Parlamento há dois anos!

Portas 4, Passos 0

Portas fez desavergonhadamente um golpe de estado na coligação e acabou a ganhar tudo (salvo a credibilidade pessoal e política...): sobe ele próprio a vice-primeiro-ministro (depois de ter anunciado a sua saída "irrevogável" do Governo); obtém para o CDS mais um importante ministério (o da Economia); fica coordenador de toda a política económica e também das relações com a troika (ou seja, o verdadeiro ministro das finanças enquanto durar o programa de ajustamento. Portas e o CDS ganham em toda a linha.
Passos e o PSD perdem o que Portas e o CDS ganham: deixam de mandar em mais de metade da política governativa; sacrificam o Ministro da Economia e também a Ministra das Finanças (que permanece no Governo, mas fica sob a tutela indirecta de Portas). Um humilhação!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Carta fora do baralho

Seja qual for a saída desta crise governativa, Portas sai mal deste episódio, dando a impressão de se motivar mais por caprichismo pessoal do que por uma atitude politicamente ponderada e responsável.
Se em resultado das próximas eleições o PS precisar de um parceiro de coligação para formar maioria, é de duvidar se o CDS poderá ser uma alternativa elegível. Ninguém gosta de parceiros de goveno imprevisíveis e/ou caprichosos.

Demasiado mau para ser verdade

O que se passa no círculo do Governo e dos partidos de governo em Portugal é demasiado mau para ser verdade. Visto de fora ninguém acredita. E é de facto uma estória improvável.
Primeiro episódio: Ontem o lider do "partido júnior" da coligação governamental, sem nada o prever, anunciou a sua decisão "irrevogavel" de deixar o governo, o que obvimente só podia ser lido como uma rotura da coligação e a consequente queda do Governo. Segundo episódio: o primeiro-ministro recusa a demissão de Portas, como se fosse possível obrigar um ministro a permanecer e a manter a coligação contra sua vontade. Terceiro episódio: o CDS, afinal, anuncia hoje que está disponível para discutir a susutentabilidade da coligação!
É evidente que a moribunda coligação pode ser renegociada e renovada, e mesmo relegitimada por um voto de confiança no Parlamento. Mas pergunta-se: O CDS vai afinal aceitar a nova ministra das Finanças, ou Passos Coelho vai aceitar sacrificá-la ao caprichismo de Paulo Portas? Portas recua na sua decisão de demissão e volta ao Governo, ou vai querer ficar de fora, sem se comprometer? Coelho vai permitir que Portas fique de fora, a conspirar contra o Governo e pronto a tirar-lhe de novo o tapete na próxima oportunidade? A renegociação da coligação vai incluir a renegociação com a troika? E está esta disponível?
Mas mesmo que o Goveno venha a continuar, eventualmente recauchutado, que confiança mútua pode permanecer entre os parceiros da coligação e que credibilidade ou autoridade política pode restar ao Governo depois dos lamentáveis quiproquós de ontem e de hoje?