Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Portucaliptal (24) - A corrida ao eucalipto...
Inicialmente o Governo comprometeu-se a rever a lei em seis meses, não tendo tido o cuidado elementar de suspender imediatamente a sua aplicação até à sua revisão. Passados dois anos, o novo regime florestal, que finalmente trava a expansão do eucaliptal, ainda não entrou em vigor, tempo suficiente para a fileira agro-celulósica ter desencadeado uma verdadeira corrida ao eucalipto. Basta percorrer as zonas rurais para verificar o afã das novas plantações, aproveitando este bónus de tempo. Os números da noticia acima referida falam por si. Eis um "record" de que o país não se pode orgulhar...
Desilusão
Breve foi a ilusão, portanto. A convergência depende de uma aposta consistente na eficiência económica, na produtividade e na competitividade, e não de conjunturais surtos da demanda interna ou externa alimentados pela política de dinheiro barato do BCE, pela vaga turística e pelo dinamismo económico dos nossos principais mercados na zona euro.
Quem é puxado pela aceleração de outros só ocasionalmente pode andar mais depressa do que eles...
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Paradise Papers
"Direitos humanos, justiça social, contrato democrático espezinhados por governos, políticos e profissionais capturados pela indústria da evasão e fraude, dita de planeamento, fiscal: é o que os ParadisePapers vêm mais uma vez expor.
O trabalho legislativo deste Parlamento Europeu, para tornar ilegais práticas ditas legais, é bloqueado por Estados Membros no Conselho que servem os interesses dos evasores fiscais e branqueadores de capitais.
Precisamos de harmonização e transparência fiscal na UE, precisamos da lista de países não cooperantes com sanções dissuasoras, precisamos de sancionar os infractores que recusam revelar estes esquemas às autoridades tributárias: no meu país, Portugal, advogados estão a mobilizar-se, desavergonhadamente, recusando cumprir esta obrigação no quadro da IV Directiva Anti-Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo.
E precisamos, também, fundamentalmente, de acesso público aos registos de beneficiários efetivos de empresas e trusts estabelecidas na UE, ou que operam economicamente na UE! Mas, uma proposta neste sentido aprovada por este Parlamento, após sete meses de negociações sobre a 5a. Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, continua vergonhosamente bloqueada no Conselho."
Minha intervenção em debate no plenário do Parlamento Europeu, esta manhã sobre o escândalo "Paradise Papers"
terça-feira, 7 de novembro de 2017
É desta que avança o acordo comercial entre a UE e o Mercosul?
Iniciadas há quase duas décadas e sem perspetivas favoráveis durante muito tempo, as negociações revelaram um assinalável avanço nos últimos tempos, mercê, entre outros fatores, das mudanças de governo em Buenos Aires e em Brasília. Fala-se mesmo na vontade de concluir o acordo ainda este ano!
2. Tendo em conta o peso económico dos dois blocos regionais e sua grande complementaridade, este acordo, a ser concluído, ficará a constituir uma das mais importantes "zonas de comércio livre" até agora existentes, contribuindo decisivamente para a criação de um mercado transatlântico no eixo norte-sul, contrariando decididamente a nova política nacionalista e protecionistas dos Estados Unidos de Trump, que rompeu as negociações do TTIP, o qual visava instituir um grande de mercado integrado entre as duas grandes economias do Atlântico Norte.
Além disso, o acordo comercial entre a UE e o Mercosul vai contribuir para alavancar as profundas relações económicas, políticas e culturais entre os dois blocos de integração regional, com especial relevo para Portugal e Espanha. Para Portugal, em particular, este acordo pode ter uma importância económica decisiva.
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
Mau precedente
- sendo o acordo em geral uma longa lista de mais despesa municipal (e de algumas perdas de receita), falta de todo em todo uma estimativa do custo orçamental do acordo e de como vai ser financiada a sua execução, o que é sintomático;
- o acordo prevê a apresentação ao Governo e à AR de uma proposta para isentar do cálculo dos limites legais de endividamento municipal as despesas com o programa de renda acessível a financiar pelo município, bem como da participação municipal nos investimentos financiados pela UE, o que relaxaria as regras vigentes sobre a disciplina orçamental do setor público, que é assegurada globalmente pelo Estado face a Bruxelas (essas despesas não contariam para o endividamento municipal, mas continuariam a contar para o endividamento do País...).
Como amostra do que poderia ser um futuro governo de coligação do PS com a extrema-esquerda a nível nacional, trata-se de um precedente pouco animador em termos orçamentais (mais despesa pública, provavelmente mais taxas municipais, mais dívida pública). Não é propriamente uma surpresa, mas não deixa de ser elucidativo...
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
+ Europa (5) - O caso da "hora de verão"
Costumo dizer aos meus alunos que, embora não sendo um Estado federal, a UE possui todavia inequívocos traços federais e que em alguns aspetos apresenta maior integração do que alguns Estados federais, como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália, desde logo no campo económico.
Mas não só. A recente mudança da hora, abandonando a "hora de verão", é regida por um decisão da UE, pelo que existe em todos os Estados-membros e ocorre no mesmo momento em todos eles. Ora tal não sucede nos referidas três federações (e em algumas mais), onde essa matéria não é decidida a nível federal, havendo entidades federadas que não fazem mudança da hora durante o ano e/ou que não o fazem ao mesmo tempo.
Adenda
Corre para aí uma petição contra o regresso à hora de inverno, defendendo a manutenção da hora de verão. Para além de ser uma questão que não pode ser decidida a nível nacional, trata-se de um contrassenso, visto que a chamada hora de inverno é que é a hora normal correspondente ao nosso fuso horário. Com os dias mais curtos, o prolongamento da luz diurna ao fim da tarde só poderia ser conseguido sacrificando a luz matinal. Se não abandonássemos a hora de verão, ficaríamos no inverno com mais um hora do que os demais países do nosso fuso horário (Reino Unido e Irlanda), ou seja, a mesma hora de... Berlim!
Adenda 2
Em 1992, numa precipitada decisão, o Governo de Cavaco Silva, imitando a anormal situação espanhola, resolveu adotar o fuso horário da Europa Central, adiantando uma hora, tanto no verão como no inverno. Com esta aventureira decisão - que felizmente durou pouco, por não tardarem a verificar-se os seus malefícios - Portugal passava a ter a hora de verão no inverno (como agora querem de novo os referidos peticionários) e uma "dupla hora de verão" no estio. Com os relógios adiantados duas horas em relação à hora solar no verão, jantava-se com o sol ainda longe do ocaso... Se há muitas coisas em que devemos seguir Madrid e Berlim, entre elas não se conta seguramente a questão da hora!
[Corrigido]
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Cinco séculos de Lutero
Ao afirmar a autonomia individual na relação com Deus e na busca da salvação, o protestantismo cultivou a liberdade individual, o desempenho e a responsabilidade de cada um em todas as esferas, criando assim as bases do liberalismo económico e político moderno.
Poucas ideias influenciaram tanto a história como o movimento protestante!
2. Os países do sul da Europa não perderam o comboio da modernidade somente por não terem compartilhado da Reforma, mas também por terem tido de suportar a Contrarreforma, que a Igreja de Roma lançou contra a "heresia protestante", na base do dogma e da autoridade papal em matéria de fé, a que só podia corresponder a total submissão dos crentes.
Sectarismo político
Não se compreende nem a recusa nem o argumento. Primeiro, um acordo de coligação é necessariamente uma transação, que inclui sempre cedências do partido maioritário e ganhos relevantes para os partidos minoritários, pelo que o programa deixa de ser exclusivamente do partido maioritário. Segundo, seria de esperar que uma coligação entre o PS e o PCP a nível municipal seria mais fácil de alcançar do que no plano nacional, não havendo o fosso de políticas que existe neste nível. Por último, o PCP não tem tido pruridos em entrar em coligações municipais com o PSD (tradicionalmente conhecidas como "vodka com laranja"), como sucedeu durante muitos anos em Coimbra, onde conseguia um pelouro executivo para o seu vereador, sem que o argumento de "executar políticas alheias" tivesse valido. Não se entende a dualidade de critérios.
2. Será que o PCP, apesar da "geringonça" (que seria um exceção transitória), se mantém intransigentemente fiel à ideia sectária de os socialistas são o seu "inimigo principal", com quem não pode ter entendimentos governativos, mesmo a nível local?
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Responsabilidades partilhadas
Ora, a responsabilidade dos municípios é grande e é indesmentível.
2. Quem faz o planeamento da ocupação territorial são os municípios no seu plano diretor municipal, incluindo a localização de zonas industriais rodeadas de matas (algumas das quais arderam), sendo também os municípios que irresponsavelmente licenciam edificações isoladas no meio de pinhais e eucaliptais, que foram vitimas dos incêndios.
Grande parte das estradas sem bermas limpas são estradas municipais. São os municípios que têm a obrigação legal de fazer cumprir a distância legal de segurança das matas em relação a habitações, obrigação que em geral não cumprem.
Os bombeiros são quase todos municipais, pelo que as suas insuficiências reveladas no terreno são, em última instância, uma responsabilidade municipal.
Por último, os municípios estão legalmente obrigados a preparar e a operacionalizar planos antifogo, o que a maior parte deles não fez, o que é uma falha gravíssima.
3. A descentralização territorial não se traduz apenas na transferência de competências e recursos financeiros, mas também em responsabilidades para os municípios.
No caso das tragédias deste verão e outono, o que surpreendeu não foi apenas ver os municípios escaparem a qualquer critica e responsabilidade, mas também ver muitos presidentes de câmara municipal assacarem ao Governo culpas que eles próprios deviam compartilhar e exigirem do Estado compensação por prejuízos que eles próprios contribuíram para gerar!
Est modus in rebus!
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Deixar funcionar as instituições do mercado
Mas esta exigência de veto governamental no referido negócio não deve ter seguimento. De duas uma:
- ou a compra põe em perigo o pluralismo dos média ou as regras da concorrência quanto a concentrações de empresas, e então não deve vingar, pelo menos não sem condições -, mas isso compete às autoridades reguladoras competentes e à Autoridade da Concorrência;
- ou as autoridades competentes decidem não impedir o negócio, por não se verificar nenhuma daquelas situações, e então não cabe ao Governo interferir nas regras de funcionamento do mercado, tanto mais que está em causa um investimento estrangeiro protegido pelas liberdades fundamentais da "constituição económica" da UE.
2. Não havendo elementos suficientes para tomar posição informada sobre a questão de fundo, importa, porém chamar a atenção para o facto de não estar em causa uma concentração de órgãos de comunicação social, que a Constituição impede. Trata-se, sim, de um "concentração vertical", da compra de uma empresa de média (a Média Capital) - que aliás é controlada por outra empresa de media estrangeira, a Prisa espanhola - por uma empresa de comunicações (a Altice).
Parece evidente, prima facie, que a integração das duas empresas não cria um risco de posição dominante de nenhuma delas no respetivo setor. Saber se, apesar disso, a operação deve ser sujeita a algumas condições, que impeçam possíveis repercussões negativas reflexas sobre a concorrência no setor dos média, eis o que só a Autoridade da Concorrência estará em condições de avaliar.
O que não pode ser motivo bastante para uma interferência do Governo não é nem a oposição interessada das demais empresas de telecomunicações, que veem a líder do mercado reforçar a sua posição, nem muito menos a oposição ideológica da esquerda radical.
domingo, 29 de outubro de 2017
Mapa político da UE
1. Este quadro da atual composição do Conselho Europeu - que é integrado pelos responsáveis supremos pelo governo dos 28 Estados-membros - é politicamente significativo a vários títulos.
Primeiro, mostra que, com poucas exceções, a grande maioria Estados-membros tem um sistema de governo parlamentar, em que o governo é chefiado por um primeiro-ministro (com este ou outro nome). As exceções são o único regime declaradamente presidencialista (Chipre) e os casos de semipresidencialismo em que o Presidente da República é o verdadeiro chefe do executivo (como na França) ou em que pelo menos tem a seu cargo a política externa (Lituânia e Roménia). Manifestamente, Portugal não se conta entre eles, pese embora a usual qualificação do sistema de governo nacional como "semipresidencialista" (o que, aliás, sempre contestei).
2. Em segundo lugar, quando à geografia partidária, estão representados os principais partidos políticos europeus, com exceção dos Verdes.
Curiosamente, os três principais partidos governam o mesmo número de países, com 7 governos, a saber o Partido Popular Europeu (em que se integram os nossos PPD/PSD e CDS/PP), o Partido Socialista Europeu (integrado pelo PS) e os Liberais (sem representação portuguesa). Na cauda da lista vêm os Conservadores e Reformistas (sem representação em Portugal), que governa dois países, e a Esquerda Unida Europeia (de que são membros o BE e o PCP), que governa um país (a Grécia). Há ainda três líderes nacionais dados como independentes. Considerando a composição partidária do Paramento Europeu, constata-se uma sub-representação do PPE e uma sobre-representação dos Liberais.
Por último, é notória a prevalência masculina, visto que só há quatro mulheres nos 28 representantes nacionais.
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O equívoco da "Europa das regiões"
Em primeiro lugar, a União é constitucionalmente uma união (protofederal) de Estados e não de regiões. As regiões só entram na composição do Comité das Regiões, que tem apenas competência consultiva, especialmente quanto à cooperação regional transfronteiriça. Em segundo lugar, a União está obrigada a respeitar a identidade constitucional dos Estados-membros, incluindo em matéria de descentralização territorial interna.
Não há nada nos Tratados que reconheça ou insinue um direito à autonomia regional ou federal dentro dos Estados, muito menos um direito à secessão. O grau de descentralização territorial e de autonomia regional constitui um assunto interno dos Estados-membros, em que a União não deve interferir (salvo quatro estejam em causa os princípios da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos).
2. Esta questão nada tem a ver com a opção por um entendimento "federal" ou "confederal" da UE. No meu caso, embora tendo um entendimento federal da UE e sendo defensor das regiões no plano interno, não compartilho do referido ponto de vista.
Mesmo nos Estados federais, as unidades federadas gozam de autonomia constitucional quanto aos graus e formas de descentralização territorial, podendo haver uma considerável assimetria entre elas. Por maioria de razão assim deve ser no caso da UE. Na União há Estados-membros que são federações (Alemanha, Áustria, Bélgica); há Estados unitários com autonomia político-administrativa das regiões (Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, etc.); e há Estados unitários apenas com autonomia local, que todos têm, mesmo assim em diversos níveis e graus.
A União só pode respeitar estritamente estas opções constitucionais nacionais.
3. Esta opção fundamental da União pelo respeito da autonomia constitucional dos Estados-membros em matéria de descentralização territorial interna também não tem nenhuma relação com o "intergovernamentalismo", que designa a situação em que as competências da União cabem ao Conselho, por vezes por unanimidade, sem intervenção decisória do Parlamento Europeu e da Comissão.
Ora, depois do Tratado de Lisboa a regra é o "método comunitário" - ou seja, iniciativa da Comissão e codecisão do PE e do Conselho, este deliberando por maioria qualificada -, embora várias áreas importantes continuem sujeitas ao método intergovernamental (política externa e de segurança, alguns aspetos da política económica e monetária, etc.). Mas é evidente que a redução ou o eventual abandono do intergovernamentalismo - que eu preconizo - em nada afeta a neutralidade da União quanto à opção dos Estados-membros sobre a sua estrutura territorial.
4. Houve tempo em que a ideia das "Europa das regiões" e de cooperação transfronteiriça ao nível das regiões serviu para alavancar a integração europeia, enfraquecendo o monopólio político interno dos Estados e dos governos nacionais.
Todavia, utilizar a mesma ideia hoje, a propósito da Catalunha, para pôr em causa a soberania dos Estados-membros e defender uma intervenção da União nessa esfera, lá onde os Tratados da União não deixam nenhuma dúvida, é um equívoco inconsequente e perigoso.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Fogos - a solidariedade europeia de que precisamos
Não dá para entender (3)
Decididamente, não dá para entender!...
terça-feira, 24 de outubro de 2017
UE - o mal está cá dentro
Portucaliptal (23): "Oliveiras sim, eucaliptos não!"
contra a eucaliptização do interior. Independentemente do juízo sobre a "ação direta" em causa, são de sublinhar dois aspetos postos em relevo na reportagem:
- o papel direto da indústria de celulose na eucaliptização extensiva do País, em substituição não somente do pinheiro bravo mas também de outras culturas tradicionais, como a oliveira;
- a opção dos governos de Cavaco Silva (que os governos posteriores não inverteram) pela eucaliptização industrial, promovida por ministros pessoalmente envolvidos com a indústria de celulose, com o apoio da CAP.
2. Como escrevo desde então, o Estado foi transformado numa agência ao serviço dos interesses da fileira agro-celulósica contra os interesses do País, uma opção política que redundou em incêndios cada vez mais devastadores e mortíferos, como resultado dessa eucalitização geral do território e do casamento fatal do eucalipto com o pinheiro.
Mas ainda há quem pretenda que as coisas continuem assim, em nome dos rendimentos dos proprietários florestais e dos lucros da celulose (em muitos casos confundidos), como se não houvesse alternativa e como se não houvesse que ponderar os custos para a coletividade. O resto do país paga!
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
O que o Presidente não deve fazer (11)
Independentemente da bondade da ideia, penso que não cabe ao Presidente exprimi-la, e que, portanto, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais uma vez longe de mais. De facto, uma coisa é exprimir a sua opinião sobre a condução das políticas públicas, outra coisa é o Presidente indicar aos titulares de outros órgãos de soberania como devem desempenhar o seu mandato, para mais tratando-se dos deputados, que são eleitos e só respondem perante os eleitores (tal como o Presidente). A recomendação de Belém faz tão pouco sentido institucional como o faria a situação inversa, em que a AR ousasse aconselhar o Presidente sobre o modo de exercício do seu próprio mandato!...
Sob pena de lamentável confusão de papéis, os titulares dos órgãos de soberania, a começar pelo PR, devem observar estritamente a separação de poderes constitucionalmente estabelecida e respeitar a autonomia política e constitucional dos demais.
sábado, 21 de outubro de 2017
Corporativismo (7): Nem mais uma Ordem, sff!
A criação de novas ordens profissionais tem usualmente a sua origem num eficaz lobbying da associação profissional do setor, que consegue o patrocínio, muitas vezes interessado, de alguns deputados, acabando a ideia por obter o apoio acrítico de uma maioria de deputados, eles mesmos já pertencentes a ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, enfermeiros, etc.).
Assim se faz a captura do Estado pelos interesses profissionais organizados!
2. A proliferação neocorporativista de ordens e câmaras profissionais, por via de regra protecionistas e "malthusianas", numa época dominada pela liberalização e concorrência na prestação de serviços profissionais, constitui um dos fenómenos mais estranhos da nossa vida institucional.
Nunca escondi as minhas fortes reservas em relação às ordens profissionais - aliás herdadas do corporativismo do "Estado Novo" e depois recicladas no regime democrático -, por entender que elas conferem um estatuto oficial à representação e defesa de certos grupos profisionais, já de si os mais poderosos, e proporcionando-lhes, através da inscrição e da quotização obrigatória, um enorme poder de ação e de influência contra o próprio Estado.
Não surpreende que quase todas as ordens profissionais tendam a esquecer ou a desvalorizar as suas funções oficiais (regulação, supervisão e disciplina da atividade profissional e defesa dos direitos dos utentes) e dediquem os seus meios, mais poderosos do que os dos sindicatos, à defesa dos interesses económicos e laborais da corporação, incluindo pelo patrocínio ou apoio a greves!.
Não admira, por isso, que, prevendo a lei que as ordens profissionais possam nomear um provedor dos clientes/utentes, NENHUMA o tenha feito!
3. Não são precisas as ordens profissinais para haver autorregualção e autodisciplina profissional, que sempre defendi. Esta pode ser efetuada, com vantagem, por conselhos reguladores, compostos por representantes eleitos pela profissão e presididos por uma personalidade independente, nomeada nos mesmos termos que os presidentes das autoridades reguladoras da área económica.
A diferença essencial é que tais conselhos não teriam as funções de representação e defesa oficial de interesses profissionais, designadamente económicos ou laborais, os quais se manteriam remetidos para a esfera das associações profissionais ou sindicais privadas, ao abrigo da liberdade de associação, como sucede com as demais profissões.
É tempo de acabar com o privilégio corporativo das "profissões ordenadas", que viola o princípio da igualdade e o princípio da separação entre o Estado e os interesses privados.
Que pague os riscos da floresta quem lucra com ela!
Os benefícios económicos vão para os proprietários florestais e, em especial, para a indústria de celulose, uma das mais lucrativas atividades económicas do País; mas uma parte importante dos custos dessa atividade económica, os da prevenção e combate aos fogos florestais e de indemnização das suas vítimas, recai sobre o Estado e sobre os contribuintes, uma despesa anual de mais de 100 milhões de euros.
Lucros privados, custos públicos!
2. Tal como sucede em relação às "externalidades" associadas às atividades poluentes (princípio poluidor-pagador), importa "internalizar" os referidos custos na fileira agro-industrial da celulose, imputando-os aos seus beneficiários, ou seja, os produtores florestais e a indústria de celulose (que, aliás, é grande produtora florestal, num regime de "integração" vertical da fileira).
Defendo, por isso, que pelo menos os custos orçamentais com a defesa e proteção da floresta contra incêndios sejam suportados por um adicional ao IMI sobre as florestas e por uma contribuição especial das empresas de celuloses (mais justificada do que as contribuições especiais exigidas aos bancos ou às empresas de energia).
Os contribuintes em geral não têm de pagar os riscos crescentes da economia agro-celulósica (que se estão a tornar também um pesado risco orçamental). E equanto não trocarmos de floresta, abandonando a errada opção nacional (que vem do "Estado Novo") por uma floresta industrial de matas extensivas de pinheiro bravo e eucalipto (como defendi anteriormente), não há nenhuma razão para fugir ao princípio beneficiários-pagadores!
Adenda
Sem contar as indemnizações às vítimas pessoais, ainda por apurar (mas que certamente atingirá um valor elevado), o montnte alocado para a reparação de prejuízos patrimoniais (casas, culturas, empresas) dos dois grandes incêndios deste ano chega a perto dos 400 milhões! Contribuinte paga!
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
Novo ciclo político?
Penso que sem razão.
Sendo eu insuspeito de qualquer simpatia pelo ativismo presidencial, devo dizer que não me surpreendeu (salvo talvez na dramatização da linguagem) a admoestação política ao Governo quanto à reação à tragédia aos fogos florestais, que revelou várias fragilidades, nem o desafio sobre a clarificação do apoio parlamentar ao Governo, dada a ambiguidade do compromisso político revelado em especial pelo PCP (incluindo na reforma florestal e na política de prevenção e combate aos incêndios). Como "supervisor" independente do sistema político e "árbitro" do seu funcionamento, o Presidente não governa nem cogoverna (nem, muito menos, "contragoverna"), mas tem um poder de conselho, de alerta e, mesmo, de advertência política em casos justificados.
2. É claro que pela primeira vez, o PR se demarcou politicamente do Governo e de forma ostensivamente pública, o que pode alterar o propício e benévolo ambiente político de que o executivo tem beneficiado e fragilizar a sua posição.
Mas também é certo que no nosso sistema constitucional os governos não precisam de apoio presidencial e que, se tiverem um sólido apoio parlamentar, podem mesmo conviver com a inamistosidade presidencial, como sucedeu no passado com vários governos.
Para saber se estamos perante um "novo ciclo" na vida do Governo de António Costa, como muitos observadores entendem, há que verificar se ele consegue reforçar o grau de compromisso político dos parceiros da protomaioria parlamentar (no que a moção de censura do CDS pode ajudar...), e a que preço, e se a desafeição de Belém é pontual ou se veio para ficar.
Falsas "geringonças"
Não é bem assim, porém! O que confere inusitada originalidade à atual solução governativa portuguesa, em termos comparados, não é somente o facto de ela ter sido constituída contra a coligação eleitoral que ganhou as eleições (e contra o partido mais representado no parlamento) e de associar partidos até agora desavindos. É também, e sobretudo, o facto de ela assentar num imaginoso arranjo político, que consiste num governo minoritário do PS, sustentado num acordo parlamentar com o BE e o PCP, que preferiram, porém, não entrar no Governo, a fim de não se comprometerem integralmente com o seu programa e com as suas políticas, ficando com as mãos livres para se demarcarem de algumas decisões governamentais (por exemplo, disciplina orçamental e política europeia) e permitirem ao Governo, em compensação, obter o apoio da oposição de direita para fazer aprovar certas medidas contra os seus aliados parlamentares!
2. É esta geometria variável de um governo minoritário dependente do apoio ambíguo e descontínuo dos seus aliados parlamentares que permite qualificar apropriadamente a atual solução governativa portuguesa como uma espécie de "geringonça" institucional, no sentido de ser uma construção assaz improvável - pela sua complexa arquitetura e inusual engenharia - e de, apesar disso, funcionar.
Não banalizemos, portanto, essa qualificação, aplicando-a a outras soluções governativas, como os governos de coligação que excluem o partido vencedor, as quais são perfeitamente conformes à lógica do funcionamento dos sistemas de governo parlamentar e não são coisa assim tão invulgar lá fora, desde a experiência em algumas comunidades autónomas espanholas até este caso neozelandês (com o "picante" de nos antípodas a coligação incluir os socialistas, os verdes e... a direita populista!).
Adenda
Aposto que na Nova Zelândia, o Partido Nacional, que foi afastado do poder apesar de ter ganho as eleições (com 44%!), não vai contestar a legitimidade política do novo Governo, liderado pelo Partido Trabalhista (com 37%), como lamentavelmente aconteceu entre nós em 2015 por parte do PSD e do CDS, numa lastimável demonstração de incultura democrática.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
"Os interesses do grande capital"
Antes de mais, a baixa do IRC é perfeitamente defensável de um posto de vista de esquerda (que é o meu), tendo em conta os benefícios associados à maior competitividade da economia nacional e à atração de investimento direto estrangeiro (como refiro no citado post). Foi seguramente por isso que o próprio PS acordou em 2013 com o então Governo uma redução desse imposto (e o facto de posteriormente ter retirado apoio a essa medida não altera o juízo positivo sobre ela).
Em segundo lugar, os lucros das empresas têm dois destinos: (i) ou são reinvestidos na empresa, o que é bom, e portanto não vão para os bolsos do "grande capital"; (ii) ou são distribuídos em dividendos pelos acionistas, que nessa altura pagarão IRS por esse rendimento, cuja taxa no caso português (28%) é ainda mais elevada do que a taxa do IRC.
Portanto, em qualquer caso, a baixa do IRC pode bem servir o interesse público!
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Magistratura presidencial
Mas nada impede que, no uso de uma ponderada "magistratura de influência" presidencial (na fórmula de Mário Soares), que a Constituição não exclui, o PR se permita aconselhar ou, mesmo, emitir advertências políticas ao Governo, quer quanto a políticas governamentais quer quanto à equipa governativa, as quais, em circunstâncias excecionais, podem ser ser feitas publicamente, como ontem sucedeu, a propósito da tragédia dos fogos florestais.
2. De resto, o atípico e assertivo discurso presidencial de ontem parece marcar o início de um novo ciclo, menos sintonizado, nas relações entre Belém e São Bento. Seja como for, pelo seu tom e pelo seu conteúdo propositivo, explícito e implícito, a alocução presidencial pode ter mais impacto político do que a moção de censura do CDS, naturalmente destinada ao insucesso no combate entre o Governo e a oposição de direita na arena parlamentar.
O mínimo que se pode dizer, nas atuais circunstâncias, é que seria politicamente imprudente o Primeiro-Ministro não tomar na devida consideração as sentidas preocupações do PR, que manifestamente são compartilhadas por muitos cidadãos e pela opinião pública em geral...
Orçamento (VII): Voltar ao mesmo
É positivo, mas é muito pouco. Um diferencial de crescimento daquela magnitude deveria traduzir-se num défice muito menor e numa redução bem maior da dívida pública, como aqui anotei.
2. A explicação para esta frustrante falta de ambição está obviamente em que a maior parte da folga orçamental adicional foi consumida em mais despesa pública, sobretudo despesas com pessoal e com transferências sociais, que sobem significativamente em relação ao montante orçamentado (mais uns 800 milhões!), voltando à trajetória ascendente de antes de 2008.
Ora, por se tratar de despesa rígida, não reversível, este considerável aumento do peso orçamental da despesa pública com pessoal e com gastos sociais - e não com investimento público! - não é propriamente aconselhável quando a consolidação orçamental está longe de terminada (sobretudo em termos estruturais) e o montante da dívida externa continua a aumentar.
Adenda (21/10)
Poucas vezes concordo com as opiniões de Nicolau Santps no suplemento económico do Expresso. Faço uma exceção para subscrever a sua opinião de hoje, de que o projeto de orçamento de 2018 é uma "festa" (para as bases eleitorais da esquerda) e um "risco" (para o país).
Responsabilidade política (II)
Acresce que, constitucionalmente, em caso de moção de censura da oposição, o Governo só cai automaticamente se ela for aprovada por maioria absoluta, o que protege normalmente os governos minoritários. No nosso caso, isso só ocorreu uma vez, em 1987, quando uma "coligação" ocasional da esquerda parlamentar com o então PRD fez cair o 1º Governo de Cavaco Silva, não conseguindo depois formar um governo alternativo, o que abriu caminho à primeira maioria absoluta do PSD.
2. Na situação atual, não podendo a oposição conjunta CDS-PSD derrubar o Governo, a aliança parlamentar que lhe deu origem não pode deixar isolado o PS e permitir a sua derrota politica (por ter menos deputados do que a direita), o que tornaria a posição do Governo politicamente insustentável, pelo que, tal como sucedeu há dois anos na moção de rejeição do programa de governo, o BE e o PCP terão de alinhar numa frente unida na rejeição da moção de censura do CDS, assim reeditando a confiança parlamentar no Governo. (A "Geringonça" não serve só para sacar dividendos orçamentais...).
Muitas vezes, as moções de censura acabam por reforçar politicamente os governos. Assim funciona a democracia parlamentar!
3. No nosso sistema constitucional, a responsabilidade parlamentar do Governo é coletiva ("solidária"), protagonizada pelo Primeiro-Ministro, não havendo moções de censura dirigidas individualmente contra ministros em concreto (mesmo se centradas sobre uma certa política governamental). Os ministros só são individualmente responsáveis perante o Primeiro-Ministro, não perante o parlamento.
A experiência doméstica e comparada mostra que, habitualmente, não é quando o Governo está sob fogo da oposição que os chefes de Governo despedem os seus ministros. Por isso, mesmo à custa de algum desgaste político, as moções de censura podem acabar por levar os governos a cerrar fileiras, em caso de ataque focado sobre um dos seus membros.
Na democracia parlamentar, as moções de censura podem ser "paus de dois bicos".
Orçamento (VI): "Lisbon first"
Continuo a não me conformar com esta situação, como tenho defendido ao longo de muitos anos! É tempo de libertar o orçamento de Estado desse nutrido encargo espúrio!
2. De facto, num país decentemente ordenado os transportes urbanos não devem ser responsabilidade do Estado central mas sim responsabilidade municipal ou intermunicipal (como, aliás, sucedia até 1975), ao abrigo dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade. O argumento que serviu (e bem!) para remunicipalizar os transportes rodoviários de Lisboa e do Porto (Carris e SNTP) - ou seja, o de que a gestão municipal é mais apropriada e mais consentânea com os referidos princípios - vale inteiramente para a rede de metropolitano.
De resto, não se percebe como é que se podem coordenar efetivamente os dois modos de transporte numa cidade, se a gestão e a responsabilidade pelos investimentos estiver separada!
3. Não existe nenhuma razão para que os contribuintes do resto do país, desde Caminha a V. Real de Sto. António, que já pagam os seus próprios transportes urbanos (quando os têm!) como responsabilidade dos seus municípios, tenham de subsidiar também os de Lisboa e do Porto, dispensando os seus beneficiários desse encargo. Trata-se de uma verdadeira espoliação dos pobres pelos ricos!
Agora, que está na agenda política um ambicioso pacote da descentralização territorial, considero um escândalo que o Estado continue a assumir o investimento desse modo de transporte urbano das duas principais e mais ricas cidades do País.
Contradições que o atavismo centralista tece!...
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Responsabilidade política
A responsabilidade do poder político e dos seus titulares não se resume à indemnização pública aos lesados pelos danos sofridos ("responsabilidade civil" do Estado), estendendo-se naturalmente à responsabilidade política - que em última instância se traduz na perda do cargo -, quer diretamente pelos atos próprios, quer pelas falhas dos serviços sob sua direção ou tutela, por culpa na escolha dos subordinados (culpa in eligendo) ou na sua direção ou superintendência (culpa in vigilando).
Como sói dizer-se (apropriadamente, aliás), em casos desta gravidade, "a culpa não pode morrer solteira", nem a responsabilidade pode ficar sem dono.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Floresta assassina (bis)
Com a devastadora perda de tantas vidas humanas no mesmo ano, o problema dos fogos florestais já não é apenas de ordenamento, limpeza e vigilância das florestas. Com a mudança climática a somar-se à inexoravel desertificação humana das zonas rurais, o que começa a tornar-se claro é que deixámos de ter condições logísticas para manter o país transformado numa extensa mata quase contínua de pinheiro bravo e de eucalipto ao serviço da indústria da celulose (na imagem a inquietante carta de risco de incêndio já em 2005).
2. Chegou o momento de questionar se queremos pagar um preço tão alto em vidas humanas e em inglório investimento na prevenção e combate aos incêndios, para tentar manter, com insucesso crescente, uma floresta industrial cada vez mais inadequada às condições orográficas, climáticas e humanas do País, em vez de equacionar corajosamente o regresso ao antigo coberto florestal de espécies autóctones, como o carvalho, o castanheiro, o sobreiro, a azinheira e outras, muito menos vulneráveis aos fogos florestais.
Os interesses identificados com a floresta industrial são poderosos e não são dados a escrúpulos na pressão sobre o poder político. Mas até quando é que estamos preparados para assistir sem revolta a dias de desespero como o de ontem?!
Sorte trocada
Houvesse opção, e os portugueses trocariam de bom grado...
Orçamento (V): Impostos virtuosos
2. Começando pelos agravamentos fiscais, o aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas e sobre alimentos com excesso de componentes nocivos para a saúde (sal, etc.) têm um efeito dissuasor sobre o seu consumo, que já se mostrou eficaz no caso das bebidas excessivamente açucaradas. Só não se percebe a não inclusão do vinho, tanto mais que o setor vai bem e se recomenda.
O aumento do imposto de selo sobre o crédito ao consumo e dos impostos sobre o automóvel visam travar a bolha de compras a crédito, que afeta negativamente a balança comercial externa, como aqui se notou. Só é de estranhar não haver medidas para restringir o excesso do crédito à habitação.
O agravamento da taxa sobre o carvão das centrais elétricas sistémicas visa dissuadir o seu uso, dados os seus custos ambientais. Mas o melhor mesmo era encerrá-las!
3. Quanto a incentivos fiscais, a redução do IRC nos casos de investimento de lucros e de aumentos de capital corrigem uma distorção que favorecia o financiamento empresarial com recurso ao crédito e pode ajudar a minorar o défice de reinvestimento e de capitalização das empresas nacionais.