1. Merece ser lido este artigo de quem sabe do que fala, onde o autor, contestando a tese de que "o crescimento da economia não está a chegar ao bolso dos portugueses" - perfilhada desde o PR à generalidade dos comentadores -, relembra os dados recentemente avançados pelo Banco de Portugal que provam o contrário, ou seja, que, tudo somado, o rendimento disponível tem aumentado sensivelmente.
De outro modo, aliás, não se compreenderiam outros indicadores conhecidos, como, por exemplo, o aumento de mais de 40% na compra de automóveis, o aumento de cerca de 10% no consumo de bens alimentares, um acréscimo de 18% nas viagens ao estrangeiro, assim como, cumulativamente, um aumento pronunciado da poupança. Ora, não se pode ter mais despesa e mais poupança sem aumento efetivo de rendimento, naturalmente provocado pelo robusto crescimento da economia e do emprego.
Apesar de difundida como verdade evidente, a referida tese é, portanto, uma ficção politicamente conveniente.
2. O que há é o risco de este aumento da procura agregada continuar a alimentar a pressão inflacionista, retardando o regresso ao padrão normal (~2%) e obrigando o BCE a continuar a puxar pela taxa de juro, encarecendo o crédito ao investimento e ao consumo, com objetivo de "morigerar" o aumento da procura e da inflação.
Como é fácil de ver, o preço de uma tal perspetiva é o efetivo "arrefecimento" da economia e o aumento do desemprego, com a consequente redução forçada do rendimento.
Por conseguinte, sem prejuízo da necessária subvenção socialmente seletiva às famílias mais afetadas pela inflação, é mais do que tempo de terminar com todas as medidas especiais de apoio, em particular as respeitantes aos combustíveis e à energia, evitando ao mesmo tempo uma oportunista política expansionista de rendimentos (salários e pensões), por incompatível com a prioridade à luta contra a inflação.
Adenda
Entendendo que o aumento da receita do Estado e o previsível excedente das contas públicas são o resultado de um nível de fiscalidade demasiado elevado, um leitor defende que o Estado «deve devolver esse excedente à sociedade, com uma redução imediata dos impostos». Discordo em absoluto desta tese, que tem sido levianamente avançada pelo PSD, por três razões principais: (i) o saldo positivo das contas públicas não é devido sobretudo à fiscalidade elevada, mas sim à volumosa injeção dos fundos do PRR e ao excedente da conta da segurança social (mais contribuições e menos despesa), em virtude do elevado nível de emprego; (ii) neste momento, uma descida geral de impostos equivaleria a um aumento do rendimento disponível e da despesa agregada, indo ao arrepio da prioridade da luta contra a inflação; (iii) se se confirmar, o excedente das contas públicas deve ir inteiramente para o abate da elevadíssíma dívida pública, reduzindo os seus pesados custos, tanto mais que estes estão a subir, por causa do aumento dos juros. Se há momentos inoportunos e politicamente irresponsáveis para baixar impostos, este é um deles.