1. Embora tenhamos um sistema democrático em funcionamento sem sobressaltos há mais de quatro décadas - o que é inédito na nossa história constitucional -, isso não demove o impulso regular para ambiciosas reformas político-constitucionais, mesmo quando a sua viabilidade é escassa ou nula.
O facto de nenhuma das propostas referidas por
Manuel Braga da Cruz no livro apresentado nesta entrevista ao Público ser inédita (sistema eleitoral misto, eleição indireta do PR, moção de censura construtiva, condicionamento da dissolução parlamentar, criação de um senado) não lhes retira o eventual mérito que tenham. Mas revela que apesar de recorrentemente propostas ao longo dos anos, nunca elas obtiveram o grau de apoio suficiente para as transformar em reformas.
De resto,
quase todas precisariam de prévia revisão constitucional, o que não é um produto com muita oferta hoje em dia, e duas delas (nomeadamente a eleição maioritária separada de metade dos deputados, se não mesmo a eleição indireta do PR) até estão vedadas por "limites materiais de revisão".
2. Concordo. aliás, com os objectivos de MBC no sentido de
reforçar a governabilidade e acentuar a natureza parlamentar do sistema de governo. Mas para isso não vejo necessidade de acabar com a eleição direta do PR, nem de criar um senado, nem de adotar um sistema eleitoral semimaioritário.
Haveria decerto vantagem em tornar mais estritas as condições de dissolução parlamentar, mas mesmo aí tem havido uma notável contenção no uso dessa prerrogativa presidencial, só havendo a registar ao longo de quatro décadas o caso controverso na dissolução de 2005 por Jorge Sampaio.
A moção de censura construtiva - que tem vindo a ser proposta desde os anos 80 -, essa sim, poderia funcionar como um importante mecanismo de estabilidade governativa, ao inibir moções de censura sem apresentação de uma alternativa de governo. Mas já se viu que as coisas ainda não estão maduras para a sua adoção.
3. Também concordo que há vantagem em alterar o sistema eleitoral, de modo a dar relevância aos votos de todos os cidadãos, onde quer que votem, e a personalizar a escolha dos deputados.
Mas para isso
não é necessário sequer mudar a Constituição nem mudar de alto a baixo o atual sistema eleitoral. Bastaria criar um círculo nacional de grandeza mínima (por ex. 25-30 mandatos), sobreposto aos atuais círculos territoriais (eventualmente reconfigurados), e adotar o "voto preferencial", reduzindo a grandeza dos círculos eleitorais e das listas, inscrevendo os candidatos nos boletins de voto e dando aos eleitores a possibilidade de selecionarem um dos candidatos do partido em que votam. como sucede por exemplo na Bélgica, tomando as devidas cautelas para prevenir lutas fratricidas entre os candidatos de cada partido.