quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Troca de cromos

Retribuo o cumprimento do Ivan Nunes. "A Praia" já está há muito entre os meus "favoritos".

Estranha pergunta

No Turing-Machine de 30-12-2003, num post intitulado "Anything goes", de que somente agora me dei conta, Porfírio Silva interroga-se:

«Que leitura fazer do facto de Vital Moreira inserir com destaque na sua coluna no quotidiano Público o endereço do blogue de que é co-autor? (...) "Isto" está a evoluir ou apenas estamos todos a perder a vergonha (tão depressa) ? Inveja, não tenho: tenho a sensação de que vale tudo na luta por qualquer tipo de audiência, tenho a ideia de que há uma generalização do "abuso de posição dominante". »

Estranha pergunta e estranho comentário este, vindo de um blog assaz equilibrado. Primeiro, eu não refiro o Causa Nossa "com destaque" na minha coluna semanal do Público às terças feiras. A referência aparece no final da crónica, a introduzir duas ou três breves "notas à margem", a que eu antes chamava "apostilas" (o que é quase o mesmo). As razões da remissão - se precisasse de alguma especial (há vários autores que indicam sem mais a sua página electrónica pessoal) - são evidentes. Primeiro, as referidas nótulas são reproduzidas do blogue, pelo que convém indicar a fonte. Segundo, elas são uma selecção, pelo que vejo vantagem em remeter o leitor interessado para as demais. Terceiro, o que escrevo no Público tem quase sempre a ver com o que escrevo no blog, pelo que há sinergias a aproveitar. Quarto, não sendo prática no Público os colunistas indicarem o seu endereço electrónico, a remissão para o blog, onde o meu está indicado, é uma maneira de permitir aos meus leitores comentarem os meus artigos no jornal também por essa via. Quinto, tal como refiro os meus blogposts no jornal também refiro as minhas crónicas do jornal no blog, pelo que a troca é equitativa.
Finalmente, existe alguma norma ética que me interdite escrever paralelamente num jornal e num blog e fazer saber aos leitores de um e de outro que estou nas duas "plataformas" (que obviamente não são concorrentes entre si)? Francamente não conheço nenhuma bula que tenha decretado tal "apartheid". A blogosfera não é uma reserva especial
guardada para os bloggers em exclusividade e vedada aos leigos provindos dos jornais.

Vital Moreira

quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

Culpados até sempre

Já não suporto a ideia de que a culpa de tudo o que corre mal em África é sempre do ex-colonizador. Não seria tempo de dividirmos algumas responsabilidades, de cada um assumir as suas?
Parece que não. Carlos Pacheco, historiador angolano, começa assim o seu artigo no Público. «Em vinte e oito anos de independência Angola continua atolada nos entulhos da velha herança colonial». A seguir, critica (e bem) alguns factos escandalosamente notórios, como a nomeação de Pierre Falcone, uma personalidade francesa acusada de envolvimento em vários negócios escuros, para ministro-conselheiro de Angola na UNESCO. Esquece-se, contudo, de demonstrar a que propósito foi invocada a "herança colonial". Não vale a pena, faz parte do cânone. Culpados seremos até sempre.

Maria Manuel Leitão Marques

Carta a Ana Gomes

Querida Ana:

Criticam-te por seres excessiva nos teus estados de alma, por dizeres o que pensas sem cuidares de introduzir entre o pensamento e a palavra uma medida consensual de correcção política (ou seja: entre o que não convém e o que convém dizer). E criticam-te porque não deverias questionar o funcionamento da Justiça, porque a Justiça tem direito natural a caixa alta e a política escreve-se com caixa baixa (a não ser que a quiséssemos transformar num mono de solenidade, retórica e ridículo). É por isso que a tua voz incomoda e que querem calar-te, em nome do equilíbrio, da normalidade, do bom comportamento, da paz institucional.

Venho pedir-te que não o faças. Que não te cales. Que sejas fiel a ti mesma: inconveniente, inconformada, rebelde. Mesmo que não estivesse de acordo contigo a 100 por cento, podes crer que era isso que sempre esperaria de ti. Este país apodrece de conveniência, cobardia, pequenez, hipocrisia. E são os "convenientes", os cobardes, os pequenos e os hipócritas que se aproveitam disso. Não podes aceitá-lo, não podemos aceitá-lo.

Querem que admitamos o inadmissível e que continuemos a acreditar que uma caricatura de justiça tem o direito a fazer de conta que é Justiça (com caixa alta). Querem que façamos de conta que a separação de poderes existe, embora só exista para um lado e não para o outro. Querem que engulamos em seco toda a arbitrariedade e toda a canalhice (como a que concede títulos de nobreza a cartas anónimas, em nome da isenção e da neutralidade!). Não, é demais.

Acusam-se (justamente, aliás) os jornais e as televisões por se aproveitarem da porcaria que lhes é fornecida, e invoca-se o argumento grave da violação do segredo de Justiça (com caixa alta, presumo). Mas quem é que fornece essa porcaria? E fornece-a porquê, se essa porcaria é logo considerada "irrelevante" e inócua? Porque é que essa porcaria visa sempre atingir e emporcalhar os mesmos alvos - e só eles? Quem - com poder e responsabilidade institucional - pode dar cobertura, sob os pretextos mais hipócritas, a tamanha monstruosidade?

Não, não podes calar-te, não podemos calar-nos. Não podemos aceitar que, em nome da separação de poderes, um poder escondido, clandestino, que não dá a cara, que não responde perante ninguém nem perante nada (nem o procurador-geral da República!), actue como se estivesse acima de qualquer escrutínio ou de qualquer responsabilidade. Não podemos aceitar que o Estado de direito, o regime democrático, a Justiça e o bom nome dos homens e das instituições sejam atirados para a lama como algo de natural e inelutável. Não podemos tolerar que o anonimato de quem escreve cartas (ou de quem administra a Justiça) passe a ser uma norma da nossa convivência colectiva.

Teu amigo,

Vicente Jorge Silva

Revista de imprensa

1. A explicação que falta
No Diário de Notícias, dá-se conta da posição de Mário Soares no caso das cartas anónimas contra altas personalidades políticas, constantes do processo Casa Pia, incluindo o Presidente da República. Disse designadamente ser preciso que «as autoridades judiciárias, particularmente o Ministério Público, nos dêem uma explicação que ainda não deram».
Desde o princípio que aqui defendo essa explicação. Mas o PGR continua incapaz de a dar. Souto de Moura, que já se sangrou em três-comunicados-três sobre a questão, cada qual mais vazio, vem agora dizer: "Não faço comentários. Aliás, para seguir o conselho e o pedido do senhor Presidente da República, o máximo de contenção passa por não fazer comentários".
Sensata atitude esta, ainda que tardia. Mas cadê a explicação, que obviamente o Presidente também pediu?

2. Soma e segue
Mais uma prescrição em processo penal de relevo. Desta vez o prémio sai a Costa Freire, antigo Secretário de Estado da Saúde num Governo de Cavaco Silva, que fora condenado a 7 anos de prisão por burla contra o Estado, condenação depois anulada por motivos processuais, o que provocou a necessidade de repetir o julgamento. Já não vai ocorrer. Da prisão já se salvou. Resta ao Estado tentar reaver os prejuízos em processo cível.
Como se pode continuar a tolerar um sistema judicial assim?

Escrevem os leitores do "Causa Nossa"

De entre as cartas que tenho recebido sobre a justiça vale a pena respigar duas, que revelam o grau de radicalização que a insatisfação atingiu entre alguns operadores. Quem julgou que o advogado António Marinho, o antigo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, se excedeu nas suas críticas à justiça, veja as transcritas abaixo.
Inquietante, não é?

1. Justiça penal no fundo
A nossa Justiça Penal bateu de tal jeito no fundo que nada nos surpreenderá doravante! O modo atrabiliário como se tem desenrolado o chamado processo Casa Pia «faz saltar as pedras da calçada».
Eu também acho que alguém terá de ser responsabilizado pelos arbítrios cometidos neste inquisitorial processo. Não deixo de estranhar que o Doutor Germano Marques da Silva - que ao que julgo saber pertencerá ao Conselho Superior do Ministério Público e que não se tem poupado a criticar as decisões e incidentes mais polémicas do caso -, afirme não ver razões para procedimento, designadamente disciplinar, contra o magistrado inquiridor!
(...) Conhecida que é a posição do PM (deixem a Justiça trabalhar), qual vestal, como tão bem o caracterizou o Doutor Vital Moreira, outra razão não sobrará que não seja a de «sublevar» a comunidade jurídica portuguesa, despertando as consciências adormecidas que ainda se deixam embalar pelo falacioso hino da separação de poderes.
Nestes arrastados meses de maus tratos aos direitos e liberdades dos arguidos, quantas vezes não me tenho lembrado da saudosa voz do Dr. Salgado Zenha?!
(...)

[AAG]

2. Justiça, é preciso outra
Sobre a Justiça: está num estado de tal maneira comatoso, que tudo o que ajude a pô-la completamente de rastos, eu aplaudo!
Quem lida com ela diariamente, há mais de um quarto de século, sabe o que valem 99,999% desses Magistrados/as que abusam solerte e quotidianamente do estatuto de irresponsabilidade de que gozam.
Mas o problema não é deles/as, coitados/as... Eu, se calhar, não era melhor! O problema é dum modelo que dá evidentes sinais de esgotamento, agora também, felizmente, para fora dos muros da "cidadela".
Esse modelo, do Poder Judicial absoluto, assenta em dois equívocos: confunde (ir)responsabilidade civil com (ir)responsabilidade política; e confunde o exercício de uma função de soberania com o exercício de uma actividade profissional, sindicalizada e tudo!
Portanto, para mim, quanto pior para esta Justiça infame, tanto melhor para a Democracia e o Estado de Direito.

[JA, Advogado]

Proibição do véu islâmico

1. Uma carta de França
A propósito do meu artigo de 3ª feira no "Público" sobre a proibição de vestes e símbolos religiosos nas escolas francesas recebi um comentário de um estudante brasileiro em França, que vale a pena registar.

«Gostaria de parabenizá-lo pelo lúcido artigo sobre a proibição do uso dos símbolos religiosos nas escolas públicas francesas, com o qual tenho total identidade. (...) Tenho conversado bastante sobre o assunto por aqui [Estrasburgo], embora em círculos restritos, defendendo a mesma visão esposada em seu artigo. Mesmo entre pessoas que julgo mais lúcidas, tenho ficado, na maioria das vezes, isolado, apesar de na Alsácia não prevalecer o Estado laico e de a lei provavelmente não vir a ser aplicada por aqui. (...)
Quanto a mim, confesso que há uma questão, subjacente a este debate, que permanece como angustiosa dúvida em minha mente: a justa equação entre a universalidade e a relatividade dos direitos humanos, neste caso em relação à obrigatoriedade do uso da indumentária como instrumento de opressão sobre as mulheres muçulmanas. De maneira lateral, mas nem sempre secundária, esta questão tem vindo à baila nas discussões, embora às vezes com o intuito de turvar ainda mais os motivos reais da decisão que acabou por ser adotada.
Um abraço,
Eduardo Campos»

[Sublinhado meu, VM]

2. Inesperado apoio à proibição
Foi o que recebeu Jacques Chirac, vindo dos Estados Unidos no prestigiado "Christian Science Monitor", pela pena de Cheryl Benard, justamente com o argumento "feminista" de que, sendo o veu islâmico uma forma de opressão das mulheres, a sua proibição pode constituir uma libertação das mesmas.

3. Um argumento inconcludente
Mas o argumento "feminista" - que também serviu em França para apoiar a proibição como elemento de reforço do argumento laico - revela-se assaz claudicante.
Primeiro, o uso do véu não é uma obrigação universal, não sendo usado por muitas mulheres, sobretudo nos meios urbanos. Segundo, não é sustentável a tese de que as mulheres o usam forçadamente na maior parte dos casos (no caso francês a polémica resultou de duas jovens que lutaram pelo seu uso na escola), sendo perigoso defender que elas devem ser obrigadas a libertarem-se daquilo que elas não sentem como opressão, mas sim como expressão religiosa pessoal. Terceiro, se a principal razão para proibir o véu nas escolas públicas fosse o libertação da opressão feminina que ele significa na cultura islâmica, então a solução não deveria ser proibi-lo somente na escola, mas sim em todos os espaços públicos. Quarto, com essa justificação para a interdição do véu perde todo o sentido proibir os símbolos religiosos das demais igrejas, contra os quais não vale o argumento feminista. Quinto, a liberdade individual, ainda por cima em matéria religiosa, só deve ser restringida quando o seu exercício possa lesar outrem ou interesses públicos suficientemente fortes para prevelecerem sobre ela. Ora, fora os casos de proselitismo agressivo ou hipóteses afins, não se vê que tais requisitos se verifiquem no caso do uso do véu islâmico.

Vital Moreira

terça-feira, 6 de janeiro de 2004

Cartas anónimas

1. Perguntas certas
Até Luís Delgado as faz:
«O erro está em quem a pôs lá [a carta anónima no processo Casa Pia], e aí sim, o PR, na sua qualidade constitucional, já deveria ter tomado medidas urgentes. Este processo ameaça implodir pela mão dos que deveriam zelar pelo seu bom andamento e fim justo. E é tanto mais vergonhoso quanto a imagem interna e externa do país começa a bradar aos céus. Ninguém assume responsabilidades? Ninguém é culpado de nada
(Sublinhado meu, VM).

2. Esclarecendo uma confusão
De um leitor recebi um mail discordante sobre o meu post acerca do texto de Helena Matos:

« (...) Sabe que não foi esta a leitura que fiz do artigo. As cartas anónimas sobre Irene Lisboa foram mandadas arquivar por Salazar ou pela PIDE, e o paralelo de Helena Matos pareceu-me ser esse. Muito pelo contrário da opinião expressa no vosso Blog, ela denuncia e procura explicar o estado psicológico que leva à proliferação de cartas anónimas em situações específicas e para determinadas pessoas, salientando a irrelevância da carta em causa. Sobre o que deveria ter sido o seu destino, julgo que ela o diz no parágrafo:
«E nos outros casos, aqueles em que, à semelhança da denúncia sobre Irene Lisboa, essas cartas se limitam a lançar um manto de infâmias sobre alguém? E se esse alguém for Presidente da República? Ministro? Dirigente partidário?... Pior do que uma carta anónima sem uma linha de verdade apensa a um processo será fazer de conta que a carta anónima nunca existiu. Ou, como acontece nas ditaduras, guardá-la. Para nada ou para o que der e vier. Mais insidioso ainda, destruir umas cartas e deixar outras consoante o objecto ou a personalidade denunciada.»
A justiça não pode fazer de conta que a carta não existiu, não deixando de investigar quem lança essas cartas; guardá-las para o que der e vier é próprio das ditaduras, e mais insidioso do que esta recolha "para o que der e vier" é o destruir umas e guardar outras, como aconteceu agora. Não vejo nisto confusão nenhuma, e se algum paralelo Helena Matos faz é entre o procedimento da PIDE ou de Salazar (que não devia ter intuitos de arquivo histórico) e o actual procedimento que guardou a carta caluniosa (para o que der e vier ou para aparecer na altura em que politicamente fosse conveniente, digo eu).
Cordiais saudações
Luís Jorge Matos»


Não excluo a possibilidade desta leitura alternativa do texto em causa. Mas importa desfazer uma manifesta confusão. Se a tal carta era penalmente irrelevante para o processo da pedofilia, como se concluiu e era evidente, então é uma enormidade ela estar nesse processo, pois ela é tudo menos irrelevante quanto ao ultraje nela contido. Não consigo concordar com a tese da "irrelevância" dessa inclusão. É evidente para mim que misturar o Presidente da República nessa história é uma leviandade irresponsável ou uma provocação. Por outro lado, se a carta pode configurar, como parece óbvio, o crime de difamação do PR - aliás um crime qualificado -, então deveria constituir ela mesma um elemento desse crime, mas num outro processo autonómo. Ora não consta que o MP tenha aberto esse processo ou desencadeado qualquer averiguação para apurar o autor do crime. Limitou-se a deixar a carta no processo errado (aliás contra lei expressa, tratando-se como se trata de documento anónimo irrelevante para aquela causa), sabendo que mais tarde ou mais cedo ela viria a público, para pasto de todas as especulações, permitindo a associação infame do PR aos crimes de que ele trata.
A conduta do MP neste ponto é, portanto, indefensável. E alguém tem de ser responsabilizado!

Vital Moreira

Blogposts nocturnos (4)

1. Cartas anónimas há muitas
No Público de 2ª feira Helena Matos não se deu conta da distinção entre guardar uma carta anónima difamatória em arquivo, sobretudo por decisão do seu destinatário, para eventual fruição de futuros historiadores, e inseri-la num processo-crime, que haveria de vir a público necessariamente, enxovalhando os visados. Por isso, o paralelo entre as cartas anónimas contra terceiros que Salazar mandou arquivar e as que visaram ultrajar o Presidente Jorge Sampaio e António Vitorino, no processo Casa Pia, que o Ministério Público fez inserir no processo, é completamente descabido, para não dizer pouco lúcido.

2. Bom investimento
Os Estados Unidos planeiam instalar em Bagdad a maior das suas embaixadas no mundo, com mais de 3000 funcionários! Está visto que o Iraque é a jóia da coroa dos protectorados do império...

3. "Mão escondida"?
A generalizada e simultânea subida do preço do pão em mais de 30% cheira que tresanda a concertação anticoncorrencial ilícita. Eis um bom teste à capacidade e celeridade da Autoridade da Concorrência.

4. Media cor laranja
Está confirmada a nomeação de Manuel Falcão para a frente do novo canal 2 da RTP, que se vem somar à colocação de Luís Delgado na administração da agência de notícias nacional e de Fernando Lima na direcção do Diário de Notícias. Se se acrescentarem as ligações do PSD, directas ou indirectas (por via do Governo), a pelo menos dois dos grandes grupos dos meios de comunicação, torna-se evidente que a paisagem mediática nacional tem uma cor cada vez mais laranja.

5. Nasa melhor que Esa
Enquanto o Beagle 2 da Agência Espacial Europeia continua mudo algures em Marte, o Spirit da Nasa começou a enviar fotografias mal lá "aterrou". Um insucesso relativo para os europeus (salva-se o êxito do foguetão transportador, à primeira tentativa), um triunfo absoluto para os norte-americanos. A NASA está de parabéns. (Não é preciso gostar de Bush & Cia para admirar o que os Estados Unidos fazem de bom...).

6. Por que espera o Procurador?
Depois da severa comunicação do Presidente da República de ontem à noite, o PGR percebeu a mensagem ou precisa dela trocada por miúdos?

Vital Moreira

segunda-feira, 5 de janeiro de 2004

A irrelevância do mau nome

É isso mesmo que mais me preocupa meu caro Luís Nazaré: a irrelevância do mau nome. José Pacheco Pereira (que não é propriamente um comentador pouco rigoroso), por exemplo, tão depressa afirmava na sua entrevista de domingo ao Público que 'a citação desses nomes não tem nenhum significado. Alguns jornais podem pôr na capa esses nomes. Mas, do ponto de vista objectivo, enunciar esses nomes é como se enunciassem o meu ou os vossos. É irrelevante', como, um pouco mais à frente, referia que 'Ao incluírem-se essas cartas no processo, de facto, metem-se esses nomes na lama'. Em que ficamos então? É irrelevante 'meter nomes na lama', mesmo que não fossem os do Presidente da República e de um prestigiado Comissário Europeu? Ou o que é irrelevante é ter o nome enlameado? Será que todos conseguimos imaginar-nos nessa posição, passeando calmamente no Centro Comercial, ou mesmo fechados dentro de casa? Experimentem explicar a irrelevância a um amigo estrangeiro que saiba do processo apenas pela imprensa internacional e vão ver o que ele vos responde. Ou melhor, evitem a todo o custo fazê-lo. Cá por mim, tenho vergonha que o Presidente República (mesmo que não fosse este, que tanto prezo) possa ser considerado como eventual suspeito, mesmo que seja apenas por um cidadão da Europa mais distante.
E mais não digo, visto que o António José Teixeira (ver o que tinha de ser dito) já disse quase tudo o que eu pensava (muito em especial sobre a cultura democrática e as suas instituições), mas intriga-me saber o que fará o Senhor Procurador Geral da República depois da intervenção do Presidente da República agora mesmo nas televisões. Fará de conta que a culpa é toda da comunicação social?

Maria Manuel Leitão Marques

Bom nome

Não há como uma fuga à quadra festiva para recarregar baterias. Consegui sobreviver à privação da net e da imprensa nacional, embora secretamente ansioso por novas de estalo, como sempre acontece quando nos encontramos em retiro. De regresso, é bom verificar que a índole da terra não se alterou.

1 Bom nome
Doravante, só há uma saída transparente e não-discriminatória para o problema do bom nome. Se todos os portugueses acusarem, em carta anónima, um dos seus vizinhos de qualquer ilícito, teremos dez milhões de cidadãos em iguais circunstâncias de mau nome na praça. Só assim voltaremos a ser iguais perante a sociedade. Pressuponho, bem-entendido, que a magistratura continuará a observar os sãos princípios de transparência e publicidade que tem ultimamente exibido. E que os media continuarão a desempenhar o seu honroso papel de testemunhas da opinião pública. É certo que, dada a inevitabilidade de todos os portugueses ficarem desonrados, o interesse jornalístico diminui. Mas não deixarão de surgir ideias para novos reality shows, concursos ou bolsas de apostas. Uma excelente oportunidade para a indústria nacional de conteúdos.

2 Bom nome
É coisa que definitivamente os nossos juízes não têm. Na bola, os coitados dos árbitros queixam-se muito da falta de condições, do estatuto amador, dos sacrifícios que fazem em prol do desporto português, sem reconhecimento nem compensação. A sua mediocridade na função arbitral é coisa de somenos. Falhos de carácter e de rigor, os nossos homens do apito continuam a exibir a sua incompetência à pala da falibilidade da avaliação e da insustentável pressão dos dirigentes. No Benfica-Sporting de ontem, ficou bem patente que os piores sentimentos compensam. Antes do jogo, a direcção do Sporting denunciou publicamente o benfiquismo do árbitro, fez comunicados paranóicos e recusou mesmo deslocar-se à Luz. Falho de personalidade, visivelmente influenciável, o juiz quis ser estrela por um dia - o mundo inteiro ficaria a saber que ele não é lampião e não tem medo de ninguém. Sempre desconfiei dos árbitros com gel no cabelo e dos polícias com óculos escuros.

3 Bom nome
... teve a RTP2 de tempos idos. Esta noite vamos assistir ao nascimento de um belo projecto de bairro, pleno de boas intenções e debilidades mil. Espero sinceramente enganar-me, mas não antevejo qualquer viabilidade no projecto de A Dois. Pior, suspeito que a coisa foi desenhada para ter um fim trágico. Serei cliente da primeira hora, por dever de cidadania, mas que ninguém espere a complacência do mercado, nem sequer a dos segmentos mais esclarecidos. Esses, sobretudo esses, têm pouca paciência para experimentalismos.

Luís Nazaré

Um silêncio pesado

Embora doridamente, respeito a orientação do PS - a favor da qual, aliás, votei - de guardar reserva sobre os mais recentes e alarmantes desenvolvimentos do caso Casa Pia, designadamente os que, na terminologia do Bastonário da Ordem dos Advogados, lançaram inaceitáveis "chapadas de lama" sobre o Presidente Jorge Sampaio e o Comissário António Vitorino. A acrescer a selectivas fugas de informação de processo em segredo de Justiça, instrumentais para as calúnias lançadas sobre Ferro Rodrigues e, ultimamente, Jaime Gama. A somar à acusação agora deduzida contra Paulo Pedroso, em cuja inocência continuo a acreditar.

Não posso, todavia, deixar de me interrogar como estarão a reagir, neste momento, as pessoas que me criticaram - das mais adversas, às do meu campo político. Continuarão a sustentar que não tinha razão quando, há meses, alertei para os riscos da descredibilização da Justiça que a forma como este processo foi sendo instruido comportava e para a diluição que ela poderia implicar das verdadeiras e perversas responsabilidades pelos crimes de pedofilia em Portugal? Aqueles que tanto zurziram Ferro Rodrigues e a direcção do PS de se terem "colado" ao caso Casa Pia, continuarão hoje a defender o mesmo ?

É possível que os próximos dias me tragam respostas. Entretanto, calar-me-ei enquanto aquela orientação do PS perdurar. Ou até ao momento em que a minha consciência impuser que fale.

Ana Gomes

Coimbra desencantada (2)

1. Sem saudades
Duas reacções ao meu post de há dias sobre Coimbra: de Filipe Nunes Vicente no "Mar Salgado" e de JMT no "Exacto".
Vêm de dois graduados da UC, ambos assaz críticos de Coimbra e da Universidade. Trata-se, aliás, de um filão que tem uma forte tradição na nossa literatura. A "alma mater" não deixa saudades em toda a gente.
Não me coloco no extremo oposto, do elogio acrítico. Quem conhece as minhas opiniões, em geral publicadas, sabe como tenho sido um severo crítico das debilidades da cidade, da Universidade e das "forças vivas", como antigamente se dizia, (sem poupar os estudantes, que alguns julgam que tem sempre razão nas suas "justas lutas"...). A própria rubrica destas minhas notas coimbrãs, "Coimbra Desencantada", aí está para realçar a minha perspectiva. Mas, primeiro, recuso-me a só ver as limitações e deficiências, sem ver o outro lado (e ele também existe). Segundo, não me limito a criticar o que existe de mau ou medíocre; também tenho procurado desempenhar a minha parte côngrua nos esforços pela mudança. [Na imagem, o logotipo do "Coimbra Group", uma associação de prestigiadas universidades europeias.]

2. Miguel Torga
O Município de Coimbra acaba de adquirir a Clara Rocha, a filha do grande poeta e escritor Miguel Torga (aliás Adolfo Rocha na vida "civil"), a casa onde este viveu até à morte, para aí instalar uma casa-museu dedicada ao autor dos "Diários". A mesma anunciou a doação de um importante espólio literário do escritor.
Com esta aquisição Carlos Encarnação, o presidente da Câmara Municipal, concretizou ainda em ano de "Coimbra - Capital Nacional da Cultura" a segunda iniciativa de relevo nesta área, depois de ter adquirido a casa do poeta João José Cochofel, na velha Alta da cidade (que foi local de reunião e tertúlia da geração neo-realista dos anos 40 do século passado, o último dos grandes movimentos literários a ter expressão relevante em Coimbra), para aí instalar a "Casa da Escrita".
E, de facto, se Coimbra quer assumir a sua vocação primordial de cidade da cultura e do conhecimento, esta valorização do património literário da cidade faz todo o sentido.

Vital Moreira

sábado, 3 de janeiro de 2004

Memórias acidentais (1)

1. Morreu Vítor de Sá (notas biográficas aqui e aqui). Bem antes de o conhecer a ele, conheci a sua fama de militante oposicionista e perseguido político, bem como a sua obra sobre a história do século XIX, ainda nos anos 60. Depois encontrámo-nos nas lides da oposição democrática ao Estado Novo e, mais tarde, no PCP. Apareceu um dia na Assembleia da República (onde eu já era "sénior") como deputado eleito por Braga. Em São Bento era um cavalheiro, discreto e tímido, quase temeroso de se fazer notar. Absorvidos na azáfama parlamentar não tivemos oportunidade de privar muito, fora uns almoços de circunstância e algumas viagens de comboio juntos às 6ªs feiras, de regresso da semana parlamentar. De resto, a sua passagem parlamentar foi efémera (1979-80). Dedicou-se depois à investigação e docência universitária. Anos mais tarde fui assistir à Universidade do Porto à sua última aula como professor. Não voltei a encontrá-lo.
Com a sua morte desapareceu um resistente anti-salazarista como poucos, um universitário zeloso que deixa obra de mérito e sobretudo uma estimável pessoa.

2. Na sua entrevista autobiográfica ao "Expresso" a propósito da atribuição do Prémio Pessoa (que António Manuel Hespanha digitalizou e se encarregou de disponibilizar na sua página pessoal na net), J. J. Gomes Canotilho recorda a personalidade de Orlando de Carvalho, «um prodígio de cultura, [que] recitava poesia em várias línguas até às tantas da manhã».
É uma justíssima invocação do intelectual - ele também professor de Direito - que tanto marcou sucessivas gerações de estudantes e de professores de Coimbra, fosse nas tertúlias do Tropical ou da Clepsidra, fosse nos múltiplos espaços por onde prodigalizou o seu talento e energia (Clube de Cinema, etc.). Além de tradutor de poetas (Ungaretti, Saint-John Perse, Lorca), era ele mesmo poeta, tendo chegado a reunir em livro a sua poesia ("Sobre a Noite e a Vida", 1985). Embora assumidamente de esquerda (além de católico praticante...), sublinhava a sua independência partidária.
Quem teve o privilégio de privar de perto com ele não pode deixá-lo cair num injusto esquecimento.

3. Na mesma entrevista, divagando sobre a sua intervenção política, Canotilho conta como nós ambos, com mais dois ou três amigos, elaborámos, em meia dúzia de dias, em sessões "non stop" em sua casa, o projecto de Constituição do PCP, a apresentar à Assembleia Constituinte, depois da eleição desta em 25 de Abril de 1975.
Entendeu-se que o projecto deveria ser ratificado pelo comité central. Canotilho e eu fomos chamados a participar na reunião convocada para o efeito. Surpreendeu-nos verificar que não eram poucos os que tinham lido o documento. O projecto passou sem reparos de maior. As poucas reservas levantadas tinham a ver com a alegada falta de expressão da "dinâmica revolucionária", entretanto criada, "a caminho do socialismo". Não foi difícil rebatê-las. O projecto era tudo menos ousado, além de razoavelmente ortodoxo. Ainda mais sumária foi a resposta à dúvida de alguém sobre a pertinência de prever expressamente a proibição absoluta da pena de morte, como constava no projecto. Aí foi Álvaro Cunhal pessoalmente a defender que o partido não deveria deixar dúvidas sobre essa matéria, que pertencia à nossa tradição liberal progressista.
Achámos que tínhamos dado boa conta da tarefa. Mas nessa altura, empenhado como estava em dinamizar o "movimento popular de massas", talvez a Constituição não fosse a principal preocupação do PCP...

Vital Moreira

sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

O que tinha de ser dito ...

... sobre o caso das cartas anónimas no processo Casa Pia foi dito com palavras apropriadamente cortantes por António José Teixeira no Jornal de Notícias.
Dois excertos:

«O procurador da República é indiferente à inclusão de cartas anónimas insultuosas nos autos. Não o precupa. Talvez concorde, se nos lembrarmos que considerou "altamente meritório" o trabalho dos magistrados do Ministério Público. Mas se assim o pensa por que não o afirma? Talvez tenha dúvidas, mas em nome da corporação não as queira assumir.
Há muito percebemos que, por razões diversas, alguns magistrados não resistem a um ajuste de contas com o poder político, de preferência com aquele que tiver menos força para lhes fazer face. Um processo complexo e doloroso como o da Casa Pia deveria estar fora dos ajustes de contas corporativos. (...)
O que se fez ao chefe de Estado foi um desconsideração inadmissível. Souto Moura não se preocupa com o bom nome do presidente no processo da Casa Pia. Parece preocupar-se com a comunicação social. Faltam caixotes do lixo no Ministério Público.»


Leia o resto na fonte original.

Entretanto, um professor da Universidade do Minho deu-me conta de ter dirtigido ao JN a seguinte carta:

«Senhor Director
Senhores Jornalistas Carlos Tomás e Tânia Laranjo:

Devemos ser exigentes em relação aos jornais que nos merecem confiança.
Ontem correu a notícia de que as cartas que referiam os nomes de Jorge Sampaio e de António Vitorino, incluiam também nomes de personalidades de outros partidos.
O JN de hoje (dia 2) nada diz sobre isso.
Não diz que as cartas revelam apenas esses dois nomes (e deveria dizer para afastar equívocos).
Nem diz porque foram excluídos os restantes nomes, se porventura também outros constavam.
Julgo ter sido claro.
Perante a dúvida de o JN estar a revelar apenas dois nomes, ocultando os restantes, o JN deveria dizer que só revelou aqueles dois porque só aqueles dois constavam (ou porque a fonte de informação só aqueles revelou) ou dizer porque não revelou os restantes (tornar claro o critério jornalístico).
Espero ter uma resposta clara, de preferência no jornal.»


De facto, esta questão necessita de resposta pronta. O ambiente está demasiado envenenado para que se mantenham desconhecidos dados importantes.

Vital Moreira

Teoria da conspiração

Uns dias antes de 2003 terminar, previ aqui que o processo Casa Pia iria acabar da pior forma possível e que o descrédito da Justiça ameaçava pôr decisivamente em causa a confiança dos cidadãos no Estado de direito. Nunca imaginei, porém, que as coisas atingissem um tal ponto de disparate, irresponsabilidade e eventual demência, como se comprova com o episódio das cartas anónimas incluídas no processo. 2004 anuncia-se, de facto, como um ano terrivelmente fatídico para a Justiça portuguesa.

A decisão do Ministério Público de divulgar cartas anónimas visando a honorabilidade Jorge Sampaio e António Vitorino não é certamente inocente, a não ser que se presuma que o procurador João Guerra personifica um caso de índole psiquiátrica e que o Procurador-Geral da República se considera irresponsável para gerir um asilo de alienados. Logo, restam apenas três objectivos: o de tornar absolutamente credível a teoria da cabala contra o Partido Socialista (quem é que falta apontar como suspeito de pedofilia entre os chamados notáveis do PS?); o de descredibilizar completamente os fundamentos do próprio processo de pedofilia e impedir que se apure a verdade e se faça justiça; finalmente, o de destruir de uma vez por todas a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça e fazer implodir o próprio sistema.

Se o procurador Guerra não ensandeceu - ou não está ensandecido desde há muito - e se o Procurador Geral da República não é uma patética figura de opereta, então é porque querem transformar este caso numa verdadeira bomba demolidora da Justiça portuguesa. Tal como diriam os adeptos da teoria da conspiração, nunca se viu, nem no mais recôndito país do Terceiro Mundo, uma situação em que os acusadores públicos aparecem como aliados objectivos perfeitos dos acusados dos crimes (e, neste caso, concretamente, dos verdadeiros pedófilos).

O episódio das cartas anónimas não é, de todo, um mero acidente burocrático (embora monstruoso e intolerável enquanto tal). Se o relacionarmos com todos os outros acidentes anteriores - e a inexistência de qualquer investigação digna desse nome, a partir dos depoimentos das testemunhas e acusadores - é imperioso concluir que a Justiça portuguesa bateu no fundo. E um país sem Justiça é um país onde não vigora o Estado de direito, um país que não pode ser levado a sério. Acredite-se ou não nas teorias da conspiração.

Vicente Jorge Silva

Feliz ano novo. Espero que não chegue a tua vez.

Ontem, alguns comentadores meteram os pés pelas mãos para tentarem criticar sem criticar a decisão do MP de incluir cartas anónimas (sem qualquer facto objectivo investigável) no processo Casa Pia. Outros foram mais directos ao assunto e mencionaram o destino devido a tais papéis. Depois de ouvir um deles (um Juiz que esteve na RTP 1), ficam-me duas perguntas por responder:

1. Se pareceria verosímil admitir que as ditas cartas servem apenas para desqualificar a investigação e lançar poeira sobre as acusações, então por que razão as juntou o MP a este processo? Não está o MP interessado em levar a sua avante e fazer condenar os arguidos que efectivamente acusou? Não é o MP, em nome das vítimas e de todos nós, o principal interessado em velar pela solidez e credibilidade da sua acusação?

2. E mais uma vez, se as referidas cartas não servem mais do que servir-se de nomes e personalidades conhecidas, onde ao boato não pega, para obscurecerem os fundamentos de outras acusações, então por que razão tais aleivosias atingem sempre pessoas estimáveis do Partido Socialista? Não seria até mais eficaz, do ponto de vista de uma suposta estratégia da defesa, espalhá-las por outros partidos, sei lá mesmo senão envolvendo o primeiro-ministro, o ministro da defesa, etc., etc.?

Seja qual for a resposta a estas perguntas intrigantes, uma certeza me fica: as cartas não são inocentes, a sua inclusão no processo não é irrelevante e o seu efeito na honorabilidade das pessoas referidas não é desprezível. É isso que me deixa também indignada. Profundamente indignada. E sobretudo preocupada: não tanto com este ou aquele processo (espero que a devido tempo a justiça desempenhe o seu papel), mas com a democracia e as suas instituições, mais uma vez tão pouco valorizadas. E antes de tudo, com as pessoas, elas mesmo. Neste início do ano, com muito humor negro e bastante arrepiada, só me ocorre desejar a alguns amigos muito queridos: feliz ano novo, espero que não chegue a tua vez.

Maria Manuel Leitão Marques

quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Indignação

"Chapadas de lama", foi assim que o Bastonário da Ordem dos Advogados qualificou com propriedade o aparecimento nos autos do processo da Casa Pia de uma carta anónima que pretende conspurcar nada menos do que o actual Presidente da República e o actual comissário português na União Europeia, para além de um depoimento que refere o actual secretário-geral do PS (como já se sabia desde há meses) e o ex-Ministro Jaime Gama do mesmo partido (como se ficou agora a saber). Veio nos jornais de hoje. A estupefacção não se fez esperar.
Mesmo que tais elementos sejam absolutamene inverosímeis e não tenham tido a mínima valoração processual, o simples facto de eles estarem no processo só pode causar a maior indignação. A honra e dignidade pessoal dos titulares de cargos políticos não pode estar à mercê da aleivosia ou da demência de qualquer sujeito que se lembre de implicar alguém num crime nefando. No caso da carta anónima, a questão é verdadeiramente revoltante, tanto mais que torna impossível fazer pagar a calúnia ao cobarde responsável por ela. Por isso causa espanto que ela tenha sido junta ao processo pelo Ministério Público. Dá para imaginar se alguém se tivesse lembrado de implicar mais meio mundo da política por meio de uma carta anónima? O PGR deve prestar contas por esta ostensiva tentativa de enlameamento dos visados.
Mas a chocante revelação das incríveis denúncias só pode enfraquecer a investigação e a acusação em geral. Parecem agora evidentes duas notas: (i) a referência a mais estes nomes mostra que afinal houve mesmo uma tentativa de assassínio político de um grande número de altos dirigentes do PS; (ii) a escandalosa inverosimilhança de tais denúncias leva a admitir que a mesma má fé pode estar também por detrás das "provas" que sustentam a acusação do deputado Paulo Pedroso, mesmo que pareçam menos atrabiliárias. Como pode alguém, depois disto, dar crédito ao que consta do processo?
Uma outra pergunta se impõe: perante esta provocação a dois eminentes titulares dos mais altos cargos políticos do País vai o primeiro-ministro manter o silêncio e a distância de "vestal" que até agora tem adoptado? E se uma caluniosa denúncia anónima tivesse incluído algum dirigente do PSD ou do Governo?
Ao contrário dos que pensam (e porventura com isso folgam) que o caso só atinge o PS (que está a passar por uma verdadeira ordália), o processo Casa Pia corre o risco de se transfromar num inquietante abalo da credibilidade das instituições políticas e judiciais. Penso que ninguém tem o direito de não se preocupar.

Vital Moreira

quarta-feira, 31 de dezembro de 2003

Leituras do ano velho para iniciar o ano novo

Gostaria de compartilhar algumas das minhas leituras preferidas dos últimos dias.

No website britânico Opendemocracy (já o tem nos seus "favoritos"?) a antiga presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Mary Robinson, expende numa cativante entrevista a sua visão sobre os direitos humanos na actualidade. A não perder por quem se interessa pela sorte do mundo.


No "New York Review of Books" Henry Siegman analisa as manigâncias de Sharon na guerra de Israel contra os palestinianos e o papel que incumbe aos Estados Unidos na matéria. Essencial para perceber o que está em jogo. Do melhor que se tem escrito sobre o assunto.

No "Público" de sábado passado o Professor Jorge Miranda critica o processo de revisão constitucional recentemente desencadeado e analisa criticamente o conteúdo dos vários projectos. Uma voz autorizada e independente. Imprescindível.

Ainda no "Público" de domingo António Barreto analisa e condena a "semi-privatização" do notariado entre nós, não pela privatização da função mas sim pela incongruência da operação, que só beneficia os notários, sem qualquer vantagem para os utentes, além de lesar as finanças públicas. Impiedoso retrato de uma «operação absurda». Digno de aplauso.

No "Diário de Notícias" de 2ª feira, grande entrevista de Eduardo Lourenço sobre ele mesmo, Portugal, a Europa e o resto.
Uma amostra: «Quais os tempos de que Eduardo Lourenço tem mais saudades?
Os que hão-de vir e onde eu não estarei»
.
Eduardo Lourenço nunca é banal. Leia o resto!


Nos intervalos dos seus artigos beatos e/ou ideologicamente arqueológicos no "Diário de Notícias", João César das Neves, pode produzir textos clarividentes e bem-humorados. É o caso do artigo de 2ª feira, a propósito do recente Congresso da Justiça, uma bem conseguida "charge" sobre os congressos profissionais, nos quais se exalta sistematicamente a importância das profissões, o zelo público dos profissionais e a culpa dos governos e dos utentes pelo mau estado do respectivo sector.

Bom proveito! E bom ano novo!

Vital Moreira

"Utentes"

A minha nota sobre os utentes dos serviços públicos suscitou alguns comentários em outros blogues, designadamente o próprio J. Pacheco Pereira e também Luis Carmelo no "Miniscente". Aqui fica o registo devido.
Também recebi um mail, que julgo que vale a pena divulgar:

«Sou leitor atento dos blogs Abrupto e Causa Nossa, que estão nos meus favoritos na pasta "blogs" por consideração intelectual pelos seus autores (e concordo com Vital Moreira que o abrupto "está cada vez mais sofisticado em termos gráficos" e acrescento que Pacheco Pereira está de parabéns pela criatividade e cuidado estético além do conteúdo e do modelo interactivo que adoptou).
Mas o que me levou a escrever este comentário foi a troca de posts entre os dois face às noções de utente e consumidor, justamente a propósito da saúde. Talvez discorde de ambos, mas vamos por partes.
No plano da utilização das referidas "comissões de utentes" , nomeadamente pelo PCP com o intuito exclusivo de aproveitamento de um canal de batalha partidária, instrumentalizando as ditas comissões, nos casos que conheço à boa maneira do PC que conhecemos. Por razões profissionais (trabalho em planeamento e desenvolvimento local) dei com casos em que as mesmas pessoas me apareceram em reuniões do sector da saúde, do sector dos transportes, etc. sempre como "representantes" da comissão de utentes do respectivo sector ou ainda de "amigos do hospital x". Não posso aqui discordar mais de Vital Moreira na medida em que não sendo "a paternidade" das comissões de utentes do PCP, aquele partido usa-as , as que pode, como terreno partidário e portanto nesse caso não são "os utentes (...) organizados em "grupos de interesse" com força suficiente para contrabalançar o peso dos sindicatos de funcionários e das ordens profissionais", até porque, muitas vezes, aquelas pessoas nem sequer são "utentes", por exemplo, de transportes públicos, mas estão ali como militantes partidários para ocupar, digamos, "tempo de antena". Ora, não é disto que o exercício da cidadania precisa, a meu ver, mas sim da participação activa dos cidadãos enquanto tal e não enquanto militantes funcionários de um partido com uma lógica que nada tem a ver com a lógica da democracia participativa onde os cidadãos, enquanto tal, exercem direitos e deveres cívicos (citizenship - no sentido de relação jurídica entre o cidadão e o Estado) mas ainda, e disso a nossa democracia é ainda mais deficitária, de uma cidadania "em acção" (citizenry). O trabalho na comunidade local (community work), onde teríamos muito a aprender com experiências locais enraízadas em culturas democráticas como as do norte da américa (EUA e Canadá).
Lá fora, para usar a expressão de Vital Moreira, não se trata de "comissões de utentes", mas sim de cidadãos que assumem na prática, em pleno, essa condição, nomeadamente ao nível territorial de proximidade aos problemas reais e à vida quotidiana dos mesmos cidadãos, isto é, ao nível das respectivas comunidades locais.
No plano dos conceitos de utente e consumidor, no modelo de sociedade e respectiva economia, em que vivemos, é enquanto consumidores que também deveremos exercer a nossa cidadania e não vejo que "venha mal ao mundo" por sermos consumidores, também de serviços públicos, e nessa condição, precisamente, sermos consumidores activos e não meros utentes passivos de um serviço que é visto como obrigação que o Estado tem em prestar aos "utentes de serviços públicos". Numa sociedade em que os cidadãos têm também deveres como contribuintes, entre outros, e aí sim, o Estado tem também deveres face a esses cidadãos, tendo preocupações sociais, nomeadamente, no sentido de conferir poder aos que dele mais afastados estão. Portanto, independentemente de estar ou não de acordo com a forma e o modelo de empresarialização dos hospitais - não é isso que se discute aqui - julgo que a ideia de menorização do nosso papel de consumidor e de valorização do nosso suposto papel de "utente" é errónea. Em primeiro lugar porque o consumidor não é um "simples consumidor", mas é, ou deveria ser cada vez mais, isso sim, um consumidor-cidadão, activo, também, e por maioria de razão, numa economia de mercado, onde o seu papel é crucial ao funcionamento da mesma. Em segundo lugar porque a lógica do consumo inevitavelmente numa sociedade que nele se baseia estendeu-se igualmente aos serviços. Certamente que consumir serviços de saúde, de educação, de cultura, não é equivalente de consumir detergentes, mas também o consumo de obras de arte não é equivalente do consumo de dentífricos, mas nem por isso todos eles deixam de ser práticas de consumo uma vez levadas a efeito no âmbito de uma economia de mercado. E sabemos bem que a produção de serviços de saúde, educação, cultura, etc. se faz, crescentemente, tendo em conta a sua mercadorização, e não vejo que, também por aí, "venha mal ao mundo", assim os critérios de concorrência que a tal obrigam sejam claros e pautados pela optimização da qualidade e excelência face à sua procura no mercado por consumidores cada vez mais informados e exigentes. O que é fundamental é que os direitos e deveres de consumidores e produtores estejam acautelados e que os cidadãos tenham, também enquanto consumidores, crescente poder. Quanto ao "utente" ele parece-me fazer parte de outra era. Justamente uma era em que o cidadão era tratado, no "guichet", como mero utente, sem direitos e apenas com obrigações de reverência face ao Estado. O ideal seria, de facto, caminharmos para uma sociedade de consumidores activos, responsáveis e com poder de exercício activo da sua cidadania. O que precisamos é da expressão organizada dos cidadãos (também como consumidores de serviços públicos e privados) e não de "utentes"...
Em prol de uma nova forma de cidadania que também passa pelos blogs, agradeço pela parte que me toca, antecipadamente, a vossa disponibilidade para o debate de ideias tão escasso no país em que vamos vivendo e apresento-vos, também por isso, os meus melhores cumprimentos "bloguistas"...
Walter Rodrigues
(Docente de Sociologia do ISCTE)»


Agradeço naturalmente esta relevante contribuição. Se houver oportunidade, poderemos voltar ao tema aqui...

VitalM

terça-feira, 30 de dezembro de 2003

O que dizem os outros

1. Imigrantes
Num post de 23 de Dezembro no "Descrédito", Pedro Sá discorda da minha posição, aqui exposta há dias, sobre o direito de voto dos imigrantes, e depois desenvolvida num artigo no Público. Mas o meu ponto de vista não visa conferir privilégios ou conceder um favor aos estrangeiros estabelecidos no nosso País. O que me move é o desejo de criar as condições para uma sociedade mais coesa e mais inclusiva entre nós. Quem beneficiará não são somente os imigrantes, mas sim todos nós. Isto nada tem a ver com desconsideração patriótica, pelo contrário, a não ser sob um ponto de vista serodiamente nacionalista.

2. "Utentes"
No seu Abrupto - cada vez mais sofisticado graficamente - J. Pacheco Pereira discorda da utilização do termo "utentes" para designar as pessoas que recorrem aos serviços de saúde. Considera mesmo "absurdo" isso.
Francamente, não percebo a condenação. O termo "utente" é desde há muito a designação corrente e oficial dos beneficiários dos serviços públicos, entre nós e lá fora. As leis da saúde estão cheias do termo "utentes". A recente lei da entidade reguladora da saúde utiliza a noção nada menos do que 13 vezes. E não é nenhuma excepção. Ao contrário do que sustenta JPP, existe uma diferença essencial entre "utente" e "consumidor", pois aquele designa justamente os que recorrem aos serviços públicos, enquanto o segundo denomina os aquisidores finais de produtos mercantis.
Diz JPP que «esta dos "utentes" e das "comissões de utentes" é puro PCP, que as usa como um prolongamento da acção política e sindical, em particular dirigida contra os hospitais privados». Creio que não tem razão nesta sumária atribuição de paternidade. Mas, ainda que assim fosse, só seria de louvar o PCP. Um dos problemas dos serviços públicos está justamente em que os utentes não estão organizados em "grupos de interesse" com força suficiente para contrabalançar o peso dos sindicatos de funcionários e das ordens profissionais. É tempo de discutir os serviços públicos em função dos utentes e não dos seus agentes. Com o processo em curso de empresarialização e gestão privada dos serviços públicos de saúde corre-se o risco de os utentes serem tratados como simples consumidores, ainda por cima desamparados. Por isso, quanto mais visibilidade tiver a expressão organizada dos utentes, melhor.

3. "Mundo português"
No blogue moçambicano "Ma-schamba", lê-se o seguinte post, que se transcreve, com a devida vénia:

«José Alberto Carvalho é locutor da televisão estatal portuguesa. Nela apresenta o telejornal. Que tenha eu reparado há pelo menos um ano e meio que termina a sua função, algo impante até, com a reclamação de que emitiram para todo "o mundo português". A primeira vez que tal ouvi nem quis acreditar. Foi-o, talvez por coincidência ou talvez não, no momento da conferência de chefes de Estado do CPLP no Brasil. Acredito que entusiasmado por tão magno acontecimento se lembrou ele (ou o editor) de tal expressão: "o mundo português". Terá sido o "inconsciente colectivo"nele(s) brotado, ali a querer apagar a história?
Claro que os mais letrados se podem lembrar de Freyre e do seu "mundo que o português criou". Mas Freyre pode ser lido e relido, e sempre como homem do seu tempo, e arguto, que o caminho dele era bem mais complexo do que lho quiseram dar. E deste Carvalho duvido que leia Freyre, pelo menos com olhos de ler. E duvido ainda mais que seja homem do seu (nosso) tempo. Daí que este "mundo português" do qual se despede, impante repito, todas aquelas noites é-lhe decerto mais parecido com aquele império que se expôs em 1940.
É Carvalho um reaccionário, um saudosista, um revanchista? A querer mudar a história com a sua pequena retoricazita? Não o creio, acho mesmo que é apenas um ignorante e nem tem consciência do que diz. De que é emitido, e por via de acordos entre Estados, para os países africanos que não se consideram "mundo português". E que não o são. (Para bem de todos nós, diga-se.) E países onde tal afirmação constantemente repetida na nossa televisão estatal só pode criar desnecessários anti-corpos, resmungos, mal-estar: pois água dura em pedra mole ...
Má vontade minha com um pequeno pormenor? Um episódio ridículo do corropio de ignorância, bem sonora a televisiva? Não acho. Trata-se da televisão pública, da informação estatal. Pode não ser a voz do dono (e francamente acho que não o é, já a vi bem mais seguidista), mas no estrangeiro representa o poder, a sociedade. Percepção que se reforça, naturalmente, em países onde a informação é ainda mais dependente do poder político do que a nossa o é, o que molda a visão que têm das outras.»


O forma poderia ser mais cuidada, mas o argumento está bem colocado e é procedente.

Vital Moreira

Blogposts nocturnos (3)

1. O indulto presidencial
O indulto presidencial (uma pequena redução da pena) conferido à enfermeira que foi condenada há anos por prática de abortos ilegais, no célebre caso da Maia, foi criticado pelo CDS-PP - que tem dado ao Governo uma marca ideológica caracteristicamente de direita-, argumentando que o PR dá um «mau sinal» no momento em que se discute de novo a questão da despenalização do aborto.
Mas o argumento de que o Presidente teria querido favorecer a posição despenalizadora não faz muito sentido, pois, como já foi assinalado por alguns comentadores, o Presidente indultou pessoas condenadas por vários outros crimes, sem que isso possa ser interpretado no sentido de favorecer a respectiva despenalização. Mas, ainda que fosse esse o seu propósito, o PR está no seu pleno direito de enviar as mensagens que entenda nesta matéria.
O que é totalmente descabido é considerar, a este propósito, que «certos aspectos da democracia causam urticária a este PR», como se lê surpreendentemente no "Mar Salgado" . Ele há afirmações verdadeiramente infelizes...

2. As contradições de Saraiva
A trivial (e errada) teoria instrumental do director do "Expresso" (link indisponível) - segundo a qual a penalização do aborto não tem por objectivo punir mas sim prevenir o aborto - tem duas óbvias ilações: primeiro, quanto mais severa for a penalização, maior será a prevenção; segundo, a penalização supre a falta dos demais mecanismos de prevenção (educação sexual, etc.). E se a realidade desmente a teoria, demita-se a realidade...
Defendendo a penalização, ainda que somente pelos seus efeitos dissuasores, J. A. Saraiva não tem sequer a vantagem da coerência sobre muitos outros defensores do "status quo", que tal como ele incorrem no contra-senso de rejeitar a despenalização protestando logo depois que não querem ver as mulheres condenadas por aborto. É preciso ler para se acreditar: «Finalmente, é necessário ter em conta que uma coisa é a lei e outra a aplicação da lei. (...) Ninguém, entre os que defendem a despenalização e os que não aceitam, quer que as mulheres que abortam sejam condenadas».
Mas como é que se pode defender a criminalização e depois desejar a impunidade? E como é que a penalização poderia ter efeitos preventivos, se não houvesse punição? É logicamente evidente que quem não quer a condenação não pode defender a penalização. E, vice-versa, que quem se opõe à despenalização não pode não querer a condenação.

3. A desregulação da saúde
A investigação do "Público" sobre a situação das clínicas privadas entre nós não podia ser mais inquietante. A maior parte delas não se encontram licenciadas, como exige a lei, e as necessárias inspecções não têm sido feitas. Num sector essencial e melindroso, como os cuidados de saúde, reina há muito a anomia e um mercado sem qualquer regulação. Esta situação só pode reverter contra os utentes.
São seguramente os interesses apostados em preservar esta situação que se têm manifestado contra a extensão dos poderes da nova entidade reguladora da saúde (ERS) ao sector privado e social, para garantir os direitos dos utentes e o cumprimento das regras de qualidade e de segurança. Seria muito interessante investigar as ligações entre os críticos da ERS e os interesses das clínicas privadas...

4. Centros de decisão nacional (CDN)
Não é preciso ser marxista ou ter sido influenciado pelo pensamento marxista para considerar que com as alavancas da economia dominadas pelo capital estrangeiro não existe verdadeira soberania nacional. Por isso é importante o alerta de Artur Santos Silva, o prestigiado presidente do BPI, numa entrevista no "Jornal de Notícias", do Porto, chamando a atenção para o perigo das crescentes transferências do centros de decisão económica nacionais para Espanha.
Dois excertos:
«(...) é desígnio nacional de primeira importância o de conservarmos em mãos portuguesas o controlo das principais empresas nacionais».
«Há muitas empresas portuguesas que têm sido compradas por interesses espanhóis. Não conheço nenhum país da Europa em que haja no sistema financeiro tanta influência de um país como a Espanha tem em Portugal.»
A ler com a preocupação que o tema merece e a justa autoridade do seu autor justifica.

5. "Socialistas católicos"
Sempre que o PS toma oficialmente alguma posição divergente em relação aos interesses ou posições da Igreja Católica, é inevitável o aparecimento de um comunicado de um tal grupo de "jovens socialistas católicos", a criticar a orientação do Partido. Assim sucedeu agora mais uma vez a propósito da despenalização do aborto. Aparentemente, não se trata de uma quinta coluna do Patriarcado no Largo do Rato, nem de uma solerte receita interna para dar uma no cravo e outra na ferradura, de modo a contentar todas as "constituencies"...
É mais do que natural que haja muitos católicos nas fileiras do PS, um partido claramente "transversal" sob o ponto de vista sociológico, religioso, etc. O que é menos evidente é a pertinência de uma tendência organizada de invocação explicitamente religiosa num partido tradicionalmente e oficialmente laico, que por isso mesmo pode ter de adoptar posições discrepantes com os pontos de vista confessionais (separação das Igrejas e do Estado, aconfessionalidade da escola pública, despenalização do aborto, etc.). Seria de esperar que o PS tivesse aprendido a lição da falta de zelo laico do seu anterior secretário-geral e primeiro-ministro em algumas dessas questões.
Para além disso, se o PS admite a organização de uma tendência católica no seu seio, com exteriorização de opiniões próprias nessa qualidade, não se vê como poderá no futuro não consentir igualmente tendências evangélicas, judaicas, muçulmanas, etc. Não é difícil antecipar o grau de coesão política e doutrinária de um partido assim...

Vital Moreira

The Great Pretender

Já conversei com muita gente que se opõe à despenalização do aborto. Conheço os seus argumentos. A maior parte das vezes, deve dizer-se, a oposição nem sequer é à despenalização, mas sim ao aborto, ele mesmo, o que é totalmente diferente. Mas há efectivamente quem entenda que o aborto deve ser crime e punido como tal, incluindo com a prisão. Mesmo assim, uma argumentação pró-penalização como a que desenvolveu esta semana José António Saraiva no seu editorial no Expresso confesso que nunca tinha visto escrita. Deixou-me sem palavras. Fugiram-me os argumentos. Em suma, rendi-me!

E eu que há anos me preocupo com o modo de resolver o excesso de dívidas no sistema judicial vi-me, de repente, perante a solução. Re-criminalizem-se! Assim daremos um sinal aos milhares de devedores de contas à TV Cabo, prémios de seguros e telemóveis. E depois, caros Juízes, aos poucos que, mesmo assim, perante sinal tão forte, ousarem prevaricar, obviamente absolvam-nos ou melhor: esqueçam-se do processo debaixo da secretária. (Mesmo os mais cumpridores dos cidadãos não entenderiam, é claro, que se mandasse alguém para a prisão por causa de dívidas!).

Eduardo Prado Coelho defendeu que esta proposta de JAS não passava de um delírio semafórico. Cá para mim, não percebeu que assim ficamos todos felizes: abortar é crime, mas só no papel. No tribunal, não é. Mais ou menos como os impostos para certos contribuintes: devem pagar-se, mas não se pagam e depois -, depois não lhes acontece nada.

Uma magnífica solução esta do 'faz de conta', sobretudo vinda de quem, como JAS, se diz preocupado com a crise de valores! (Fico a pensar no que proporia, se não estivesse). Merece o prémio de Grande Fingidor.

Maria Manuel Leitão Marques

segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

Resposta ao Pedro Mexia

Sabes que tenho de ti a ideia de um homem livre. Isso parece-me o essencial, o resto é mais ou menos acessório. Mesmo que o resto passe por um mundo de diferenças ideológicas e culturais. Os meus companheiros neste blog reconhecem nas tuas opiniões, talvez com uma ou outra reticência ou desconhecimento, as marcas dessa liberdade. Que, na minha opinião, não é um valor estritamente de esquerda. Posto isto, a nossa pequena polémica. Isto é: sobre a tua resposta ao meu texto do passado 17 de Dezembro gostaria de dizer algumas coisas.
O teu texto relativiza as coisas de uma forma tão surpreendentemente excessiva que acabou por me soar a falso. Não que o que lá vem seja inverdade, mas porque não acredito que percas horas e horas do teu tempo apenas para desabafar convicções e lamentos pessoais. É verdade que os blogs têm a importância que têm, como em boa verdade tudo o resto. Aquilo que escreves no Dicionário do Diabo não são desabafos do teu diário, são antes de mais ideias, convicções e raivas que queres partihar com o maior número de pessoas que te for possível alcançar. É uma forma de poder como outra qualquer e, caro Pedro, nunca me viste dizer que os blogs chegam a muita gente. Creio que chego a utilizar a expressão pequena comunidade intelectual. Teres quase mil leitores por dia, quase mil pessoas que lêem o que pensas sobre as tuas raparigas distantes ou a economia de mercado é um número mais do que suficiente enquanto pequeno espaço de poder e de referência numa pequena comunidade... Que é, aliás, a pequena comunidade em que te moves/nos movemos. É essa que nos interessa, são esses os holofotes de que falo, é dessa vaidade natural que quase todos renegamos e que todos acabamos por querer tocar. Também não é nada de especial, quando falo de holofotes falo da necessidade de ser ouvido, lido, olhado, falo da terrível necessidade de ser amado, de deixar uma marca no futuro.
No meu texto provocatório escolhi pessoas que levam a sério este princípio de luta. E, sobretudo, pessoas que através dos blogs encontraram uma forma de expressão e de poder capaz de lhes garantir alguma visibilidade e alguns adeptos.
Falas da intimidade. E misturas, como o Daniel Oliveira, as minhas opiniões com pretensos ataques ao documentário e livro que fiz com o meu pai. Não pretendo justificar rigorosamente nada, até porque as opiniões podem ser positivas ou negativas, mas por dentro as minhas urgências são, para o bem e para o mal, as minhas e não as dos outros. De qualquer forma, o documentário sobre o meu pai não é um filme sobre a minha intimidade. Não se pode fazer algo de íntimo quando não se conhece o outro, quando o outro viveu uma vida que não conheci, quando o outro nunca fez parte das minhas prioridades e do meu espaço. Achei que o facto de o "personagem" ser meu pai poderia tornar-se, claramente, uma mais valia para falar de algumas ideias que me interessam muito no cinema, teatro ou no próprio jornalismo: a ausência, o heroísmo do looser, a encenação manipulatória do real, a provocação do olhar e das regras estabelecidas. Estou arrependido de o ter feito, mas por outros motivos completamente diferentes.
Falas dos ataques na blogosfera para provar que este "submundo virtual" pode ser muito desagradável. Não acredito que dês importância às críticas que te fazem, críticas obviamente que passem as fronteiras da indigência. É que não têm mesmo importância nenhuma.
Não concordo contigo sobre a questão de as pessoas dizerem coisas diferentes conforme o suporte onde estão inseridas. Evidentemente todos somos utilizadores de máscaras, mas dizer coisas diferentes em contextos diferentes parece-me contraditório com tudo o que julgo seres. O que podes fazer é escrever tendo em conta os objectivos específicos de cada trabalho, mas os objectivos específicos de cada trabalho não ferem o fundamento da coerência que deve ser o suporte de que és feito por dentro. Não consigo desligar a crítica que fazes ao José Saramago no DN com os textos sobre as meninas distantes no teu blog, ou com as tuas opiniões quando participas em debates. Um bom ano do

Luís Osório

domingo, 28 de dezembro de 2003

Coimbra desencantada

1. Coimbra capital
Encerrou oficialmente o programa de "Coimbra - Capital Nacional da Cultura", uma iniciativa do precedente Governo Socialista que o actual Governo PSD-PP não enjeitou. Foi um importante acontecimento. Coimbra não era capital de nada (para além de "capital do amor em Portugal", como diz a canção) desde que, no início da nacionalidade (D. Afonso II ?), a corte mudou para Lisboa, deixando para trás o palácio real da alcáçova coimbrã, que no entanto só seria doado à Universidade em 1537.
Sem ser deslumbrante, o programa não deslustrou. Mostrou capacidade de organização e gestão a nível local e regional, trouxe à luz do dia um património artístico mal conhecido, atraiu novos públicos para iniciativas culturais, revelou ou confirmou agentes culturais locais, deixou numerosas publicações valiosas (conferências, actas de colóquios, catálogos de exposições, etc.), proporcionou a abertura de novos espaços, embora não construídos em vista do programa da "Capital da Cultura".
Oxalá que alguns dos eventos possam ser institucionalizados doravante como elementos permanentes da programação cultural da cidade, como, por exemplo, a feira do património ou a "Coimbra vibra", porventura o êxito mais popular do programa.

2. Coimbra e Lisboa
Como cidade universitária sem capacidade de absorção dos quadros que ela forma, Coimbra exporta grande parte dos graduados que saem da sua universidade. A maior parte deles ruma naturalmente para a capital. Como é próprio das universidades tradicionais, muitos dos antigos estudantes de Coimbra mantêm uma forte ligação afectiva à cidade, mesmo quando não é a sua terra natal. Recentemente, no blogue Mar Salgado, com forte peso de "coimbrinhas" emigrados, dois deles vieram exprimir os seus sentimentos em relação a Lisboa. Enquanto Vasco Lobo Xavier, agora no Porto, exterioriza a sua animosidade contra Lisboa, Nuno Mota Pinto, por sua vez, manifesta as suas saudades da capital do reino, revendo-se num poema elegíaco de António Botto. Nisto não há défice de pluralismo ...

3. Os políticos e os cientistas
Na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra foi justamente festejada a atribuição do prémio Pessoa ao professor J. J. Gomes Canotilho, personalidade ilustre e orgulho da Casa. Não faltou quem extrapolasse o significado do prémio. Depois da jactância do Primeiro-Ministro, gabando-se do monopólio de licenciados pela Faculdade de Direito de Lisboa nos mais altos cargos do poder, houve quem observasse, parafraseando Max Weber, que enquanto Lisboa forma políticos Coimbra forma cientistas...

Vital Moreira

sábado, 27 de dezembro de 2003

Causas do quotidiano (por causa do telemóvel)

Ninguém duvida que os telemóveis nos facilitaram enormemente a comunicação à distância, revolucionando os nossos comportamentos nesse domínio. Importa agora assegurar que essa revolução não destrua a tão preciosa comunicação de proximidade.

Todos nós tivemos de aprender pequenas regras de bom comportamento como a de não cantar à mesa, estar calado no cinema, não telefonar aos amigos às horas das refeições, não ver televisão durante o jantar, etc. etc. Por razões óbvias, nenhuma delas inclui o modo de utilizar telemóvel, mas devidamente adaptadas talvez sirvam para esse efeito.

Inspirada pelos horrores presenciados no jantar deste Natal, sugiro sete mandamentos, reservando mais três para a vossa imaginação:
1. Não convidarás o telemóvel para a ceia de Natal e só lhe permitirás entrar na sala depois de abertos todos os presentes
2. Não comerás o telemóvel, quero dizer, com o telemóvel
3. Não farás da mesa de jantar uma caixa de correio
4. Não dormirás com o telemóvel na cama ou na mesa-de-cabeceira
5. Não deixarás o telemóvel (por muito grande que seja a tentação) interromper gratuitamente uma conversa entre amigos, manifestar-se no cinema ou mesmo perturbar a mais aborrecida das conferências
6. Não farás do telemóvel o teu instrumento exclusivo de lazer
7. Nunca te esquecerás que o telemóvel, afinal, é apenas um telefone e não o teu bebé acabado de nascer!


Mesmo sendo uma causa muito particular, esta é uma causa que vale a pena discutir, ainda que prevenindo os interessados que muito provavelmente será uma causa perdida!

Maria Manuel Leitão Marques

Saudades de Goa (um post com sabor a rabanada)

Na estrada para o Forte de Aguada, em Goa, há uma loja muito atraente com o inesperado nome de "Saudades"
.
Aí se encontra mobiliário indo-português numa antiga moradia com entrada colunada. Se estivesse em Goa, compraria lá o meu presente de Natal.
E no dia 25 de manhã, subiria ao miradouro da capela de Nossa Senhora do Monte, magnificamente recuperada pela Fundação Oriente. De lá se avistam as igrejas brancas de Velha Goa meio afundadas no palmar. Adormecida pela serena contemplação que o lugar tanto proporciona, quem sabe se não veria Siva cair do céu (ou emergir do Mandovi) com o Menino Jesus ao colo. Cá em baixo à sua espera, no jardim em frente à Sé, estariam com certeza mulheres de saris bordados e homens de camisa branca, enfeitados com colares de flores como os dos templos hindus. Assim os encontrei a todos na festa de S. Francisco Xavier, no dia 3 de Dezembro, misturando cultos, crenças e tradições como gostaríamos que sempre acontecesse. Neste Natal, tive saudades de Goa por tudo isto e muito mais.

Maria Manuel Leitão Marques

Excelências

Ou me engano muito - mas, infelizmente, temo que neste caso o risco de engano é cada vez menor - ou o processo Casa Pia vai acabar da pior forma possível. Sem apuramento da verdade dos factos, sem condenação dos culpados e sem absolvição efectiva dos arguidos cuja presunção de inocência foi transformada em presunção de culpa. Se tudo isto acontecer, também as vítimas dos abusos sexuais não verão reparada a ofensa monstruosa que as atingiu na carne e no espírito. E o descrédito da Justiça atingirá um ponto tal que ameaça pôr decisivamente em causa a confiança dos cidadãos no Estado de direito.
As sucessivas tropelias do Ministério Público e do juiz de instrução parecem não ter fim e, ainda agora, continuam a não ser respeitadas as normas impostas pelo Tribunal da Relação no sentido de os arguidos serem informados concretamente dos crimes que lhes são imputados. O entendimento que o procurador João Guerra e o juiz Rui Teixeira têm dos direitos constitucionais resume-se a uma abstracção kafkiana.
Enquanto tudo isto se passa, não faltam, porém, outros motivos de espanto. Numa entrevista à revista Visão, o advogado do embaixador Ritto, Rodrigo Santiago, conta que por pouco não chegou a vias de facto com o juiz Rui Teixeira. Este teria percebido (mal) que o advogado não lhe chamara "Vossa excelência" mas apenas "você" e acusou Santiago de ser "malcriado". O advogado ripostou-lhe na mesma moeda e seguiu-se uma cena de berraria que, por um triz, não descambou em troca de argumentos físicos, segundo a versão de Santiago.
Já se sabia que vivíamos num país de dinossauros excelentíssimos, mas quando as coisas atingem este nível patético de ridículo institucional nas relações entre pessoas civilizadas, que nos resta senão regressar à selva? Talvez aí as nossas empertigadas excelências encontrem o seu elemento natural.
Vicente Jorge Silva

As torres de Alcântara

Ei-la instalada e lamentavelmente politizada, a polémica dos "arranha-céus de Alcântara". Com a excepção de Miguel Sousa Tavares, a cuja opinião livre e conhecedora não se poderão assacar intuitos desonestos, o que se prefigura é uma batalha tonta e sectária onde a causa da cidade e os interesses dos lisboetas serão sacrificados em prol das conveniências tácticas dos políticos alfacinhas.
Nunca tínhamos visto uma campanha de outdoors, paga com dinheiros municipais, para contrariar a putativa argumentação dos opositores a um dado projecto. Nesta matéria, Santana Lopes faz do erário municipal um uso mais do que duvidoso à luz da transparência, da ética e do rigor. Também não é certo que os seus detractores sejam mais escrupulosos.
Tal como abracei a causa da FLOPES e de qualquer outra que se proponha elevar Lisboa à condição de cidade - ordenada, bonita e solidária -, manifesto o meu apoio ao projecto das torres de Alcântara.
Não me choca a altura, desde que enquadrada num tecido urbano e numa malha arquitectónica coerente. Prefiro uma Alcântara com menos edifícios e mais espaço circundante, desde que a estética satisfaça. Prefiro três torres de Siza Vieira a uma qualquer urbanização densa, em "condomínio fechado", igual às do Barreiro ou do Cacém, sem zonas verdes, sem originalidade, sem espaço de circulação, sem ligação à cidade.
Não receio pelas questões "técnicas" e hortícolas invocadas pelo arqº Ribeiro Teles. Afinal, não há nada pior que o actual estado de impermeabilização dos terrenos de Alcântara, nem se adivinha nenhuma solução "ecológica" capaz de contentar os interesses de todos. Não receio pelo prejuízo estético para as gentes de Alcântara. Pelo contrário. Tal como se apresenta, o jogo das três torres só valoriza o velho bairro, acrescentando-lhe beleza e atributos. Acredito no arrojo e na qualidade.
Ninguém quer Lisboa transformada em Kuala-Lumpur, mas a perspectiva de uma cidade pequeno-burguesa, sem ambição nem arrojo, conformada com a sua (questionável) aura do passado, não me seduz.

Luís Nazaré

quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

Histórias edificantes

Antigos aliados
No Independent de Londres lê-se que no tempo do Presidente Reagan, quando os Estados Unidos apoiavam o Iraque na sua guerra contra o Irão, o actual ministro da defesa de Bush, Rumsfeld, foi enviado a Bagdad para manifestar o apoio a Saddam, mesmo depois de este ter usado armas químicas em larga escala. Vale a pena ler. Os documentos agora revelados, em que se baseia a notícia, confirmam outros dados que já eram do conhecimento público sobre as relações dilectas entre os dois governos.
Percebe-se agora melhor por que é que os Estados Unidos se apressaram a defender que Saddam deve ser julgado rapidamente no Iraque por um tribunal ad hoc montado pelo governo instalado pelas forças de ocupação, e não por um tribunal internacional isento. É evidente que desse modo há muito menos riscos de virem à luz esta e outras histórias sórdidas da primitiva amizade entre a Casa Branca e a ditadura de Bagdad...

Terrorismo inverso
Noticia o Público, citando fontes israelitas, que vários elementos de uma unidade de elite do exército israelita anunciaram a sua recusa em participarem nas operações de 'contra-terrorismo' nos territórios palestinianos ocupados, por entenderem não dever continuar a ser responsáveis por 'um regime de opressão que espezinha os direitos de milhões de palestinianos'.
As acções de verdadeiro terrorismo das forças de ocupação israelitas só não as vê quem só quer ver as dos extremistas palestinianos. Ainda ontem uma operação matou 8 palestinianos e fez arrasar por bulldozer várias casas. Enquanto a violência palestiniana é da responsabilidade de grupos 'irregulares', com a condenação da Autoridade palestiniana, a violência israelita é uma deliberada política oficial do Governo, levada a cabo por forças militares regulares (embora secundadas ocasionalmente por milícias de colonos israelitas).
Não é por acaso que Israel, tal como os Estados Unidos, rejeitou a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Muito provavelmente os seus dirigentes políticos e militares poderiam vir a ser acusados de crimes contra a humanidade.