1. Segundo a Lei-Quadro das autoridades reguladoras independentes, a nomeação dos reguladores sectoriais da economia pelo Governo é precedida de uma audição perante comissão competente da AR, que conclui com um "parecer fundamentado" sobre a nomeação do candidato.
Mas no caso da Banco de Portugal, a que essa lei não se aplica, o respetiva Lei Orgânica também exige uma audição parlamentar dos candidatos a Governador e demais administradores, mas, ao contrário das demais entidades reguladoras, essa audição limita-se a dar num "relatório descritivo", sem que haja um parecer fundamentado, favorável ou não, à nomeação.
Porquê a diferença?
2. Parece óbvio que, por maioria de razão, o regime de nomeação deveria ser o mesmo no caso do Banco de Portugal, o qual, além de banco central, é seguramente o mais poderoso e influente dos reguladores/supervisores no nosso sistema económico-financeiro.
A ideia que dá é que, na sua tradicional soberba institucional, o Banco de Portugal conseguiu do legislador um regime mais favorável, que liberta o Governador e demais administradores de um eventual parecer negativo do parlamento, que pusesse em causa a escolha governmental.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 14 de julho de 2020
quinta-feira, 9 de julho de 2020
O que o Presidente não deve fazer (22): Porta-voz do Governo
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Vital Moreira
1. Com a pandemia o Presidente da República acentuou a sua tendência para se envolver no assuntos governativos, com frequentes tomadas de posição públicas, mesmo ao nível micropolítico, incluindo a participação em reuniões de natureza político-administrativa, como as do INFARMED.
Uma nova dimensão dessa intervenção presidencial é o facto de ter assumido por vezes o papel de porta-voz do Governo, como neste caso, em que anuncia uma nova medida sobre a pandemia, tecendo outras considerações, como se fora Primeiro-Ministro ou Ministro da Saúde.
2. De facto, não cabe constitucionalmente ao PR envolver-se na política ou na ação governativa, nem muito menos funcionar como porta-voz governamental. Pelo contrário, é ao Governo que incumbe informar o Presidente sobre as suas decisões, o que pressupõe que ele não toma parte nelas.
No nosso sistema constitucional, a condução política e administrativa do País cabe em exclusivo ao Governo, que sobre ela é responsável perante a AR, e não ao Presidente da República, que nem é eleito para isso, nem pode ser politicamente corresponsabilizado pela ação (ou inação) governativa.
A função constitucional do PR supõe um adequado distanciamento em relação ao Governo, condição necessária do escrutínio que lhe cabe exercer sobre o funcionamento do sistema político, pelo não pode parecer nem coach nem coadjutor do executivo.
Como reza o ditado popular, "cada macaco no seu galho"...
Uma nova dimensão dessa intervenção presidencial é o facto de ter assumido por vezes o papel de porta-voz do Governo, como neste caso, em que anuncia uma nova medida sobre a pandemia, tecendo outras considerações, como se fora Primeiro-Ministro ou Ministro da Saúde.
2. De facto, não cabe constitucionalmente ao PR envolver-se na política ou na ação governativa, nem muito menos funcionar como porta-voz governamental. Pelo contrário, é ao Governo que incumbe informar o Presidente sobre as suas decisões, o que pressupõe que ele não toma parte nelas.
No nosso sistema constitucional, a condução política e administrativa do País cabe em exclusivo ao Governo, que sobre ela é responsável perante a AR, e não ao Presidente da República, que nem é eleito para isso, nem pode ser politicamente corresponsabilizado pela ação (ou inação) governativa.
A função constitucional do PR supõe um adequado distanciamento em relação ao Governo, condição necessária do escrutínio que lhe cabe exercer sobre o funcionamento do sistema político, pelo não pode parecer nem coach nem coadjutor do executivo.
Como reza o ditado popular, "cada macaco no seu galho"...
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Gostaria de ter escrito isto (26): Contra a intolerância ideológica
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Vital Moreira
1. Subscrevo inteiramente este manifesto coletivo de intelectuais norte-americanos, agora publicado na revista Harper's, contra a intolerância sectária e proibicionista no debate político, mesmo quando se trata de lutar por causas justas como a igualdade e a justiça social, nomeadamente a racial.
A superioridade moral e política da esquerda na luta por esses objetivos não deve decorrer somente dos valores por que luta, mas também do modo diferente como se prosseguem, sem dogma nem coerção.
2. Há que rejeitar tanto a violência e a destruição anarquista como o totalitarismo ideológico com que a esquerda radical quer rever retroativamente a história. A luta contra o autoritarismo de direita não pode adotar os seus métodos, nem responder à sua vocação nacionalista com apelos tribalistas e identitários, tão excludentes como aquela.
Como se diz no manifesto, «The way to defeat bad ideas is by exposure, argument, and persuasion, not by trying to silence or wish them away».
A superioridade moral e política da esquerda na luta por esses objetivos não deve decorrer somente dos valores por que luta, mas também do modo diferente como se prosseguem, sem dogma nem coerção.
2. Há que rejeitar tanto a violência e a destruição anarquista como o totalitarismo ideológico com que a esquerda radical quer rever retroativamente a história. A luta contra o autoritarismo de direita não pode adotar os seus métodos, nem responder à sua vocação nacionalista com apelos tribalistas e identitários, tão excludentes como aquela.
Como se diz no manifesto, «The way to defeat bad ideas is by exposure, argument, and persuasion, not by trying to silence or wish them away».
Não com os meus impostos (2): Era o que faltava!
Publicado por
Vital Moreira
1. O Governo só pode dizer um "não" rotundo ao pedido da SATA de uma nutrida subvenção do Estado. Sendo uma empresa pública regional, compete ao respetivo governo regional, como seu acionista único, ir em socorro da empresa, não ao Governo da República. Tal como não cabe ao Estado salvar empresas municipais, também está fora de causa salvar empresas públicas regionais.
2. Aos contribuintes do Continente já basta terem de pagar os elevados custos do socorro financeiro à TAP, que, aliás, os contribuintes insulares não compartilham, apesar de serem beneficiários do serviço da empresa nacional.
Num País territorialmente descentralizado, cada comunidade territorial deve assumir as suas próprias responsabilidades financeiras, de acordo com o princípio beneficiário-pagador. A autonomia financeira insular não inclui só benefícios (que aliás são muitos), mas também as correspondentes responsabilidades.
Adenda
Um leitor pergunta porque é que o financiamento da intervenção na TAP não impende sobre todos contribuintes nacionais. A resposta é simples: porque todas as receitas fiscais cobradas nas ilhas revertem para o orçamento regional e, portanto, todas as despesas do Estado são financiadas somente pelos contribuintes do Continente, incluindo as despesas do Estado nas ilhas (como as universidades e os tribunais, etc.). Os contribuintes insulares nem sequer contribuem para financiar as despesas gerais da República (órgãos de soberania, forças armadas, polícia, etc.). O caso mais bizarro é o da contribuição nacional para a União Europeia, que é suportada somente pelo orçamento do Estado (ou seja, pelos contribuintes continentais), apesar de as ilhas serem dos maiores beneficiários dos fundos da União...
2. Aos contribuintes do Continente já basta terem de pagar os elevados custos do socorro financeiro à TAP, que, aliás, os contribuintes insulares não compartilham, apesar de serem beneficiários do serviço da empresa nacional.
Num País territorialmente descentralizado, cada comunidade territorial deve assumir as suas próprias responsabilidades financeiras, de acordo com o princípio beneficiário-pagador. A autonomia financeira insular não inclui só benefícios (que aliás são muitos), mas também as correspondentes responsabilidades.
Adenda
Um leitor pergunta porque é que o financiamento da intervenção na TAP não impende sobre todos contribuintes nacionais. A resposta é simples: porque todas as receitas fiscais cobradas nas ilhas revertem para o orçamento regional e, portanto, todas as despesas do Estado são financiadas somente pelos contribuintes do Continente, incluindo as despesas do Estado nas ilhas (como as universidades e os tribunais, etc.). Os contribuintes insulares nem sequer contribuem para financiar as despesas gerais da República (órgãos de soberania, forças armadas, polícia, etc.). O caso mais bizarro é o da contribuição nacional para a União Europeia, que é suportada somente pelo orçamento do Estado (ou seja, pelos contribuintes continentais), apesar de as ilhas serem dos maiores beneficiários dos fundos da União...
terça-feira, 7 de julho de 2020
Praça da República (35): Custou a perceber
Publicado por
Vital Moreira
1. Os dois principais partidos concordam agora que, para que os serviços de informações ("serviços secretos") tenham acesso a dados de comunicações privadas - como se impõe no mundo de hoje, por elementares razões de segurança - é preciso rever a Constituição, que hoje proíbe toda e qualquer interferência nas comunicações privadas, salvo em processo penal.
Desde o princípio, há vários anos, que aqui sempre se defendeu tal entendimento. Não era preciso perder tanto tempo em tentativas legislativas votadas ao fracasso, "chateando" o Tribunal Constitucional.
2. Existem, aliás, outros pontos sensíveis que carecem igualmente de revisão constitucional, como, por exemplo, o internamento compulsivo de portadores de doença infeto-contagiosa e a participação das forças armadas em missões de segurança interna.
Ambas são providências necessárias, mas também sem margem constitucional atualmente. A tentação nestes casos é contornar a Constituição e forçar factos legislativos consumados, que ninguem impugna, por as soluções serem justificáveis, assim se contribuindo para a erosão da força normativa da Constituição.
Desde o princípio, há vários anos, que aqui sempre se defendeu tal entendimento. Não era preciso perder tanto tempo em tentativas legislativas votadas ao fracasso, "chateando" o Tribunal Constitucional.
2. Existem, aliás, outros pontos sensíveis que carecem igualmente de revisão constitucional, como, por exemplo, o internamento compulsivo de portadores de doença infeto-contagiosa e a participação das forças armadas em missões de segurança interna.
Ambas são providências necessárias, mas também sem margem constitucional atualmente. A tentação nestes casos é contornar a Constituição e forçar factos legislativos consumados, que ninguem impugna, por as soluções serem justificáveis, assim se contribuindo para a erosão da força normativa da Constituição.
domingo, 5 de julho de 2020
Depois da pandemia (7): Condicionalidades do apoio público à recuperação
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Vital Moreira
1. A recuperação da grave recessão económica provocada pela pandemia, vai exigir do Estado um esforço financeiro acrescido, tanto em matéria investimento público, como no que respeita à ajuda às empresas, a fim de promover a retoma económica.
Num e noutro caso, o esforço do Estado não deve ser feito a esmo, antes deve obedecer ao desígnio de solucionar os principais instrumentos e défices de eficiência da economia portuguesa, tal como apontados regularmente nas recomendações da Comissão Europeia. De resto, esse deve ser seguramente um critério básico para o financiamento de projetos nacionais pelo Fundo de Recuperação em vias de aprovação pela União.
Não se trata de conseguir uma retoma económica qualquer, mas sim de ajudar a forjar uma e economia mais resiliente.
2. No que respeita a empresas privadas, o apoio público, além de dever excluir empresas inviáveis, deve ser sujeitos a um conjunto de condicionalidades apropriadas, a começar pelas de natureza ambiental, nomeadamente redução de emissões de CO2 - que aliás devem constar das normas da União Europeia em relação a referido Fundo de Recuperação -, assim como de natureza social, especialmente em matéria de emprego.
Mas há outras condições que se justificam, como a exclusão das empresas sediadas em paraísos fiscais, tal como decidido pela AR no "orçamento suplementar". Na mesma linha deveriam ser consideradas restrições à distribuição de lucros e à remuneração de gestores.
Não devem ser somente os trabalhadores a pagar os custos das recessão, como é habitual.
Num e noutro caso, o esforço do Estado não deve ser feito a esmo, antes deve obedecer ao desígnio de solucionar os principais instrumentos e défices de eficiência da economia portuguesa, tal como apontados regularmente nas recomendações da Comissão Europeia. De resto, esse deve ser seguramente um critério básico para o financiamento de projetos nacionais pelo Fundo de Recuperação em vias de aprovação pela União.
Não se trata de conseguir uma retoma económica qualquer, mas sim de ajudar a forjar uma e economia mais resiliente.
2. No que respeita a empresas privadas, o apoio público, além de dever excluir empresas inviáveis, deve ser sujeitos a um conjunto de condicionalidades apropriadas, a começar pelas de natureza ambiental, nomeadamente redução de emissões de CO2 - que aliás devem constar das normas da União Europeia em relação a referido Fundo de Recuperação -, assim como de natureza social, especialmente em matéria de emprego.
Mas há outras condições que se justificam, como a exclusão das empresas sediadas em paraísos fiscais, tal como decidido pela AR no "orçamento suplementar". Na mesma linha deveriam ser consideradas restrições à distribuição de lucros e à remuneração de gestores.
Não devem ser somente os trabalhadores a pagar os custos das recessão, como é habitual.
sábado, 4 de julho de 2020
Aplauso (14): Feliz desenlace
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Vital Moreira
A indigitação pelo PS do ex-eurodeputado, Francisco Assis, para a presidência do Conselho Económico e Social (CES) é uma iniciativa positiva para ambas as partes: para Assis, que assim "sai por cima" da situação de quase gheto político em que se encontrava dentro do Partido; para este, porque se liberta da acusação de que a aliança à esquerda dos últimos anos implicava o desterro político da ala mais liberal no PS.
Na verdade, os partidos de vocação governativa são necessariamente de largo espetro político e doutrinário, não podendo dar-se ao luxo de alienar quadros de elevada craveira, só por não alinharem com a tendência dominante em cada fase da vida do partido. De resto, isso está de acordo com a melhor tradição política do PS.
Adenda
Um leitor pergunta malevolamente se, considerando a convergência de posições com as de Assis, também eu estou "à espera de um prémio assim". A pergunta é de todo descabida, por duas razões: (i) não sendo eu filiado no PS, não me poderia considerar "marginalizado" dentro do Partido; (ii) estou deliberadamente fora da esfera política há vários anos, pelo que está excluído o desempenho de qualquer cargo dessa natureza. Sou, portanto, somente um cidadão que têm opiniões políticas e que não prescinde da liberdade de as exteriorizar.
Na verdade, os partidos de vocação governativa são necessariamente de largo espetro político e doutrinário, não podendo dar-se ao luxo de alienar quadros de elevada craveira, só por não alinharem com a tendência dominante em cada fase da vida do partido. De resto, isso está de acordo com a melhor tradição política do PS.
Adenda
Um leitor pergunta malevolamente se, considerando a convergência de posições com as de Assis, também eu estou "à espera de um prémio assim". A pergunta é de todo descabida, por duas razões: (i) não sendo eu filiado no PS, não me poderia considerar "marginalizado" dentro do Partido; (ii) estou deliberadamente fora da esfera política há vários anos, pelo que está excluído o desempenho de qualquer cargo dessa natureza. Sou, portanto, somente um cidadão que têm opiniões políticas e que não prescinde da liberdade de as exteriorizar.
Bicentenário da Revolução Liberal (12): Um monge na Revolução
Publicado por
Vital Moreira
1. No último número da revista História do Jornal de Notícias, oportunamente dedicado aos 200 anos da Revolução Liberal, que se assinalam no corrente ano, é publicado um artigo meu, em coautoria com o Prof. José Domingues, dedicado a um improvável protagonista da Revolução - que efetivamente foi.
Trata-se de Frei Francisco de São Luís, um frade beneditino, nessas altura já com uma notável carreira académica (membro da Academia de Ciências de Lisboa e professor na Universidade de Coimbra), que aderiu desde a primeira hora à insurreição do Porto, vindo a ser membro da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino (em representação da Universidade) e posteriormente membro da Regência designada pelas Cortes Constituintes.
Um caso singular!
2. Intelectual emérito do grupo revolucionário, coube-lhe não somente a redação de alguns dos principais textos da Junta, mas também a elaboração do primeiro esboço da futura Constituição, num projeto de dezembro de 1820, onde articula as principais ideias que depois iriam vingar nas Cortes Constituintes.
A sua posterior notoriedade pública como Reitor da Universidade de Coimbra, par do Reino na vigência da Carta Constitucional, bispo e cardeal (o célebre Cardeal Saraiva) fez esquecer injustamente o seu decisivo papel na Revolução Liberal. Importa resgatá-lo.
sexta-feira, 26 de junho de 2020
Praça da República (34): "Dúvidas" só?!
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Vital Moreira
1. Parece que o PS só tem "dúvidas" sobre a proposta do PAN que exige um parecer favorável para a nomeação governamental do Governador do Banco de Portugal, ainda por cima um parecer votado por maioria superqualificada de 2/3. Mas não se compreendem as "dúvidas" perante essa abstrusa solução, que, aliás, subverte a lógica constitucional da separação de poderes.
Em qualquer das vertentes do Banco de Portugal - como banco central e como autoridade de supervisão das instituições de crédito -, a nomeação da equipa de gestão do BP só pode competir ao Governo, como órgão de condução da política geral do País e como órgão superior da Administração Pública. Por isso, essa competência não pode ser transferida para a AR, como implica a disparatada proposta do PAN.
2. Durante algum tempo, houve propostas igualmente inaceitáveis (tanto do ponto de vista político como do ponto de vista constitucional) de transferir tal poder de nomeação para o Presidente da República, com as quais o PS chegou a namorar irresponsavelmente, para depois a abandonar.
Não é menos censurável a presente proposta de expropriação parlamentar desse poder eminentemente governativo.
É o Governo e não o parlamento que deve responder pela eventual "culpa in eligendo" na escolha do Governador do Banco de Portugal, tal como, aliás, das demais autoridades de supervisão independente. Um sistema de governo parlamentar não é aquele onde o Parlamento governa, mas sim onde um Governo de base parlamentar governa sob controlo parlamentar.
Esta irresponsável proposta não deve passar.
Em qualquer das vertentes do Banco de Portugal - como banco central e como autoridade de supervisão das instituições de crédito -, a nomeação da equipa de gestão do BP só pode competir ao Governo, como órgão de condução da política geral do País e como órgão superior da Administração Pública. Por isso, essa competência não pode ser transferida para a AR, como implica a disparatada proposta do PAN.
2. Durante algum tempo, houve propostas igualmente inaceitáveis (tanto do ponto de vista político como do ponto de vista constitucional) de transferir tal poder de nomeação para o Presidente da República, com as quais o PS chegou a namorar irresponsavelmente, para depois a abandonar.
Não é menos censurável a presente proposta de expropriação parlamentar desse poder eminentemente governativo.
É o Governo e não o parlamento que deve responder pela eventual "culpa in eligendo" na escolha do Governador do Banco de Portugal, tal como, aliás, das demais autoridades de supervisão independente. Um sistema de governo parlamentar não é aquele onde o Parlamento governa, mas sim onde um Governo de base parlamentar governa sob controlo parlamentar.
Esta irresponsável proposta não deve passar.
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Laicidade (9): Troca de favores
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Vital Moreira
1. O Jornal de Notícias de hoje informa que o município de Oliveira do Hospital decidiu subsidiar as paróquias do município para financiar as respetivas despesas, incluindo a remuneração dos párocos, por causa da alegada redução de receitas próprias decorrente da pandemia.
O caso é assaz bizarro: por um lado, não consta que o município tenha decidido subsidiar todos os munícipes que perderam rendimentos por causa da pandemia, sendo portanto um caso evidente de privilégio à Igreja; por outro lado, sabe-se pela mesma notícia que o presidente da Câmara costuma usar o púlpito em cerimónias religiosas para usar da palavra, não como crente (que não é), mas sim como Presidente da Câmara.
Trata-se, portanto, de um caso manifesto de troca de favores à custa de dinheiros públicos.
2. Não se podia imaginar um caso mais flagrante de violação do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o poder público.
Antigamente, tínhamos bispos e padres a intervirem em cerimónias oficiais (como as inaugurações de obras públicas); agora temos titulares de cargos públicos a intervirem, enquanto tais, em cerimónias religiosas, a troco de financiamento público!
Até quanto é que atitudes destas vão continuar impunes?
O caso é assaz bizarro: por um lado, não consta que o município tenha decidido subsidiar todos os munícipes que perderam rendimentos por causa da pandemia, sendo portanto um caso evidente de privilégio à Igreja; por outro lado, sabe-se pela mesma notícia que o presidente da Câmara costuma usar o púlpito em cerimónias religiosas para usar da palavra, não como crente (que não é), mas sim como Presidente da Câmara.
Trata-se, portanto, de um caso manifesto de troca de favores à custa de dinheiros públicos.
2. Não se podia imaginar um caso mais flagrante de violação do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o poder público.
Antigamente, tínhamos bispos e padres a intervirem em cerimónias oficiais (como as inaugurações de obras públicas); agora temos titulares de cargos públicos a intervirem, enquanto tais, em cerimónias religiosas, a troco de financiamento público!
Até quanto é que atitudes destas vão continuar impunes?
White House 2020 (1): Suspense americano
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Vital Moreira
1. As eleições presidenciais norte-americanas são em geral importantes para todo o mundo, dado o peso político e económico que os Estados Unidos da América continuam a manter e considerando que no sistema presidencialista o Presidente é não somente chefe do Estado mas também chefe do Governo e da Administração federal. As eleições do final do corrente ano (novembro) são ainda mais importantes, para saber se chega ao fim a atrabiliária presidência de Trump.
Em certo sentido, todos "votamos" nas eleições presidenciais estadunidenses e não é ousado estimar que desta vez a esmagadora maioria dos europeus votará contra Trump. Resta saber qual será a decisão dos cidadãos norte-americanos.
2. Neste momento, todas as previsões eleitorais apontam para uma clara vantagem do candidato Democrata, John Biden, antigo vice do Presidente Obama. O gráfico acima mostra a estimativa da revista liberal britânica, The Ecomomist, prevendo uma confortável vantagem de Biden sobre Trump, não somente no voto popular, mas também no colégio eleitoral, que é o que importa.
Essa dianteira reflete a destrambelhada condução política de Trump na resposta à pandemia e à morte do cidadão negro George Floyd em Minneapolis, sob o joelho de um polícia branco, dando uma força inaudita ao movimento "Black lives matter".
Mas a este distância, é impossível dar por assente a vitória de Biden. Há quatro anos, Hilary Clinton liderou as sondagens até ao dia das eleições...
3. Para comprender o gráfico, importa lembrar que nos Estados Unidos o Presidente não é eleito diretamente pelos cidadãos, mas sim por um colégio eleitoral composto por representantes dos 50 estados federados, cada um deles tendo direito a tantos representantes quantos os seus membros no Congresso federal, ou seja, a soma dos respetivos senadores e deputados em Washington. Acresce que na maior parte dos estados vigora um regime eleitoral maioritário, segundo o qual o candidato presidencial com mais votos ganha todos os representantes do estado no colégio eleitoral.
Por isso, é possível que um candidato tenha mais votos a nível nacional, mas tenha menos representantes no colégio eleitoral, como já sucedeu várias vezes, incluindo há quatro anos, quando a candidata Democrata, Hilary Clinton, teve quase três milhões de votos a mais do que Trump, mas foi este que foi eleito Presidente, por ter obtido mais representantes estaduais no colégio eleitoral.
quarta-feira, 24 de junho de 2020
Concordo (15): Poderes de veto de facto
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Vital Moreira
1. Concordo com esta opinião autorizada de que as férias judiciais deveriam ser encurtadas, para permitir recuperar algum do atraso sofrido nas "férias forçadas" durante a prolongada paralisação dos tribunais, por causa do estado de emergência, com grave prejuízo das partes e da Justiça.
Se as férias judiciais de dois meses já constituem em geral um privilégio injustificável, menos ele se compreende nas atuais circunstâncias excecionais, sendo perfeitamente razoável uma solução excecional para o corrente ano e não havendo nenhum obstáculo constitucional a uam derrogação temporária.
2. Infelizmente é tradição dos ministros da Justiça, sobretudo quando oriundos do meio judiciário, como quase sempre, renunciaram à partida a qualquer medida que possa suscitar o protesto das corporações do setor, que gozam de um poder de veto não escrito.
E há coisas que não mudam na governação, mesmo quando mudam radicalmente as circunstâncias e quando o interesse público exigia uma resposta diferente.
Se as férias judiciais de dois meses já constituem em geral um privilégio injustificável, menos ele se compreende nas atuais circunstâncias excecionais, sendo perfeitamente razoável uma solução excecional para o corrente ano e não havendo nenhum obstáculo constitucional a uam derrogação temporária.
2. Infelizmente é tradição dos ministros da Justiça, sobretudo quando oriundos do meio judiciário, como quase sempre, renunciaram à partida a qualquer medida que possa suscitar o protesto das corporações do setor, que gozam de um poder de veto não escrito.
E há coisas que não mudam na governação, mesmo quando mudam radicalmente as circunstâncias e quando o interesse público exigia uma resposta diferente.
O que o Presidente não deve fazer (21): O veto errado
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Vital Moreira
1. O Presidente da República vetou um diploma da AR que criava despesa pública não prevista na Lei do Orçamento em vigor, o que a Constituição não permite (a chamada "lei-travão"). O argumento constitucional, único usado pelo Presidente, é pertinente (como mostrei AQUI), mas não compete ao PR utilizá-lo para vetar politicamente um diploma submetido a promulgação.
Na verdade, a Constituição distingue claramente o veto político, por objeções de natureza política, e o veto constitucional, por inconstitucionalidade do diploma, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva da constitucionalidade, o que não se verificou.
Por isso, os principais comentadores da Constituição convergem no entendimento de que não se pode invocar argumentos de constitucionalidade no veto político.
Face ao veto político, a AR poderia confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o PR promulgar um diploma inconstitucional, o que é não faz sentido (e o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto por inconstitucionalidade).
2. Na mensagem que acompanha o veto - que se devia limitar a justificá-lo -, o PR sugere que os partidos interessados possam reintroduzir a medida em causa na "orçamento suplementar" em debate na AR.
Sucede, porém, que, a ter em conta o parecer técnico que o Governo enviou à AR sobre os limites do poder dos deputados quanto ao "orçamento suplementar", eles não podem propor aumentos de despesa, pelo que se o fizessem, poderiam pôr em causa a constitucionalidade do próprio diploma...
Adenda
Em relação ao último parágrafo do nº 1, um leitor objeta que a AR também pode confirmar, por maioria de 2/3, os diplomas vetados por inconstitucionalidade, obrigando o PR a promulgar diplomas julgados inconstitucionais pelo TC em fiscalização preventiva.
Mas não é a mesma coisa: para além da substancial diferença de maioria necessária para a confirmação parlamentar (2/3 versus maioria absoluta), há outra diferença ainda mais decisiva: no caso do veto por inconstitucionalidade, a eventual confirmação parlamentar apenas autoriza o PR a promulgar o diploma vetado, mas não o obriga a fazê-lo, ao contrario do que ocorre no caso de veto político. Resta dizer que nunca houve nenhuma confirmação parlamentar de um diploma vetado por inconstitucionalidade.
Na verdade, a Constituição distingue claramente o veto político, por objeções de natureza política, e o veto constitucional, por inconstitucionalidade do diploma, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva da constitucionalidade, o que não se verificou.
Por isso, os principais comentadores da Constituição convergem no entendimento de que não se pode invocar argumentos de constitucionalidade no veto político.
Face ao veto político, a AR poderia confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o PR promulgar um diploma inconstitucional, o que é não faz sentido (e o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto por inconstitucionalidade).
2. Na mensagem que acompanha o veto - que se devia limitar a justificá-lo -, o PR sugere que os partidos interessados possam reintroduzir a medida em causa na "orçamento suplementar" em debate na AR.
Sucede, porém, que, a ter em conta o parecer técnico que o Governo enviou à AR sobre os limites do poder dos deputados quanto ao "orçamento suplementar", eles não podem propor aumentos de despesa, pelo que se o fizessem, poderiam pôr em causa a constitucionalidade do próprio diploma...
Adenda
Em relação ao último parágrafo do nº 1, um leitor objeta que a AR também pode confirmar, por maioria de 2/3, os diplomas vetados por inconstitucionalidade, obrigando o PR a promulgar diplomas julgados inconstitucionais pelo TC em fiscalização preventiva.
Mas não é a mesma coisa: para além da substancial diferença de maioria necessária para a confirmação parlamentar (2/3 versus maioria absoluta), há outra diferença ainda mais decisiva: no caso do veto por inconstitucionalidade, a eventual confirmação parlamentar apenas autoriza o PR a promulgar o diploma vetado, mas não o obriga a fazê-lo, ao contrario do que ocorre no caso de veto político. Resta dizer que nunca houve nenhuma confirmação parlamentar de um diploma vetado por inconstitucionalidade.
Pandemia (28): Porquê a demora?
Publicado por
Vital Moreira
1. Depois da aplicação eletrónica francesa para alerta de proximidade com infetados pelo Covid-19, via smartphone, foi lançada na semana a versão alemã. Para quando o lançamento da aplicação portuguesa, anunciada ha várias semanas, que parece estar dependente de aprovação do Governo?
Temos de chegar atrasados a tudo?!
2. Em qualquer caso, a aplicação terá tanto mais serventia quanto maior for o número dos que a instalarem, desde que obviamente os infetados tenham o cuidado de assinalar esse facto no seu smartphone.
Para isso seria conveniente o lançamento de um apelo público para a instalação massiva da aplicação e para a sua utilização, quer pela Comissão Europeria, quer pelas autoridades de saúde nacionais. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade cívica.
Temos de chegar atrasados a tudo?!
2. Em qualquer caso, a aplicação terá tanto mais serventia quanto maior for o número dos que a instalarem, desde que obviamente os infetados tenham o cuidado de assinalar esse facto no seu smartphone.
Para isso seria conveniente o lançamento de um apelo público para a instalação massiva da aplicação e para a sua utilização, quer pela Comissão Europeria, quer pelas autoridades de saúde nacionais. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade cívica.
sábado, 20 de junho de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (10): Da Revolução (1820) à Constituição (1822)
Publicado por
Vital Moreira
1. Em pré-lançamento da Porto Editora, eis o primeiro de três livros sobre a Revolução Liberal de que sou coautor junto com o Professor José Domingues, integrando um projeto enquadrado nas comemorações do bicentenário da Revolução Liberal e do início da era constitucional em Portugal.
Coligindo textos inicialmente publicados na revista História JN, revistos e ampliados, este primeiro livro analisa as etapas que levaram da Revolução de 1820 à Constituição de 1822, passando pelas Cortes Constituintes de 1821-22. Dois anos fulcrais na passagem do Antigo Regime ao Portugal moderno, de que somos herdeiros.
2. O livro é dedicado à memória de Manuel Fernandes Tomás e José Ferreira Borges, os dois mais eminentes líderes revolucionários, fundadores do Sinédrio, membros da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, deputados às Cortes Constituintes, enfim protagonistas maiores do vintismo.
Do prefácio do livro: «Como muitas outras vezes no passado, o engenho e a ação dos líderes são essenciais nas grandes façanhas da história. Aqui fica a nossa homenagem às duas figuras que, como nenhumas outras, personificam o “triénio vintista” entre nós.»
Coligindo textos inicialmente publicados na revista História JN, revistos e ampliados, este primeiro livro analisa as etapas que levaram da Revolução de 1820 à Constituição de 1822, passando pelas Cortes Constituintes de 1821-22. Dois anos fulcrais na passagem do Antigo Regime ao Portugal moderno, de que somos herdeiros.
2. O livro é dedicado à memória de Manuel Fernandes Tomás e José Ferreira Borges, os dois mais eminentes líderes revolucionários, fundadores do Sinédrio, membros da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, deputados às Cortes Constituintes, enfim protagonistas maiores do vintismo.
Do prefácio do livro: «Como muitas outras vezes no passado, o engenho e a ação dos líderes são essenciais nas grandes façanhas da história. Aqui fica a nossa homenagem às duas figuras que, como nenhumas outras, personificam o “triénio vintista” entre nós.»
quinta-feira, 18 de junho de 2020
Ai o défice ! (10): Os custos orçamentais da recessão
Publicado por
Vital Moreira
1. No próprio dia em que o Governo apresentou ao parlamento a revisão do Orçamento para o corrente ano, as previsões do Banco de Portugal sobre a recessão económica, muito mais pessimistas do que as inscritas no proposta de revisão orçamental, põem em causa a previsão do défice orçamental do Governo.
De facto, uma recessão de quase 10% quer dizer também mais desemprego e ambos significam menos receita fiscal e contributiva e mais despesa social (seguro de desemprego, etc.). O Orçamento revisto nasce problemático à partida. Mau começo para o novo ministro das Finanças.
2. Maior défice leva a mais dívida pública, quer em termos absolutos, quer, ainda mais, em termos relativos, dada a redução do PIB. O recurso à dívida pode ter de aumentar substancialmente, se não se concretizar o plano de ajuda à recuperação económica da Comissão Europeia, na parte em que prevê o endividamento da União para financiar diretamente projetos de investimento nacionais, dada a oposição dos chamados "países frugais". A esperada cornucópia da União pode não se materializar ou ficar muito aquém do projetado.
É certo que esse aumento do endividamento não vai trazer elevação das taxas de juro, em virtude da intervenção maciça do BCE na compra de dívida pública. Todavia, mesmo com juros baixos, o aumento do stock da dívida vai obviamente sobrecarregar o peso orçamental dos encargos da dívida.
Por isso mesmo, assumindo que o Governo não queira adotar medidas de austeridade (aumento de impostos e/ou corte na despesa), tudo aconselha uma prudente e parcimoniosa gestão orçamental.
De facto, uma recessão de quase 10% quer dizer também mais desemprego e ambos significam menos receita fiscal e contributiva e mais despesa social (seguro de desemprego, etc.). O Orçamento revisto nasce problemático à partida. Mau começo para o novo ministro das Finanças.
2. Maior défice leva a mais dívida pública, quer em termos absolutos, quer, ainda mais, em termos relativos, dada a redução do PIB. O recurso à dívida pode ter de aumentar substancialmente, se não se concretizar o plano de ajuda à recuperação económica da Comissão Europeia, na parte em que prevê o endividamento da União para financiar diretamente projetos de investimento nacionais, dada a oposição dos chamados "países frugais". A esperada cornucópia da União pode não se materializar ou ficar muito aquém do projetado.
É certo que esse aumento do endividamento não vai trazer elevação das taxas de juro, em virtude da intervenção maciça do BCE na compra de dívida pública. Todavia, mesmo com juros baixos, o aumento do stock da dívida vai obviamente sobrecarregar o peso orçamental dos encargos da dívida.
Por isso mesmo, assumindo que o Governo não queira adotar medidas de austeridade (aumento de impostos e/ou corte na despesa), tudo aconselha uma prudente e parcimoniosa gestão orçamental.
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Livres & Iguais (52): "Gay rights are civic rights"
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Vital Moreira
A decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que, por ampla maioria, incluindo o voto de dois juízes conservadores, considerou os gays e pessoas transgénero protegidos pela cláusula de não discriminação no emprego em razão do sexo da Lei dos Direitos Civis de 1964, constitui um importante passo na conquista da igualdade no trabalho e no emprego independentemente de opções sexuais nos Estados Unidos, onde o lobby evangélico tem militantemente defendido tal discriminação.
A causa universal dos direitos humanos tem razões para celebrar. Nas palavras do editorial do New York Times, "gay rights are civil rights".
A causa universal dos direitos humanos tem razões para celebrar. Nas palavras do editorial do New York Times, "gay rights are civil rights".
terça-feira, 16 de junho de 2020
Praça da República (32): Invocar a Constituição em vão
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Vital Moreira
1. Tal como sucedeu no passado quanto à despenalização do aborto e ao reconhecimento legal de casamentos de pessoas do mesmo sexo, entendo perfeitamente as objeções dos que se opõem à despenalização da eutanásia (ou suicídio medicamente assistido) por razões religiosas ou morais.
Mas, tal como os casos precedentes, não procede invocar a Constituição em apoio dessa oposição, como é o caso deste manifesto de alguns professores de Direito. Tal como as duas referidas questões, também esta deve manter-se no terreno do debate religioso, moral... e político, deixando a decisão aos representantes legítimos da coletividade. Num Estado laico e numa sociedade livre e plural, a Constituição não é o veículo mais apropriado para decidir as grandes aporias morais e religiosas.
2. O direito à vida, tal como todos os direitos individuais, visa antes de mais proteger a vida de cada um contra terceiros (o Estado ou outras pessoas), não propriamente contra o seu próprio titular. Já passou o tempo em que era crime a tentativa de suicídio.
O mesmo sucede com o direito à integridade pessoal ou o direito à liberdade pessoal. Ambos defendem as pessoas contra lesão desses direitos por terceiros, mas não tornam penalmente punível que alguém inflija a si mesmos lesões corporais ou decida estabelecer-se em reclusão absoluta, deitanto a chave fora.
Não se deve subverter a lógica defensiva contra terceiros dos direitos de personalidade e de liberdade, transformado-os em obrigações. Direito à vida significa direito a viver mas não um obrigação de viver em qualquer circunstâncias.
3. Tampouco a invocação da dignidade humana serve para fundamentar a atual criminalização da eutanásia. Pelo contrário, o que a meu ver é manifestamente ofensivo da dignidade humana é forçar a manter-se vivo, contra expressa e reiterada vontade sua, quem, sem nenhuma hipótese de sobrevivência, padece de sofrimento intolerável e deixou de ter qualquer sentido para a vida.
Mais apropriado nesta questão é defender, em sentido contrário, a irredutível liberdade e autonomia pessoal na escolha de uma morte digna.
4. Já no corrente ano, o Tribunal Constitucional alemão, que não pode ser acusado de desvalorizar o direito à vida nem a dignidade humana, considerou inconstitucional a criminalização do suicídio assistido, justamente em nome da liberdade e da autonomia pessoal na opção por uma morte digna, em casos devidamente caracterizados quanto aos pressupostos de facto e quando a liberdade e genuinidade da decisão dos interessados.
Sim, do que se trata é de um conflito entre a liberdade e autonomia pessoal de quem se encontra nessas situações dramáticas e a posição dos que entendem que eles devem beber até ao fim o cálice da dor e do sofrimento.
Adenda
De um leitor: «Como católico que sou, penso que em nenhuma circunstância devo privar-me da vida nem pedir assistência para o fazer. Mas entendo que não tenho o direito de julgar quem, em desespero de causa e na impossibilidade de pôr fim à vida, peça ajuda a outrem, muito menos tenho o direito de mandar para a prisão quem ajude a realizar essa última vontade».
Adenda 2
Outro leitor invoca a atual discriminação económico-social entre quem tem meios e pode obter tranquilamente a eutanásia numa clínica suíça (ou numa discreta clínica doméstica) e todos os demais, que ficam condenados e penar uma vida de dependência, dor e sofrimento, que resolutamente rejeitam.
Adenda 3
Um leitor argumenta que uma coisa é o direito ao suicídio propriamente dito e outra coisa é ser privado da vida por outrem, mesmo que a pedido, "o que equivale a homicídio". Discordo em absoluto. Para além de que a ajuda ao suicídio não é criminalmente equiparada a homicídio - nem poderia ser -, a questão específica da eutanásia refere-se a pessoas que não podem suicidar-se por si mesmas, precisando da ajuda de outrem. Ora, seria uma intolerável discriminação impedi-las de realizar a sua vontade.
Mas, tal como os casos precedentes, não procede invocar a Constituição em apoio dessa oposição, como é o caso deste manifesto de alguns professores de Direito. Tal como as duas referidas questões, também esta deve manter-se no terreno do debate religioso, moral... e político, deixando a decisão aos representantes legítimos da coletividade. Num Estado laico e numa sociedade livre e plural, a Constituição não é o veículo mais apropriado para decidir as grandes aporias morais e religiosas.
2. O direito à vida, tal como todos os direitos individuais, visa antes de mais proteger a vida de cada um contra terceiros (o Estado ou outras pessoas), não propriamente contra o seu próprio titular. Já passou o tempo em que era crime a tentativa de suicídio.
O mesmo sucede com o direito à integridade pessoal ou o direito à liberdade pessoal. Ambos defendem as pessoas contra lesão desses direitos por terceiros, mas não tornam penalmente punível que alguém inflija a si mesmos lesões corporais ou decida estabelecer-se em reclusão absoluta, deitanto a chave fora.
Não se deve subverter a lógica defensiva contra terceiros dos direitos de personalidade e de liberdade, transformado-os em obrigações. Direito à vida significa direito a viver mas não um obrigação de viver em qualquer circunstâncias.
3. Tampouco a invocação da dignidade humana serve para fundamentar a atual criminalização da eutanásia. Pelo contrário, o que a meu ver é manifestamente ofensivo da dignidade humana é forçar a manter-se vivo, contra expressa e reiterada vontade sua, quem, sem nenhuma hipótese de sobrevivência, padece de sofrimento intolerável e deixou de ter qualquer sentido para a vida.
Mais apropriado nesta questão é defender, em sentido contrário, a irredutível liberdade e autonomia pessoal na escolha de uma morte digna.
4. Já no corrente ano, o Tribunal Constitucional alemão, que não pode ser acusado de desvalorizar o direito à vida nem a dignidade humana, considerou inconstitucional a criminalização do suicídio assistido, justamente em nome da liberdade e da autonomia pessoal na opção por uma morte digna, em casos devidamente caracterizados quanto aos pressupostos de facto e quando a liberdade e genuinidade da decisão dos interessados.
Sim, do que se trata é de um conflito entre a liberdade e autonomia pessoal de quem se encontra nessas situações dramáticas e a posição dos que entendem que eles devem beber até ao fim o cálice da dor e do sofrimento.
Adenda
De um leitor: «Como católico que sou, penso que em nenhuma circunstância devo privar-me da vida nem pedir assistência para o fazer. Mas entendo que não tenho o direito de julgar quem, em desespero de causa e na impossibilidade de pôr fim à vida, peça ajuda a outrem, muito menos tenho o direito de mandar para a prisão quem ajude a realizar essa última vontade».
Adenda 2
Outro leitor invoca a atual discriminação económico-social entre quem tem meios e pode obter tranquilamente a eutanásia numa clínica suíça (ou numa discreta clínica doméstica) e todos os demais, que ficam condenados e penar uma vida de dependência, dor e sofrimento, que resolutamente rejeitam.
Adenda 3
Um leitor argumenta que uma coisa é o direito ao suicídio propriamente dito e outra coisa é ser privado da vida por outrem, mesmo que a pedido, "o que equivale a homicídio". Discordo em absoluto. Para além de que a ajuda ao suicídio não é criminalmente equiparada a homicídio - nem poderia ser -, a questão específica da eutanásia refere-se a pessoas que não podem suicidar-se por si mesmas, precisando da ajuda de outrem. Ora, seria uma intolerável discriminação impedi-las de realizar a sua vontade.
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Free and fair trade (15): Concorrência desleal
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Vital Moreira
1. Uma das providências contra a concorrência desleal no comércio internacional consiste na aplicação de penalizações aduaneiras ("direitos compensatórios") às importações oriundas de países que subsidiam as respetivas exportações, como sucede frequentemente com a China (mas não só).
São numerosos os casos em que a UE tem recorrido a tais providências, em defesa de empresas europeias vítimas dessas exportações chinesas subsidiadas. A União acaba de dar mais um passo no combate às exportações subsidiadas, aplicando tarifas punitivas às importações de fibra de vidro não somente às empresas exportadoras sediadas na China, mas também às filiais de tais empresas chinesas localizadas noutros país (neste caso o Egito), quando beneficiam de tais subsídios.
2. A China, que se tornou um grande exportador, beneficiando da sua entrada na OMC há duas décadas, tem de respeitar as regras contra o dumping e a subsidiação das suas exportações. E como principal destino das exportações chinesas, a UE não pode consentir que China viole impunemente a "constituição comercial multilateral"contra a concorrência desleal.
São numerosos os casos em que a UE tem recorrido a tais providências, em defesa de empresas europeias vítimas dessas exportações chinesas subsidiadas. A União acaba de dar mais um passo no combate às exportações subsidiadas, aplicando tarifas punitivas às importações de fibra de vidro não somente às empresas exportadoras sediadas na China, mas também às filiais de tais empresas chinesas localizadas noutros país (neste caso o Egito), quando beneficiam de tais subsídios.
2. A China, que se tornou um grande exportador, beneficiando da sua entrada na OMC há duas décadas, tem de respeitar as regras contra o dumping e a subsidiação das suas exportações. E como principal destino das exportações chinesas, a UE não pode consentir que China viole impunemente a "constituição comercial multilateral"contra a concorrência desleal.
Não concordo (16): O parecer sobre o "orçamento suplementar"
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Vital Moreira
Marques Mendes considera uma «clara tentativa do Governo de intimidar e condicionar a ação dos partidos [da oposição]» o envio à AR de um parecer jurídico sobre sobre limites constitucionais do poder dos deputados na votação de alterações à lei do orçamento. Não vejo motivo para tal acusação.
Dê-se-lhe o nome que se queira, o "orçamento suplementar" ou "orçamento corretivo" não constitui um novo orçamento, mas sim uma proposta de alteração do orçamento vigente. Por isso, o Governo tem todo o direito de alertar os deputados sobre os limites do parlamento na votação de alterações orçamentais, quer quanto ao respeito do âmbito da alteração orçamental proposta pelo Governo, quer quanto ao não agravamento da despesa pública e não redução da receita pública prevista. A AR pode obviamente ignorar esse parecer, mas deixa de o poder fazer inadvertidamente e sem ignorar as possíveis consequências, nomeadamente a inconstitucionalidade da alteração orçamental.
Dê-se-lhe o nome que se queira, o "orçamento suplementar" ou "orçamento corretivo" não constitui um novo orçamento, mas sim uma proposta de alteração do orçamento vigente. Por isso, o Governo tem todo o direito de alertar os deputados sobre os limites do parlamento na votação de alterações orçamentais, quer quanto ao respeito do âmbito da alteração orçamental proposta pelo Governo, quer quanto ao não agravamento da despesa pública e não redução da receita pública prevista. A AR pode obviamente ignorar esse parecer, mas deixa de o poder fazer inadvertidamente e sem ignorar as possíveis consequências, nomeadamente a inconstitucionalidade da alteração orçamental.
sábado, 13 de junho de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (10): Uma exposição a ver
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Vital Moreira
1. Passado o pico da pandemia, foi retomado o notável programa comemorativo do bicentenário da Revolução Liberal (1820-2020) no Porto, berço da Revolução, embora muitos dos eventos do programa tenham sido ou venham a ser reagendados para os próximos meses.
Entre os que já foram reativados conta-se a exposição patente na Casa do Infante, na ribeira no Porto, que mostra o itinerário da Revolução desde a sublevação 24 de agosto de 1820 até ao regresso de D. João VI do Brasil e o seu juramento das Bases da Constituição (entretanto aprovadas nas Cortes Constituintes), em julho de 1821, data inaugural da monarquia constitucional em Portugal.
2. Comissariada pelo Prof. Lopes Cordeiro, a exposição disponibiliza ao público um notável acervo de fontes documentais e iconográficas sobre a Revolução e os seus protagonistas. A não perder por quem se interessa pela história da conquista da liberdade e da cidadania política em Portugal.
Só é pena que o livro-catálogo que devia acompanhar a exposição, da autoria do próprio comissário, cujo lançamento esteve agendado para 23 de abril, não tenha podido ser publicado atempadamente, vítima do confinamento. Esperemos que não tarde a sua edição, ainda sem data marcada.
Entre os que já foram reativados conta-se a exposição patente na Casa do Infante, na ribeira no Porto, que mostra o itinerário da Revolução desde a sublevação 24 de agosto de 1820 até ao regresso de D. João VI do Brasil e o seu juramento das Bases da Constituição (entretanto aprovadas nas Cortes Constituintes), em julho de 1821, data inaugural da monarquia constitucional em Portugal.
2. Comissariada pelo Prof. Lopes Cordeiro, a exposição disponibiliza ao público um notável acervo de fontes documentais e iconográficas sobre a Revolução e os seus protagonistas. A não perder por quem se interessa pela história da conquista da liberdade e da cidadania política em Portugal.
Só é pena que o livro-catálogo que devia acompanhar a exposição, da autoria do próprio comissário, cujo lançamento esteve agendado para 23 de abril, não tenha podido ser publicado atempadamente, vítima do confinamento. Esperemos que não tarde a sua edição, ainda sem data marcada.
Pandemia (27): E Portugal?
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Vital Moreira
É interessante esta tabela publicada no The Economist, sobre a relação entre a número de mortes oficialmente atribuídas à pandemia em cada País e o excesso de mortes em comparação com a média dos últimos anos nos mesmos períodos.
É fácil verificar que, com exceção da Bélgica, todos os paises reportam um número de mortes de Covid-19 consideravelmente inferior ao excesso de mortes registado, sendo essa diferença enorme no caso da Itália e dos Países Baixos. A discrepância tem a ver principalmente com o critério de identificação das vítimas letais do Covid-19, havendo países que só contam como tais os casos em que tenha havido teste positivo de infeção, o que desconta os mortos em casa ou em instituições sociais sem diagnóstico prévio.
A tabela não inclui Portugal, mas seria interessante fazer o mesmo exercício.
É fácil verificar que, com exceção da Bélgica, todos os paises reportam um número de mortes de Covid-19 consideravelmente inferior ao excesso de mortes registado, sendo essa diferença enorme no caso da Itália e dos Países Baixos. A discrepância tem a ver principalmente com o critério de identificação das vítimas letais do Covid-19, havendo países que só contam como tais os casos em que tenha havido teste positivo de infeção, o que desconta os mortos em casa ou em instituições sociais sem diagnóstico prévio.
A tabela não inclui Portugal, mas seria interessante fazer o mesmo exercício.
quinta-feira, 11 de junho de 2020
Pandemia (26): Preocupação
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Vital Moreira
1. Não pode haver dúvidas de que a curva do número de novos casos de infeção em Portugal retomou uma tendência ascendente.
Embora tal evolução fosse esperada por causa do desconfinamento e o aumento de casos seja devido a surtos localizados na região de Lisboa, a verdade é que neste momento Portugal é um dos poucos países europeus com tal evolução negativa.
2. De país exemplar no combate à pademia inicialmente, Portugal está em risco de transformar-se num mau exemplo.
Não por acaso, alguns países que estão a abrir as suas fronteiras excluem os viajantes oriundos de Portugal, como é o caso da Grécia e da Áustria. Essa imagem negativa pode afetar gravemente a possibilidade de retoma do turismo externo no nosso País.
Adenda
Note-se que, como assinala um leitor, o maior número de infetados não é acompanhado por um aumento correspondente do número de mortes, em virtude de grande parte dos novos casos dizer respeito a população jovem, menos vulnerável ao vírus. Em todo o caso, mesmo quanto a esse critério, Portugal apresenta agora números menos favoráveis do que muitos outros países europeus.
domingo, 7 de junho de 2020
Regionalização (3): Cegueira política
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Vital Moreira
1. O Expresso deste fim de semana faz manchete com a notícia de que o Governo "acelera regionalização", referindo-se à proposta para fazer eleger os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) pelos autarcas de cada uma das cinco áreas territoriais de âmbito regional.
Trata-se uma notícia pouco rigorosa (desconfio que propositadamente...). Primeiro, porque se não pode "acelerar" o que ainda nem sequer arrancou. Segundo, porque a referida solução não constitui nenhum passo na regionalização propriamente dita, embora possa aplanar o caminho em direção a ela. De facto, o equívoco termo "regionalização" significa a criação de autarquias territoriais supramunicipais, dotadas de órgãos eletivos próprios (incluindo uma assembleia representativa diretamente eleita) e de atribuições, finanças e funcionários próprios, como as demais autarquias territoriais (municípios e freguesias). Ora, nada disto está, para já, na agenda política do Governo.
2. Tanto o BE como o PCP opõem-se a essa solução, por entenderem que ela atrasa a regionalização, cuja implementação propõem desde já, mediante o necessário referendo, constitucionalmente obrigatório. Custa a comprender a cegueira política desses dois partidos.
É fácil percecionar que a possibilidade de ganhar um referendo sobre a regionalização em abstrato é tão pouco favorável hoje como há duas décadas. Os cidadãos não votam em mudanças institucionais que desconhecem, sobretudo quando têm receio de que impliquem mais despesa pública e mais "classe política".
O único modo de ganhar tal referendo consiste em chamar os cidadãos a validar uma solução de descentralização regional já potencialmente existente, como são as CCDR, com território, competências e finanças já definidas. A eleição indireta dos presidentes das CCDR, tal como proposta pelo Governo, mesmo sem alterar o atual estatuto destas, vai conferir-lhes uma dimensão de autogoverno e uma visibilidade pública, que tornarão depois mais fácil aceitar a sua substituição pela eleição dos órgãos regionais pelos próprios cidadãos.
3. Entendo que desde há muito o debate sobre esta questão se encontra inquinado pelo uso de noções politicamente "queimadas", como "regionalização" e "regiões administrativas". Por isso tenho proposto a substituição da primeira por descentralização regional e da segunda por autarquias regionais, as quais, além de mais rigorosas, são politicamente neutras.
Também me parece que todas as futuras autarquias regionais devem ter nome identificador próprio, o que não sucede hoje com as regiões "Norte" e "Centro", pelo que tenho defendido que, tal como o Alentejo e o Algarve, elas assumam os nomes das antigas províncias correspondentes, ou seja, Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Além do mais, isso ajudaria a conferir legitimidade histórica às novas autarquias regionais.
Adenda
Um leitor argumenta que a atual região Norte compreende as antigas três províncias do Minho, Douro e Trás-os-Montes e que não faz sentido designá-la somente com o nome das duas primeiras nem somar a designação das três províncias, dada a extensão de tal nome, pelo que o melhor é mesmo manter a designação atual. Tem razão.
Adenda (2) (17/6)
O referido diploma legislativo foi entretanto publicado no DR: https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/135951161/details/maximized?serie=I&day=2020-06-17&date=2020-06-01
Trata-se uma notícia pouco rigorosa (desconfio que propositadamente...). Primeiro, porque se não pode "acelerar" o que ainda nem sequer arrancou. Segundo, porque a referida solução não constitui nenhum passo na regionalização propriamente dita, embora possa aplanar o caminho em direção a ela. De facto, o equívoco termo "regionalização" significa a criação de autarquias territoriais supramunicipais, dotadas de órgãos eletivos próprios (incluindo uma assembleia representativa diretamente eleita) e de atribuições, finanças e funcionários próprios, como as demais autarquias territoriais (municípios e freguesias). Ora, nada disto está, para já, na agenda política do Governo.
2. Tanto o BE como o PCP opõem-se a essa solução, por entenderem que ela atrasa a regionalização, cuja implementação propõem desde já, mediante o necessário referendo, constitucionalmente obrigatório. Custa a comprender a cegueira política desses dois partidos.
É fácil percecionar que a possibilidade de ganhar um referendo sobre a regionalização em abstrato é tão pouco favorável hoje como há duas décadas. Os cidadãos não votam em mudanças institucionais que desconhecem, sobretudo quando têm receio de que impliquem mais despesa pública e mais "classe política".
O único modo de ganhar tal referendo consiste em chamar os cidadãos a validar uma solução de descentralização regional já potencialmente existente, como são as CCDR, com território, competências e finanças já definidas. A eleição indireta dos presidentes das CCDR, tal como proposta pelo Governo, mesmo sem alterar o atual estatuto destas, vai conferir-lhes uma dimensão de autogoverno e uma visibilidade pública, que tornarão depois mais fácil aceitar a sua substituição pela eleição dos órgãos regionais pelos próprios cidadãos.
3. Entendo que desde há muito o debate sobre esta questão se encontra inquinado pelo uso de noções politicamente "queimadas", como "regionalização" e "regiões administrativas". Por isso tenho proposto a substituição da primeira por descentralização regional e da segunda por autarquias regionais, as quais, além de mais rigorosas, são politicamente neutras.
Também me parece que todas as futuras autarquias regionais devem ter nome identificador próprio, o que não sucede hoje com as regiões "Norte" e "Centro", pelo que tenho defendido que, tal como o Alentejo e o Algarve, elas assumam os nomes das antigas províncias correspondentes, ou seja, Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Além do mais, isso ajudaria a conferir legitimidade histórica às novas autarquias regionais.
Adenda
Um leitor argumenta que a atual região Norte compreende as antigas três províncias do Minho, Douro e Trás-os-Montes e que não faz sentido designá-la somente com o nome das duas primeiras nem somar a designação das três províncias, dada a extensão de tal nome, pelo que o melhor é mesmo manter a designação atual. Tem razão.
Adenda (2) (17/6)
O referido diploma legislativo foi entretanto publicado no DR: https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/135951161/details/maximized?serie=I&day=2020-06-17&date=2020-06-01
segunda-feira, 1 de junho de 2020
Um pouco mais de jornalismo sff (16): Esquecer o principal
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Vital Moreira
1. Nesta importante entrevista à Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, os entrevistadores perguntaram tudo sobre a função pública menos a questão porventura mais importante, a saber, quanto à reforma das carreiras especiais (professores, polícias, militares, funcionários judiciais, etc.), no que respeita ao regime de avaliação e de progressão na carreira.
Apesar de os professores não terem obtido inteiro ganho de causa em 2018 quanto à questão da recuperação das progressões congeladas durante a recessão de 2011-2014, a verdade é que, a manter-se em vigor o atual regime, essencialmente baseado na antiguidade, em vez da avaliação do mérito, o impacto financeiro não tardará a ser exorbitante, dado o grande número de funcionários nessas carreiras e a facilidade da progressão para as posições remuneratórias mais elevadas.
Trata-se de questão demasiado importante para ser silenciada.
2. A reforma das carreiras especiais não é somente uma questão de igualdade e de supressão de privilégios indevidos na função pública - o que de si já é decisivo -, mas também um questão de sustentabilidade das finanças públicas. A nova crise financeira trazida pelo pandemia (elevado défice orçamental e aumento da dívida pública) vai obrigar a levar de novo a sério a contenção da despesa pública.
E quanto maior for a despesa corrente, menor é a fatia que resta para o investimento público imprescindível para a recuperação económica.
Apesar de os professores não terem obtido inteiro ganho de causa em 2018 quanto à questão da recuperação das progressões congeladas durante a recessão de 2011-2014, a verdade é que, a manter-se em vigor o atual regime, essencialmente baseado na antiguidade, em vez da avaliação do mérito, o impacto financeiro não tardará a ser exorbitante, dado o grande número de funcionários nessas carreiras e a facilidade da progressão para as posições remuneratórias mais elevadas.
Trata-se de questão demasiado importante para ser silenciada.
2. A reforma das carreiras especiais não é somente uma questão de igualdade e de supressão de privilégios indevidos na função pública - o que de si já é decisivo -, mas também um questão de sustentabilidade das finanças públicas. A nova crise financeira trazida pelo pandemia (elevado défice orçamental e aumento da dívida pública) vai obrigar a levar de novo a sério a contenção da despesa pública.
E quanto maior for a despesa corrente, menor é a fatia que resta para o investimento público imprescindível para a recuperação económica.
quinta-feira, 21 de maio de 2020
Memórias acidentais (10): O dia em que deixei o PCP
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Vital Moreira
1. Faz hoje trinta anos que deixei formalmente o PCP, culminando um processo de dissidência que vinha desde muito antes.
Nunca tendo sido um militante ortodoxo e tendo recusado duas vezes integrar o Comité Central (o que Cunhal considerava uma falta imperdoável), já tinha deixado a militância ativa em 1982, quando me demiti do cargo de deputado à AR, no seguimento da rejeição pelo Partido da revisão constitucional de 1982, em cuja preparação eu tinha tido uma intervenção ativa. Em 1987 veio a público a notícia do primeiro documento do chamado "Grupo dos Seis", que eu integrava com outros militantes "retirados", todos oriundos da AR (Veiga de Oliveira, Vítor Louro, Silva Graça, Sousa Marques e Dulce Martins), a que se seguiram outros documentos nos anos seguintes, criticando a tradicional doutrina "marxista-leninista" e propondo uma "reorganização geral" do Partido, incluindo o abandono do chamado "centralismo democrático".
A rejeição oficial de qualquer debate político no Partido e a queda do "muro de Berlim" em 1989 levaram a formalizar a saída que a efetiva rutura política há muito anunciava.
2. Antes da saída, ainda tive oportunidade de coligir em livro, Reflexões sobre o PCP, os meus textos relativos a esse processo entretanto publicados, alguns sob pseudónimo.
Na nota de apresentação escrevia: «Com certas batalhas sucede que o mérito já está em travá-las, mesmo que seja mais do que problemático vencê-las. O conformismo e a desistência sem luta é que amesquinham, não o insucesso final. Pelo menos ficamos de contas saldadas com as nossas convicções e com a nossa história pessoal».
Era de facto um ajuste de contas com a minha história política pessoal. Ao contrário de alguns outros dissidentes, não voltei a ter outra filiação partidária, embora tenha regressado ocasionalmente à vida política como candidato independente e simpatizante do PS, primeiro como deputado à Assembleia da República (1996-97) e depois como deputado ao Parlamento Europeu (2009-2014). E assim encerrei a minha passagem pela esfera política
Nunca tendo sido um militante ortodoxo e tendo recusado duas vezes integrar o Comité Central (o que Cunhal considerava uma falta imperdoável), já tinha deixado a militância ativa em 1982, quando me demiti do cargo de deputado à AR, no seguimento da rejeição pelo Partido da revisão constitucional de 1982, em cuja preparação eu tinha tido uma intervenção ativa. Em 1987 veio a público a notícia do primeiro documento do chamado "Grupo dos Seis", que eu integrava com outros militantes "retirados", todos oriundos da AR (Veiga de Oliveira, Vítor Louro, Silva Graça, Sousa Marques e Dulce Martins), a que se seguiram outros documentos nos anos seguintes, criticando a tradicional doutrina "marxista-leninista" e propondo uma "reorganização geral" do Partido, incluindo o abandono do chamado "centralismo democrático".
A rejeição oficial de qualquer debate político no Partido e a queda do "muro de Berlim" em 1989 levaram a formalizar a saída que a efetiva rutura política há muito anunciava.
2. Antes da saída, ainda tive oportunidade de coligir em livro, Reflexões sobre o PCP, os meus textos relativos a esse processo entretanto publicados, alguns sob pseudónimo.
Na nota de apresentação escrevia: «Com certas batalhas sucede que o mérito já está em travá-las, mesmo que seja mais do que problemático vencê-las. O conformismo e a desistência sem luta é que amesquinham, não o insucesso final. Pelo menos ficamos de contas saldadas com as nossas convicções e com a nossa história pessoal».
Era de facto um ajuste de contas com a minha história política pessoal. Ao contrário de alguns outros dissidentes, não voltei a ter outra filiação partidária, embora tenha regressado ocasionalmente à vida política como candidato independente e simpatizante do PS, primeiro como deputado à Assembleia da República (1996-97) e depois como deputado ao Parlamento Europeu (2009-2014). E assim encerrei a minha passagem pela esfera política
Presidenciais 2021 (1): Intempestivamente
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Vital Moreira
1. Intempestivamente, no meio da pandemia, o tema das eleições presidenciais do ano que vem foi colocada na agenda pública pelas inoportunas declarações de António Costa na Autoeuropa, há uma semana. E, surpreendentemente, apesar da pandemia, o tema veio para ficar, com reações è esquerda e à direita, pelo que importa não ignorar o assunto.
Antes de mais, não é preciso ser apoiante do atual PR ou ter intenção de votar nele em janeiro de 2021, para prever a sua reeleição por folgada margem, sejam quem forem os seus adversários eleitorais (aliás, na tradição política desde a origem do atual quadro constitucional em 1976). Nem a expressão pública desse fácil prognóstico equivale a um pré-anúncio de apoio eleitoral. Trata-se de uma simples constatação política.
2. Por isso, apesar da sua infeliz formulação, não atribuí à já célebre declaração de Costa nenhum compromisso, expresso ou implícito, de apoio socialista à recandidatura do atual inquilino no Palácio Belém, como foi entendido por tanta gente.
Primeiro, uma tal decisão não poderia ser "anunciada" daquela maneira nem tomada à margem das instituições do PS, onde a questão pode ser longe de consensual, sobretudo de houver uma candidatura na área socialista. Segundo, a esta distância não vejo que vantagem teria o PS em apoiar explicitamente um candidato de outra área política (por menos discordância que possa ter em relação ao seu desempenho presidencial no primeiro mandato), que poderia ser lida como oportunismo político ou como uma tentativa canhestra de condicionar o desempenho do atual PR no segundo mandato presidencial.
De resto, nada obriga o PS a apoiar oficialmente um candidato presidencial, só para não ficar de fora da liça eleitoral. Sendo obviamente cedo para definir posições, a posição mais inteligente do PS, face às previsíveis opiniões desencontradas dentro do Partido, pode ser mesmo não adotar candidato próprio e dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes.
Antes de mais, não é preciso ser apoiante do atual PR ou ter intenção de votar nele em janeiro de 2021, para prever a sua reeleição por folgada margem, sejam quem forem os seus adversários eleitorais (aliás, na tradição política desde a origem do atual quadro constitucional em 1976). Nem a expressão pública desse fácil prognóstico equivale a um pré-anúncio de apoio eleitoral. Trata-se de uma simples constatação política.
2. Por isso, apesar da sua infeliz formulação, não atribuí à já célebre declaração de Costa nenhum compromisso, expresso ou implícito, de apoio socialista à recandidatura do atual inquilino no Palácio Belém, como foi entendido por tanta gente.
Primeiro, uma tal decisão não poderia ser "anunciada" daquela maneira nem tomada à margem das instituições do PS, onde a questão pode ser longe de consensual, sobretudo de houver uma candidatura na área socialista. Segundo, a esta distância não vejo que vantagem teria o PS em apoiar explicitamente um candidato de outra área política (por menos discordância que possa ter em relação ao seu desempenho presidencial no primeiro mandato), que poderia ser lida como oportunismo político ou como uma tentativa canhestra de condicionar o desempenho do atual PR no segundo mandato presidencial.
De resto, nada obriga o PS a apoiar oficialmente um candidato presidencial, só para não ficar de fora da liça eleitoral. Sendo obviamente cedo para definir posições, a posição mais inteligente do PS, face às previsíveis opiniões desencontradas dentro do Partido, pode ser mesmo não adotar candidato próprio e dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
+Europa (28): O problema do endividamento da União
Publicado por
Vital Moreira
1. Como escrevi anteriormente a propósito do projetado "fundo de recuperação" da União Europeia, há um problema constitucional quanto à admissibilidade de recurso ao endividamento para financiar o orçamento da União.
É certo que já há vários fundos especiais da UE, à margem do orçamento, que são financiados através da emissão de obrigações de dívida, incluindo o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e o recente SURE, para financiar o impacto negativo da pandemia sobre o trabalho. Todavia, todos eles se destinam a conceder empréstimos aos Estados-membros, que estes têm de pagar, incluindo os juros e o reembolso aos credores. A União limita-se a "emprestar" o seu rating AAA para obter o dinheiro nos mercados da dívida a taxas de juro muito baixas, permitindo aos Estados-membros ser financiados com menores custos do que se tivessem eles de ir ao mercado da dívida.
2. Mas até agora não existe nenhuma situação de financiamento de despesas orçamentais da própria União por meio de dívida. Tal como se lê no site da própria União, «EU borrowing is only permitted to finance loans to countries. The EU cannot borrow to finance its budget.». De resto, os Tratados da UE impõem que orçamento da União seja equilibrado e não incluem o recurso à dívida entre as receitas orçamentais.
Ora, no caso da proposta de Merkel / Macron, o recurso à dívida, no montante de meio bilião de euros, não se destina a emprestar dinheiro aos Estados-membros, mas sim a reforçar o orçamento da União, a fim de subvencionar programas de investimento dos Estados-membros, ficando a cargo do orçamento da União a pesada responsabilidade financeira do endividamento, ou seja, os juros e o futuro reembolso (para o que tem de reunir os necessários recursos orçamentais...).
3. Não tendo enquadramento jurídico na "Constituição orçamental" da União, esta medida de financiamento pela dívida poderá vir a ser fundadamente acusada de ser "ultra vires", ou seja, de ir para além das competências da União.
Por isso, não fica excluído o risco de, por exemplo na Alemanha, ser impugnada junto do respetivo Tribunal Constitucional a contribuição alemã para pagar os custos deste empréstimo da União. Se tal sucedesse, e o TC alemão suscitasse uma "questão prejudicial" junto do Tribunal de Justiça da União sobre o assunto, não vejo como é que este, apesar da sua tradicional visão integracionista, conseguiria enquadrar convincentemente tal endividamento no atual quadro constitucional do orçamento da União.
É certo que já há vários fundos especiais da UE, à margem do orçamento, que são financiados através da emissão de obrigações de dívida, incluindo o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e o recente SURE, para financiar o impacto negativo da pandemia sobre o trabalho. Todavia, todos eles se destinam a conceder empréstimos aos Estados-membros, que estes têm de pagar, incluindo os juros e o reembolso aos credores. A União limita-se a "emprestar" o seu rating AAA para obter o dinheiro nos mercados da dívida a taxas de juro muito baixas, permitindo aos Estados-membros ser financiados com menores custos do que se tivessem eles de ir ao mercado da dívida.
2. Mas até agora não existe nenhuma situação de financiamento de despesas orçamentais da própria União por meio de dívida. Tal como se lê no site da própria União, «EU borrowing is only permitted to finance loans to countries. The EU cannot borrow to finance its budget.». De resto, os Tratados da UE impõem que orçamento da União seja equilibrado e não incluem o recurso à dívida entre as receitas orçamentais.
Ora, no caso da proposta de Merkel / Macron, o recurso à dívida, no montante de meio bilião de euros, não se destina a emprestar dinheiro aos Estados-membros, mas sim a reforçar o orçamento da União, a fim de subvencionar programas de investimento dos Estados-membros, ficando a cargo do orçamento da União a pesada responsabilidade financeira do endividamento, ou seja, os juros e o futuro reembolso (para o que tem de reunir os necessários recursos orçamentais...).
3. Não tendo enquadramento jurídico na "Constituição orçamental" da União, esta medida de financiamento pela dívida poderá vir a ser fundadamente acusada de ser "ultra vires", ou seja, de ir para além das competências da União.
Por isso, não fica excluído o risco de, por exemplo na Alemanha, ser impugnada junto do respetivo Tribunal Constitucional a contribuição alemã para pagar os custos deste empréstimo da União. Se tal sucedesse, e o TC alemão suscitasse uma "questão prejudicial" junto do Tribunal de Justiça da União sobre o assunto, não vejo como é que este, apesar da sua tradicional visão integracionista, conseguiria enquadrar convincentemente tal endividamento no atual quadro constitucional do orçamento da União.
sábado, 16 de maio de 2020
Pandemia (25): Inconstitucionalíssimo
Publicado por
Vital Moreira
Aplauso para esta decisão de um tribunal açoriano que decidiu conceder habeas corpus a um dos muitos cidadãos que estavam sujeitos a quarentena obrigatória de 14 dias num hotel, à sua chegada aos Açores.
De facto, como bem se argumenta, tal medida, tomada ao abrigo da lei regional de proteção civil, traduz-se numa violação grosseira da liberdade pessoal, pelo que só poderia ser excecionalmente tomada em regime de estado de sítio ou de estado de emergência, que só pode se declarado pelo PR, com aprovação da AR, como aqui defendi.
O que é surpreendente é que esta e outras medidas sem base constitucional tenham sido tomadas e se tenham mantido em prática dias e dias sem impugnação dos interessados (ou do Ministério Público, que dispõe de um poder geral de impugnação de atos administrativos ilegais).
Adenda
O Governo regional dos Açores já decidiu criar alternativas, mantendo a quarentena somente como alternativa voluntária, o que torna evidente que aquele medida drástica nem sequer era necessária.
De facto, como bem se argumenta, tal medida, tomada ao abrigo da lei regional de proteção civil, traduz-se numa violação grosseira da liberdade pessoal, pelo que só poderia ser excecionalmente tomada em regime de estado de sítio ou de estado de emergência, que só pode se declarado pelo PR, com aprovação da AR, como aqui defendi.
O que é surpreendente é que esta e outras medidas sem base constitucional tenham sido tomadas e se tenham mantido em prática dias e dias sem impugnação dos interessados (ou do Ministério Público, que dispõe de um poder geral de impugnação de atos administrativos ilegais).
Adenda
O Governo regional dos Açores já decidiu criar alternativas, mantendo a quarentena somente como alternativa voluntária, o que torna evidente que aquele medida drástica nem sequer era necessária.
Pandemia (24): Menos letal do que aparenta
Publicado por
Vital Moreira
1. Tal como detetado em outros países, também entre nós, como revela um estudo agora divulgado, é muito elevado o número de pessoas infetadas pelo vírus que não apresentam sintomas e que nem sequer dão pela infeção.
Isto quer dizer que o número de infetados até agora é muito maior do que os números oficiais e que, portanto, a percentagem de mortos é também menor do que resulta das estatísticas. Por conseguinte, é também muito maior o número de infetados recuperados, que em princípio ficam imunizados.
Do mal o menos!
2. Todavia, como os assintomáticos também contaminam outras pessoas - tanto mais quanto não têm razões para isolamento -, só a despistagem por testes sistemáticos e a manutenção de regras de proteção e distanciamento podem controlar a expansão da pandemia.
Estamos, portanto, condenados a manter este novo modo de vida até haver vacina ou tratamento, ou até haver uma percentagem suficientemente elevada de recuperados que garanta uma "imunidade comunitária".
Adenda
Um leitor comenta: «menos letal, mas também mais furtiva». Tem razão.
Isto quer dizer que o número de infetados até agora é muito maior do que os números oficiais e que, portanto, a percentagem de mortos é também menor do que resulta das estatísticas. Por conseguinte, é também muito maior o número de infetados recuperados, que em princípio ficam imunizados.
Do mal o menos!
2. Todavia, como os assintomáticos também contaminam outras pessoas - tanto mais quanto não têm razões para isolamento -, só a despistagem por testes sistemáticos e a manutenção de regras de proteção e distanciamento podem controlar a expansão da pandemia.
Estamos, portanto, condenados a manter este novo modo de vida até haver vacina ou tratamento, ou até haver uma percentagem suficientemente elevada de recuperados que garanta uma "imunidade comunitária".
Adenda
Um leitor comenta: «menos letal, mas também mais furtiva». Tem razão.
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