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quarta-feira, 16 de abril de 2025

Manifesto dos 50 pela reforma da Justiça (11): O Ministério Público não tem emenda

Será que basta um denúncia anónima, sem nenhum indício conhecido, para que o Ministério Público inicie uma suposta "averiguação preventiva" contra o líder de um partido (neste caso, o líder do PS) e a anuncie publicamente em pleno debate eleitoral, sabendo que isso vai causar automaticamente especulações sobre a integridade do visado e prejudicar a sua campanha?

Para além da falta de base legal - que criminalistas credenciados contestam (como se pode ver convincentemente AQUI) -, será que o PGR não se dá conta de que, ao entrar por aí, utilizando seletivamente esse mecanismo, abre a porta a denúncias oportunistas, sem nenhuma relevância penal, como arma letal de combate eleitoral, hoje contra o líder do PS, e amanhã contra qualquer outro? 

Decididamente, o MP não tem emenda, nem um módico de prudência, na sua tentação de instrumentalização da investigação penal para efeitos de perseguição política.

domingo, 30 de março de 2025

O que o Presidente não deve fazer (55): A cumplicidade do silêncio

1. Se há uma marca do atual Presidente da República que vai ficar para a posteridade, é a de "Presidente-falante", tão nutrida tem sido sido a torrente das suas intervenções públicas, muitas delas de puro comentário político - papel que, porém, não integra as funções presidenciais -, em manifesto contraste com os seus antecessores, que nesse aspeto deixaram um registo geral entre a contida moderação (como Soares e Sampaio) e o austero recato (como Eanes e Cavaco Silva), o qual, a meu ver, é bastante mais conforme com o perfil constitucional de "poder neutro" e de "garante das instituições" do inquilino de Belém, como tenho defendido nos artigos desta série.

Há, todavia, situações em que a palavra presidencial se impõe, nomeadamente quando está em causa a infração pelo Governo das suas obrigações de conduta institucional, que não podem ser deixadas em silêncio pelo PR, sob pena de cumplicidade, por falha na sua missão constitucional de supervisão do funcionamento regular das instituições. Nessas situações, a loquacidade habitual de MRS torna esse silêncio ainda mais gritante.

2. Tal é o que sucede com o surpreendente silêncio presidencial sobre a notícia de que o Governo, demitido já há duas semanas, apresentou publicamente na sexta-feira passada, dia 28, às câmaras municipais de ambas as margens do Tejo em Lisboa um grandioso e pormenorizado projeto de investimento público de infraestruturas e de habitação, pomposamente chamado "Parque Cidades do Tejo", incluindo o investimento estimado para cada capítulo, no valor total de muitos milhares de milhões de euros.

Não está em causa aqui, obviamente, a crítica política do megalómano projeto de investimento público para a capital do País - que inclui uma nova travessia do rio, subaquática  - , em violação clara da obrigação constitucional de «promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional» (citando o art. 9º da CRP, sobre as "tarefas fundamentais do Estado"), confirmando o Governo Montenegro como Governo de Lisboa, e não do País, que deixa umas migalhas para a "província", sacrificando ostensivamente a "coesão territorial" (outro conceito constitucional, como se pode ler no art. 81º da CRP). 

Mas essa crítica política da ação governamental deve ser evidentemente assumida pela oposição, e não diretamente pelo PR, apesar da sua prática corrente de comentador político

3. O que é manifestamente do pelouro do PR é a ostensiva violação pelo Governo, com a referida iniciativa, de dois limites constitucionais claros, a saber: (i) a restrição de poderes dos governos demitidos, que só podem praticar os «atos estritamente necessários» à gestão dos negócios públicos (art. 186º, nº 5, da CRP) e (ii) a imparcialidade política das entidades públicas - incluindo, portanto, o Governo - na pendência de atos eleitorais (art. 113º da CRP).

Ora, não se vê porque é que aquele megaprojeto tinha de ser anunciado agora aos beneficiários e não podia esperar pelo novo Governo saído das eleições - até porque não pode avançar na sua concretização -, salvo obviamente para favorecer as candidaturas da AD nas eleições parlamentares de maio e nas eleições autárquicas do outono. Claro abuso de poder, portanto.

Que o Governo de Montenegro não tenha escrúpulos em sede de moral política, já nos vamos habituando, mas o PR não pode ser conivente com ele, quando está em causa também uma dupla violação das obrigações institucionais daquele -, o que, de resto, não é a primeira vez que denuncio. Por isso, MRS deve interromper o silêncio que se impôs como "comentador político", por causa das eleições, justamente porque há uma situação que reclama a sua intervenção a outro título bem mais importante, como garante do regular funcionamento das instituições

Adenda
Na sua página do Facebook, Neto Brandão, deputado por Aveiro (PS), protesta, com toda a razão, contra o facto de o próprio PM, que já anunciou a sua candidatura à AR por esse distrito, ir inaugurar hoje, dia 30, três USF nesse distrito, aliás já abertos há tempo, comentando ser óbvio que não se trata de nenhum ato "estritamente necessário" ao seu funcionamento e que, portanto, as cerimónias só podem ser entendidas por aquilo que são, ou seja, «como despudoradas ações de pré-campanha eleitoral». Com efeito, além do abuso de poder, é uma rasteira instrumentalização política do cargo para efeitos eleitorais!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Não vale tudo (14): O Primeiro-Ministro em causa

1. Não tendo sido desmentida, a notícia do Expresso de hoje, segundo a qual a "empresa fimiliar" do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, continua a receber uma transferência mensal de 4.500 euros por mês, por uma "avença" do Casino da Costa Verde, pode ser fatal. Na hipótese menos má, pode tratar-se de remuneração de serviços, em violação óbvia da regra do exclusividade dos cargos governamentais; na pior, poderia tratar-se de um pagamento de favor da empresa concessionária, à espera de retribuição política do Governo, configurando, portanto, um caso de corrupção preventiva. 

Mesmo na hipótese menos grave, parece evidente que a tal empresa familiar de Montengro - que tem como contacto o número de telemóvel pessoal do Primeiro-Ministro e na qual nenhum dos outros familiares (ou seja, a mulher e os filhos) tem competências profissionais para a consultoria em causa (proteção de dados, etc.), como se argumenta aqui -, pode não passar de um mecanismo fraudulento, que é corrente entre os profissionais liberais, para fugirem ao IRS (substituindo-o pelo IRC, com taxas muito mais baixas), descontarem as despesas domésticas e obterem a devolução do IVA nas suas aquisições (incluindo serviços e produtos domésticos...).  

Só que o PM não é um profissional qualquer, não podendo incorrer em tais esquemas de fuga ao fisco e de instrumentalização de fictícias "sociedades familiares" para efeitos fiscais, além da possível violação da regra da exclusividade profissional dos governantes.

2. Nesta situação, se o PM não tomar a iniciativa pessoal de esclarecer cabalmente estas questões, é obrigatório que ele peça à Autoridade Tributária um relatório sobre as contas da suposta sociedade, para verificar :(i) que houve efetivamente serviços prestados nestes meses ao Casino de Espinho e outros clientes, com as devidas faturas, (ii) que o prestador de tais serviços não foi pessoalmente o PM, ou seus delegatários pessoais, e (iii) que os encargos da empresa não incluem despesas familiares.

A confirmarem-se as gritantes suspeitas levantadas para referida notícia, tratar-se-ia da mais grave situação de má conduta institucional de um PM neste meio século de democracia, em termos de conflito de interesses, que poderia preencher a figura do "irregular funcionamento das instituições", que permite ao PR excecionalmente a demissão direta do PM. 

Não tenho dúvidas de que, se se tratasse de um PM do PS, o PSD e o comentariado que lhe é afeto, já estariam a reclamar a sua imediata demissão. E, na falta de defesa convincente, teriam toda a razão!

Adenda
Um leitor argumenta que, perante este exemplo, a antigo ministro do PS, Manuel Pinho, «bem poderia ter evitado a prisão, se tivesse inventado uma empresa familiar com sua mulher e uma avença com o BES, para ser a empresa a receber aquilo que tontamente recebeu por debaixo da mesa». O que penso é que quem aceita desempenhar cargos políticos não pode continuar a beneficiar das "habilidades" que o Fisco e a sociedade perdoam aos cidadãos comuns, mas que não são compatíveis com as responsabilidades de um governante, segundo a ética republicana e a integridade política num Estado de direito democrático.

Adenda (2)
Há quem entenda que a solução está em Montenegro «afastar-se totalmente da Spinummviva», a tal empresa familiar, como sugere o Público. Porém, por um lado, isso não poderia amnistiar a irregular situação passada, nem suprimir as vantagens até aqui recebidas das tais "avenças"; por outro lado, não se vê como é que o PM se pode separar da empresa, se ele é verdadeiramente a empresa, pois não se vê como é que ela existiria ou teria algum cliente sem ele

Adenda 3
«E se Montenegro se demitisse, o que se seguiria?» No meu entender, dadas as circuntâncias, o PR não poderia recusar a demissão, mas deveria convidar o PSD a tentar formar novo Governo com outro PM. Existe, porém, uma dificuldade, que é o facto de há pouco mais de um ano, aquando da autodemissão de António Costa, por causa do celerado comunicado da então PGR no caso Influencer, o PR não aceitou a proposta do PS de constituição de novo Governo, preferindo a dissolução da AR, de que resultou o afastamento do PS do Governo. Tendo eu criticado na altura essa decisão, continuo a pensar que a autodemissão do PM não justifica a antecipação de eleições parlamentares, se houver condições para formar novo governo no quadro parlamentar existente, mas não sei como que MRS iria emendar a mão, só por se tratar do seu partido...

Adenda 4
Muito «zangado com os comentadores», um leitor acha que é preciso «chamar os bois pelo nome, [que] a Spinum viva é um pseudónimo de Montenegro, [que] os clientes dela são clientes seus e os empregados dela são empregados seus e [que] o resto é gozar com o pagode». Descontando a linguagem despejada, não vejo como se pode contrariar o argumento.

Adenda 5
Penso que tem razão o leitor que alerta para o facto de que «o único partido que ganha com situações comprometedoras como estas, é o Chega». Sim, como é sabido, a extrema-direita populista alimenta-se do desprestígio da "classe política", e situações como estas só o agravam.

Adenda 6 (1/3)
A declaração do PM de hoje, sábado, negando qualquer conduta errada, assenta num enorme farisaísmo. Todo e qualquer profissional (médico, professor, empresário) sabe que tem de suspender a sua atividade ao assumir funções governamentais, que são exclusivas, mas o advogado Montenegro descobriu que, antes de suspender a sua carteira da Ordem, podia constituir uma "sociedade" de consultoria com mulher e filhos, nenhum deles advogado - que obviamente não passava de um pseudónimo ou alter ego seu -, a quem trespassar os seus principais clientes de advogado, para continuar a beneficiar dos respetivos pagamentos, no valor de muitos milhares de euros, aliás com menos encargos fiscais, em acumulação com a remuneração de PM. Como estratagema para fugir à regra da exclusividade, pode parecer brilhante -, mas não é sério

Adenda 7
Quando as condições económicas e sociais são favoráveis ao Governo, como é o caso (cortesia da herança deixada pelo PS...), ele pode dar-se ao luxo de uma "fuga para a frente" e de provocar as oposições. Mais uma vez, o PS não pode "esquentar" e ir na provocação.

Adenda 8
Ao apresentar uma moção de censura - que não vai ser aprovada -, o PCP veio proporcionar a Montenegro uma saída para a sua falsa ameaça de abertura de uma crise política, pois a rejeição da censura vai servir-lhe para dizer que "não perdeu" a confiança do parlamento, dispensando-se, por isso, de apresentar uma moção de confiança, que levaria à sua demissão. Mas não vejo como é que, depois da encenação de baixo nível de hoje como "vítima" de um conspiração geral contra ele, vai poder recuperar a confiança de quem não pode "engolir" a sua novela de baixo quilate para tentar negar a evidência de PM "avençado" durante todo este tempo. A sua reputação fica indelevelmente manchada. Não se pode brincar impunemente com os cidadãos!

Adenda 9
É deprimente ver em três canais de televisão outros tantos ministros a defenderem, sem nenhuma convicção, como "frete" de serviço, a verdadeira miséria moral das "avenças" do seu PM, via uma suposta empresa familiar. A ética republicana está de luto.

Adenda 10
Montenegro assegurou que não vai intervir pessoalmente na decisão governamental sobre a renovação das concessões de jogo, em que a Solverde é obviamente parte interessada. Mas alguém acredita que, depois de ontem terem sido amestradamente arregimentados, primeiro para o "coro mudo" da caricata encenação da comunicação pública do PM e depois para irem por tudo o que é televisão defender o indefensável, algum daqueles ministros tem autonomia para dizer "não" a uma empresa que mensalmente nutriu com milhares de euros mensais, a título de "avença", a pseudosociedade familiar do chefe do Governo, agora supostamente transmitida para os seus filhos? O pior que um governante pode fazer é tomar os cidadãos parvos.

Adenda (11)
Esta informação de que a Solverde tem cinco juristas ao seu serviço e é assessorada por dois escritórios de advogados de topo mostra que ela não precisava nada dos serviços alegadamente prestados por Montenegro através da sua empresa familiar de fachada e reforça a supeição de que a tal "avença" pode não passar de um pagamento de favor. À medida que estes aspetos comprometedores vão sendo conhecidos, impõe-se desafiar Montenegro a divulgar a atividade e a contabilidade da Spinumviva desde que ele tomou posse como PM ...

Adenda (12)
Dada a natureza pessoalíssima da suposta empresa familiar, pura criatura sua, não vejo como é que Montenegro pode sair impune desta: (i) na menos má das hipóteses, a ter havido efetiva prestação de serviços nas tais "avenças", há flagrante violação da exclusividade legal do cargo governamental e da respetiva remuneração e, portanto, enriquecimento irregular; (ii) na pior das hipóteses, a não ter havido efetiva contrapartida de serviços que justifique tão generosos pagamentos, como se suspeita ser o caso, então teríamos crimes de vantagem indevida ou, mesmo, de corrupção, que o Ministério Público teria de investigar. O que não me parece tolerável é que uma República decente mantenha um chefe de Governo nesta insustentável situação, sem a devida clarificação dos factos, que ele próprio devia ser o primeiro a promover, em defesa própria.

Adenda (13)
Segundo esta notícia, no pagamento de uma casa, comprada em 2024, Montenegro terá utilizado várias contas bancárias à ordem de valor inferior a 41 000 euros, as quais, alegadamente, não têm de ser declaradas à Entidade da Tranparência -, pelos vistos, um "artista" experiente na prática de contornar as leis e de esconder o património. 

Adenda (14)
Obviamente, como há muito defendo, esta denúncia anónima sobre a pretensa sociedade familiar de Montenegro só deve avançar para inquérito - ao contrário do que o MP costuma fazer expeditamente, quando de trata de políticos -, depois de uma análise preliminar sobre a sua consistência, a qual deve ser tão célere quanto possível, para não sujeitar o visado a prolongada incerteza, lesiva do princípio da presunção de inocência penal. Todavia, parece-me que só se pode ajuizar, quer da provável violação da regra da exclusividade (ilícito punido com a destituição pela Lei dos titulares de cargos políticos, art. 11º, mas que exceciona o PM e o PR), quer da eventual suspeita de recebimento indevido de vantagem (art. 16º da Lei dos Crimes de Responsablidade), mediante análise do papel de Montenegro na gestão da empresa, na efetividade, ou não, dos serviços alegadamente prestados e no recebimento dos pagamentos recebidos, o que só se pode deduzir a partir da contabilidade da suposta empresa e das comunicações e transferências dos clientes, como argumento AQUI.


Stars & stripes (20): A caminho de um Estado autoritário

1. Trump está manifestamente a trabalhar afanosamente nos vários esteios que sustêm qualquer Estado autoritário, nomeadamente o controlo da economia, da informação, dos tribunais e dos militares. 

Quanto à economia, a presença dos tycoons da indústria tecnológica na sua tomada de posse mostra que está alinhada desde o início com Trump, e a prometida redução de impostos e o aumento das tarifas sobre as importações consolidam tal apoio. Quanto à informação, que depende essencialmente do financiamento privado e da publicidade dos negócios, muita já está nas maõs de capangas de Trump, como a Fox e o Washington Post, e outra acabará também por alinhar, com algumas exceções mais resilientes, como a CNN e o New York Times; a discriminação presidencial dos média no acesso às fontes da Casa Branca completa o controlo. 

Quanto aos tribunais e aos militares, a competência presidencial para a nomeação dos juízes federais e dos chefes militares e a maioria Republicana no Senado asseguram o devido controlo. O sistema de governo presidencialista, conjugado com uma maioria conforme no Congresso, ajuda.

2. Na justiça federal, Trump já nomeou  no anterior mandato cerca de duas centenas e meia de juízes, que são vitalícios, e tem numerosas vagas para preencher neste. Controlo avassalador, portanto. Nas forças armadas, ao contrário do que tinha feito no seu primeiuro mandato, desta vez Trump está a proceder, sem escrúpulos, a uma meticulosa purga nas chefias militares (como se descreve AQUI), para prevenir qualquer resistência ou oposição à instrumentalização política do exército. 

Sem oposição visível dos Democratas - ainda a lamber as feridas da traumática derrota nas presidenciais -, o caminho para o autoritarismo presidencial nos Estados Unidos está a ser friamente aplanado e avança a passos rápidos. 

Outras tentativas houve no passado, que acabaram por não vingar. Resta esperar que, também desta vez, a força das liberdades civis e políticas que fizerem a democracia liberal na América acabem por levar a melhor. Como sempre, o principal fator pode ser o insucesso da aventureira política económica de Trump, virando o feitiço contra o feiticeiro, se possível já nas eleiçõess intercalares do Congresso em 2026. Mas, mesmo que tal ocorra, a reversão os estragos de Trump não vai ser fácil nem rápido.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça (9): Até quando?

O meu aplauso para este artigo de Pedro Marques Lopes na Visão desta semana, que, convincentemente, defende dois pontos de uma enorme gravidade: (i) que a crise da Justica se tornou no mais preocupante problema institucional do regime democrático e que os abusos de poder do Ministério Público na investigação penal constituem o epicentro dessa crise; (ii) que esta situação só se mantém, e vai continuar, porque os responsáveis pelos dois partidos de governo, PSD e PS, não assumem a responsabilidade política de lhe pôr fim. 

Ora, enquanto persistir essa pusilanimidade política, muitos titulares de cargos políticos impolutamente dedicados à causa pública vão continuar a ser vítimas (como, recentemente, Fernando Medina no processo Tutti Fruti, como assinalei AQUI) daquilo a que tenho chamado a intolerável instrumentalização da investigação penal como arma de lawfare para fins de perseguição política (como mostrei, por exemplo, AQUI e AQUI). 

Invocando a interpelação de um clássico romano, importa perguntar: quosque tandem?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (9): Contra o desvio do Conselho de Estado

1. Na sua entrevista de ontem à CNN, o candidato presidencial Marques Mendes anunciou que, se for eleito, tenciona prosseguir com a prática da reunião frequente do Conselho de Estado, incluindo o convite a personalidades convidadas, considerando positiva a inovação trazida por Marcelo Rebelo de Sousa nesse ponto.

Comprendo o seu ponto de vista, tanto mais que, como conselheiro de Estado de nomeação presidencial, ele foi "cúmplice" e beneficiário dessa prática. Mas não penso da mesma maneira -, pelo contrário. Várias vezes denunciei o abuso e a instrumentalização política do Conselho de Estado pelo PR cessante (por exemplo, AQUI e AQUI). E por isso incluí tal item no meu "catálogo do bom candidato presidencial" (AQUI).

Como diz a Constituição, o CdE só pode ser convocado para aconselhar o PR no exercício das suas funções, o que, a meu ver, requer duas coisas: (i) que o PR submeta ao Conselho uma questão relativa ao exercício de um dos seus poderes constitucionais, (ii) a fim de obter um parecer do Conselho sobre a mesma.

Tal como os demais órgaos constitucinais, o CdE só pode ser chamado a exercer os poderes previstos na Constituição, e não para outros efeitos.

2. Por isso, o Conselho não deve ser convocado para se pronunciar sobre, ou só para para debater,  as políticas públicas setoriais, que são da competência do Governo, sob escrutínio da AR, e não do foro presidencial, pelo que também estão fora dos poderes daquele. 

Ao contrário do que tem sucedido, o Conselho não pode ser despromovido a uma mera tertúlia política de senior citizens - que o PR sempre poderá reunir à volta de um discreto repasto -, nem muito menos ser promovido a uma espécie de segunda câmara parlamentar de escrutínio da ação governamental, à margem do seu conceito histórico e da atual Constituição, que claramente optou, desde a origem, por um parlamento unicamaral, representativo das diversas forças políticas, e que, desde 1982, estabelece inequivocamente que o Governo só responde politicamente perante a AR, e não perante o PR, nem direta nem indiretamente.

Não ignoro que não falta quem defenda a criação de um senado, o que se comprende entre os próprios putativos "senadores da República", mas não é essa manifestamente conceção constitucional do CdE, que deve ser precisamente respeitada

Adenda
Em contrapartida, concordo inteiramente com as declarações de Marques Mendes contra os comentários presidenciais às leis aquando da sua promulgação, prática em que o atual titular do cargo é useiro e vezeiro, e que condenei desde o princípio (AQUI). Tendo um poder de veto sobre as leis e sobres alguns atos do Goveno, o PR não é, porém, cotitular do poder legislativo nem do poder governamental.

Adenda 2
Não tem razão o leitor que objeta que, «se o Presidente não puder convocar livremente o Conselho de Estado, este de nada serve». Com efeito, além dos casos de convocação constitucionalmente obrigatória (como a dissolução da AR e dos parlamentos regionais), o Presidente pode sempre convocá-lo para dar parecer sobre o exercício de outros dos seus poderes, como, por exemplo, a declaração do estado de sítio (ou a sua renovação), o veto de leis parlamentares (que, a meu ver, deveria ser obrigatório, pelo menos no caso das "leis orgânicas"), a convocação extraordinária da AR, a nomeação do PGR e do presidente do Tribunal de Contas, a ratificação dos tratados de adesão a organizações internacionais, etc. Não é preciso convocar o Conselho à margem da Constituiação, para dar trabalho aos conselheiros...

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Laicidade (15): 50 anos depois, o "Estado Novo" sobrevive...

1. Há dias o jornal Público tinha toda a razão em colocar em manchete o facto de, pela primeira vez desde o 25 de Abril, o Cardeal-Patriarca de Lisboa não ter sido convidado para a sessão inaugural do ano judicial, como era uso, em flagrante violação do princípio da separação entre o Estado e as religiões. Porém, hoje haveria razões inversas para o jornal colocar em destaque a fotografia acima, que pirateei do Facebook, em que membros da CM de Faro e do Governo inauguram a nova ponte da chamada Ilha de Faro, recuperando a benção religiosa, à maneira antiga. 

Ora, a mistura da Igreja Católica em atos públicos - com o evidente agradecimento desta pelo privilégio - não é somente uma provocação aos cidadãos presentes que não são crentes ou que são crentes de outras religiões, mas também aos muitos católicos que recusam a instrumentalização política da sua religião. Lamentável!

2. Julgava que cenas destas eram coisas do passado, mas não. Quase meio século depois da aprovação da Constituição de 1976, que estatuiu enfaticamente a separação entre o Estado e das igrejas, que implica obviamente a neutralidade religiosa dos poderes públicos, há ainda quem faça por ignorar. 

A benção religiosa de obras públicas nas cerimónias de inuaguração oficial é obviamente um resquício atávico das práticas do Estado Novo, como expressão na "mancebia" política assumida e entre a ditadura e a Igreja Católica. Que ainda sejam possíveis cenas destas é prova de alguns valores essenciais do regime democrático-constitucional ainda não chegaram a todo o lado.

sábado, 5 de outubro de 2024

O que o Presidente não deve fazer (50): Um modelo negativo

Finalmente, há outros constitucionalistas que não silenciam o seu desacordo sobre os excessos do intervencionismo político presidencial, à margem da Constituição. Welcome to the club!

Todavia, neste caso do ativismo de Belém acerca do orçamento, mais grave do que a sua loquacidade mediática foi, como assinalei antes, a instrumentalização do Conselho de Estado para esse efeito.

Apesar da complacência dos partidos políticos, com algumas exceções, e do aplauso do comentariado nacional (et pour cause...), MRS arrisca-se a ficar na nossa história política como um modelo do que não deve ser o mandato presidencial.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Manifesto dos 50 (6): O novo PGR

1. Os promotores originários do Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça - de que faço parte - trouxeram a público os critérios que entendem que devem ser observados pelo PM e pelo PR na nomeação do/a novo/a PGR.

Resumindo, deve ser verdadeiro líder do MP, exercer o seu poder/dever hierárquico, ser independente do sindicato, responder publicamente pela atividade MP, especialmente perante a AR, observar o princípio da necessidade e da proporcionalidade na adoção de medidas lesivas dos direitos, liberdades e garantias, garantir o respeito pelo segredo de justiça e fazê-lo punir disciplinar e penalmente, velar pela celeridade processual, impedir a instrumentalização dos inquéritos penais como arma de perseguição política.

Verdadeiramente, trata-se de escolher um PGR que seja tudo o que a PGR cessante desgraçadamente não foi.

2. Embora sugerindo que o/a novo/a PGR venha de fora do MP, o documento não defende essa opção como condição necessária. 

Pessoalmente, porém, conto-me entre os que defendem que assim deve ser. De contrário, vindo de dentro, dificilmente o PGR pode resistir à cultura corporativa prevalecente no MP, correndo, aliás, sempre o risco de ser acusado de "traição à classe", se se desviar das posições do sindicato. 

Como já defendi anteriormente, a principal ameaça à autonomia institucional do MP não vem do poder político, mas sim da sua captura corporativista pelo sindicato e da autogestão sindical-corporativa em vigor.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Praça da República (81): Não é a mesma coisa

1. A absurda proposta do Chega de acusar o PR de crime de traição à Pátria teve o destino que merecia na AR, ou seja, a pronta rejeição, acompanhada da condenação generalizada da iniciativa. Tudo bem, quando acaba bem? Nem por isso!

Por um lado, esta proposta do partido da direita radical mostra o risco da instrumentalização da criminalização e judicialização da opinião e do debate político. Ora, por mais controversa e criticável que seja a opinião do PR sobre a "reparação" às antigas colónias pelos males do colonialismo (que considero pelo menos insensata), é óbvio que ela não tem nenhuma relevância penal, só podendo ser censurada no foro político, como aliás foi, de todos os lados do expectro político.

À política o que é da política.

2. Além disso, e mais grave, se há algo que não pode ser politicamente banalizado é a responsabilidade penal do PR no exercício de funções. 

Descartando o antigo princípio monárquico da irresponsabilidade penal do chefe do Estado no exercício de funções - que o "Estado Novo" recuperou -, a Constituição de 1976 rodeou, porém, de especiais cautelas tal eventualidade, quer quanto à acusação (reservada à AR, mediante voto de 2/3 dos deputados, sob proposta de pelo menos 1/5 deles), quer quanto à competência judicial (o STJ).

Todavia, a iniciativa do Chega - que pode vir a ser repetida com outro pretexto - mostra que as cautelas constitucionais são insuficientes em casos de manifesto abuso de poder parlamentar. Seria lamentável banalizar a acusão parlamentar do PR, como tem sucedido com o impeachment nos sistemas presidencialistas, como os EUA ou o Brasil.

3.  Não falta quem considere que o aparecimento do Chega como partido da direita radical apenas completa o arco político à direita, tal como no campo da esquerda existe desde sempre a esquerda radical. 

Mas há um diferença essencial: é que enquanto a "esquerda da esquerda" não contesta o sistema constitucional e respeita as instituições vigentes, a "direita da direita" não só não esconde a sua hostilidade à Constituição, como não perde a oportunidade para degradar as instituições, como mostra este caso.

Neste aspeto fundamental, a esquerda radical e a direita radical não são equivalentes.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O que o Presidente não deve fazer (42): Instrumentalização do poder de veto

1. Depois de ter suscitado a fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei-quadro da reforma das ordens profissionais - que o Tribunal Constitucional, porém, veio convalidar, sem problemas -, o PR decidiu entrar agora numa verdadeira caça aos estatutos de cada uma das muitas ordens, vetando políticamente grande parte deles, incluindo os das mais importantes, como a dos advogados e a dos médicos.

Sucede que, tal como na contestação preventiva da constitucionalidade da lei-quadro, o PR fundamenta ostensivamente os sucessivos vetos com recurso às objeções das próprias ordens, cujos bastonários fez questão de ouvir antes de decidir (mas não ouvindo a Autoridade da Concorrência, principal inspiradora da reforma). 

Provavelmente, para além da banalização daquilo que deveria ser excecional (por efeito da separação de poderes), não há precedente entre nós de um caso de lobbying político tão bem-sucedido como este das corporações profissionais, em que o decisor político faz suas por inteiro as posições destas.

2. Ora,  depois de ter promulgado a lei-quadro - de que os estatutos de cada ordem são pouco mais do que uma concretização -, não se vê como é que o PR pode apostar convincentemente nos mesmos argumentos, ou afins.

De facto, os fundamentos mais relevantes dos vetos, ou põem em causa a própria razão-de-ser política, liberalizadora e pró-conconrrencial, da reforma (como é o caso das objeções relativas à duração dos estágios ou aos "atos exclusivos" de cada profissão) ou recuperam o argumento de um suposto direito à "autorregulação" das ordens, que o Tribunal Cosntitucional se encarregou de denegar.

Além de baseado em argumentos inconsistentes, o recurso maciço ao veto das leis da AR também é politicamente inconsequente, pois não pode duvidar-se de que a mesma maioria parlamentar que aprovou a referida legislação a vai confirmar de plano, sem qualquer reconsideração, antes da dissolução da AR, obrigando o PR a promulgá-la, assim  completando a reforma, quanto mais não seja porque sem ela ficaria em causa o desembolso do PRR da UE. 

Por isso, para além de uma enventual "vingança" da desfeita sofrida quanto à lei-quadro, a que justifica então este insólito massacre legislativo de Belém?

3. Inventariadas as possíveis explicações para este "frete" político às corporações profissionais, vejo três hipóteses, aliás cumulativas: (i) dar às ordens mais umas semanas de "justa luta" pública contra a revisão; (ii) reivindicar para o Presidente o prémio de melhor e mais persistente "amigo das ordens", na  luta destas pela defesa dos seus privilégios corporativos, postos em causa pela reforma; (iii) alimentar a esperança das ordens numa futura revisão/reversão da reforma, caso haja mudança de maioria parlamentar nas próximas eleições.

Resta saber se tais motivações bastam para justificar a abrangente ofensiva presidencial contra o poder legislativo da AR, numa imprescindível reforma estrutural do mercado de serviços profissionais entre nós (ainda que assaz moderada), ou se não estamos perante um caso qualificado de "desvio do poder" presidencial, instrumentalizando o poder de veto para fins alheios à sua justificação constitucional.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Praça da República (77): À margem da Constituição!

1. Este artigo de uma magistrada superior do Ministério Público, no Público de hoje, é de leitura obrigatória, porque ele vem confirmar, a partir de dentro da instituição, tudo o que tem motivado as críticas à organização e funcionamento do MP, a começar neste blogue (por último, AQUI).

As questões essenciais são estas: (i) a Constituição diz que o Ministério Público «goza de (...) autonomia, nos termos da lei», mas o que temos hoje é uma estatuto de completa independência, não respondendo a instituição nem prestando contas, através do PGR, perante ninguém, nem perante a AR, nem perante o PR, que o nomeia e pode demiti-lo (sob proposta do PM); (ii) a Constituição diz que os agentes do MP «são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados», mas sabemos - e este artigo confirma-o inteiramente -, que não há hierarquia nem responsabilidade, prevalecendo, em vez disso, um sistema feudal, em que cada encarregado da investigação penal goza de pleno alvedrio na condução das mesmas, proporcionando terreno fértil para os abusos de poder individual, de acordo com as simpatias ou antipatias políticas de cada um, incluindo um patente golpe de Estado.

Em suma: o Ministério Público tornou-se um abcesso institucional manifestamente à margem da Constituição e das regras essenciais do Estado de direito.

2. Respeitando integralmente a sua autonomia constitucional, cumpre, porém, fazer valer a ordem constitucional no Ministério Público - em vez da ordem corporativa abusivamente representada pelo Sindicato dos magistrados -, a começar pela Procuradoria-Geral da República. 

Para isso impõe-se : (i) tornar o Procurador-geral a efetiva autoridade governativa e administrativa suprema no Ministério Público; (ii) obrigar a instituição, através do Procurador-geral, a prestar contas regulares da atividade do MP à AR e ao PR; (iii) instituir uma efetiva hierarquia e responsabilidade hierárquica interna, incluindo para efeitos disciplinares, retirando esta competência ao "parlamento" do CSMP; (iv) em especial, punir disciplinarmente e fazer punir penalmente os conluios entre magistrados do MP e a imprensa, principal fonte da sistemática e impune violação do segredo de justiça, sempre que estão em causa investigados politicamente expostos.

Tal como está, o MP tornou-se um risco sistémico para o Estado de direito constitucional, que urge afastar.

Adenda
É merecido o impacto público do artigo aqui comentado, como aqui na CNN. A autora vai certamente ser crucificada pelo corporativismo dominante na cultura da instituição, mas eu confio que seja o princípio do fim da sua imunidade ao escrutínio público.

Adenda 2
Um leitor considera que a correção desta situação necessita de uma intervenção política «que só um entendimento entre o PS e o PSD pode assegurar». Concordo e, por isso, lamento que o PS não tivesse dado seguimento, alegadamente em nome da defesa da independência da justiça - que não estava em causa -, à proposta do PSD de Rui Rio, a qual, é certo, não respondia a todos os problemas acima enunciados e continha algumas soluções controversas, mas podia ser ser utilizada como base de negociação.

Adenda 3
Outro leitor considera que o Ministério Público entrou em «deliberada operação de "legal warfare" contra o poder político, tal como foi concebida pela teoria e pela prática nos Estados Unidos», abusando do instrumental à sua disposição contra os agentes políticos, incluindo o vazamento para a imprensa de investigações sem fundamento, buscas espalhafatosas, previamente "filtradas", prisões preventivas arbitrárias, demora deliberada na investigação, violação sistemática do segredo de justiça e instrumentalização dos meios de comunicação mais populares, impugnação caprichosa das decisões dos juízes de instrução, etc. Sim, toda a panóplia conhecida da political lawfare, ou seja, utilização de instrumentos jurídicos como arma de guerra política, têm sido utilizados.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...

quarta-feira, 14 de junho de 2023

O que o Presidente não deve fazer (38): Instrumentalização do Conselho de Estado

1. A expectativa, deliberadamente criada pelo PR, sobre a reunião do Conselho de Estado em julho, para fazer o «ponto de situação (...) sobre a evolução da economia, sobre a situação social e sobre a situação política», é mais do que problemática em termos constitucionais. 

Com efeito, tal como já aqui chamei a atenção há dois anos, o Conselho de Estado, como órgão consultivo do PR, só deve ser chamado a pronunciar-se sobre matérias da competência presidencial, que estão devidamente enunciadas na Constituição, e não sobre a condução da política do País, que constitui competência exclusiva do Governo. 

Por isso, é inteiramente descabido convidar o Conselho de Estado a pronuncuiar-se sobre a orientação geral do Governo, sobre políticas sectoriais, sobre prioridades orçamentais e, muito menos, sobre a composição ou a consistência do Governo. Sucede que o Governo só responde politicamente perante o parlamento, não perante o PR, muito menos perante o seu órgão consultivo

2. O Conselho de Estado não é uma segunda câmara parlamentar (e, de resto, na generalidade das democracias parlamentares com parlamentos bicamarais, a responsabilidade política dos governos é efetuada somente perante a câmara baixa). 

A convocação do Conselho de Estado para "fazer o ponto político" após do debate do Estado da Nação na AR (marcado para 19 de julho), como se fora uma segunda volta desse debate, constitui manifestamente uma tentativa de desconsiderar o escrutínio parlamentar, dando a última palavra aos conselheiros do Presidente - em cuja composição, et pour cause, há um claro desequilíbrio entre a direita e a esquerda, em favor da primeira -, com o óbvio eco na imprensa.

Esta ilegítima instrumentalização do Conselho de Estado e dos seus membros inscreve-se claramente no projeto, que já várias vezes aqui denunciei, de subverter o regime político-constitucional de separação de poderes num sentido presidencialista, dando ao PR um papel de tutela política sobre o Governo, que ele constitucionalmente não pode ter

Adenda
Perguntam-me como apurei a inclinação político-partidária no Conselho. Levei em conta somente os membros com filiação partidária pública (os do PSD e CDS e os do PS), não incluindo, portanto, os membros partidariamente independentes. Em todo o caso, esse ponto é relativamente irrelevante na minha crítica, que tem a ver com a abusiva transformação do Conselho num forum oficial paralelo de escrutínio político, à margem da sede própria - o parlamento.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Não é bem assim (13): "O fascismo nunca existiu"

1. Há mais um académico que se propõe negar a natureza fascista da ditadura salazarista (e do franquismo).

Na verdade, é fácil fazê-lo, se se adotar uma definição tão estreita de fascismo, por referência aos regimes mussoliniano e hitleriano, que o chamado Estado Novo deixa de preencher algumas dessas características. É, porém, uma tarefa mais difícil, se se perfilhar a ideia de que a noção se conjuga no plural - fascismos -, com diferentes declinações nacionais, cabendo nessa qualificação todos os regimes que compartilharam os seus traços essenciais.

É claramente uma opção doutrinária com evidentes conotações políticas quanto ao juízo sobre o regime salazarista.

2. A meu ver, de entre os traços comummente identificados com o fascismo em sentido geral, o Estado Novo compartilhou pelo menos os seguintes:

- a ideologia e a prática militantemente antiliberal, antidemocrática e anticomunista, anti-individualista e organicista;

- o nacionalismo radical, a exaltação da "Raça" e a ideia imperial (só abandonada entre nós nos anos 50);

- o culto do chefe, da disciplina e da hierarquia social;

- o enquadramento paramilitar da juventude (Mocidade Portuguesa e Legião Portuguesa);

- a institucionalização oficial da propaganda do regime como tarefa primordial do Estado (SPN e SNI);

- a instrumentalização da história nacional pré-liberal ao serviço da legitimação do regime;

- a criação de uma organização política oficial de recrutamento e enquadramento político, chefiada pelo próprio Salazar (UN/ANP);

- a negação absoluta da liberdade política, a começar pelas liberdades públicas a ela inerentes (de expressão, de reunião e de associação), a abolição dos partidos políticos e o papel decisivo da censura jornalística e literária;

- a negação da liberdade de criação intelectual e artística e a instrumentalização política da cultura e do desporto;

- a vigilância intensa e a repressão da oposição intelectual e política (demissão, interdição profissional, exílio, prisão, tortura policial);

- a existência de uma poderosa política política secreta (PIDE/DGS), apoiada numa ampla rede de informadores;

- a criação de tribunais criminais especiais (os "Plenários"), sem as mínimas garantias de defesa, para condenação dos acusados de crimes políticos e sociais;

- o enquadramento corporativo oficial das atividades económicas e sociais (Estatuto do Trabalho Nacional, "grémios" e "sindicatos nacionais", corporações);

- a negação e repressão penal da liberdade sindical e do direito à greve;

- o forte controlo estadual da vida económica, sacrificando a liberdade de iniciativa e a concorrência no mercado ("condicionamento industrial", "organismos de coordenação económica", "grémios obrigatórios");

- o casamento estreito entre o regime e os grandes interesses económicos.

Ainda que possivelmente incompleto, não deixa de ser um elenco impressionante!

3. Sem dúvida, além de nunca se ter assumido como tal, o salazarisno não replicou alguns outros traços típicos dos modelos italiano e alemão, nomeadamente nos seguintes pontos: o racismo explícito, a suspensão/abolição da ordem constitucional, a rejeição de qualquer forma de consulta eleitoral e de representação parlamentar, o culto da mobilização de massas e da via plebiscitária, a exaltação belicista, a idolatria do Estado e do poder (substituída entre nós pelo culto da "Nação" transcendental).

São diferenças que não podem ser ignoradas nem desvalorizadas. Mas, por um lado, algumas delas são assaz ilusórias, como é o caso da Constituição de 1933 (em muitos aspetos puramente "semântica") ou das eleições periódicas para Presidente da República e para a Assembleia Nacional, que eram pura ficção destinada a dar uma aparência de normalidade constitucional ao regime. E, por outro lado, bastarão essas diferenças para desqualificar as muitas afinidades acima referidas e para afastar o "Estado Novo" da família dos fascismos?

4. A leitura político-doutrinária do salazarismo como autocracia autoritária diferente do fascismo tornou-se obrigatória depois da II Guerra Mundial, com a Guerra Fria e a entrada de Portugal na NATO, quando para as potências ocidentais a luta contra o comunismo e a União Soviética era prioritária e valia bem o abandono de uma transição liberal-democrática das duas velhas ditaduras ibéricas.

A operação de diferenciação passava obviamente por duas vias: (i) optar por uma grelha de definição de fascismo tão estrita que o salazarismo a não preenchesse integralmente; (ii) sublinhar na caracterização do salazarismo os traços nacionais arcaicos de "tradicionalismo" e de "conservadorismo", simbolizados na trilogia "Deus, pátria e família".

Foi uma operação duradoura tão bem sucedida, que, hoje em dia, só a historiografia política de esquerda mantém a qualificação fascista do Estado Novo (apesar de ela constar no preâmbulo da Constituição vigente...). Razão tinha Eduardo Lourenço quando, logo em 1976, veio proclamar ironicamente que "o fascismo nunca existiu"!

O problema está em saber se basta a negação da qualificação fascista para mudar a verdadeira natureza do regime do "Estado Novo".

Adenda 
Se a colocação do Estado Novo fora do campo dos fascismos é pelo menos discutível, já a qualificação da Rússia atual como fascista, como defende o mesmo autor, não faz nenhum sentido. Como vários outros países de regime híbrido, a Rússia apresenta inequívocos traços autocráticos e autoritários, mais o nacionalismo, mas não apresenta as manifestações mais características do fascismo histórico, acima enunciadas. A banalização da noção de fascismo e de neofascismo não pode servir de arma no debate político-ideológico contemporâneo.

Adenda
Sobre o mesmo tema, vale a pena ler este artigo de Irene F. Pimentel.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Era o que faltava! (5): Não vale tudo

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) resolveu vir declarar "ilegal" e até "criminosa" a decisão da Câmara Municipal de Lisboa que mandou retirar os painéis de propaganda partidária da Praça do Marquês de Pombal

Mas não tem nenhuma razão. Primeiro, não estando a decorrer nenhum processo eleitoral, não se compreende a que propósito é que a CNE vem interferir em seara alheia. Segundo, o invocado princípio geral da liberdade de propaganda política não justifica todos os meios, incluindo a ocupação selvagem - ela sim, "ilegal e criminosa" - do domínio público e a violação do direito ao ambiente urbano. Por isso, a decisão da CML merece todo o aplauso, como AQUI assinalei.

Violando o seu mandato, esta decisão da CNE descredibiliza-a irremediavelmente. Uma autoridade eleitoral independente, como a CNE deveria ser, não pode comportar-se como um "cartel de partidos", que realmente é, fazendo prevalecer os seus interesses contra o mais elementar interesse público.

Adenda 
As atas das duas últimas reuniões da CNE ainda não foram disponibilizadas, mas vai ser muito interessante saber quem é que votou esta interesseira posição, em especial se ela contou com o voto dos representantes do PS e do PSD, para ver até onde vai a instrumentalização sindical-partidária da CNE.

Adenda (2)
Um leitor entende que não se teria chegado onde chegámos, como «milhares de painéis de propaganda partidária a invadir tudo quanto é praça em Portugal», se o Ministério Público cumprisse a sua obrigação de defesa da legalidade democrática, acionando judicialmente os municípios para os retirarem e promovendo a acusação penal por crime de dano qualificado contra os responsáveis. Tem razão, mas, como se sabe, o Ministério Publico ignora sistematicamente essa obrigação constitucional.

sábado, 2 de julho de 2022

Antes que seja tarde (3): A questão da sustentabilidade do SNS

1. Não deixa de ser curioso que, numa conjuntura crítica de alguns serviços de saúde, a ministra da Saúde esteja a ser acusada de "coveira" do SNS por comentadores e políticos da direita que nunca morreram de amores por ele e que, pelo contrário, sempre defenderam, por razões político-doutrinárias, um sistema de saúde alternativo, baseado na liberdade de escolha dos utentes entre prestadores dos setores público, social e privado.

Não faltam também os habituais comentários críticos à esquerda, segundo os quais tudo se resume a falta de pesssoal e ao subfinanciamento do SNS, em consequência da maléfica opção do PS por uma política de rigor orçamental e de contenção do défice e da dívida pública, sem se quererem dar conta de que o substancial aumento de pessoal e do financiamento dos últimos anos não resultou em aumento correspondente de consultas, exames e cirurgias.

A questão, a meu ver, é que o SNS padece crescentemente de problemas estruturais geradores de ineficiência e de desperdício, que não são resolúveis nem com medidas de contingência avulsas nem com "despejar dinheiro" sobre eles.

2. Como tenho defendido anteriormente em várias ocasiões (nomeadamnte na série de artigos sobre os 40 anos do SNS aqui no Causa Nossa), entre os referidos fatores contam-se os seguintes:
    - acumulação no Ministro da Saúde da política de saúde e da gestão do SNS, sobre quem recaem todos os problemas e dificuldades deste, politizando-os;
    - deficiente contratualização de cuidados e de custos entre a gestão central do SNS e as entidades prestadoras (hospitais, etc.) e inconsequência do incumprimento dos contratos;
    - falta de avaliação de desempenho de gestores, serviços e profissionais, incluindo para efeitos de remuneração diferenciada; 
    - insuficência dos cuidados primários e transformação das urgências hospitalares em porta de entrada massiva dos utentes no sistema de saúde;
    - inexistência de uma base nacional de dados de todos os utentes, o que gera repetição redundante de exames e tratamentos;
    - irrefletida redução do horário semanal de trabalho na função pública para as 35 horas, que privou o SNS de milhões de horas de trabalho normal por ano e desarranjou os ciclos de turnos de serviço; 
    -  acumulação generalizada de emprego no setor privado, que faz com que em muitos hospitais, as salas e equipamentos de cirurgia só funcionem de manhã, com evidente subutilização de recursos; 
    - instrumentalização dos hospitais como serviços de apoio social a pessoas que já não carecem de internamento, mas que não dispõem de apoio familiar;
   - acumulação de funções de direção de serviços no SNS e em empresas de saúde privadas, em manifesto conflito de interesses, a que se tem somado recentemente a despudorada participação de alguns deles em campanhas publicitárias das respetivas empresas privadas (como referido em post anterior);
    - complacência do Estado com o malthusianismo e com o abuso de poderes das ordens profissionais, especialmente da Ordem do Médicos, transformadas em sindicatos oficiais das respetivas profissões, à custa das suas missões públicas de fiscalização e de disciplina profissional;
    - papel deletério da ADSE, gerida pelo próprio Estado, como exemplo de um sistema de saúde alternativo ao SNS, baseado no autofinancimento, na separação entre a entidade financiadora e os prestadores dos cuidados de saúde, na liberdade de escolha dos utentes e na prontidão dos cuidados de saúde.

É fácil ver que a maior parte deste fatores derrotam a vontade reformista de qualquer ministro da Saúde, por maior que ela seja - o que, aliás, não tem sequer abundado há muito tempo! 

3. Com o tempo, tenho vindo a ponderar se um SNS de tipo britânico como o nosso, de gestão centralizada e baseado no papel tendencialmente exclusivo do Estado como financiador e prestador de cuidados (agravado pelo imprudente abandono das PPP) é compatível com a idiossincrasia nacional relativa à tradicional ineficiência da gestão pública, ao débil sentido da ética do serviço público e da separação entre interesse público e interesses privados, ao hipercorporativismo profissional das ordens, ao abuso irresponsável do que é gratuito, como se não custasse dinheiro, etc.

Forçoso é constatar que o SNS vai reduzindo a sua base social de utentes, correndo o risco de, a breve prazo, ser o serviço de saúde apenas dos que não beneficiam da ADSE ou de seguros de saúde, cada vez mais numerosos. A prosseguir este desenvolvimento, o SNS arrisca-se a perder apoio social e político como serviço supostamente universal financiado pelos impostos de quem o não utiliza.

4. Votei militantemente o SNS na Constituinte de 1975/76 e a sua criação legislativa em 1979; como juiz do Tribunal Constitucional ajudei a salvar o SNS da tentativa de extinção por um Governpo da AD (PSD e CDS) nos anos 80; tenho pugnado ao longo dos anos pela sua consolidação e pelo seu aperfeiçoamento. Mas, como se retira deste post, estou a ficar cada vez mais cético quando à viabilidade do modelo vigente.

Quanto mais tarde se assumir que existe uma questão de sustentabilidade social e política (e não somente orçamental) do SNS, mais penosa será a sua reforma.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Assim vai a política (4): Instrumentalização política da justiça

1. Por menos feliz e oportuna que tenha sido a acusação de António Costa sobre uma alegada "campanha internacional contra Portugal" por parte de alguns dirigentes e militantes do PSD, a propósito da nomeação do membro português na Procuradoria da União, tal não pode justificar a ideia de uma queixa-crime contra o Primeiro-Ministro, como defende a própria direção do PSD, apadrinhando a posição dos seus dirigentes.

Sendo manifestamente descabida, por não haver nenhum ilícito criminal, uma tal iniciativa não passa de uma lamentável operação de intrumentalização da justiça para efeitos políticos imediatos, destinada a impressionar cidadãos menos bem informados e a alimentar as "redes sociais" durante algumas horas.  

2. Numa democracia liberal, as acusações políticas devem ser combatidas na esfera política e não no foro judicial. Os juízes não devem ser chamados a adjudicar o combate político entre a oposição e o Governo. No combate político, mesmo os ataques de natureza pessoal - que neste caso nem sequer existem - só em casos-limite são criminalmente relevantes.

A judicialização da política, sobretudo quando promovida pelos próprios políticos, degrada tanto a justiça como a política. E não enobrece quem a promove. 

Adenda
Como seria de esperar, os visados no deslocado ataque do Primeiro-Ministro declinaram qualquer propósito de queixa-crime (que, aliás, não levaria a nada...), revelando mais sensatez política do que a tonta e precipitada decisão da comissão permanente do PSD.

Adenda (9/1)
Se acusação de António Costa aos militantes do PSD foi infeliz e inoportuna, é manifestamente excessiva e despropositada a crítica de Ana Gomes ao líder socialista, "equiparando-o a Orbán". Além do mais, este não é seguramente o melhor mod0 de cativar o voto socialista para a sua candidatura presidencial...

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Instrumentalização política do IVA


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de domingo passado no Dinheiro Vivo, suplemento económico dominical do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.
Transcrevo o parágrafo final:
«Quando a energia continua sujeita a 23% de IVA, por ser financeiramente incomportável descê-lo, mas as touradas (e já antes hotéis de luxo!) se veem contempladas com uma taxa de 6%, há que perguntar quais são as prioridades políticas deste país, sobretudo quanto se tem um governo de esquerda.»