segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Secretário de Estado não tem nenhuma razão, mais uma vez

1. O ainda secretário de Estado do Governo cessante, Pedro Lomba, veio defender que existe uma "convenção" entre nós segundo a qual quem ganha as eleições tem direito não somente a formar governo mas também a governar, não podendo portanto ser rejeitado na AR pela oposição, quando maioritária (como é o caso). Mas, mais uma vez, não tem nenhuma razão. Trata-se de uma descarada invenção de conveniência, uma verdadeira treta, como mostrei aqui.
A única "convenção" que existia era a de que quem ganha eleições, mesmo sem maioria, tem direito a formar governo e a defendê-lo perante a AR (só podendo ser rejeitado por uma maioria absoluta). E essa prática foi inteiramente respeitada com a indigitação de Passos Coelho, como sempre defendi.

2. Tal como quando defendeu, antes das eleições, que afinal não tinha de ser o partido mais representado na AR a formar governo (quando temia que fosse o PS), PL vem agora defender que não pode haver rejeição parlamentar do novo Governo PSD-CDS  (como a Constituição expressamente prevê), devendo os demais partidos respeitar um suposto "direito a governar" de quem ganhou as eleições, mesmo sem maioria absoluta. Era o que faltava!
Não, a "hora negra do regime" não está em um governo minoritário ser rejeitado na AR, mas sim no facto de a direita querer irresponsavelmente subverter o sistema constitucional de governo, contestando esse básico poder em qualquer regime de base parlamentar, como o nosso.
Será preciso recordar as regras mais elementares de democracia parlamentar (a que me referi aqui e aqui)?

Adenda
Um leitor acusa-me de, sendo afeto ao PS, estar a "puxar a brasa à minha sardinha". Sem fundamento, porém. Primeiro, nunca defendi posição diferente. Segundo, como é sabido, até sou de opinião de que o PS não deveria viabilizar a rejeição do Governo. Terceiro, ao contrário de PL, não tenho nenhum interesse pessoal nesta questão, pois não sou deputado nem putativo membro do governo.

domingo, 25 de outubro de 2015

"Testamento governamental"


O título desta peça do Jornal de Notícias não é inteiramente correto, visto que o governo cessante só entrou em funções de gestão com a sua demissão formal no dia da primeira reunião da nova AR, no dia 23. Mas o facto de as nomeações anteriores a essa data não serem ilícitas não as torna politicamente admissíveis. Pensar que um Governo possa ter nomeado uma centena de boys & girls em véspera de eleições constitui uma situação de "testamento governamental" e de abuso de poder censurável à luz de qualquer padrão de ética política democrática.
Penso que a nova maioria devia pensar em propor imediatamente uma lei a proibir a nomeação de funcionários desde o dia da convocação de eleições, sob pena de nulidade, salvo os casos de comprovada e estrita necessidade pública, ou seja, nos casos imprescindíveis e inadiáveis. Duvido que alguma situação real passe estes dois testes.
[revisto]

Adenda
Independentemente das credenciais da interessada, que não são poucos, a eventual nomeação da ex-presidente da AR para embaixadora na OCDE só poderá ser efetuada por decisão de um governo em plenitude de funções, o que não é o caso do Governo cessante, que já está demitido e se encontra, portanto, em funções de gestão, e que parece que também não vai ocorrer com o novo Governo de Passos Coelho, que tudo indica não vai passar na AR...

Antologia do nonsense político


Nesta altura do campeonato?! Decididamente, estão a mangar com o pagode!

Fobias presidenciais (2)

Outro leitor interroga-se sobre se o Presidente da República não pode invocar uma "objeção de consciência anticomunista" (sic) para negar a nomeação de um governo assente num acordo de sustentação parlamentar que envolve o PCP e o BE.
A resposta é obviamente negativa. Primeiro, não se vê como é que o anticomunismo pode consubstanciar uma objeção de consciência verdadeira e própria, que tem a ver com objeções "ontológicas", de índole moral ou religiosa. Segundo, os titulares de cargos políticos não podem invocar objeção de consciência para se furtarem ao desempenho dos seus poderes, que também são deveres constitucionais (por exemplo, o veto de uma lei do aborto por parte de um presidente da República ultracatólico). Terceiro, o PR só pode excluir do governo as forças políticas constitucionalmente banidas, o que não é o caso.
As fobias políticas presidenciais não podem dispensar o PR do cumprimento das suas obrigações constitucionais.

Fobias presidenciais (1)

Um leitor pergunta-me por que é que eu posso ser contra um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar e depois negar ao Presidente da República igual direito.
Há aqui um equívoco. Eu não nego a Cavaco Silva, nem como cidadão nem sequer como Presidente da República, o direito de ser pessoalmente contrário a tal solução governativa e de o declarar publicamente. Sucede, porém, que sendo ele Presidente da República, ele não pode usar as suas objeções políticas para privar o país de um governo dotado de apoio parlamentar maioritário, sobretudo quando não existe outra solução alternativa.
Num sistema de governo de tipo parlamentar como o nosso são a composição e a vontade do Parlamento que devem prevalece na definição das soluções governativas. As fobias políticas presidenciais contam pouco nessa equação.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sem pés para andar

Era inevitável aparecer a sugestão de um "governo de iniciativa presidencial", como saída para a crise política instalada (como sugerido hoje no semanário Sol pelo ex-deputado dos PSD Paulo Mota Pinto). Mas essa ideia não tem pés para andar na atual situação.
Primeiro, o próprio Cavaco Silva sempre declarou que as soluções governativas devem ser encontradas no quadro da AR sem ingerência presidencial. Segundo, um governo de "iniciativa presidencial" só seria concebível como solução de último recurso, depois de esgotadas todas as hipóteses de solução no quadro parlamentar. Terceiro, um tal governo teria de ser negociado previamente com os partidos, de modo a obter um nihil obstat parlamentar.
Ora, é evidente que o governo de coligação PSD-CDS não esgota as soluções de governo disponíveis no atual quadro parlamentar, pelo que não se verifica a segunda condição acima referida. Portanto, um governo de iniciativa presidencial naufragaria logo no seu primeiro teste parlamentar.

Deslealdade constitucional

1. Há quem defenda que com a sua comunicação de ontem Cavaco Silva quis dizer que, mesmo não tendo outra solução de governo disponível,  não vai nomear um governo do PS com o PCP e com o BE, mantendo por isso em funções de gestão o governo do PSD-CDS apesar de rejeitado na AR.
Mas se a comunicação presidencial me fez perder qualquer confiança nos insondáveis e arbitrários desígnios de Belém, continuo a pensar que o Presidente da República não pode embarcar nessa golpada, tanto mais que não podem ser ignoradas as suas funestas consequências para os interesses do País.

2. Se o fizesse, CS não incorreria apenas numa qualificada afronta à AR, configurando uma verdeiro "contempt of Parliament", Violaria também a sua obrigação constitucional de nomear um governo em plenitude de funções, para assim assegurar o regular funcionamento das instituições que lhe compete garantir e salvaguardar. É óbvio que os governos de gestão são por definição soluções transitórias, destinados a ser substituídos logo que possível por soluções de governo com plenos poderes.
Não concebo o PR a incorrer num tão qualificado abuso de poder.

Deslealdade institucional (2)

Parece evidente que o apelo envenenado de CS à divisão do PS vai ser um tiro pela culatra.
Devo, aliás, declarar que se eu fosse deputado, e sendo embora um antigo, declarado e convicto opositor de um acordo de governo do PS com a estrema-esquerda parlamentar (como escrevi aquiaqui e aqui, por exemplo), não infringiria porém a disciplina parlamentar, depois de vencido no grupo parlamentar. De duas uma: ou votaria de acordo com a posição vencedora (eventualmente com uma declaração de voto) ou deixaria o meu lugar na AR (temporária ou definitivamente) para dar lugar a outro na votação.
Não acredito que algum deputado do PS proceda diferentemente.

Deslealdade institucional (1)

Ao incitar diretamente à dissidência dentro do grupo parlamentar socialista na rejeição do governo da coligação de direita, Cavaco Silva não quebrou somente uma elementar regra de lealdade institucional, que é o respeito pela autonomia da AR e dos partidos e grupos parlamentares. Desafiou também expressamente o desrespeito da mais básica das regras de uma democracia parlamentar, que é a disciplina parlamentar em questões de governo.
Como sempre defendi, se um regime presidencialista pode conviver com a falta de disciplina parlamentar, um regime parlamentar não. Tanto mais que entre nós os eleitores votam nos partidos e não diretamente nos candidatos, que nem sequer figuram no boletim de voto.

Maus augúrios (4)

É evidente que a comunicação de Cavaco Silva vai ser festejada entusiasticamente pela direita e seus comentadores, a cuja agressividade política contra a esquerda nada ficou a dever. Mas duvido que seja aplaudida pelos que fora do campo da direita discordam da solução de governo do PS com a esquerda radical, que não podem rever-se na linguagem bélica de CS nem na falta de um mínimo de distanciamento e serenidade institucional por parte do Presidente da República.
Seja como for, quando o Presidente da República toma partido militante numa ácida contenda partidária corre o risco de deixar de ser visto como o garante imparcial do regular funcionamento da instituições. E isso pode ser o princípio do fim da confiança coletiva no Presidente da República.

Maus augúrios (3)

Ao sublinhar a traço grosso o perigo de um eventual governo do PS com apoio da esquerda antieuropeísta para a confiança externa no Pais, nomeadamente os mercados da dívida e os investidores, Cavaco Silva não podia ignorar que, vindo de onde vem, o seu alarme vai ter eco e pode funcionar como self-fulfilling prophecyprejudicando gravemente os interesses do País.
Parece óbvio que CS não hesita nos meios para esconjurar a "ameaça esquerdista".
Isto tem todos os ingredientes para não acabar bem.

Maus augúrios (2)

Infringindo ostensivamente uma norma óbvia da convivência institucional, Cavaco Silva apelou diretamente à responsabilidade individual dos deputados na votação das moções de rejeição do novo governo da coligação de direita, passando por cima dos partidos políticos, como se pudesse haver liberdade de voto individual num assunto destes. Embora sem nomear o PS, era ele o alvo óbvio de apelo à dissidência do PR.
É evidente que esta provocação de CS ao PS, que coincide com o seu total alinhamento com o bloco PSD-CDS, só pode ter efeitos contrários, consolidando o apoio dos deputados socialistas à liderança do Partido, bem como a aliança das esquerdas. Mais grave do que isso, não se vê como é que esta gratuita provocação política de CS pode deixar de envenenar definitivamente as relações entre o Largo do Rato e Belém, abrindo uma guerra aberta numa relação desde sempre marcada pela hostilidade recíproca.
Preparemo-nos para cenas pouco edificantes.

Maus augúrios (1)

1. Ou me engano muito ou a comunicação de Cavaco Silva desta noite pode ter inaugurado o mais profundo conflito político-institucional jamais ocorrido desde o início da era constitucional em 1976.
O Presidente da República não se limitou a dizer que indigita Passos Coelho por o PSD ter ganho as eleições, de acordo com a tradição nesta matéria, o que não é objecionável (como defendi, por exemplo, aqui). Ele acrescentou, porém, que o fez porque considera preferível uma solução de governo minoritário, necessariamente frágil e instável (contra o que ele próprio defendeu), do que a alternativa de governo maioritário que está a ser negociada à esquerda sob a égide do PS, solução que invetivou por todos as formas e qualificou de "altamente inconsistente".

2. Cavaco Silva não adiantou o que fará quando essa alternativa lhe for presente depois da quase certa rejeição do Governo Passos Coelho na AR.
Mas a violência das palavras que usou e o tom bélico com que se referiu à possibilidade de um Governo do PS com apoio do BE e do PCP, como se fosse o Mal encarnado, revelam que, mesmo que venha a ter de o nomear por falta de alternativa viável, não lhe vai dar o benefício da dúvida e o vai declarar como persona non grata, fazendo-lhe a vida tão negra quanto puder.
Preparemo-nos para o pior.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Um pouco mais de cuidado, sff


Extraordinário! Este título diz precisamente o contrário da notícia a que respeita, a qual se reporta ao meu artigo de hoje no Diário Económico, cuja primeira frase diz exatamente que um governo de esquerda seria perfeitamente legítimo!
O que eu contesto nesse artigo é a ideia abstrusa de submeter tal Governo a um regime de tutela do Presidente da República.

Adenda
Lamentavelmente, apesar desta correção e do protesto de vários leitores da própria notícia, o título enganador lá continua!

Tutela presidencial


Depois de ver desbaratada a sua estúpida teoria da ilegitimidade de um eventual governo à esquerda, a direita descobriu agora a teoria da tutela presidencial sobre os governos que não lhe agradam, como explico na minha coluna de hoje no Diário Económico.
É definitivo: a direita não compreende e muito menos se conforma com as regras da democracia parlamentar!

Nem as pensam!

1. Já disse o que tinha dizer sobre a monumental golpada constitucional e política que consistiria em manter indefinidamente em "funções de gestão" um governo rejeitado pela AR havendo uma alternativa de governo disponível.
Um leitor pergunta se nessa hipótese absurda poderia haver orçamento para 2016.

2. A resposta é obviamente negativa (como já disse aqui). Seria uma contradição nos termos.
Primeiro, o orçamento é a expressão financeira das opções políticas e do plano de atividades anual de um governo; ora, um governo de gestão não tem, por definição, opções políticas próprias (porque as viu rejeitadas na AR) nem, consequentemente, um plano anual de atividades para as efetivar.
Segundo, os governos de gestão estão constitucionalmente limitados aos "atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos", o que os limita aos atos imprescindíveis e inadiáveis (como entende, e bem, o Tribunal Constitucional); ora, o orçamento não passa esse teste, pois não é imprescindível nem inadiável, visto que na falta de um novo orçamento aplica-se o do ano anterior por duodécimos. Quando muito, pode tornar-se necessária alguma alteração pontual do orçamento, mas nunca um novo orçamento.
Por último, é evidente que, sendo minoritário o governo de gestão, como seria o caso, ele veria rejeitada pela oposição qualquer tentativa de aprovação do orçamento na Assembleia da República .

3. Caso arrumado, portanto. O que espanta é que ideias destas passem pela cabeça de alguém responsável. Decididamente há à direita quem se tenha "passado dos carretos".

Um pouco mais de rigor, sff


Não pode ser "escondido" o que ainda não existe, visto que o acordo ainda não está concluído, como toda a gente sabe (e como a própria notícia refere). E as negociações para o concluir não podem decorrer propriamente na praça pública.
Além disso, mesmo depois de concluído o acordo, faz todo o sentido não o abrir ao público antes de o apresentar aos órgãos próprios do Partido nem talvez mesmo antes de concluído o debate parlamentar sobre o programa de governo do PSD e do CDS, sob pena de este se tornar um debate antecipado sobre o programa de governo PS e não sobre o da coligação de direita, como deve ser.

Perda de tempo?

Em relação ao post anterior, um leitor argumenta que empossar Passos Coelho como primeiro-ministro quando já se sabe que ele não vai passar na AR é um "frete à direita é uma perda de tempo".
Não concordo. Pelo contrário, é uma solução que convém à esquerda. Primeiro, porque lhe dá o "gozo" de derrotar o governo de direita no local próprio; depois, porque assim ganha maior legitimidade para formar um governo alternativo.
Numa democracia constitucional os procedimentos são relevantes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O que se segue?

1. Apesar da flexibilidade da norma constitucional sobre a formação de governos, defendo que há uma "convenção constitucional" (ou seja, uma prática continuada e até agora consensual), segundo a qual a prioridade cabe ao partido mais representado na AR, que no caso concreto é o PSD, dando-lhe oportunidade de constituir governo e de se submeter ao voto parlamentar. Não vejo razões fortes para derrogar essa "convenção".
É certo que (i) tal governo será minoritário, apesar da precipitada coligação com o CDS, pelo que não cumpre o requisito político indicado previamente pelo PR, e que (ii) neste momento tudo indica que ele não passará no parlamento, estando em vias de conclusão um acordo de governo maioritário alternativo. Mas, por um lado, também parece óbvio que o PR não tem poder para impor esse requisito como condição absoluta; e, por outro lado, o tal acordo de governo alternativo ainda não é oficial, nem foi tornado público, não podendo portanto o PR dá-lo por definitivamente adquirido.

2. Caso o PSD não desista de formar governo e este seja rejeitado na AR, a solução lógica (até porque não se afigura haver outra conforme à Constituição) será chamar a formar governo o segundo maior partido parlamentar, que é o PS.
Não há razão nenhuma para todo este processo não estar concluído dentro de três ou quatro semanas.

De cabeça perdida


Este excerto de um comentário de J. M. Fernandes no Observador revela como a imprensa de direita está a perder o mais elementar sentido de moderação e de respeito pelos adversários no debate político.
Sim, não dá para acreditar! Disgusting!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Governo sob tutela presidencial? (2)

Relativamente ao post anterior, é certo que existe um infeliz precedente nas orientações dadas por Jorge Sampaio ao Governo Santana Lopes em 2004. Mas por isso a critiquei veementemente na altura (mais tarde o próprio Sampaio havia de considerar errada a sua iniciativa). Tenho por isso autoridade para a rejeitar de novo.
Um mau precedente não pode justificar a sua repetição. Na primeira vez pode ser produto da inadvertência; a repetição só pode ser justificada pela vontade deliberada de incorrer em abuso de poder presidencial.

Governo sob tutela presidencial? (1)

1. Perdida a tese da alegada ilegitimidade de um eventual acordo de governo à esquerda, a direita não tardou a recorrer a outro estratagema, como mostra esta tese de Marques Mendes: se não puder ser impedido, pelo menos um tal Governo  tem de ser colocado sob tutela presidencial.
Esta tese padece, porém, de um pequeno problema: não tem nenhuma base constitucional, é incompatível com a separação de poderes e contraria frontalmente a função constitucional do Presidente da República.

2. No nosso sistema constitucional de governo, o Presidente da República não participa no governo e os governos não dependem da sua confiança, nem ao serem nomeados nem na sua ação posterior. Não compete ao PR avaliar o mérito ou demérito dos governos ou da ação governativa (que cabe somente à AR e aos eleitores).
O PR não tem funções de orientação ou direção dos governos nem das suas políticas. Pode dar conselhos, emitir recomendações e, até, fazer advertências (tendo em vista o seu poder de veto legislativo e de dissolução parlamentar). O que não pode é exigir compromissos quanto ao programa ou quanto à orientação política dos governos, nem muito menos dar-lhes instruções.
Por conseguinte, não faz nenhum sentido a ideia de o PR colocar condições substantivas a um governo no momento da sua nomeação nem estabelecer orientações para a sua ação futura. Se o fizesse, o PR tonar-se-ia corresponsável pela ação governativa. Ora o PR não responde perante os eleitores por essa ingerência na governação. E não pode haver poder governativo imune à responsabilidade política.

domingo, 18 de outubro de 2015

As alternativas do PS

1. O PCP e o BE continuam a pressionar o PS dizendo que a direita só se manterá no poder se os socialistas "viabilizarem" o governo da coligação na AR. Mas isto é um sofisma político.
O que é votado na AR não é o programa do governo, mas sim as moções de rejeição da oposição, se as houver. Não é a mesma coisa. Ora o líder do PS sempre disse que só alinhará na rejeição do governo PSD-CDS se houver uma solução de governo estável à esquerda, o que pressupõe os necessários compromissos políticos do PCP e do BE. Se estes não os quiserem assumir, então serão eles, e não o PS, os responsáveis pela tal "viabilização" do governo da direita.

2. Se não houver, como penso ser mais provável, um acordo de governo a três à esquerda com garantias de estabilidade, o PS não vai obviamente correr a aceitar a proposta de um acordo à direita para apoiar o governo da coligação. Pelo contrário, além de rechaçar essa proposta, entendo mesmo que o PS deve afastar qualquer negociação com a direita sobre a passagem do Governo, demarcar-se dele e assumir com plena autonomia o seu papel de líder da oposição, mantendo o Governo com rédea curta. É essa terceira via que defendo desde o princípio.

3. Aliás, para tornar claro que a sua votação nas moções de rejeição do PCP e do BE não significa nenhuma viabilização política do Governo, o grupo parlamentar do PS até poderia optar por votar maioritariamente a favor dessas moções, salvo as abstenções (ou faltas) necessárias para que elas não serem aprovadas por mais de 115 deputados. Desse modo, embora não rejeitado para efeitos constitucionais, o Governo iniciaria o seu mandato com uma pesada rejeição política na AR,sublinhando o seu irremediável défice de apoio parlamentar.

sábado, 17 de outubro de 2015

Um pouco mais de sentido de responsabilidade, sff


1. Um vento funesto está a varrer o campo da direita, afetando gravemente o bom senso e o sentido de responsabilidade política de toda a gente.
Quando até um "senador" como Bagão Félix, conhecido pela sua ponderação de estadista, resolve coonestar a "golpada" para que alguns espíritos sem escrúpulos políticos pretendem arrastar o Presidente da República - a de manter durante meses em funções um governo PSD-CDS rejeitado pela AR - e defender que o País poderia não ser gravemente afetado, concluímos que ninguém escapa a esse clima de desatino compulsivo.

2. Ora, não é somente o grave abuso de poder e o intolerável desafio à autoridade da AR em que o PR incorreria (arriscando em última análise uma proposta de acusação penal na AR por "crime de responsabilidade", o que seria lamentável). É também a supina irresponsabilidade de manter o País com um governo de gestão até ao verão do próximo ano, sem orçamento, sem renovação das medidas de austeridade ainda em vigor, sujeito a ver todas as medidas governamentais contestadas no Tribunal Constitucional por excesso de poder ou revogadas por uma maioria parlamentar hostil.

3. Se esse previsível caos político e institucional é o preço que querem fazer pagar ao País para manter à outrance a direita no poder e para excluir arbitrariamente uma legítima maioria alternativa de governo, então percamos toda a esperança!

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Um pouco mais de serenidade, sff


O facto de uma "senadora" como M. Ferreira Leite vir contestar a legitimidade de um eventual acordo de governo entre o PS e os partidos à sua esquerda em termos mais próprios de uma caixa de comentários do Observador (qualificando-o como "golpe de Estado" e como "fraude eleitoral") revela o estado de raiva e de desatino da direita.
Havendo tantos argumentos políticos contra uma tal solução de governo (que eu, aliás, fui o primeiro a enunciar poucos dias antes das eleições, quando me apercebi que ela poderia vir a estar na calha...), não se compreende por que é que a direita há-de continuar a insistir na sua suposta ilegitimidade, como se fosse um delito político, qualificando como "golpe de Estado" e como "fraude eleitoral" aquilo que é perfeitamente conforme às regras da democracia parlamentar (como mostrei aqui) e que, ainda por cima, foi claramente introduzido na agenda eleitoral (como mostrei aqui)?

A contradição

1. Os dirigentes e comentadores de direita continuam a tentar convencer os eleitores do PS de que eles "não votaram num governo do PS com o PCP e o BE".
Pois não! Mas também não votaram contra. Numa democracia parlamentar os eleitores não votam em governos mas sim em partidos que depois formam o governo de acordo com a sua representação parlamentar (incluindo alianças de governo com que eles individualmente podem não concordar).

2. Há duas coisas certas quanto aos eleitores do PS: quiseram votar a favor de um governo PS e, portanto, contra o governo do PSD e do CDS. Acresce que, como mostrei aqui, ao passo que uma aliança de governo com a direita foi explicitamente excluída pelo PS antes e durante a campanha eleitoral, já a hipótese de um governo do PS com os partidos à sua esquerda não somente não foi excluída como foi inequivocamente admitida (o que a meu ver afastou eleitores que quiseram excluir essa possibilidade, sendo essa uma das razões para o insucesso eleitoral do PS).

3. É curioso que os comentadores de direita que consideram ilegítimo um acordo de governo do PS com o PCP e o BE já admitem sem problemas um acordo de governo do PSD e do CDS com o PS. É óbvia a contradição: se os eleitores do PS não votaram num governo com o PCP e o BE muito menos votaram numa aliança de governo com a direita, como eles propõem. E o mesmo se pode dizer, de resto, dos eleitores da Coligação de direita, que também não votaram numa aliança de governo com o PS.
Mais uma vez, a lógica política da direita não tem ponta por onde se lhe pegue.

Elementar

Os dirigentes e comentadores de direita deviam frequentar um curso elementar de democracia parlamentar.
Primeiro, ao contrário das democracias presidencialistas, que elegem diretamente o chefe do governo e este não precisa de ratificação parlamentar, nas democracias parlamentares não se elege diretamente nem o primeiro-ministro nem o governo. Elegem-se deputados para o parlamento, cujos partidos depois formam o governo de acordo com a sua representação parlamentar.  
Segundo, numa democracia parlamentar com sistema de representação proporcional, como a nossa, poucas vezes há um partido com maioria absoluta, pelo que o partido mais representado no parlamento pode não conseguir constituir governo se não obtiver o apoio parlamentar em falta.
Terceiro, a nossa Constituição é clara quando refere a possibilidade de os governos minoritários serem rejeitados à partida no parlamento, e é absolutamente falsa, como mostrei aqui, a ideia de que existe uma "norma não escrita" para os deixar passar.
Por último, como é lógico e é norma nas democracias parlamentares, se o partido mais representado não conseguir formar governo ou este for rejeitado, cabe ao segundo maior partido tentá-lo. E no caso português nem sequer há a opção da dissolução parlamentar e novas eleições.
Será que é tão difícil de compreender por que é que, sem nenhum "golpe de Estado" nem nenhuma "usurpação de poder", em vez de um novo governo Passos Coelho podemos vir a ter um governo António Costa?

Não é a mesma coisa

Não sendo apoiante de um eventual acordo de governo à esquerda, é-me relativamente indiferente a forma que ele venha a revestir. Mas admira-me que os seus apoiantes não debatam essa questão.
Na verdade, não é mesma coisa tratar-se de um simples acordo de sustentação parlamentar a um Governo do PS ou de um acordo de coligação propriamente dita, que inclui um Governo tripartido.
Não é o mesmo o grau de envolvimento dos dois partidos da extrema-esquerda parlamentar no Governo, mas também não é o mesmo o seu compromisso e corresponsabilidade quanto a ele.
O pior que poderia suceder ao PS era aceitar um suposto acordo de governo com os dois referidos partidos mantendo estes um pé (ou nenhum) dentro e outro (ou ambos) fora.

Adenda
Seja como for, não vejo como é que pode haver algum acordo se não houver compromisso firme, para quatro anos, pelo menos quanto ao programa do governo e quanto às metas de redução do défice orçamental e da dívida pública, de acordo com os nossos compromissos como membro da zona euro.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A treta

«(...), a ideia de que existe uma norma consuetudinária de não rejeitar à partida governos minoritários do partido vencedor das eleições é uma treta sem nenhum fundamento. Por um lado, quase sempre houve apresentação de moções de rejeição (inclusive uma moção de rejeição do PS contra o único governo minoritário do PSD, em 1985, que teria sido aprovada se o PRD a tivesse secundado). Por outro lado, e mais importante, os partidos de direita só não apresentaram moções de rejeição contra governos minoritários do PS porque em nenhum caso eles tinham maioria absoluta para a aprovar nem para depois constituir um governo alternativo. O resto é ficção.»
Esta é uma passagem da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.

Cenas de ódio

A imprensa de direita entrou em geral em modo bélico contra a hipótese de um acordo de governo à esquerda, não somente contestando as regras elementares da democracia parlamentar sobre a formação de governos (como tenho vindo a demonstrar) mas também enveredando por uma rasteira campanha de ataques pessoais de baixo quilate ao líder do PS, em que os termos menos ofensivos são "traição", "desonestidade", "deslealdade", etc. Verdadeiras cenas de ódio político ad hominem, como há muito não se via em Portugal.
Nesse aspeto, lamentavelmente nem órgãos menos passionais como o Observador escapam a essa vertigem, como mostram as inqualificáveis peças de alguns dos seus colunistas.