1. Uma das mais importantes propostas do Manifesto dos 50 para uma Reforma da Justiça, publicado na semana passada, consiste em «reconduzir o Ministério Público ao modelo constitucional do seu funcionamento
hierárquico, tendo como vértice o/a Procurador/a-Geral da República,
responsabilizando cada nível da hierarquia pela legalidade e qualidade do trabalho
profissional das equipas».
A meu ver (pronunciando-me aqui a título pessoal), tal desiderato passa essencialmente pelo fim da autogestão corporativa do Ministério Público, que secundariza o papela do/a Procurador/a-Geral e centraliza o poder no Conselho Superior, onde os próprios magistrados dominam a seu bel-prazer.
Do que se trata, portanto, é de conformar o Estatuto do Ministério Público com a Constuição e fazer prevalecer o modelo constitucional de uma instituição hierarquizada, em que o/a Procurador/a-Geral ocupa o vértice da pirâmide organizatória e detém os poderes correspondentes, respondendo externamente pela instituição.
2. Constitucionalmente, o/a Procurador/a-Geral é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do PM, o que lhe confere indiretamente uma especial legimitidade e autoridade democrática, como órgão supremo do MP (a começar pela repressentação deste junto dos tribunais supremos), o qual não depende do Governo nem responde perante ele, na cadeia de responsabilidade democrática própria da demais Administração pública.
Sucede, porém, que, apesar desse destaque constitucional, o Estatuto do Ministério Público e a prática da instituição esvaziaram tal cargo do efetivo poder de governo da instituição, que foi transferido para o CSMP, dando azo a que um antigo PGR, o Juiz-conselheiro F. Pinto Monteiro (que exerceu o cargo entre 2006 e 2012), se tenha queixado de não ter mais poderes do que a "rainha de Inglaterra".
Para isso, importa atribuir-lhe não somente um poder geral de emitir instruções e diretivas sobre o cumprimento das tarefas do MP, mas também o poder de direção quanto à gestão dos quadros da instituição, bem como quanto às inspeções e avaliação de desempenho e quanto ao poder disciplinar, poderes hoje indevidamente confiados, sem escrutínio externo, ao Conselho Superior.
Para exercer o seu poder hirerárquico e poder responder externamente pelo MP, o/a PGR tem de ser titular efetivo do governo da instituição.
3. Além de ver reduzidos os seus vastos poderes, para que não tem a necessária legitimidade, Conselho Superior, que foi tranformado uma megaestrutura todo-poderosa, deve ser descorporativizado, deixando de ser um mecanismo de autogestão da magistratura, de expressão sindical, como é notório.
Quanto aos seus poderes, além de poderes consultivos junto do/a Procurador/a-Geral, o CSMP deve limitar-se aos poderes de aprovação do orçamento e do relatório anual do MP, sob proposta daquele/a.
Quanto à sua composição, deve ser reduzida a representação dos magistrados, de 11 para 5 membros (os mesmos que designados pela AR) e deve prever-se a inclusão de alguns membros externos por inerência de funções, nomeadamente o Provedor de Justiça e o bastonário da Ordem dos Advogados.
O atual autogoverno corporativo-sindical do MP não é compatível com uma instituição pública de estrutura hierárquica e que não pode deixar de estar sujeita a escrútinio externo, que só o/a PGR pode assegurar, e não o presidente do sindicato dos magistrados, como hoje ocorre.
Adenda
Adenda 2
Até agora, as críticas ao Manifesto, designadamente as de origem sindical, como esta, assentam num equívoco: não questionamos a independência dos tribunais nem a autonomia do Ministério Público (que, aliás, não são a mesma coisa...), nem, muito menos, defendemos qualquer "controlo político da justiça". Se é por aí que vão, inventam fantasmas.