sábado, 31 de julho de 2004

Medeiros Ferreira

Dá uma excelente entrevista à edição de sábado de A Capital e nomeia o CN como um dos seus blogues preferidos. Obrigado, caro conterrâneo!

back on duty

Depois de 3 dias de intoxicação alimentar, 3 kgs mais magro e muitas horas de delírio febril depois, termino a baixa e apresento-me de regresso ao serviço. Nomeadamente através da utilização de um artifício que até agora desconhecia. A alteração da data dos posts, o que me permitiu colmatar os dias brancos que foram a 3ª, 5ª e até mesmo este sábado. Sim, escrevo-vos de domingo - sentindo-me em pleno conto de Philip K.Dick.

sexta-feira, 30 de julho de 2004

Alegre e Sócrates

Entre Sócrates e Alegre prefiro, certamente, Alegre. Alegre é o que é, mostra o que é e o que sempre foi, não disfarça. Sócrates é um camaleão do oportunismo político, que pesca à direita os apoios do aparelho do PS e à esquerda a caução ideológica junto de figuras tão improváveis como Sérgio Sousa Pinto e António Reis.

Prefiro mil vezes o romantismo «démodé» mas genuíno de Alegre ao novo-riquismo «modernista» e empertigado de Sócrates. Mesmo quando nos irrita com os seus ares de aristocrata «blasé» e eterno diletante da política, Alegre tem uma espessura como personagem que o distingue da inconsistência robotizada de Sócrates (a sua recente entrevista à revista do «Expresso» é, a esse respeito, exemplar).

Evidentemente, Sócrates programou-se (ou foi programado) para ganhar, enquanto Alegre parece assumir (mesmo quando pretende o inverso) a pose romântica do lutador destinado a perder, mas com honra, uma batalha simbólica. Além disso, Alegre representa, «malgré-lui», um PS arcaico e saudosista que, apesar das proclamações em contrário, tem notória dificuldade em ultrapassar o mero terreno ideológico ou a condição mítica de representante das classes oprimidas ou marginalizadas pelo neo-liberalismo.

A síntese entre rigor económico e defesa dos direitos sociais implica uma reavaliação do papel do Estado e, em particular, do Estado-Providência, de modo a garantir a sustentabilidade das áreas fundamentais do serviço público. E, para isso, não basta apenas uma atitude defensiva de protesto ou inconformidade face aos abusos neo-liberais. É indispensável uma atitude ofensiva que mobilize as energias dos sectores mais dinâmicos da sociedade e não só a revolta ou o ressentimento dos que se sentem excluídos. Se a esquerda democrática não conseguir responder a este desafio, só lhe resta ser absorvida pela lógica neo-liberal (como aconteceu com Blair) ou fixar-se num estéril saudosismo doutrinário divorciado do real.

Vicente Jorge Silva

quarta-feira, 28 de julho de 2004

O Maria da Fonte

Há muito que Alberto João Jardim esgotou o seu reportório. E o Chão da Lagoa transformou-se num disco riscado, riscadíssimo, depois de tanta repetição. Terminada a habitual prova de resistência gastronómico-alcoólica nas mil barraquinhas do festival laranja ( prova de resistência que ultrapassa a normal capacidade humana, diga-se em abono da verdade) Jardim quer mostrar que sobreviveu à batalha dos copos, mesmo quando lhe acontece partir um braço na subida para o palco. Foi assim anteontem, ontem, e é assim hoje como será amanhã (se esta história patética estiver condenada a eternizar-se).

Tem sido sempre assim, desde tempos quase imemoriais. Chegada a hora de botar discurso, Jardim articula umas trogloditices para animar o povão, trogloditices essas que só são superadas pelas javardices simiescas do inevitável cromo Jaime Ramos. Se ainda houvesse dúvidas sobre a regressão mental madeirense, desde o momento, já longínquo, em que Jardim se tornou senhorio e festeiro da Madeira Nova, o repetitivo «show» do Chão da Lagoa seria suficiente para esclarecer-nos em definitivo.

O avisado Santana Lopes (que se fez convidar segundo Jaime Ramos e que foi convidado por Jardim segundo este) acabou por não comparecer. Jardim sentiu-se, por isso, mais livre para disparatar à vontade como é seu timbre, mas sem conseguir esconder a frustração por não ter sido proposto para um cargo ministerial (como intimamente desejava) no Governo de Santana.

De resto, o posto a que Jardim secretamente se propunha (o de ministro da Defesa) continuou ocupado pelo seu recentíssimo inimigo de estimação, Paulo Portas. Não terá sido, aliás, por acaso, que o Paulinho das feiras decidiu dar um rebuçado de consolação ao líder regional do CDS, José Manuel Rodrigues, vaticinando o fim próximo do ciclo político jardinista na Madeira. Jardim foi um motivo suplementar para marcar as distâncias entre os parceiros da coligação.

O problema é que Jardim (tal como os seus sequazes) perdeu completamente a imaginação. À falta de novas causas mobilizadoras, resta-lhe representar agora o papel de Maria da Fonte, mobilizando os distritos do Portugal profundo contra a horrorosa Lisboa.

Depois de sacar à grande e à francesa todos os fundos e subsídios possíveis e disfarçar os patamares mais inverosímeis do endividamento regional para garantir a subsistência das suas clientelas políticas e empresariais (que, aliás, se confundem, como atesta o caso de Jaime Ramos e confrades), o tiranete madeirense ainda tem o descaramento de lançar uma guerrilha regional contra a mão que o alimenta. Só que isso não representa sequer novidade nenhuma ? e, ainda por cima, Jardim já nem ameaça com as velhas teses separatistas. Ninguém o ouve, afinal.

Jardim limita-se a fazer o seu habitual número de circo para disfarçar a fragilidade e o isolamento a que foi votado por um Governo com o qual era suposto ter as mais íntimas afinidades políticas. Os Açores ganharam um ministro na equipa de Santana Lopes e a Madeira não teve direito a nenhum. A Madeira tornou-se, definitivamente, um fenómeno extra-terrestre na contabilidade política nacional. É por isso que resta apenas a Jardim converter-se em Maria da Fonte. Pobre e ridículo destino!

Vicente Jorge Silva

(Uma outra versão deste texto é publicada hoje no «Garajau», «quinzenário sério e cruel» editado na Madeira)

O leque

Durante o debate do programa do Governo, recorri aos leques de uma colega da bancada do PS, a Teresa Venda, para combater o calor insuportável que se fazia sentir no Parlamento. Por causa disso ganhei uma notoriedade mediática que decerto não me seria concedida se tivesse falado. Amigos telefonaram-me excitados com a minha estreia de leque (ou leques), e até o director de um jornal chegou a confidenciar-me que preferia um deles, de cor vermelha. Também por causa disso vi-me associado, por vezes com comentários maliciosos, à estrela actual do uso do leque: a ministra da Cultura, Maria João Bustorff.

Atribuir tanta importância a um simples leque só pode significar que este simpático objecto se tornou um símbolo inesperado do novo ciclo político. Abanamo-nos para afastar o calor mas também, por via simbólica, para sacudir a atmosfera de insustentável ligeireza que envolve o actual Governo. Quem precisaria de um leque ou mesmo de uma ventoinha (um deputado do PSD trouxe uma de casa, mas não teve direito aos meus quinze segundos de glória lequística) é o primeiro-ministro Santana Lopes, para abanar a displicência que lhe suscitam os maçadoríssimos assuntos do Estado.

Santana só acordava da modorra parlamentar e dava sinais de vida quando abandonava as formalidades da «política séria» em que se movimenta tão pouco à-vontade (porque será que ele dá sempre a impressão de estar a ler discursos feitos por outros?), deixando-se transportar pela vertigem supérflua e frívola do verbo (em que continua a ser verdadeiramente imbatível). É manifesto que ele adora ouvir-se a si mesmo quando é acometido por um desses tiques de tribuno fala-barato que fizeram a sua fama, imaginando-se toureiro em plena faena. Então é vê-lo (e ouvi-lo) divagar em voo errático sobre o ninho de cucos dos tais assuntos do Estado que o aborrecem de morte e refugiar-se no gozo infantil desse brinquedo caro que a comédia do poder lhe proporciona.

O mais curioso (e isso viu-se de novo agora, embora poucos pareçam ter-se dado conta) é que o nóvel primeiro-ministro acaba, quase insensivelmente, por contaminar ou neutralizar os adversários com a frivolidade da sua pose. Raramente assisti a um debate parlamentar tão morno, tão vazio, tão pouco convicto, tão aéreo, como aquele que decorreu ontem e hoje em São Bento. Mesmo os melhores talentos parlamentares pareciam entorpecidos, deslocados e em clara baixa de forma (com a provável excepção de Jaime Gama, num registo de humor venenoso mas, no fundo, amável). E viu-se como o tom do discurso de Louçã se mostrou ostensivamente desajustado, numa exibição de agressividade gratuita que Santana, aliás, demoliu com apropriada sagacidade.

Será que a política «light» de Santana é mais contagiosa do que se desejaria admitir? Ou que tudo não passou apenas de um acidente estival, favorecido pelo calor e pela eterna crise do ar condicionado em S. Bento (não funciona ou funciona mal desde que aí entrei como deputado há já mais de dois anos e meio)? Abanemo-nos, pois. Sigam o meu exemplo. O tempo é de leques, caros bloguistas.

Vicente Jorge Silva

terça-feira, 27 de julho de 2004

este homem é um senhor!


Um dos jornalistas do "60 Minutes", tão competentes e incisivos como canastrões e arrogantes, perguntou a Michael Moore a questão cirúrgica. O dedo na ferida:
- Uma das maiores críticas aos seus filmes tem a ver com a forma como se filma. Dizem que se filma tanto a si próprio, que se expõe tanto na própria película, que o filme deixa de ser sobre isto ou aquilo para passar a ser sobre "o que Michael Moore pensa sobre isto ou aquilo". O que pensa disto?

- Pense bem. Se você se parecesse comigo, gostaria de se filmar?

segunda-feira, 26 de julho de 2004

Quem tem medo de Jorge Coelho?

Manuel Alegre, candidato da ala esquerda do PS à liderança do partido, voltou atrás nas suas justíssimas e justificadíssimas críticas à duplicidade dos papéis de Jorge Coelho, enquanto responsável pelo sector autárquico socialista e, simultaneamente, apoiante declarado de José Sócrates.

Alegre, além dos seus conhecidos talentos literários, é uma excelente pessoa que se deixa trair, com frequência, por uma incorrigível ingenuidade política. Em tempos, depois de ser um dos críticos mais acerbos do guterrismo, acabou por render-se ao discurso «de esquerda» que Guterres concedeu fazer, durante um congresso, para domesticar as veleidades do romântico histórico socialista. Agora, o escritor parece ter ficado receoso das consequências nefastas que as críticas a Coelho poderiam provocar na sua candidatura e na sacrossanta «unidade» do partido.

Coelho é, de facto, um homem poderoso, demasiado poderoso e influente na máquina partidária socialista, um fazedor de reis. Aparentemente, toda a gente tem medo dele (veja-se a deferência que todos os notáveis do PS lhe manifestam, como João Soares, por exemplo). Ora, precisamente, um dos sinais clarificadores dentro do PS seria criar uma distância crítica relativamente a Coelho e a tudo o que ele representa como expoente do mais típico clientelismo e aparelhismo socialista.

Alegre começou por pôr o dedo na ferida e esse gesto significava a ousadia estimulante que poderia constituir a sua candidatura. Ao recuar, acabou por retirar-lhe essa diferença e colocou-se numa posição vulnerável e frágil, do ponto de vista político e ético, face à intocabilidade de Coelho. Será que este está acima da isenção e imparcialidade que se exigem a quem desempenha um papel tão relevante como o dele na máquina partidária? Ou será que, por ser quem é, Jorge Coelho pode reunir com os autarcas do PS numa manifestação de apoio a Sócrates e assegurar, ao mesmo tempo, uma conduta irrepreensível na chefia do sector autárquico do partido?

Vicente Jorge Silva

Animais

A política portuguesa animalizou-se. Embora o homem mantenha, supostamente, a distinção de ser o único animal racional, os políticos parecem agora dispostos a dispensá-la com evidente furor...animal. E para que não restem dúvidas, José Sócrates, candidato a líder do PS, não se coibiu de declarar ao último «Expresso»: «Sou um animal feroz». Que medo!!!

Foi a declaração mais substancial e significativa que o principal semanário do país escolheu para título de primeira página, embora Sócrates, na entrevista que concedeu ao jornal de José António Saraiva, não se coíba de citar alguns dos seus «mâitres-à-penser», numa salada russa digna dos violinos de Chopin caros a Santana Lopes: Voltaire, Popper e até o romancista alemão Erich Maria Remarque... (Só se esqueceu, pelos vistos, de Sérgio Sousa Pinto, autor prometido da sua moção ao congresso do PS). Chegados a este ponto, só nos falta estremecer de terror pelo futuro reservado ao Partido Socialista.

Ainda há pouco tempo, o ex-líder parlamentar do PS, António Costa, agora deputado europeu, já nos advertira que a política é uma coisa desumana. Talvez por isso tenha agora aparecido como apoiante fervoroso de Sócrates. Os dentes caninos dos políticos é mesmo o que está a dar. Deduz-se que seja uma compensação para a crise das ideologias. Quanto mais mordo, mais faço valer as minhas ideias (ou o que tomou o lugar delas).

Se houvesse dúvidas, bastaria ouvir o latido (feroz, como o de Sócrates?) que Alberto João Jardim voltou a emitir na festa do Chão da Lagoa contra os políticos do continente. Aliás, Jardim já ostentara a condição de «animal ferido» para justificar as suas reacções caninas contra as injustíssimas críticas de que é alvo nos meios de comunicação social continentais.

Tendo em conta as explosivas misturas etílicas que o líder madeirense costuma ingerir por esta altura do ano na companhia do seu amigo (e ladrador compulsivo) Jaime Ramos, percebe-se que a política portuguesa (insular e continental) esteja mesmo contaminada pelo vírus animal e canino. Será que Sócrates queria roubar, por antecipação, o protagonismo a Jardim, dando razão ao seu apoiante Costa sobre a desumanidade da política?

Houve um tempo saudoso em que se falava de «animais políticos» para definir algumas características dos líderes partidários (ou candidatos a tal). Mas a partir do momento em que um José Sócrates se declara «animal feroz», sem necessidade de sublinhar que é, apenas, um animal político dotado de ferocidade, podemos considerar-nos definitivamente esclarecidos sobre a condição puramente animalesca da política. Cuidemo-nos, pois!

Vicente Jorge Silva

sábado, 24 de julho de 2004

sexta-feira, 23 de julho de 2004

Para onde vai a esquerda do PS?

Confesso que não percebi a intenção de Manuel Alegre ao apresentar-se como candidato a líder do PS, numa sala de reuniões do Parlamento, acompanhado apenas pela gentil Maria de Belém. Será porque João Soares apresentava formalmente, no mesmo dia, a sua candidatura àquele posto (e Alegre entendeu dever marcar o terreno na esquerda do PS)? Em todo o caso, a conferência de imprensa de Alegre pareceu-me improvisada e tosca demais para transmitir uma convicção mobilizadora aos socialistas que não se reconhecem na candidatura aparelhística de José Sócrates nem na candidatura tribal de Soares.

O registo de propriedade da «alma da esquerda» como argumento de combate político contra Sócrates só serve para este apresentar-se como arauto da modernidade contra o arcaísmo partidário. Não é batendo no peito, erguendo o punho e gritando slogans do género «a verdadeira esquerda sou eu» (slogans destituídos de conteúdo e vazios de reflexão sobre os caminhos de uma esquerda actuante e moderna) ou exibindo galões de resistência anti-fascista que se apresentará uma alternativa ao guterrismo-blairismo recauchutado e plastificado de Sócrates. (A propósito, que faz Sérgio Sousa Pinto nesta galera? Como explica ele a sua aliança com o que o PS tem de mais bafiento e clientelista? Move-o apenas o apetite insaciável do poder?).

Será a esquerda socialista capaz de gerar um projecto de futuro ou está condenada a viver das saudades do passado e das glórias do antifascismo, num combate de retaguarda? Como articular o património de convicções e valores da esquerda democrática com uma resposta ousada e consistente aos desafios da modernidade?  Esta é uma questão decisiva.

Todos se lembram do que aconteceu quando João Soares, em desespero de causa, quis transformar a sua campanha autárquica lisboeta contra Santana Lopes numa cruzada anti-fascista. O feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Mas, pelos vistos, há feiticeiros incorrigíveis.

Vicente Jorge Silva  

Governo de «Teguis»

Pobre Teresa Caeiro! Esteve para ser ministra da Cultura, passou para «ajudante» de Paulo Portas nos Antigos Combatentes e acabou, finalmente, nas Artes e Espectáculos. Este frenético saltitar da irrequieta (mas afinal dócil) «Tegui» surge como mais um episódio na vertiginosa disputa política que, mal o Governo havia tomado posse, vem opondo Santana Lopes a Paulo Portas.

Confirma-se o que muitos haviam previsto: este Governo está infectado, desde a origem, por um vírus escorpiónico que ameaça fazê-lo implodir a qualquer momento. Junte-se a traquicine congénita de Santana e Portas, a sua irresistível necessidade de afirmação pessoal, e temos duelo aprazado mais cedo do que seria de esperar. Jorge Sampaio aproveitará então para lavar as mãos do desastre (e da sua decisão anterior) e convocar eleições antecipadas. Assim vai a estabilidade política num país que se confunde cada vez mais com uma república das bananas ou um ninho de cucos.

Perante a insistência dos jornalistas após a sua tomada de posse, Teresa Caeiro repetiu por várias vezes que não tinha explicações a dar. Coitada! Pelos vistos não consegue sequer dá-las a si própria, olhando-se ao espelho, sem corar de vergonha pelas cenas a que se prestou. Como é que alguém com um mínimo de respeito por si mesmo se sujeita a ser joguete nas mãos de dois traquinas compulsivos? Isso é que não deveria ter explicação. Mas tem. Na  Defesa ou na Cultura, tanto faz, «Tegui» busca apenas um palco onde possa representar um qualquer e irrelevantíssimo papel na comédia do poder. Ela tornou-se um verdadeiro símbolo deste Governo de «Teguis».

Vicente Jorge Silva

quinta-feira, 22 de julho de 2004

Barroso, o Presidente da Comissão Europeia

O candidato do Conselho Europeu, o português José Manuel Barroso, foi hoje aprovado para futuro Presidente da Comissão Europeia pelo Parlamento Europeu.
Como foi indicado por António Costa, os deputados socialistas portugueses organizaram-se para não inviabilizar a sua eleição. "Não inviabilizar" não é o mesmo que "viabilizar", sublinho.
Como deputada ao PE, votei em consciência e em coerência com o que penso e publicamente tenho dito e escrito sobre José Manuel Durão Barroso, o homem e a sua política como Primeiro-Ministro.
Depois de anunciados os resultados da votação, fui cumprimentar o novo Presidente da Comissão Europeia e disse-lhe: "Espero que sejas melhor para a Europa do que foste para Portugal".

Ana Gomes

Novo MNE e Iraque

Dando primeiros passos, tímidos, no sentido de ensaiar uma retirada do Iraque, mas no incómodo que sempre lhe suscitaram debates parlamentares sobre esta matéria - logo, sem dar cavaco a ninguém - decidiu o Governo da direita (ainda o de Durão Barroso) enviar para o Afeganistão um C-130 e adicionais três militares, que partirão já na próxima semana.
Mesmo sem ser instigado por Santana Lopes, o novo MNE deve estar já a congeminar como se livra da batata quente do contigente da GNR no Iraque em Novembro. Seria bom que clarificasse com urgência se Portugal manterá o mesmo tipo de participação ou se, pelo contrário, optará por apoiar as instituições democráticas, através da formação de quadros no âmbito da iniciativa que o Banco Mundial se prepara para lançar no Outono na Jordânia.
Do ponto de vista do interesse nacional e da nossa imagem no mundo, o pior que poderia acontecer ao Governo - e a Portugal - era ser confrontado com um cenário "limite" e ter de decidir sob pressão (à la filipina...). Ajudar à reconstrução do Iraque optando em tempo pelo apoio ao "institution building" seria decerto solução mais consensual e inteligente. É também a que corresponde ao código genético do diplomata nato que é o nosso novo MNE, António Monteiro (pese embora que em tão melindroso dossier a posição que há-de prevalecer é a do Governo no seu conjunto e, principalmente, a do Primeiro Ministro).
Sei do que falo. Passamos juntos dois anos intensamente imersos no Iraque, em 1997-98, no Conselho de Segurança da ONU, onde ele exercia a presidência do Comité de Sanções e me entregou a coordenação de todo o dossier Iraque. Incluindo o programa "oil for food", cuja aplicação se iniciou connosco e durante dois anos obrigou António Monteiro à chatice (dele, mas também dos seus colaboradores que antes tinham de passar tudo a pente fino...) de assinar, diariamente, centenas de contratos de todo o tipo de aquisições que Saddam comprava, legalmente, a todo o mundo (excepto às empresas portuguesas que olimpicamente ignoraram aquele Programa).
Interrogo-me, de resto, porque será que os "bushistas" que lançaram um encarniçado ataque-inquérito contra a ONU a pretexto deste Programa, não dão sinal de interesse em nos ouvir? É que a gente até tem muito que contar! Ou é exactamente por isso?

Ana Gomes

Za


Os colegas chamam-lhe ZZ Top ou Zerovic, porque já não corre. Mas Zlatko Zahovic não se importa. Foi campeão nacional de xadrez quando tinha 16 anos e é o melhor jogador esloveno de sempre. Capitão da sua selecção aos 33 anos, Za gosta de levar livros para os estágios do Benfica e fica a ler no bar, onde pede para desligarem a televisão. É um 10 e a um 10, já se sabe, perdoa-se quase tudo. Joga quando lhe apetece e perde a cabeça, em média, duas a três vezes por ano. Sempre em grande estilo como se exige aos Cantonas e aos Maradonas. Agora, ouviu dizer que o Rui Costa vem aí e resolveu "abrir o livro" - para utilizar o melhor dos chavões da gíria desportiva. Este homem é um senhor.

A avózinha do hip-hop

Num café com televisão passava um vídeo de hip-hop chunga, cheio de grandes carros e grandes mulheres onde o MC discursava pedagogicamente sobre como as "bitches" podem proporcionar prazer oral a um indivíduo. Concentrada, e só na sua mesa, uma septuagenária visionava o clip. Pediu um "cházinho de limão frio" que o empregado traduziu para Ice Tea com gelo, e voltou à "canção". Não havia no seu olhar nenhum vestígio de condenação moral ou qualquer outra. Olhava apenas. E cirurgicamente acertada com o ritmo do hip-hop, batia com os dedos no tampo da mesa. E sorria. E se isto não é um post, não sei o que seja. Talvez um conto, mas não tenho tempo.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

200.000

Foi o número de visitas registado ontem pelo nosso contador desde o dia original do CN. Como o Vital, a Maria Manuel e o Luís Nazaré estão de férias, cabe-me registar o momento e agradecer a todos aqueles que nos visitam e partilham connosco este prazer diário. Obrigado pela vossa atenção, pelo vosso correio e pela assiduidade. A causa está para durar.

Entusiasmos empresariais

Quando um naipe representativo dos empresários nacionais vem declarar, no «Jornal de Negócios», o seu «entusiasmo» («entusiasmo», notem bem, é Sérgio Figueiredo, o director do diário, quem o assinala) com a equipa económica de Santana, que conclusão devemos extrair?
Que basta Bagão Félix ter transitado para as Finanças e Álvaro Barreto garantir o poder da sua recheada carteira de representação dos interesses económicos para se assistir a tal deslumbramento e euforia?
Afinal eram tão escassas as expectativas empresariais, depois de se ter falado em tantos nomes rutilantes para o prometido «dream team» de Santana?
Ou será que os nossos tão reivindicativos empresários e a jovem nata do «Compromisso Portugal» se contentam em ter simbolicamente António Mexia no Governo?
Não apetece concordar por uma vez com Vasco Pulido Valente e subscrever o seu diagnóstico sobre a estupidez atávica dos patrões portugueses?
VJS

terça-feira, 20 de julho de 2004

Navegações à vista, que só vistas...

Viu-se na TV: Paulo Portas mostrou-se surpreendido por tomar posse do cargo de "ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar", apesar de muito ter suado para alargar a sua linha de Tordesilhas. A surpresa estava, afinal, apenas no título; não havia razão para tanto espanto. D. Manuel I tinha um muito maior, em que além de Portugal, Algarves e Guiné, incluía o senhorio do comércio, da descoberta e da navegação da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia; mesmo em regime republicano e depois das descolonizações, o título do líder do CDS/PP só peca por ser curto, convenhamos.
O sobressalto de Portas deu umas tantas gargalhadas à Pátria estável, por assim ficar evidenciada a trapalhada da formação do presente Governo. A estabilidade venerada por muitos tem peripécias assim. E veremos o mais que se seguirá na continuidade deste episódio, que só não é digno de antologia porque Eça de Queiroz o omitiu no manuscrito de " O Conde de Abranhos".
Ficamos, pois, com o mar na banheira do Ministério da Defesa; com as pescas continuando a cavalo na Agricultura; a administracao portuária, sabe-se lá onde...; a investigação científica dos recursos marinhos algures, se existir; a protecção ambiental das nossas costas entregue à Virgem do "Prestige"; a defesa internacional dos nossos direitos marítimos diafanamente ancorada nas Necessidades; a marinha mercante afundada; e a nossa ZEE a saque, entregue à velocidade dos submersíveis que o Ministro Portas encomendou...
Esta fragmentação santano-portista da coisa marítima, de resto, contradiz o que o Governo de Durão Barroso defendeu e disse querer pôr em prática, com a criação da Comissão Estratégica dos Oceanos - a reflexão transversal e a gestão integrada e coordenada de todas as vertentes de actividade ligadas ao mar (zelos fiscalizadores da continuidade barrosista podiam já aqui ser accionados...).
Apesar do pouco que veio a público sobre os trabalhos daquela Comissão, percebeu-se que ela se inscrevia na linha preconizada pelo Relatório da Comissão Mundial Independente dos Oceanos, que foi presidida por Mário Soares e advogou a governação integrada, a nível nacional e internacional, de todos os sectores e recursos envolvendo o mar. Nada mais retrógrado e incoerente com a evolução do conhecimento e estruturação internacional do que Portugal apresentar-se agora na ONU com o Ministro da Defesa a tutelar o mar! Nada mais contrário aos interesses estratégicos de Portugal, que dependem de nos sabermos organizar para controlar e aproveitar a nossa fabulosa ZEE, que nos torna, neste domínio, o maior país da UE! Nada mais adverso ao imperativo nacional de rentabilizar os nossos recursos atlânticos - que tantos auto-proclamados "atlantistas" ignoram e desbaratam!
Mas voltemos à súbita vocação marítima do ministério do Restelo: um conhecido meu, que verseja nas horas vagas, ficou tão impressionado que decidiu cometer uma epopeia sobre o caminho submarino para as ilhas Caimão. Entre as discotecas de Alcântara e o Restelo, no dia da posse na Ajuda, sentiu-se subitamente tocado pela inspiração das Tágides... Confia agora que, com a deslocalização de ministérios prometida pelo PM, e um tudo-nadinha de sorte, o subsídio para o empreendimento será rapidamente aprovado pelo XVI Governo Constitucional, reunido por teleconferência. A promulgação será feita a caminho, no Funchal, está bem de ver.

Ana Gomes

Mistérios da «silly season»

O meu lado supersticioso faz-me suspeitar das coincidências. O facto de a posse do novo Governo ter coincidido com a abertura da «silly season» será puramente fortuito ou, como muita gente desconfia, constitui a prova de que se trata de um Governo completamente «silly»?  Indício suplementar: o novo primeiro-ministro não foi já, durante sucessivas temporadas, o campeão absoluto das performances «silly» da época estival?
 
A verdade é que os acontecimentos se sucedem a um ritmo vertiginoso, sem que a imprensa de referência se interrogue sobre as razões de tantos mistérios. Aliás, os jornais perderam a atenção e a saudável curiosidade de saber o que se esconde por detrás dos factos e parecem achar tudo burocraticamente normal. Estará a imprensa «silly»?
 
Porque é que Paulo Portas só soube na hora, em directo do palácio da Ajuda, frente às câmaras de televisão, que iria ser também ministro dos Assuntos do Mar? Porque é que Santana Lopes terá «andado aos papéis» durante o discurso da sua tomada de posse? Como se compreende tanta atrapalhação?
 
Mas os mistérios não se resumem ao Governo. Quem explica a extraordinária aliança entre o «fracturante» Sérgio Sousa Pinto e o «blairiano» José Sócrates, já consagrado secretário-geral do PS? E quem diria que Sérgio (co-autor recente de um livro de diálogos com Mário Soares) seria o «maître-à-penser» do candidato favorito de José Lello e tantas figuras relevantes do PS profundo? O meu espanto não tem fim. Só o dos jornais é que parece ter-se esgotado. Sinais dos tempos (ou da «silly season»)?
  
 Vicente Jorge Silva

Chicotada psicológica

O Ministério das Finanças parece-se cada vez mais com uma SAD de um clube da Primeira Liga em dificuldades.
Os resultados da cobrança fiscal são cada vez piores. Que fazer? A resposta é futebolística: chicotada psicológica! Muda-se o treinador [leia-se director-geral] e pr'á frente que a bola é redonda! Tal como no futebol, as chicotadas psicológicas sucedem-se, mas os resultados, esses, não melhoram. Pelo contrário, sobem a evasão e a fuga ao fisco!
Herdado dos governos socialistas - acusados de ter posto o país de tanga, mas que conseguiram aumentar a receita fiscal - Nunes dos Reis pede a demissão por ter visto a ministra em início de mandato criticar o facto de ele ter em tempos recebido como caução da dívida SLB acções do dito (cá está de novo o futebol). Embora tal caução não fosse a caução, mas sim e apenas o primeiro valor a accionar, a ministra finge que o despede em pleno debate parlamentar. Na verdade, o homem já tinha apresentado a sua demissão. Pormenores!
Vai-se buscar, com pompa e circunstância, Armindo Sousa Ribeiro. Mas, em menos de nada, o homem perde a confiança do seu superior hierárquico [que título daríamos a este: administrador da SAD?] e pronto: nova chicotada psicológica! A contratação é de peso: Paulo Moita Macedo, o salário mais alto de toda a Função Pública, é o novo treinador, perdão, o novo director-geral de Contribuições e Impostos.
Bagão Félix, certamente recordando o seu longo trajecto de membro de vários corpos sociais do SLB, não hesita, ainda nem tinha aquecido a cadeira das Finanças. Nova chicotada psicológica: fora com o actual treinador, venha outro.
Concluindo: em pouco mais de dois anos, quatro directores-gerais.
Resultado: Evasão 7 - Cobranças 0.
A maior tareia fiscal de que há memória! 
Jorge Wemans



segunda-feira, 19 de julho de 2004

O «croupier» de Perelada

 Um pequeno grupo de portugueses que participou há dez dias, na Catalunha, num colóquio sobre relações peninsulares, pôde testemunhar um fenómeno assaz estranho de premonição política. Sábado, 10 de Julho, à noite, Telmo Correia cumpria zelosamente as suas funções de «croupier» no casino de Perelada. Ficámos atónitos com o misterioso desdobramento de papeis do então líder parlamentar do CDS. Mas na sexta-feira seguinte o enigma seria esclarecido: Telmo Correia é nomeado ministro do Turismo do Governo de Santana Lopes. Contrariando a convicção generalizada, ele está mesmo familiarizado com alguns segredos do sector que vai tutelar. Querem melhor prova? Pelo menos por uma noite ele foi «croupier» em Perelada.
 
Evidentemente, quem vimos em Perelada não foi Telmo Correia, mas um seu duplo quase perfeito. Só que nessa altura nem nós, nem o próprio Telmo sabíamos que lhe estaria reservada a pasta em que se exercitava através do seu sósia num casino catalão. A coincidência é digna de um episódio dos Ficheiros Secretos. Aliás, a última revista do Público dedicava o tema de capa aos fanáticos portugueses das aparições extra-terrestres, na mesma edição em que publicava uma biografia de Santana Lopes. Não acham coincidências a mais?
 
Não viremos um dia a saber que este Governo foi formado por insondáveis influências telepáticas e mediúnicas? Imaginemos, por exemplo, que no mesmo dia em que Telmo Correia, através do seu duplo «croupier», ensaiava os seus dotes turísticos em Perelada, um duplo de Nobre Guedes, militante da «Greenpeace», manifestava-se em Houston contra o efeito de estufa e a insensibilidade ecológica da Administração Bush. Imaginemos ainda que Paulo Portas e Santana Lopes tiveram, nesse dia, a visão extraordinária que os conduziu até às escolhas mais surpreendentes deste Governo. Mas imaginemos finalmente que, tal como num episódio dos Ficheiros Secretos, quem hoje ocupa os lugares de ministros do Turismo e do Ambiente não são os verdadeiros Telmo Correia e Nobre Guedes mas os seus duplos ou clones: ou seja, o «croupier» de Perelada e o militante da «Greenpeace». Inverosímil? Talvez não tanto como o próprio Governo que agora temos.
 
(Asseguro que a história de Perelada é verídica e pode ser testemunhada por fontes absolutamente credíveis).

Vicente Jorge Silva.

Latitudes

Esqueci-me de prevenir que ia de ferias por duas semanas. Aqui vai o aviso tardio e sem caracteres portugueses, fruto das latitudes onde me encontro. Se conseguir resolver este pequeno problema e me dispuser a vencer a preguica, pode muito bem ser que contribua com um ou dois posts durante o defeso. Saudacoes estivais.
 
Luis Nazare

Quase Famosos

O Francisco Mendes da Silva, o Nuno Costa Santos, o Pedro Adão e Silva e o Cristovão Gomes juntaram-se numa casinha aqui ao lado. A casa é elegante na sua simplicidade e caracteriza-se por ter discos espalhados por todo o lado. Ainda nem tiveram tempo para convidar os amigos a passar por lá, de tão enlevados que estão na audição das músicas das suas vidas. Mas o bom da blogoesfera é que os penetras jamais serão castigados. E o blog destes 4 melómanos é dos melhores prazeres que podemos encontrar por aqui. Eles têm, creio bem, o que Miguel Esteves Cardoso tinha na sua "Escrítica Pop": não é só o conhecimento enciclopédico, a escrita de rasgo, a cultura - não é só isso - têm ainda o afecto, uma ternura enorme por aquilo ou aqueles de quem escrevem. O que nos leva a devorar os posts e a pedir mais. Ainda por cima, apresentam uma estreia absoluta nas lides virtuais, o Cristovão Gomes (não percam tempo em descobri-lo!). Finalmente, recomendo vivamente este blog por um motivo bem mais prosaico: invejo-os de morte. Nunca poderia fazer parte da sua equipa-maravilha.

a melhor esplanada do país

Poesia, imagens, Marlon Brando, humor, política e conselhos infalíveis para deixar de fumar - de tudo isto e muito mais se conversa, com brilhantismo, no blog do momento. Com que então a blogosfera estava falida?

domingo, 18 de julho de 2004

Na ausência do Vital, o nosso post diário sobre a situação política

O governo de Santana/Portas lá tomou posse e o que penso disto é que, enfim, mais do mesmo ou talvez não, quer dizer, se calhar o Sampaio errou, mas afinal sabe Deus, não é? Que isto da política tem que se lhe diga... E depois o Santana até fala bem, pois fala, o Portas com aquele fato às riscas parece um, quer dizer, não sei se parece - as opiniões são como os... não sei se posso escrever isto. Quem ficou foi o Pacheco porque quer ter liberdade para falar, falar é bom, é fixe, é a falar que a gente se entende. Acho bem, se falar muito talvez escreva menos, quer dizer, o Luís Delgado também escreve e é o que se vê e depois o José Manuel Fernandes com aqueles editoriais, valha-nos nossa senhora, enfim, isto é tudo muito complicado, o Ferro vai fazer uma travessia do deserto, ou talvez não, seja como for o Portas deu uma valente gaffe, o Sampaio não chorou, as mortes sucedem-se e já não se sabe o que dizer da retoma. Esclarecidos?

Enchidos ao domingo

Ontem à noite, no Incógnito, sou abordado na pista por um tipo com a seguinte urgência: "Tu, pá... Tu és aquele gajo do... aquele blog... sim, és tu, pá! És daquele blog, pois és, muita bom, que já não existe, és tu, daquele blog que agora não m'alembra o nome... Não interessa... parabéns!". Reconhecer um tipo por causa de um blog?! Cada vez tenho menos pachorra para bêbados.

sábado, 17 de julho de 2004

Finalmente, a prova.

As fontes eram muitas e fidedignas. Mas ontem, finalmente, conheci o indivíduo - comum mortal, como nós - que dormiu na mesma noite com duas conhecidas modelos e apresentadoras de TV da nossa praça. Ficam assim esclarecidas todas as dúvidas. Deus existe.

sexta-feira, 16 de julho de 2004

Santana, o imparável

No seu afã de nos surpreender a todos, ao ritmo de um facto político por minuto, Santana Lopes já deve ter deixado cair o propósito de colocar ministérios e secretarias de Estado fora de Lisboa. Imagine-se só que o novo Ministro de Estado e dos Assuntos Económicos iria trocar a Lapa pela Boavista! (Quem sabe, aliás, se uma das razões da promoção estatal do ministério não foi mesmo para justificar a sua permanência na capital?).

Em contrapartida, a nomeação anunciada de Nobre Guedes para o Ambiente (falara-se dele para a Justiça, mas, pelos vistos, as duas pastas são claramente intermutáveis) é uma demonstração de génio imaginativo na relação de forças dentro da coligação. Já agora, porque não recuperar Celeste Cardona para a Cultura ou até Figueiredo Lopes para a Inovação, em vez de remetê-los para o desemprego político?

O único problema é que a sugestão já não vai a tempo (embora Santana tenha demonstrado uma humildade assinalável na aceitação de todas as sugestões, nomeadamente as da comunicação social, conforme declarou). Lançado no seu afã de voluntarismo político e de primeiro-ministro mais veloz do que a própria sombra, Santana já terá antecipado a tomada de posse do Governo para este fim-de-semana, precedendo assim o glorioso 19 de Julho de todos os aniversários que se propunha comemorar. Será que, afinal, não quis ser confrontado com o fantasma de Sá Carneiro e decidiu surpreendê-lo pela antecipação?

Vicente Jorge Silva

Milagre socrático

Segui pela SIC-Notícias o discurso de candidatura de José Sócrates a secretário-geral do PS. Foi um discurso arguto e abrangente, tão abrangente que eu não teria qualquer dificuldade de subscrever na maioria dos pontos. Especialmente aqueles que se referiam à necessidade imperiosa de renovação do PS, de abertura à sociedade e de regresso ao espírito dos Estados Gerais (pontos onde Ferro, muito por culpa própria, fracassou).

Durante o discurso, essas passagens foram sublinhadas por aplausos muito vivos de uma plateia que a câmara (imóvel) da SIC não mostrava. Só no fim se quebrou o suspense e nos foram revelados rostos entusiastas da renovação prometida. Estava lá a fina flor do aparelho do PS, nomeadamente das federações distritais que tão bem conhecemos e cuja paixão pelas propostas renovadoras se tornou célebre. E pairava no ar aquele clima unanimista e inconfundível da velha corte pressurosa em prestar vassalagem ao novo príncipe.

Espero para ver como Sócrates irá ultrapassar a quadratura do círculo. Sobretudo depois dos meses a fio que ele levou a recrutar apoios para a sua candidatura entre o que o PS tem de mais velho, mais gasto, mais clientelista e menos renovável. Construir o novo com o velho releva do milagre. Mas Sócrates chama-se Sócrates. Quem sabe se esta coincidência auspiciosa não nos reserva um prodigioso milagre?

Vicente Jorge Silva

Rui Cardoso Martins

Portugal parece um país de humoristas. Um país de gente refém das gargalhadas e de um sentido não real da existência. Não é, de todo, algo de muito surpreendente. As pessoas tomam comprimidos para rir e para chorar, a vida é cada vez mais um exercício complexo, cada dia um exercício onde o curto prazo vence qualquer dimensão mais profunda.
Com o nascimento das Produções Fictícias, que começaram por aproveitar a oportunidade de Herman José, o universo do humor tornou-se mais interessante. Mas, ao mesmo tempo, inquietante. Há gente que, manifestamente, começou a sobrevalorizar-se doentiamente. Formataram-se na construção de piadas e, julgando poder deixar uma qualquer marca na história, estão condenados ao esquecimento.
Voltarei ao assunto. Mas não posso deixar em claro o texto publicado no excelente Inimigo Público por Rui Cardoso Martins. É que agora posso dizer que já fui motivo de cinco minutos da atenção daquele que é, na minha opinião claro, o mais talentoso e brilhante escritor de humor em Portugal. Aquele que é responsável, creio, pelo melhor programa dos últimos anos na RTP e por uma extraordinária crónica semanal no Público.
Por um lado, faz o seu caminho e continua a dar lições aos mais jovens. Mas, por outro, tenho um pouco a ideia que está a perder tempo numa estrutura que privilegia o anonimato e lhe trava as ambições. Mas isto sou eu a pensar. E pode ser que nada disto faça sentido para o Rui, que nem sequer conheço pessoalmente. 
Luís Osório

O Estadão dos Assuntos Económicos

Depois de dois pesos pesados (pesadíssimos) dos «lobbies» económicos, Dias Loureiro e Angelo Correia, terem apadrinhado Santana Lopes nas suas diligências para a formação do Governo, a designação de Álvaro Barreto para o ministério da Economia confirma que a confederação informal dos interesses empresariais vai estar representada ao mais alto nível no próximo Executivo. Aliás, Barreto não será simplesmente ministro da Economia, mas ministro de Estado e dos Assuntos Económicos.

Álvaro Barreto é um velho senhor educadíssimo e simpatiquíssimo (digo-o sem qualquer sombra de ironia, ele é mesmo assim) que passou por inúmeros conselhos de administração e foi assessor de outros tantos. A sua carteira como agente de representações do poder económico é tão volumosa que chega a intimidar. Além disso, Barreto é uma bela figura, com um perfil de patrício romano, no esplendor dos seus quase setenta anos de idade.

Ministro da Economia, «tout court», era um papel escasso para tal personagem. A Economia foi assim promovida, assaz justamente, a Assuntos Económicos (pois é deles que se trata, não de mera e abstracta Economia). Só acho que ministro de Estado é um título que sabe a pouco, tendo em conta o volume e infinita diversidade dos ditos Assuntos de que Álvaro Barreto é familiar. Estadão seria mais adequado e soaria melhor. De facto, os Assuntos Económicos não são apenas matéria de Estado, mas de Estadão.

Vicente Jorge Silva

Entro de baixa...

... ao blogue por motivo de férias, por umas duas semanas. Vantagem dos blogues colectivos, sempre fica quem se encarregará de alimentar o Causa Nossa

Receita para o êxtase

Veneza, Mahler (em versão jazz pelo Uri Ensemble Caine)  e um poema que fala em «perder (...) / a última carreira do vaporetto». Eis uma receita simples para o êxtase.
Obrigado Ademar!

Comércio electrónico & confiança

Mantidas em "low profile" durante os primeiros anos, as compras "on line" disparam agora a ritmos relativamente acelerados. Mais de um terço dos internautas franceses (8,3 milhões), de todas as idades, compram em linha com regularidade. À frente continuam os discos e os livros, mas o mercado das viagens e do turismo é o que mais progride. Roupa, produtos de fotografia e informáticos, jogos de vídeo, bilhetes de espectáculos, perfumes e flores (mesmo a sério e não apenas virtuais como as que recebi no dia da festa do Causa Nossa) ocupam os lugares seguintes. Os produtos alimentares são os que mais resistem, provavelmente devido à densidade do comércio de proximidade neste sector.
Tal como entre nós, em estudos feitos há alguns anos, o principal obstáculo continua, no entanto, a ser a segurança das formas de pagamento em linha. Em boa verdade, talvez não seja tanto um problema de insegurança informática propriamente dita, mas muito mais um problema de falta de confiança no sistema aquilo que afasta tantos consumidores de escrever o número do seu cartão de crédito num écran de computador.


«O mundo é imperfeito»

«(...) O gesto [de Pacheco Pereira] é bonito e nobre (é um bom exemplo de postura pública e dignidade pessoal). Mas parece-me que se baseia num erro de apreciação do contexto, contudo.
Continuo a defender, à semelhança do que escrevi várias vezes em
http://taf.net/opiniao/ , que devemos adoptar uma posição mais institucional. Parece-me mal que decisões destas sejam tomadas em função da pessoa concreta que irá estar nas funções de Primeiro-Ministro. O que está em causa não pode depender de fulano A ou de fulano B. É de Portugal que estamos a falar, não é de PSL ou PP.
Mais: quer se queira quer não, PSL foi _eleito_, mesmo que indirectamente. Pode-se argumentar (provavelmente bem) que não era isso que o povo queria, mas as regras que nos regulam são essas e chegou-se aqui sem violar objectivamente a Lei.
O mundo é imperfeito, aceitemo-lo assim e façamos o melhor que sabemos nestas condições. Isso não é quebrar princípios nem amolecer com inércia. A única razão válida para uma "demissão" nestas circunstâncias seria considerar que o simbolismo desse acto tem o valor de um exemplo de alerta. Respeito-o por isso.»


(Tiago Azevedo Fernandes)

quinta-feira, 15 de julho de 2004

Pacheco Pereira renuncia...

... ao cargo de representante na UNESCO, para que tinha sido nomeado há pouco tempo pelo Governo cessante. É evidente a ligação desse gesto com a sua posição fortemente crítica em relação ao novo primeiro-ministro, Santana Lopes.
A dignidade pessoal e a coerência nos princípios não têm preço. Ainda bem!

Seguindo o rasto

De palavra quase desconhecida na língua portuguesa até há pouco (salvo na área médica), a rastreabilidade tornou-se, em poucos anos, um instrumento de enorme importância para garantia da segurança das pessoas, da informação ou das mercadorias. Seguir o rasto ou o percurso desde a origem é hoje uma tarefa central, quase obsessiva, em muitos domínios, que vão desde a genética aos alimentos. Foi este o tema que desenvolvi no artigo do Diário Económico de hoje, também disponível na Aba da Causa.

Aplauso para Luís Osório

Pleno acordo com o Rui Branco, no Adufe, no elogio da atitude de Luís Osório, como director de A Capital, face à não confirmação da convocação de eleições, que o jornal tinha dado como certa com base em "fontes absolutamente fidedignas".
Ver também as declarações do próprio LO ao Diário de Notícias.
Vale a pena transcrever uma passagem do seu editorial sobre o assunto no jornal que dirige:
«O meu lugar
(...) Um director de jornal deve saber assumir e honrar compromissos, em primeiro lugar consigo próprio e com a sua equipa e, obviamente, selar um acordo de confiança com os seus leitores. Não vejo outra forma, apesar de no nosso país esta verdade ser muitas vezes uma realidade meramente teórica.
No auge da chamada crise política, dois dias antes da decisão de Jorge Sampaio,
A Capital, sob minha responsabilidade, noticiou em manchete que o Presidente já se decidira por eleições. Considerei as fontes insuspeitas. Achei que devia avançar porque, na passada quarta-feira à noite, tive a certeza de que as eleições antecipadas eram absolutamente certas. Nunca direi as fontes que tinha, mas a verdade é que não me questionei da veracidade da informação. Só que, dois dias depois, Jorge Sampaio não dissolveu o Parlamento. E, até ao fim, apesar de muita gente me garantir que, afinal, a decisão era contrária ao esperado, acreditei nas minhas fontes de informação.
No dia a seguir, num editorial assinado por mim e por Rogério Rodrigues, pedimos desculpa e garantimos que as consequências desse erro grosseiro seriam avaliadas internamente. É nesse processo que estamos. Coloquei o meu lugar à disposição da administração e da redacção.
Pelo compromisso que assumi consigo quando aceitei a direcção do jornal, quero partilhar tudo o que for verdadeiramente importante na vida de A Capital. E esta é uma altura fundamental na história deste jornal. É crucial assumir riscos, mas, nesse percurso tantas vezes sinuoso, não podemos perder pelo caminho o essencial do que julgamos ser por dentro. Não podemos perder o respeito pelo leitor, esse é o limite de tudo e o princípio de tudo o que deve nortear um órgão de comunicação. E não devemos perder o respeito por nós próprios. (...)»
.
Exemplar, sem dúvida.

Outros muros

Ó Nuno Guerreiro, este post nem parece seu. A diferença essencial entre o muro israelita na Palestina e os outros muros que refere é que estes estão construídos na fronteira dos respectivos territórios, enquanto o muro israelita está construído na sua maior parte em território alheio, isto é, em território palestiniano ocupado, ainda por cima causando o isolamento de numerosas povoações palestinianas, a separação destas em relação às suas terras de cultivo, etc., ou seja, com violação caracterizada do direito internacional humanitário e das obrigações dos ocupantes. Ora, o Tribunal Internacional de Justiça reconhece a Israel o pleno direito de construir o muro na sua fronteira com a Palestina, tendo declarado ilegal o muro na parte em que ele anexa território palestiniano (que é a grande parte dele).
Não confundamos o que não tem comparação!

"Abnóxio"

O Ademar Ferreira dos Santos ("Ademar" somente para os amigos), que trocou o curso de direito em Coimbra pelo ofício de poeta e de professor inovador e dedicado do ensino secundário no seu Minho natal -- quem não ouviu falar na experiência da Escola da Ponte? (*) --, acaba de entrar na blogolândia.
Eis a sua carta de anúncio:
Amigos, Confidentes, Cúmplices e Companhia
Pois, era inevitável!!!!
Desempregado de governo e divorciado de presidente, resolvi associar-me ao movimento bloguista, fundando o ABNOXIO (sem acento, por estúpidas embirrações tecnológicas que jamais entenderei). Quando quiserdes espreitar-me (sem que eu vos veja), sabereis agora como fazê-lo.
Não prometo muito: só poesia (própria e alheia) e algumas intimidades (a propósito ou despropósito). Ah! o endereço da fechadura é o seguinte: www.abnoxio.blogs.sapo.pt.
Não aceito sócios, nem colaboradores: quero masturbar-me sozinho.
Saudações calorosas do

Ademar
Com efeito, era inevitável. E não acreditem no nome do blogue. Ao contrário do que ele insinua, nas mãos do Ademar tudo, até um simples blogue, se torna perigoso.
Felicidades, Ademar!

(*) "Blogue não oficial" da Escola da Ponte aqui.

«A quota de Belém»

Observação malévola ouvida à mesa do jantar:
«Nos primeiros nomes do governo da nova coligação alargada, Bagão Félix, nas Finanças, pertence naturalmente à quota do CDS-PP, reforçada. E o embaixador António Monteiro, na pasta dos Negócios Estrangeiros, pertencerá porventura à quota de Belém?».
"Honni soit..."

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Antes fossem mentiras...

«Fracas desculpas [as dos defensores da invasão do Iraque]. Se os serviços de informação funcionaram mal (como já havia acontecido no 11 de Setembro), a responsabilidade política cabe ao Presidente. Pior, ainda, se foram pressionados a dizer o que convinha aos entusiastas da invasão. É irresponsável fazer uma guerra com base em informações tão débeis. Não é irrelevante a ausência de ligações de Saddam à Al-Qaeda (que o vice-presidente Cheney garantia serem de longa data), pois foi esta organização - e não outros terroristas - que declarou guerra ao Ocidente. E qualquer pessoa medianamente informada sabia não ser fácil forjar uma democracia onde ainda não existe um verdadeiro país.
Há quem fale em mentiras, não em enganos. Mas acreditemos na boa fé de Bush: fiquemos pelos enganos. Não serão erros demais para o Presidente da única superpotência? Seria, até, menos inquietante se fossem deliberadas mentiras.»

(Francisco Sarsfield Cabral, Diário de Notícias, 14 de Julho)

Quem diria, hein!?

Numa das audições de Durão Barroso com os grupos políticos do Parlamento Europeu (em vista da sua confirmação como presidente da Comissão Europeia), depois de defender o seu apoio à invasão do Iraque em nome da solidariedade com o aliado norte-americano, acrescentou, porém, tentando ganhar simpatias, que detestava «a arrogância e o unilateralismo» de Washington.
O que vão pensar e dizer desta oportunista manifestação de "antiamericanismo primário" -- quem diria, hein?! -- os costumeiros epígonos lusitanos do Pentágono e de Bush? Um "renegado" em perpectiva?

«Hipocrisia»

«Se os deputados socialistas no Parlamento Europeu votarem contra a nomeação de Durão Barroso para o cargo de Presidente da União Europeia e os deputados do PS português se abstiverem ou votarem a favor estaremos perante um gesto de cobardia e, mais do que isso, da mais pura hipocrisia» --, lê-se no Jumento.
Corrosivo e fundamentado. Leia o resto do post.

Madre televisão

Vale a pena ler este naco de prosa do inefável Luís Delgado, o conhecido comissário "santanalopista" na Lusa (que usualmente anda travestido de comentador político):
«Se vier a confirmar-se [a candidatura de José Socrates à liderança do PS], e a ganhar contra outras hipóteses, o destino tem algumas ironias: Sócrates e Santana fizeram uma dupla de sucesso na RTP, como comentadores, e agora poderão ver-se, não no mundo da Comunicação, mas na realidade, como os dois opositores políticos directos: um como líder da oposição, e o outro como primeiro-ministro.»
Abençoada televisão, prodigiosa parideira de líderes políticos de sucesso! Doravante um tirocínio televisivo deveria ser requisito obrigatório de candidatura a cargos políticos de maior responsabilidade.

Passaculpas

Como antecipavam os mais cínicos, o relatório Butler não culpa ninguém em especial -- nem o Governo britânico nem os responsáveis pelos serviços secretos -- pelos grosseiros erros que levaram Blair a alinhar com Bush na invasão e ocupação do Iraque, a pretexto de armas de destruição massiva (que afinal não existiam) e de ligação entre Bagdad e a rede terrorista da AlQaeda (que também não tinham fundamento). O relatório britânico é por isso ainda mais passaculpas do que o relatório do Congresso dos Estados Unidos, o qual, embora poupando Bush, responsabilizou fortemente a CIA. Em Londres, segundo o referido relatório, a culpa é "colectiva", o que quer dizer que ninguém tem de pagar por ela.
E assim se desculpa uma guerra ilegal e ilegítima, que humilhou as Nações Unidas, dividiu a comunidade internacional, retirou autoridade e meios à luta antiterrorista, deu pasto à hostilidade das massas árabes contra o Ocidente, custou muitos milhares de vidas (sobretudo de inocentes civis iraquianos) e destruiu um País.
"Accountability democrática", dizem eles!?

Parecer

Tenho sido mencionado em vários órgãos de comunicação social nos últimos dias como tendo dado um parecer ao ainda Ministro Carmona Rodrigues sobre a debatida questão da licitude do seu regresso à Câmara Municipal de Lisboa após o termo da incompatibilidade derivada das suas funções governativas.
Na verdade não emiti nem me foi pedida nenhuma opinião jurídica sobre esse caso. Trata-se de errada referência a um estudo que fiz há mais de uma ano para a Associação Nacional dos Municípios sobre a questão, em geral, da suspensão do mandato executivo municipal por efeito do desempenho de funções governativas. A minha conclusão é a de que tal suspensão, que decorre directamente da lei, não tem limite de tempo e que ela não se confunde com as suspensões voluntárias por outros motivos, só estas tendo um limite máximo cumulativo de 365 dias durante o mandato de 4 anos, sob pena de o perda do cargo.
Embora sem ter em conta nenhuma situação concreta, é evidente que essas conclusões valem para o caso de Carmona Rodrigues, o qual pode assim ir ocupar o cargo de Presidente do CM de Lisboa, em substituição de Santana Lopes. Tal é, juridicamente, o meu parecer (salvo melhor evidentemente...).

Palmas comprometedoras

José António Saraiva bate palmas a Sampaio. Se fosse ele, preocupava-me!

Inesperado

António Vitorino "borregou", recusando a liderança do PS. A sua justificação (fora as «razões pessoais«, que são insindicáveis) é pouco convincente. Como entender que Vitorino, um típico "animal político", tenha enjeitado a forte possibilidade de vir a ser primeiro-ministro em 2006 (se não fosse antes)? Não cessam as surpresas na política!

terça-feira, 13 de julho de 2004

Santana sob tutela de Sampaio?

Tal é o tema do meu artigo de hoje no Público, também arquivado aqui na Aba da Causa.

Notas da crise

1. Jorge Sampaio
Confesso que a decisão de Sampaio não me surpreendeu. Também não me senti defraudado nem traído. Tive ocasião de escrever aqui e no Diário Económico da última sexta-feira que qualquer que fosse a solução escolhida seria sempre uma má-solução, porque a forma como o Presidente geriu a crise só serviu para agudizá-la. Sampaio não começou por confrontar Durão Barroso com as suas responsabilidades políticas e deixou arrastar a situação até perder o controlo sobre os respectivos efeitos perversos. Favoreceu objectivamente o clima de rumores, não falou ao país quando devia (ou seja, logo que a crise se desencadeou), criou falsas expectativas, mostrou-se errático e sem uma ideia clara, desde o início, sobre as implicações da demissão de Barroso. Alienou assim o seu campo político, independentemente do que possamos pensar sobre a maior ou menor justeza da decisão. Se se faz o caminho caminhando, o problema de Sampaio foi não ter sabido para onde e como caminhar.

2. Ferro Rodrigues
Compreendo que se tenha sentido defraudado e traído. Só que deu sempre a entender que respeitaria a decisão do Presidente, fosse ela qual fosse, o que torna a sua reacção incoerente, emocional e precipitada. No fundo, Ferro acabou prisioneiro do isolamento que criou à sua volta no PS (e que levou quase toda a gente a sentir-se marginalizada da vida do partido e frustrada com a sua direcção, incluindo muitos que se identificavam com ele e nele haviam depositado grandes esperanças quanto à renovação partidária). Apenas isso explica a situação inverosímil que se seguiu às eleições europeias: a de o líder que conduziu o PS à maior vitória eleitoral de sempre acabasse tão vulnerabilizado e dependente da realização de eleições antecipadas para sobreviver politicamente. A minha simpatia e estima pessoal por Ferro nunca estiveram em causa. A sua capacidade de resistência à campanha miserável que contra ele foi desencadeada a pretexto do processo Casa Pia mereceu sempre a minha solidariedade e admiração. Mas Ferro fechou-se dentro do seu casulo e ficou refém do autismo e da desconfiança que o paralisaram. A consequência previsível é que, a partir de agora, o PS poderá vir a ter a direcção mais à direita desde o 25 de Abril. E que à deslocação para a direita da maioria governamental corresponderá uma simétrica deslocação para a direita do PS (uma espécie de «blairização» retardada e quando já ninguém acredita na estrela de Blair).

3. Maria de Lourdes Pintasilgo
Conhecia-a, admirei-a, votei nela na primeira volta das presidenciais ganhas por Soares (em quem votei na segunda volta). Era uma força da natureza e de uma generosidade de convicções como raramente se terá encontrado nas personagens políticas que emergiram desde o 25 de Abril. Mas há muito que o seu missionarismo me parecia deslocado no terreno que torna a prática política e cívica verdadeiramente frutífera e eficaz. E é certo que nunca conseguiu traduzir o conteúdo da sua «democracia participativa» em vivência concreta, tal como não fundamentou a articulação desse conceito com as formas de democracia representativa (de que, de resto, visivelmente desconfiava). Havia uma nebulosa ideológica no seu pensamento que a conduzia a uma região etérea, quase celeste, própria, aliás, da sua formação religiosa. Era, assim, apesar do seu aparente e inesgotável optimismo, uma personagem trágica. E isso emprestava-lhe uma dimensão suplementar (mas menos evidente) da grandeza que a caracterizava como ser absolutamente único na nossa história contemporânea. Ela fez-nos sonhar. Não soube e não pôde, porém, dar forma continuada a esse sonho sobre a terra.

Vicente Jorge Silva

Longe, na Catalunha

Entre a última sexta-feira e domingo, passei dois dias fechado num hotel, 140 kms a norte de Barcelona, participando num colóquio sobre as relações ibéricas. Alguns dos meus companheiros de retiro eram jornalistas, intelectuais e políticos portugueses. Foi nesse ambiente um tanto irreal que fomos recebendo notícias do país: a comunicação do Presidente da República, a demissão de Ferro Rodrigues, a morte de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Escusado será dizer que, apesar do interesse dos temas em debate no colóquio, passámos (nós, os portugueses) a maior parte do tempo a discutir as novidades do outro lado da península. Fiquei com a sensação de que a distância a que nos encontrávamos dos acontecimentos se tornara subitamente muito maior do que aquela que efectivamente nos separava do palco onde eles ocorriam. Uma sensação de estranheza, como se fôssemos estrangeiros observando, muito de longe, fenómenos surpreendentes. E sabendo, ao mesmo tempo, que eles tinham a ver directamente connosco.

Senti a impotência dos espectadores perante os acontecimentos, reforçada pelo décor bizarro de um hotel a meio de um campo de golfe à beira dos Pirinéus. Poderia ser o ponto de partida para uma «short-story», uma peça de teatro, talvez um filme. Entretanto, regressado a Lisboa, mergulhando no «vivo» da situação, lendo o nosso blog, que me resta dizer? Seguem acima algumas notas.

Vicente Jorge Silva

Governo para Coimbra, já!

Passei a noite acordada. Já o que o presidente da Câmara de Coimbra está dormir, alguém tem de pensar por ele nos interesses da cidade. Que ministérios devem vir para Coimbra no novo formato do "Governo descentralizado"?
O do Ensino Superior, nem se discute. Então não temos a mais antiga universidade do país?
O da Saúde, evidentemente também. Somos conhecidos pela qualidade dos nosso serviços hospitalares, que nos valeram a designação honrosa de "capital da saúde".
Também o Ministério da Justiça não seria mal recebido. Afinal estamos no centro do País. Ficava mais perto para os operadores do norte. Temos uma excelente Faculdade de Direito. E se quiserem trazer também os tribunais superiores, por uma questão de eficiência e proximidade ao Ministério, cá nos arranjaremos para os receber.
Ainda poderíamos pensar também no Ministério do Trabalho, mas creio que não. Esse deve ir para o Porto. É comum ouvir dizer que eles é que trabalham para o resto do país.
Fico-me por aqui. Sempre nos acusaram de sermos pouco ambiciosos e não é agora que vamos mudar...

«Decisão sensata e racional»

«O Presidente da República fez algo raro no panorama político Português: com prejuízo próprio(*), tomou uma decisão sensata e racional. Por muito que não gostemos deste Governo (e eu não gosto), é forçoso admitir que os motivos para dissolver a Assembleia eram muito mais débeis que os motivos para a manter. Ora, mantendo esta Assembleia, cabe naturalmente ao PSD designar um novo PM e respectivo Governo.
Quanto ao facto de o PSD escolher Santana Lopes... estão no seu direito, é a sua escolha, demonstram assim que não consideram a governação de Portugal um assunto a ser levado muito a sério. O preço dessa escolha irá ser pago nas próximas Eleições para a Assembleia.

(*) Os seus "camaradas" do PS dificilmente lhe irão perdoar... Sampaio irá passar uns anitos difíceis.»

(JML)

As políticas que Sampaio quer ver continuar...

...são oportunamente mencionadas aqui no Puxapalavra.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Chorar sobre leite derramado

Melhor do que chorar sobre leite derramado, é deitar mãos ao trabalho. O PS, em particular, tem a casa para arrumar e muito mais para fazer. Renovar a agenda e virá-la para a efectividade dos direitos das pessoas (dos consumidores, das mulheres, das crianças), para o direito ao ambiente, à qualidade de vida, à saúde, à formação profissional contínua, ao acesso aos serviços de interesse geral (incluindo a Internet em banda larga), todos lidos num novo registo próprio do século XXI. Mostrar como a Europa é hoje condição do nosso futuro coeso e solidário e torná-la parte activa do futuro da humanidade. Aproveitar, já agora, para dar uma refrescadela no modo de fazer política. Mãos à obra, portanto, acabemos com as lamentações, as queixas e o desencanto. Estamos vivos, não estamos? E a democracia não acabou ontem.

"Complexo de esquerda"

«Claro como a água do Mondego na nascente da Serra da Estrela, o seu comentário às perguntas de CG ("Cor política"). Estou inteiramente de acordo com ele, como, aliás, com a generalidade do que tem escrito sobre o assunto no Causa Nossa, de que sou assíduo frequentador.
Em ambas as eleições, para o primeiro e segundo mandatos, votei convictamente Sampaio, quer pelos valores que sempre o vi defender como pessoa, quer pelas suas posições políticas, e confesso que nesta decisão me decepcionou, não pela decisão em si mesma, mas pelo facto de, como Presidente, não ter sido capaz de dominar um complexo de esquerda, pois deve ser disto que se trata; recuso-me a acreditar que Jorge Sampaio possa ter considerado a solução por que optou como o menor dos dois males.»

(LVP)

Ana Gomes...

..segundo a GLQL.

A demagogia populista ...

... já começou, com a proposta de espalhar ministérios a esmo por esse país fora, sem qualquer reflexão ou estudo sobre as suas implicações administrativas e financeiras. Populismo é isto: pegar numa ideia que até pode responder a um problema real, e avançar para a sua execução de forma leviana e irresponsável, só porque é "popular".

Os "Senhores de Matosinhos"

A notícia do Expresso sobre os "Senhores de Matosinhos" (referente ao inquérito aberto a Narciso Miranda e a Manuel Seabra) tinha algo de arrepiante. Não propriamente o conteúdo do que foi apurado, que o jornal não revela e se limita a classificar de muito grave. Mas os pêlos começam a levantar-se quando se escreve que há quem no PS defenda uma punição mais leve apenas para salvar a Câmara nas próximas eleições. (Felgueiras foi assim há tanto tempo?). E não mais voltam ao lugar quando se aventa que o PSD estaria a sondar Seabra para concorrer na sua lista. No caso de vir a concretizar-se esta hipótese macabra, sugiro mesmo que ele leve a Ana Manso para a Assembleia Municipal. Que me perdoem os meus amigos de Matosinhos, mas a dupla era a preceito! Mal por mal, antes com ela...

Bem-vindo!

José Saramago foi ontem homenageado com o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Coimbra, por iniciativa da Faculdade de Letras. Infelizmente não pude estar presente na cerimónia. Mas apraz-me tê-lo doravante como membro da mesma comunidade universitária. Parabéns, José!

"Cor política"

«Gostaria de perceber por que razão um Presidende da República ou um PM deve decidir em função da sua cor política? Ou devo entender que pelo facto da esquerda ter eleito o Jorge Sampaio, este está em dívida para com a esquerda? Se sim, o que pode resultar daqui? (...)
Sabe, eu votei no Cavaco nas primeiras eleições e no Sampaio nas segundas! Como devo considerar o meu comportamento? Tenho direito a alguma benesse?»

(CG)

Comentário - Evidentemente que um primeiro-ministro deve decidir em função da sua "cor política". É para isso que ele lá está. Quanto ao PR, a sua função de árbitro não exige que ele decida contra a sua "cor política", quando outra seria a melhor decisão, só por medo de ser acusado pelos outros de "arbitragem caseira".

Vou ser um velho tarado, rai's parta


Nunca foste à Sibéria? Que giro, Luís! Eu também nunca fui à Terceira.

companheiros de blog, estou quase a fazer anos...


Que giro, Luís! Chamo-me Maria, como a tua mãe.

Y love Portugal

Um Fiat propriedade de um fã do tuning estava hoje à tarde no Saldanha. O carro preto, além das luzes azuis e dos ailerons e do diabo a quatro característico deste tipo de automóveis, continha ainda uma orgulhosa homenagem à prestação de Portugal no último Europeu. Num dos lados, obra de tinta-spray, dois riscos paralelos, um verde o outro vermelho. Não contente com isso, o proprietário resolveu afirmar ao mundo - em inglês - que ama o seu país. Ficou assim: "Y LOVE PORTUGAL". Um dos mais irónicos erros ortográficos possíveis. Lendo como está, foneticamente, o "Y" fica "Uái" - tal como em inglês se pronunciaria a palavra "Why". E, vistas bem as coisas, dado o estado actual do país, não podemos levar a mal que um cidadão saia à rua perguntando: "Why love Portugal?", pois não?

saudades da mamã

A minha mãe está em minha casa. Há muitos anos que se recusava a sair da sua "casinha" nos Açores. Veio mitigar um sentimento que me toca todos os anos, por esta altura, nas imediações das férias, e que - muito amaricadamente, que se lixe! - designarei pela forma mais simples (porque verdadeira): o sentimento da saudade. Saudades da minha mãe.
É a primeira vez, em quase 27 anos de vida, que faço o papel de anfitrião. Durmo na sala para ela ficar confortável no meu quarto, e mostro-lhe com orgulho a varanda ampla que dá para uma zona verde, a janela do escritório sobre telhados de Lisboa e com o Cristo-Rei ao fundo, o privilégio de parar o carro à porta. Tudo isto com evidente exagero. Ela percebe logo, à primeira análise, que os puff's da sala não são propriamente o "móvel" mais confortável para a sua geração, que me falta uma cómoda no quarto, que tenho roupa que deveria ter sido lavada algures em 97, que o esquentador não devia estar aceso o dia todo e que, se continuar a ouvir música no mesmo nível de som, corro o risco de ensurdecer metade da população do Rato.
De súbito, vejo-me a comer - pela primeira vez desde que estou em Lisboa - refeições da mamã, sou visitado no escritório por extraordinárias chávenas de café que prolongam o prazer da escrita, ouço infindáveis sermões sobre os malefícios do tabaco e conselhos categóricos sobre a mulher ideal para casar. E tudo isto é música para os meus ouvidos. Com a minha mãe a passar cá uns dias, sinto que veio a ilha toda com ela. O sol tórrido da capital aparenta cobrir-se com o lençol branco das nuvens açorianas e o heavy-metal dos vizinhos de baixo soa a chilrear de passarinhos. E nunca apreciei passarinhos. Nem em hamburguer.
Mas o melhor de toda esta ternurenta placidez (perdoem-me o súbito ataque de Lídia Jorge) é voltar a ser chamado por Filipe e o meu irmão Alexandre por Paulo. Melhor ainda: é ver os nossos nomes constantemente trocados. Filipe quando devia ser Paulo e vice-versa. E perceber, enfim, que não tinha qualquer motivo para me irritar com o assunto - tal como acontecia, amiúde, na adolescência.
O facto dos nomes sairem invariavelmente baralhados, sempre às avessas, estejamos os dois presentes ou não, é a melhor prova de que para uma mãe todos os filhos são iguais. E que trocar de personalidade com um irmão, mesmo que só por breves segundos, é o melhor que podia acontecer para entendermos, momentaneamente fora de nós, quanto amor por alguém pode uma pessoa guardar nesta vida. E constantemente dividir, generosamente, sem percentagens, como se o mundo não acabasse nunca e um dia feliz pudesse durar para sempre.

recebido por mail

Tal como eu devem "estar fartos" de ver pela ruas de Lisboa mulheres
e/ou homens a pedirem dinheiro nos semáforos, utilizando como "instrumento de persuasão" crianças pequenas que carregam ao colo ou levam pela mão.
Estas crianças passam o dia à torreira do sol, muitos parecem estar sempre a dormir (independentemente da hora do dia e da sua idade) e os seus corpos pendem de tal maneira dos braços dos adultos que me faz pensar que estejam alcoolizados, ou algo do género. Mais, no ano passado verificou-se que muitas destas crianças não eram filhas dos adultos que as acompanhavam e que estes não tinham sequer provas de identificação das mesmas.
Trata-se, provavelmente, de crianças "alugadas" pelos pais ou mesmo crianças utilizadas por redes de tráfico infantil.
Esta é uma "forma de exploração do trabalho infantil" que ocorre à luz do dia e nas "nossas barbas". Creio que todos reconhecem que é uma situação terrível e não a podemos consentir.

Desafio-vos a contribuírem para dar visibilidade a este problema, de
forma a que as autoridades competentes o reconheçam e se organizem para lhe dar uma resposta adequada. E sabem que fazer isso só custa uma chamada local?


Sempre que se confrontarem com uma destas situações, por favor, liguem para o IAC (Instituto de Apoio à Criança) e identifiquem o local onde estas pessoas estão a pedir. O IAC entra em contacto com a PSP que se dirige ao local para proceder à identificação dos adultos e das crianças, sendo que os primeiros, por vezes, são levados à presença de um juiz.

Esta intervenção tem, por si só, um efeito disuasor e permite uma
recolha de dados sobre as crianças que são vitimas desta forma de exploração, bem como ficar com um registo dos adultos que as utilizam, no entanto, não dá ainda uma resposta de fundo ao problema. Por isso se torna importante que todos alertemos o IAC, enquanto entidade com competência nesta situação, de forma que também eles possam, com o apoio de muitos de nós, dar visibilidade a este problema e ganhar força para exigir uma resposta das Autoridades Públicas.

O número do IAC (SOS CRIANÇA) é o 21 7931617. Por favor, passem-no para o telemóvel, para agenda, para onde queiram, mas liguem e liguem a logo. Liguem sempre que se encontrem com esta situação.
Estas crianças estão desprotegidas e não têm sequer uma voz por elas. Essa voz pode ser a nossa. Por eles, liguem.

Obrigada.

«Oportunidade à esquerda » II

«Eu penso, efectivamente, que o PSD cometeu o pior erro dos últimos tempos, ao aceitar sem grandes protestos a hégira de Durão Barroso, e que o PS vai ter muito para dizer sobre isso (assim o diga, efectivamente), mas não creio que Sampaio possa ter o papel de "líder da oposição", como sugere este texto [post abaixo]. Sampaio fez o que fez, podendo fazer o contrário, e disse que ia vigiar, para tentar moderar um pouco as reacções imoderáveis. Mário Soares desempenharia esse papel com a maior das facilidades (como chegou a desempenhar com Cavaco Silva), mas Sampaio não. Por que razão faria uma coisa dessas? Se tinha o objectivo de "fritar" o governo PSD, porque não o demitiu quando teve uma oportunidade soberana?...»

(HJ)

domingo, 11 de julho de 2004

«E se fosse o Alberto João Jardim?»

«Estou chocado com esta decisão do Presidente da Republica. (...) Podem usar os argumentos formais que quiserem. A verdade é que nem eu, nem ninguém, alguma vez teve a possibilidade de dizer que não queria o Santana Lopes como primeiro-ministro. Estou profundamente arrependido de, há 10 anos, quando tive de optar entre o Sampaio e o Cavaco ter feito a escolha errada. Nunca, como agora, estive tão próximo de tomar a decisão de não voltar para Portugal. Estou verdadeiramente sem palavras.
É engraçado notar que as poucas pessoas que concordam com Sampaio são exactamente as que nele não votaram. A vida política portuguesa é um logro. Votámos no Durão Barroso, para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Santana em Lisboa para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Sampaio para que este (...) traia todos os que nele votaram. (...) Depois quando tem uma oportunidade de escutar o país toma esta decisão baseada num pensamento redondo e burocrático. A única justificação para não convocar eleições foi porque o PSD e o PP lhe garantiram que estavam disponíveis para assegurar o governo. Olha que realmente era necessário consultar dezenas de pessoas para tirar esta linda conclusão.
Já agora, alguém me explica o que aconteceria se o Alberto João Jardim fosse o vice-presidente do PSD?»

(LAC, Cornell)

«Oportunidade à esquerda»

«(...)Penso, contudo, que Jorge Sampaio está a dar uma oportunidade à Democracia, especialmente à esquerda. Estes serão tempos difíceis, penso que ninguém terá dúvidas disso, mas há aqui uma oportunidade excelente para exercer a Democracia em toda a sua extensão, a Democracia que não termina no eixo Presidência-Governo-Assembleia. A Democracia deve ser sempre exercida através da participação cívica, da vigilância popular. (...) Não porque [o Governo] seja ilegítimo, mas porque será mau para o país. Será, como foi dito, o Governo mais populista desde o 25 de Abril. Santana Lopes tem, contudo, muitos inimigos à esquerda ? a sua quase totalidade ? e à direita ? nomeadamente no seu próprio partido. Como tal, esta poderá ser uma hora para cerrar fileiras entre a esquerda, de uma forma real e unida, e associar a sociedade a este combate político. (...)
A oportunidade poderá ser de ouro e poderá não se repetir. Para a aproveitar a esquerda terá, porém, de se aperceber que o Presidente Sampaio se disponibilizou para líder da oposição [ao Governo]. Colocou o Governo num altar sacrificial da Presidência. Poderá não ter os instrumentos de Poder para fazer mais que uma contestação, mas deixou claro que a fará se assim o entender. Se o Presidente Sampaio souber ter a coragem para o fazer e se a esquerda tiver a lucidez para o apoiar nestas acções, poderemos ter uma mudança real dentro de 2 anos, não apenas de governo mas de toda uma mentalidade de fazer política. Será uma ideia algo utópica? Talvez, mas não é essa uma das características da esquerda?
Por 2 anos curtos e diferentes, não da parte do Governo, mas da oposição de esquerda.»

(JSA)

«A minha opinião»

«Queria deixar a minha opinião sobre todo este processo que foi a decisão do Presidente da República...
A principal crítica que eu tenho é o tempo que o PR demorou para tomar a decisão que tomou. A 1ª vez que ele soube da saída do Durão Barroso foi no dia 24 de Junho. Ou seja, ele demorou duas semanas a tomar a decisão. Durante este tempo, os partidos políticos extremaram as suas posições de um modo que eu inicialmente não esperava. Estas tomadas de posições foram particularmente fortes durante a última semana, mas também eram previsíveis, dada a importância da decisão e o tempo que demorou a ser conhecida a decisão presidencial. Sinceramente, acho que o PR deveria ter aproveitado o estado de graça em que estava o país devido ao sucesso do Euro 2004 e deveria ter anunciado a decisão no início da semana passada. Duvido que ele tenha modificado a sua posição durante esta semana, e teria suavizado a crise política entretando gerada.
Quanto à decisão propriamente dita, ela era bastante complexa e com bons argumentos para ambos os lados. Ou seja, era uma decisão pessoal do PR. E aqui reside a minha dúvida. Sabe-se que o PR foi eleito por eleitores maioritariamente de esquerda (mas também devido a um sentimento anti-Cavaco muito forte). Será que ele devia ser leal para com esses eleitores ou deveria olhar para a situação e pensar "o que é melhor para Portugal?". No fundo, será que ele devia tomar a decisão como socialista que sempre foi ou como português apartidário? A minha opinião é que ele deveria ser apartidário e olhar para a situação como independente. Isso não quer dizer que ele não pudesse (ou até devesse) convocar eleições antecipadas, mas que isso seria uma decisão a pensar no que seria o melhor para Portugal e não para o partido que o elegeu.
(...) Se ele tivesse tomado a decisão de dissolver o parlamento, a decisão teria sido sempre associada com uma decisão socialista e não para o bem nacional. É que eu não acredito que tenha sido fácil dar a liderança do governo ao Santana Lopes (PSL). Acredito que o PR tenha pesadelos à noite a pensar nisto, pois vai contra o que lutou durante anos. Foi sem dúvida a decisão mais difícil da vida dele. E é por tudo isto que acredito que a decisão tomada tenha sido a que ele pensa ser melhor para o país.
(...)»

(AF, Houston)

Maria de Lourdes Pintasilgo

Parou-lhe o coração. Durante a noite. Logo esta noite!
Há exactamente uma semana, em Coimbra, em casa da Maria Manuel e do Vital, falei da Maria de Lourdes, de como me alarmara no velório do Prof. Sousa Franco a fragilidade física que subitamente lhe descobrira e de como não me surpreenderia se, de um dia para outro, tivéssemos triste notícia. Malfadada premonição!
Tinha-a visto, dois dias antes, a sair da audiência com o Presidente da República, parecendo firme, embora angustiada com a possibilidade da governação populista que hoje Portugal tem pela frente. Foi ela quem primeiro disse que a democracia poderia estar em perigo. Perturbante comentário. Mas o que mais me «bateu» na imagem daquela senhora, que na televisão parecia muito menos debilitada do que eu a sabia, foi a noção de que ela era a única mulher do ror de personalidades que o Chefe de Estado entendera ouvir para decidir da crise aberta pela fuga de Durão Barroso. Segundo a TV, fora chamada por um critério «objectivo» - antiga Primeira-Ministra.
Eu estava a vê-la pela RTPi. Nessa tarde, na abertura do Congresso do PSOE, em Madrid, aplaudira o Zapatero a reafirmar, à cabeça do discurso, que a paridade era uma prioridade do seu Governo. «Bateu-me» a abissal diferença: em Espanha há hoje um governo com tantos homens como mulheres, porque um político corajoso e progressista resolveu passar das palavras aos actos. Cá, uma mulher só é ouvida - mesmo quando é personalidade admirável e extra-ordinária como Maria de Lourdes Pintasilgo - porque se pode invocar um critério «objectivo». Valha-nos que em 1979 houve um Presidente, Ramalho Eanes, que ousou, contra críticas ferozes de muitos, nomear uma mulher Primeiro-Ministro! Se não, no rol de personalidades recentemente chamadas a Belém, nem sequer uma mulher haveria para amostra do sexo que é maioritário em Portugal e cujo imparável sucesso universitário e profissional leva já alguns a defender quotas ... para homens.
Em Coimbra avancei que o primeiro «post» que ia escrever para o Causa Nossa, depois deste interregno de semanas, era justamente sobre a Maria de Lourdes. Para alertar para a injustiça escandalosa de que ela era objecto. Desgraçadamente, não o escrevi a tempo. A tempo de alguém lho dar a ler. A tempo de alguém corrigir a situação. Acabrunhada, aqui deixo nota, no dia do seu funeral:
Naquele dia na Estrela, fomos conversando enquanto eu a amparava no lento e penoso percurso, corredor fora, deixando a capela do velório. Sobre a morte do Professor Sousa Franco, que a abalara muito, sobre a campanha para as europeias, o PS, os anos de trabalho juntas em Belém, etc.. Já à saída da Basílica, perguntei de que lado estaria o motorista que a viera trazer. Atalhou «Meu motorista? Filha, não tenho dinheiro para tal. Este é um senhor muito amigo, muito gentil, que insiste em conduzir-me quando tenho de sair de casa. Sabe, é que eu vivo apenas de uma pequeníssima pensão dada pelo Baltazar Rebelo de Sousa...». Perante a minha incredulidade, Maria de Lourdes explicou que nos tempos do governo PS bem tentara que a situação fosse corrigida, falara até a alguns ministros... Mas, que havia de se fazer, só fora Primeira-Ministra cinco meses, só tinha direito a pensão pelos tempos de Procuradora à Câmara Corporativa!
A Democracia tem destas injustiças. Injustiça os seus melhores. E o mais duro é que eles nos estão a deixar.

Ana Gomes

O fim de uma era?

A renúncia de Ferro Rodrigues pode significar também o fim de um certo PS, fortemente influenciado pelo grupo de militantes oriundos do antigo Movimento de Esquerda Socialista (MES), que entraram no PS pela mão de Mário Soares há mais de duas décadas. Seja quem for o sucessor -- previsivelmente José Sócrates, se António Vitorino não quiser antecipar a sua saída de Bruxelas para vir disputar a liderança --, há razões par antecipar que será um PS menos à esquerda ideologicamente, politicamente mais "moderado" e mais pragmático, mais ortodoxo em matéria de política económica e financeira, mais aberto à reforma liberal dos serviços públicos, provavelmente mesmo mais contido em relação às "causas de sociedade" (despenalização do aborto, por exemplo), enfim menos próximo do PS francês e mais próximo do blairismo britânico.
A tentação para ocupar o espaço centrista proporcionado pela deslocação do PSD de Santana Lopes para a direita poderá tornar politicamente "pagante" esse reposicionamento político e ideológico do PS. Em contrapartida, à esquerda, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda podem beneficiar desse distanciamento do PS da disputa pelo espaço tradicional da esquerda e das causas sociais e culturais mais radicais. Pode estar na forja uma recomposição do sistema partidário nacional.

E se...

1. E se este fosse o seu primeiro mandato, teria o Presidente da República decidido do mesmo modo?
Lá no fundo, bem no fundo, quero crer que sim. Um aval à coerência do Presidente, esta minha convicção. Gostaria de não me enganar.
2. E se assim fosse, ter-lhe-ia essa decisão custado um segundo mandato?
Se as eleições fossem disputadas como em 1996, admito bem que sim. Estes dias em que se arrastou a decisão criaram em muitos dos eleitores do Presidente a ideia que havia tão bons argumentos para um lado como para o outro; que era uma mera questão de escolha a favor de A ou favor de B; que a estabilidade tanto seria conseguida com esta, como com a outra decisão; que para a economia era irrelevante (como disseram diversas autoridades na matéria). Talvez as coisas nunca tenham sido bem assim, mas foi o que deixaram que parecessem. Agora, mesmo quando a razão tenta compreender a decisão, a ferida abre-se no coração de muitos, indelével, provavelmente.
3. E se invertêssemos o cenário? Teria um Presidente à direita decidido de outro modo, supondo a existência de uma coligação de esquerda maioritária na Assembleia e a direita em minoria, mas pronta para ganhar as eleições?
Creio que sim. A prova é outra vez impossível de fazer. Mas ao longo da vida já vi este filme várias vezes. Desde os professores de esquerda, na Faculdade, que eram mais exigentes para os alunos de esquerda com temor de serem acusados de os favorecer (sendo que o oposto nunca se passava), até aos Governos de esquerda que enchem de encomendas os consultores à direita, mesmo quando existem melhores ou iguais à esquerda, só para mostrar como são abertos e pluralistas. Chama-se a isto o "complexo de esquerda". A direita não tem complexos desses!

sábado, 10 de julho de 2004

Prémio de consolação

Um voto pio fica mal a quem o faz. Um prémio de consolação é com certeza dispensado pelos seus destinatários. Não sei de facto o que mais possa pensar-se das supostas ameaças de castigo para o novo governo, que ontem ouvi no discurso do Presidente. Que terá de portar-se bem sob pena de ser dissolvido. Como? Quando? Que deverá respeitar o seu programa e dar-lhe continuidade. Qual programa? Aquele em que prometeram baixar os impostos? O mais recente, que o próprio Presidente algumas vezes criticou?

O meu herói

Bartoon é o meu herói, o meu amigo, aquele a quem agradeço todos os dias por me tirar do sério. Hoje, foi um deles. Olhem só:


Bartoon, de Luís Afonso, Público de hoje


Maria de Lurdes Pintasilgo (1930-2004)

Foi a primeira mulher a chefiar um governo em Portugal (1979), foi a primeira também a disputar umas eleições presidenciais (1986), foi uma militante de esquerda católica, empenhada e visionária. Há pessoas em relação às quais a discordância de ideias e de propostas em nada afecta a estima e a admiração pessoal por elas. Maria de Lurdes Pintasilgo pertencia a esse grupo privilegiado.

Como explicar?

Da nossa leitora Luisa Rego: "(...) Como eleitora de esquerda e como cidadã, não sei sinceramente o que posso doravante pensar e muito menos como agir. Ferro Rodrigues (...) tomou uma decisão digna, mas triste. Não sou militante do PS... mas neste momento gostaria muito de o ser, para propor um voto de expulsão do militante Jorge Sampaio - ou pelo menos de desaprovação - e um voto claro de apoio a Ferro Rodrigues. Com a decisão do PR, em quem acreditei e votei, e que vigarizou os seus eleitores da maneira mais traiçoeira e tresloucada, foi o sistema eleitoral desprezado e o regime democrático desacreditado. Como explicar às novas gerações que a política se faz assim? O que digo aos meus filhos sobre exercício de cidadania? Vale a pena acreditar em valores e princípios? Vale a pena votar?"

Em que é que votamos...

De um email de hoje: «Em que é que votamos quando elegemos um Presidente da República?»

A manha dos árbitros

No futebol, os árbitros impuros e sem carácter têm uma manha típica, há muito conhecida dos adeptos - quando "erram" deliberadamente em favor de um dos contendores num lance decisivo, passam os dez minutos finais a interferir na partida, vigilantes que nem águias, inventando faltas menores a meio-campo contra a parte que despudoradamente beneficiaram. Julgam assim poder enganar os inocentes.

Luís Nazaré

De todos os portugueses?

Não. Sampaio foi o presidente da minoria de portugueses que não votou nele. Que belo gesto de desprendimento e isenção! Ficará certamente na história.

Luís Nazaré

Sampaísmo constitucional

A decisão presidencial de ontem e o discurso que a fundamentou -- link para o texto oficial -- ficarão seguramente como peças de eleição para a compreensão do actual presidente em relação aos seus poderes, em especial, e ao sistema de governo, em geral, dentro do quadro assaz aberto da Constituição nessa matéria.
Ao optar pela formação de um novo governo da coligação governamental existente, não atendendo aos argumentos que poderiam justificar a convocação de novas eleições (e não eram poucos), o PR reforçou, numa situação assaz controversa, o seu pensamento de que havendo maiorias parlamentares deve em princípio seguir-se esse caminho e que nessa situação a dissolução deve ser uma via realmente excepcional. Além disso, o PR aceitou sem contestação para primeiro-ministro o polémico (para não dizer mais...) novo líder do partido maioritário, prescindindo de exercer um poder de recusa, que no entanto ele detém. Parece ter triunfado aqui portanto um entendimento não intervencionista no que respeita à formação de governos e uma compreensão muitíssimo estrita e exigente quanto à dissolução parlamentar.
Há porém a outra face da moeda. O PR impôs ao novo governo um requisito de continuidade de políticas essenciais, condicionou fortemente a sua liberdade de formulação do programa de governo e colocou-o sob vigilância especial, ou seja, em rédea curta. Nesta perspectiva, inédita no nosso sistema democrático, o PR adopta uma inesperada atitude intervencionista. Ao referir-se explicitamente às "orientações políticas votadas nas eleições de 2002", o Presidente sugere que as eleições servem para escolher políticas e que portanto não são legítimas outras na vigência dessa legislatura. Ele torna-se um fiscal da fidelidade governamental ao programa político supostamente sufragado em eleições. Levada às suas últimas consequências, esta posição parece indicar que Sampaio não admite a formação de governos na mesma legislatura com sinal político divergente, situações que, no entanto, não são raras noutros sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso.
Esta leitura, que nada constitucionalmente impõe, parece ser uma contribuição originária do "sampaísmo constitucional".

Belém e São Bento

Ao optar por um novo governo da coligação PSD-PP, em vez de convocar eleições, o Presidente da República impôs-lhe continuidade nas políticas essenciais e anunciou uma vigilância presidencial apertada da acção governativa.
A imposição de continuidade de políticas é de certo modo contraditória com a doutrina de respeito pela maioria parlamentar, a qual deveria levar ao não envolvimento presidencial na definição das orientações governamentais. Além disso, é uma posição equívoca, pois tanto pode comprometer o Presidente na acção governamental, tornando-o corresponsável por ela, como dar ao Governo um capital de queixa, acusando o Presidente de ser "força de bloqueio" e de não o deixar levar a cabo as suas políticas. Ambos os factores são funestos.
A maior vigilância sobre o Governo também pode ser um exercício fruste e arriscado. Fruste, porque o Presidente não goza de grandes meios de controlo sobre um Governo que dispõe de maioria parlamentar absoluta; o principal instrumento de obstrução presidencial, o veto às leis, pode ser em geral superado por uma segundo votação parlamentar. Arriscado, porque pode dar lugar a um conflito institucional entre o Presidente e o Governo, não estando garantido quem o ganha. Seja como for, conflito institucional é coisa que não corresponde propriamente à "estabilidade política" que esteve na base da justificação presidencial para a formação de novo governo da coligação.

Efeitos colaterais

Com a renúncia de Ferro Rodrigues, a seguir à de Guterres há menos de três anos, o PS dá uma imagem de excessiva vulnerabilidade dos seus dirigentes à adversidade e à derrota. Mesmo se em nome de uma virtuosa assunção de responsabilidade pessoal pelos insucessos politicos, a repetição de demissões também pode ser lida como sintoma de um défice de resistência e de determinação política. Os gestos mais nobres podem ter efeitos colaterais negativos...

sexta-feira, 9 de julho de 2004

Ferro Rodrigues

A sua demissão é um singular momento dramático na história política portuguesa. Ao demitir-se da liderança do PS acto contínuo à comunicação presidencial, considerando-a como uma intolerável "derrota pessoal e política", Ferro Rodrigues agiu claramente sob o império da emoção e da indignação. Devemos respeitar a atitude e admirar o seu sacrifício, mesmo que não acompanhemos a radicalidade do gesto. Mas quem conhece a sua forte personalidade e percebeu a ordália que foi a sua luta contra a sórdida conspiração que o tentou liquidar no ano passado (com a infame tentativa de envolvimento no caso Casa Pia) dificilmente pode censurá-lo por ter deixado decidir o coração em vez da razão.
Com a sua demissão o PS não perde somente um líder que não recusou "pegar" no partido numa situação particularmente difícil, a seguir à saída de António Guterres, e que conseguiu em apenas dois anos, apesar de todas as contrariedades pessoais e políticas, recolocá-lo na senda das vitórias eleitorais, com fortes perspectivas de voltar ao poder na próxima oportunidade. Perde também uma certa maneira despojada e exigente de fazer política, fiel a princípios e a normas de ética pessoal. Não é preciso ser seu amigo nem concordar com ele em tudo para lastimar profundamente o seu abandono, sobretudo nas condições em que ocorre. Pessoas deste calibre fazem sempre falta à República e à esquerda.

Vital Moreira

Jorge Sampaio

O Presidente da República partiu do princípio, correcto, de que a questão não era a constitucionalidade nem a legitimidade das duas alternativas em causa, não havendo nenhum princípio que tornasse obrigatória a continuidade governamental (como queria a direita) ou a realização de eleições (como queria a esquerda e diversas personalidades a ela alheias). O que estava em causa era uma questão política, cuja resolução num sentido ou noutro cabia na liberdade de decisão pessoal do Presidente, a saber, se havia razões bastantes para rejeitar a formação de novo governo da actual coligação com outro primeiro-ministro e para justificar a dissolução parlamentar e convocar novas eleições.
Sampaio privilegiou claramente os argumentos a favor da continuidade governativa (apesar de ela ter sido efectivamente interrompida pelo abandono do primeiro-ministro), tornando a legislatura uma espécie de fetiche a que tudo se deve sacrificar, não tendo considerado decisivos (ou nem relevantes, porque não os mencionou sequer) os argumentos que poderiam fundamentar a opção pelas eleições, designadamente a saída do primeiro-ministro que encarnava a vitória eleitoral da direita nas eleições de 2002 e a coligação governamental, o inequívoco divórcio entre o eleitorado e a maioria parlamentar existente -- revelada nas recentes eleições europeias e noutros elementos relevantes --, a controversa personalidade e as inclinações populistas do apontado primeiro-ministro e ainda o perigo sério de este novo governo não passar de um "comité eleitoral" no ciclo de eleições que vão ocorrer neste dois anos, colocando o Estado ao serviço dos interesses políticos da coligação.
Objectivamente, portanto, numa questão em que ambas as alternativas em presença eram admissíveis (de outro modo não se compreenderia tanta hesitação), o Presidente acabou por optar a favor da coligação governamental, ao livrá-la de se confrontar com o eleitorado e responder, com uma previsível derrota, pelo governo que agora termina . Se esta decisão tivesse sido assumida sem tergiversação desde o início, seguramente que ela não teria suscitado tanta paixão. O pior é que, tendo demorado 15 dias a decidir e tendo dado campo para a criação de uma ampla convicção favorável à antecipação de eleições -- que se tornou ela mesma um elemento da equação a resolver pelo Presidente --, a sua decisão final aparece como um inesperado prémio à direita e uma imerecida derrota da esquerda.
Doravante nada será como dantes na relação do PR com o "povo de esquerda", que duas vezes o elegeu.